quarta-feira, agosto 16, 2006

O Ministério Público na Justiça Penal

(texto da autoria de Francisco Pereira Pinto, datado de Setembro de 2005 - este texto não foi revisto pelo autor)

Art.º 219 CRP – Funções e Estatutos ( representar o Estado; participar na execução da política criminal; exercer a acção penal orientada pelo principio da legalidade e defender a legalidade democrática ) + Art.º 1 EMP
De forma genérica, poderes do M.P. no âmbito do C.P.P. (Art.º 53 n.º2 CPP) :
receber denúncias, as queixas e as participações e apreciar o seguimentos a dar-lhes.
Dirigir o inquérito
Interpor Recursos
Promover execução de penas e medidas de segurança
Deduzir acusação (sustenta-la na instrução e no julgamento, sempre adstrito aos principio da legalidade e da objectividade ) ou arquivar o inquérito.
Princípio da oficialidade – impulso para investigar as práticas de infracções penais e a decisão de deduzir ou não acusação, cabe ao MP. com excepção dos crimes semi-públicos e particulares.– Art.º 219 n.º 2 C.R.P
Princípio da legalidade – imposição de abertura do inquérito após qualquer noticia de crime – Art. 219/1 CRP + Art.º 48 CPP +Art.º 262/2 CPP ( reporta-se ao regime especial dos crimes semi-públicos – art.º 49 CPP- e dos crimes particulares – Art.º50 CPP, em que o exercício da acção penal pelo M.Pº e a legitimidade deste se encontram condicionados, no primeiro caso à prévia queixa e no segundo à queixa, constituição de assistente e dedução de acusação).
(Significa que o MP não deve actuar no exercício das suas funções movido por critérios de oportunidade e de conveniência, pois se assim não fosse poderia exercê-las atendendo a outros critérios, designadamente de ordem política. ) – Está sempre vinculado a critérios de objectividade, imparcialidade e de vinculação à lei, na descoberta da verdade e realização do direito.
- Vantagens- não há lugar a tentações de parcialidade, de jogos de interesses e de politização do MP
- Desvantagens – Falta de equidiferença numa visão de interesse e relevância na ordem social.

Corolários do principio da Oportunidade- – sendo certo que é sempre influenciado pela objectividade e imparcialidade que decorrem da própria verificação, em concreto, dos pressuposto:.
a. Arquivamento em caso de dispensa da pena- Art.º 280 CPP
b. Suspensão provisória do processo – Art. 281
( em ambos os casos é necessário a concordância do juiz , e no segundo, tb do arguido e do assistente se o houver.)
Art.º 263 – Direcção do Inquérito - por vezes fictícia – basta observar - 1.º - a constituição de arguido pode ser efectuado por órgãos de policia criminal e não apenas pelo MP; 2.º possibilidade de delegações genéricas do MP nos órgãos de policia criminal., que permite que o inquérito de desenrole à revelia do MP, que incompatível com o art. 219 n.º 1 CRP.; passividade do MP nos crimes particulares pois limita-se a notificar o assistente para deduzir acusação particular podendo acompanhar ou não essa acusação.
O M.P. é um sujeito processual! O processo penal é um processo de sujeitos e não de partes – Antinomia - o dever de deduzir e sustentar efectivamente a acusação e a sua vinculação aos critérios de objectividade, patente na alínea d) do n.º 2 do art.º 53 do CPP
Superação – Principio de igualdade de armas entre defesa e acusação que estabelece uma proibição de restrição das garantias de defesa. ( Sacrifício relativo dos direitos processuais do M.P. enquanto acusador ) Questão duvidosa – art.º 263 CPP- inquérito – fase processual sujeita a segredo de Justiça e não valendo o princípio do contraditório ( excepção art.32/5 CRP e 271 CPP) art.º 310 n.º1 CPP – irrecorribilidade do despacho de pronúncia concordante com o despacho de acusação tendo em conta q o despacho de não pronúncia é sempre recorrível – ( anotação minha - Simas Santos – é indiscutível que uma acusação do MP, convalidada pelo JIC não deixará de constituir uma forte indiciação que só deve ser discutida em julgamento – Figueiredo Dias- se o JIC e o MP estão de acordo então existe um mínimo indispensável à realização do julgamento; TC – compatibilidade com os art 13 e 32 CRP, pois despacho de pronúncia não põe fim ao processo ao contrário do despacho de não pronúncia.

Escutas telefónicas

(texto da autoria de Nuno Negrão, datado de Novembro de 2005 - este texto não foi revisto pelo autor)

São essencialmente um meio muito enérgico de obtenção ou aquisição de prova, o que, correspectivamente impõe limites de necessidade e proporcionalidade no seu uso.
Não deixando, contudo, de ser um instrumento legítimo de investigação e intervenção legal e, como tal, emanação ou figura também do próprio Estado de Direito, resulta desde logo da Lei Fundamental, na letra do seu Art 34º que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, ressalvando os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
Mas neste mesmo artigo se não deixa de tomar posição forte contra ingerências, erigindo a direito fundamental no nº1 a inviolabilidade dos meios de comunicação privada, sendo que a excepção, as normas legais que permitem a realização de intercepções nas comunicações deverão, à luz do texto constitucional, ser lidas com interpretação pouco mais que restritiva.
Assim o impõe o Art 18º n2 da mesma sede: apenas quando a própria Constituição o preveja pode a Lei comprimir Direitos Fundamentais, na exacta medida do necessário à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Esta será a ponderação que permanentemente preside ( pelo menos idealmente ) à consideração e uso das escutas telefónicas que, não deixam, mesmo assim, de ser um meio lesivo de desígnios Fundamentais. O que desaconselha a ligeireza.
Desde logo, são um meio subsidiário e, nessa medida excepcional, de ajuda à criação da verdade processual: o seu valor imediato surge enquanto base de investigação, lugar de prova, conquanto dirigem a atenção à recolha de elementos probatórios, revelando para além do tempo e do lugar o modo como os factos se verificam. Nesta acepção, são um meio posterior ou subsequente, embora não o pareçam.
Isto assim é porque apenas poderão ser autorizadas ou ordenadas escutas telefónicas se:
Após a recolha probatória “normal” ou comum, ou por prognose probatória, se possam revelar de grande interesse para a descoberta da verdade material. Ou mesmo por nenhuma das outras diligências probatórias propiciar esse desiderato.
O que não se pode, sob pena de leviandade, confundir com a dificuldade ou superior custo das outras diligências, pois não se pagam esses custos a expensas ou à custa da limitação do exercício de direitos fundamentais. Ser infrutífero ou incomportável são conceitos distintos. E esta mesma cautela aconselha o parecer da nº 91/92 de 30 de Março da P.G.R..
A realização de escutas telefónicas visa a descoberta da verdade quanto a factos denunciados, isto é: pressupõe a abertura prévia de inquérito sem o qual não podem ser, ou de outra sorte, no qual são autorizadas. Não se revestem, portanto, de carácter pré-processual, preventivo ou premonitório, de antecipação – porque são a excepção - àquilo de que deverão ser complemento: a prova e, insiste-se apenas quando se revelarem de grande interesse para a descoberta da verdade material.
Tempo então de delimitar o campo “temático” de aplicação das escutas telefónicas. Desde logo o requisito material legal: os crimes de catálogo, isto é: os taxativamente vertidos no Art. 187º nº1, ou seja: apenas quando estejam em causa crimes:
Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
Relativos ao tráfico de estupefacientes;
Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
De contrabando; ou
De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz ou do sossego, quando cometidos através de telefone;
cumulado com o requisito já enunciado da idoneidade a servir a descoberta da verdade material. Dir-se-á que deverá mesmo ultrapassar um outro requisito de índole algo íntima ou reservada: deverá ultrapassar o simples estado de fé, apresentar-se como efectivamente valiosa à acção penal, equilibrando o seu pontencial probatório com o potencial lesivo com que não deixa de se revestir.
Daí que apenas o juiz de instrução criminal – o juiz das liberdades - as possa ordenar ou autorizar, como decorre do Art. 269º nº1 c), 17º e 187º, todos, do Código de Processo Penal, por despacho, segura e ponderadamente, fundamentado nos termos do Art. 97º nº1 e 4 b) da mesma sede.
Ordenará e autorizará a intercepção durante a fase de inquérito a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do assistente e mesmo do arguido, cfr. Art. 269º nº 1 c) e 2, com referência ao nº 2 do Art. 268º.
Também, assim o fazendo, se de admitir, na fase de instrução, logicamente, no âmbito do seus poderes inquisitórios e de acordo com o princípio da investigação – Art. 288º nº4 e 289º - .
Na fase de julgamento, será o juiz do julgamento que determinará a sua realização se, por hipótese, surgir. ( 323º )
Saliente-se que, nos termos do nº2 do Art. 187º, a ordem ou autorização poderá ser solicitada ao juiz do lugar onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica – outro juiz que não o naturalmente competente, o do processo – quando se tratem dos crimes que ofendam, de modo geral, bens jurídicos eminentemente públicos.
De sorte negativa, surge a proibição material de escuta o intercepção de conversas entre o arguido e o seu defensor – nº 3 Art. 187º - excepto quando constituam objecto ou elemento de crime mas, não qualquer crime! Leia-se o nº3 com o nº1!!! Costa Andrade reputa também a salvaguarda, quanto a escutas, das demais “relações de segredo e confiança”, sendo que os portadores do segredo profissional só poderão ser alvo de escuta em relação a conversações nos mesmos termos que aquelas entre arguido e defensor.
Germano Marques da Silva, por seu turno, concretiza esta ideia da defesa do segredo profissional, relativamente às pessoas enumeradas no Art. 135º do CPP.
Formalmente, os aspectos relativos às escutas telefónicas circunscrevem-se à:
Exigência de inquérito, Art. 262º nº2 cpc, na medida em que os cidadãos escutados são aqueles contra quem hajam sido denunciados factos que constituam crime assentes em suspeita alicerlçada – sem míngua de indícios – da sua prática. E a não abertura de inquérito, que ocorre com o despacho de abertura, gera nulidade insanável, com os seus efeitos impeditivos, nos termos do Art. 119º b); diferentemente o reputou o Ac. da Relação do Porto de 19-06-91, Cj XVI, 3, pág 277, quando se disse que “iniciando-se o processo criminal com a denúncia ou queixa do crime, a não abertura de inquérito constitui, no caso, mera irregularidade, susceptível apenas de importar responsabilidade disciplinar para o Ministério Público” e no âmbito de “averiguações sumárias” por parte da autoridade policial admitiu que pudesse esta requerer ao MP a realização de escutas, a requerer ao Juiz de Instrução, mesmo previamente à promoção do inquérito.
Por isso e, em súmula, ao caso cabe, atender às conclusões do Parecer 91/92 de 30 de Março, veiculadas pela Circular da P.G.R. 7/92 de 27 de Abril:
1.ª - A Constituição da República Portuguesa reconhece em regra aos cidadãos o direito à palavra e à comunicação que constitui lógico corolário do direito à liberdade individual (artigo 26.º, n.º 4);
2.ª - Só a necessidade social da administração da justiça penal justifica a compressão, nos termos da lei, do direito dos cidadãos à palavra e à comunicação (artigos 34.º, n.º 4);
3.ª - O procedimento de intercepção telefónica ou similar consubstancia-se na captação de uma comunicação entre pessoas diversas do interceptor por meio de um processo mecânico, sem conhecimento de, pelo menos, um dos interlocutores;
4.ª - A obtenção de provas relevantes para o processo penal através de escuta telefónica ou similar é susceptível de afectar não só o estatuto processual do arguido ou do suspeito como também o direito individual à comunicação através da expressão verbal de quem nada tem a ver com a motivação da escuta, incluindo situações cobertas pelo segredo legal;
5.ª - Daí que, na limitação do referido direito deva estar sempre presente o princípio da menor intervenção possível, de que são corolários aqueloutros da necessidade, adequação, e da proporcionalidade entre as necessidades de administração da justiça penal e a danosidade própria da ingerência nas telecomunicações;
6.ª - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas ou similares só deve ser ordenada ou autorizada pelo juiz sob o seguinte condicionalismo:
- estarem em causa crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos, ou relativos ao tráfico de estupefacientes, a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas, ao contrabando, ou de injúrias, ameaças, coacção ou de intromissão na vida privada quando cometidos através de telefone;
- revelar grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
7.ª - O processo penal comum inicia-se com abertura da fase de inquérito, cujo objecto se consubstancia nas diligências tendentes a investigar a existência de infracções criminais, determinar os seus agentes e respectivas responsabilidades e a descobrir e recolher as provas com vista à decisão do Ministério Público sobre o exercício ou não da acção penal (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
8.ª - A fase processual de inquérito tem de iniciar-se logo que haja aquisição da notícia da existência de uma infracção criminal idónea à formulação de um juízo objectivo de suspeita sobre a sua verificação;
9.ª - A obtenção de prova por meio de escutas telefónicas ou similares só é susceptível de ser judicialmente autorizada a partir do início da fase processual de inquérito nos termos da conclusão anterior."
No que concerne às formalidades das operações, rege o Art. 188º e, aqui dir-se-á temerariamente que a figura das escutas perde o atavio.
Da intercepção e gravações de comunicações telefónicas deve ser lavrado auto, o qual deve ser imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que houver ordenado ou autorizado as operações e acompanhado com as fitas gravadas ou elementos análogos – hoje em dia, o CD – e com a indicação das passagens respectivas relevantes para a prova, sem prejuízo do órgão de polícia criminal que proceder à investigação – por norma o mesmo que executa a intercepção – se inteirar previamente do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelare necessários e urgentes para assegurar os meios de prova – nº 2 art. 188º : quer isto dizer que, a prova será algo mais que a intercepção em si.
Daqui, o juiz de duas uma:
Ou considera os elementos recolhidos – inteirando-se do conteúdo da intercepção – ou alguns deles, relevantes para a prova e ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo;
Ou não os considera relevante para a prova, ordenando a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
Da singeleza escrita deste artigo, derivam os confrontos de razões que tornam as escutas telefónicas em tudo, menos, pacíficas.
A começar pelo termo imediatamente:
Ora tido como devendo ser entendido no sentido de “no tempo mais rápido possível” – também influenciado por meios humanos – vaticinando-se que o seu desrespeito possa, eventualmente (!), dar lugar a um pedido de acelaração ou a procedimento disciplinar, mas nunca a uma nulidade. Ac. Rel Lisboa de 16-08-96, Cj, ano XXI, tomo IV, pág. 156.
Ora interpretado constitucionalmente, no sentido de a expressão “imediatamente” ter de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo Juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem e, de forma alguma, “imediatamente” poder significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodods de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo, e tal acompanhamento faz-se, precisamente, com a informação ao Juiz, por parte da Polícia Judiciária e do Ministério Público, dos resultados de tais escutas, bem como da necessidade, ou não, da sua manutenção, com os consequentes pedidos de prorrogação do prazo para as intercepções e gravações, em caso afirmativo.
O que importa é que o Juiz acompanhe de perto e controle a colheita e o conteúdo do material gravado, como surte do teor do Ac. do Trib. Const. nº 407/97, de 97.05.21, BMJ 467-199: o Acórdão fundou o seu juízo de inconstitucionalidade, por viola­ção do disposto no n.º 6 (actual n.º 8) do artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP “quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhe­cimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempada­mente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a ma­nutenção ou altera­ção da decisão que ordenou as escutas”

Recentemente, a pretexto de não curar do termo “imediatamente”, esta concretização de acompanhamento foi posta em crise, em aresto do Tribunal Constitucional, de 25 de Agosto de 2005 (proc. 487/05, 2.ª Secção, Relator: Cons. Mário Torres) - cfr. texto integral no site do TC – que decidiu «não julgar inconstitucional a norma do ar­tigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, deter­minada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de tex­tos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Po­lícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos».
Diz ainda: "Em rigor, a selecção dos elementos a transcrever é necessariamente uma primeira selecção, dotada de provisoriedade, podendo vir a ser reduzida ou ampliada. Assiste, na verdade, ao arguido, ao assistente e às pessoas escutadas o direito de examinarem o auto de transcrição e exigir a retificação dos erros de transcrição detectados ou de identificação das vozes gravadas. (...) A aceitação (....) torna puramente formal a pretensa irregularidade, que de modo algum pode ser considerada como pondo em risco os valores prosseguidos."
Ou seja: o conhecimento prévio do conteúdo das intercepções por parte do órgão de polícia criminal que procede à investigação, passa a regra, aproveitando não apenas a assegurar os meios de prova em acto cautelar e urgente mas também, aproveitando à conformação processual do inquérito que, parece, a decide. Relembro a advertência à interpertação não mais que restritiva das normas legais acerca das escutas determinada pelo Art. 18º nº2 da Constituição! A decisão de junção é jurisdicional, carrega um juízo de ponderação de garantias constitucionais que sempre tem de ser feito! E a admitir-se esta prática, sagra-se o costume em parte contra , noutra praeter, legem (!) que se calhar não se basta com o controlo posterior por banda do arguido... Não se esqueça a proibição de inversão do ónus da prova...
O auto de intercepção trata‑se, nos termos da lei, de um instrumento de registo presencial de actos processuais no respectivo circunstancialismo de tempo, modo e lugar, com vocação para produzir fé pública.
A fim de determinar a relevância ou irrelevância do conteúdo das gra­vações para a prova dos factos penalmente ilícitos que são objecto do processo, tem o juiz, naturalmente, de o conhecer.
O conhecimento do conteúdo das gravações pelo juiz implica necessa­riamente a prévia realização das operações de audição das comunica­ções tele­fónicas interceptadas só após o que a transcrição é ordenada, atento o Art. 101º do CPP.
Nos termos do artigo 189.°, todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.° e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade. As nulidades insanáveis são as que, taxativamente, são definidas nas alíneas a) a f) do artigo 119.º, além das que como tal forem cominadas em ou­tras disposições legais.
Ante o silêncio legal acerca da caracterização da nulidade, enquanto tal, no artigo que ora se considera, é entendimento pacífico que seja a falta de autorização judicial nulidade insanável, aconselhada na lei constitucional, porque obtida com abusiva intromissão nas comunicações; Germano Marques da Silva, discute-a mesmo em sede de proibição de prova, nos termos do Art. 126º.
No que concerne à apresentação ao Juiz e à transcrição, às formalidades das operações, já o entendimento não é unívoco, ora se considerando que se cuida de nulidades sanáveis e, por isso, dependentes de arguição por mera falha de procedimento, ora se consignando que os resultados das intercepções telefónicas, para serem valorados como meio de prova, carecem da indicação no auto de transcrição das escutas que o Juiz tenha procedido à escolha de todo o material probatório transcrito e resultante dessas escutas, e consequentemente a ter ordenado: que revelem o acompanhamento e controle por parte do garante das Liberdades.
Aceitar que as peças referentes às escutas omitam ou não denotem o controlo efectivo por parte do Juiz de Instrução, não aquilitando da sua idoneidade, da sua necessidade ou mesmo da sua cessação ou manutenção, representa restrição de direitos liberdades e garantias que não se compadece com a letra do Art 18º da Lei Fundamental. Exactamente aqueles ( direitos ) cuja salvaguarda se exige ( nesse mesmo artigo 18º ) aquando da autorização da intercepção. Para valer por todo o tempo em que decorra a diligência!
Por compressão pontual e não fatal exaurimento! E onde a Lei não distingue... Porquê alterar nesta altura o critério? Esquecendo o quadro em que a intercepção foi autorizada? Há-de ser o mesmo! E se assim é, pouco importará discutir a modalidade deste vício...
Uma explicação possível para isto, será aquela que reconhece que a garantia que o Juiz de Instrução encabeça, encontrará o correspectivo esvaziamento da competência do Ministério Público enquanto dominus do inquérito, que pode inclusivamente ver ordenada a destruição de elementos que, não tidos por relevantes pelo JIC, o são! no contexto de outras diligências de inquérito. Fazendo-se perigar, com esta garantia, a descoberta da verdade material que incumbe ao Tribunal!
Só que a abstenção de proceder a esta selecção não se apresenta melhor prática, acarreta desconfiança perniciosa ao trabalho da Justiça: (a nós que sabemos, náo nos preocupa), mas aos olhos dos cidadãos pode parecer que os trechos que beneficiassem o arguido ( ou seja: a verdade! ) pudessem também eles vir a ser deixados de apreciar e a verdade processual ser a verdade parcial da Polícia! Ideia que o próprio 188º inculca... Haverá de ser matéria a rever... Mas que exige cautela.

Ponto diverso se prende com a temática do conhecimento fortuito. Dos factos não previstos ou indiciados aquando da autorização da escuta e que constituam crime ou mesmo o conhecimento de novos autores.
Desde logo, são notícia de crime. Nada impede, que deles se dê conhecimento e que se promova inquérito, contanto cuidar-se de crime pelo qual o MP possa proceder. O que não pode, pelo menos geralmente, é ser usado como prova! Não deixando, contudo, de ser base de investigação.
Se cair no âmbito de factos pelos quais fosse possível obter autorização para realiazação de escutas, já o seu valor probatório será de admitir. Cfr Ac Stj de 23 de Outubro de 2002, atentos os requisitos legais! Podendo-se, eventualmente, discutir da exigibilidade de conexão de processos...
As consequências ocorrerão a jusante, a par do valor que as escutas ditas regulares representam. Entramos então na real valia das escutas...
Disse já, serem complementares. Acrescento que são parcelares! E insubstituíveis! Não raras vezes o que fazem é elucidar o modo de execução dos factos criminosos: nomeadamente dando conta do grau de organização dos seus agentes, da extensão com que operam, do método, de aspectos que, se por si só não justificam a pena, influem sobremaneira na sua medida.
As escutas não permitem afirmar a realidade de cada uma das concretas ocorrências que indiciam, para além daquelas que eventualmente deêm origem a operações que culminem com a apreensão de objectos ou com a detenção de pessoas, mas que não deixam de indiciar que durante o lapso de tempo considerado na exposição dos factos provados se concretizaram factos semelhantes e anteriores, revelando o modo de habitualidade, que se vem a confirmar, a título de exemplo, com a ponderação de rendimentos que injustificadamente os arguidos possuam, pensando nos casos de narco-trafico.
Não são as escutas extrapolação e inversão da apreensão do real: não se parte das escutas para os factos. Ilustram-se os factos com as escutas: a realidade surge desenhada – os factos – às escutas caberia a tarefa de pintá-los. De lhes dar forma diversa... De lhes apurar, por exemplo, um padrão!
E isto apenas é possível por um príncípio basilar que ordena a administração e valoração das provas no tribunal perante o qual são produzidas: está ele no Art. 127º livre apreciação da prova, livre convicção do julgador!
A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica.
A livre convicção não significa liberdade não motivada de valoração, mas constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores.
( Convicção ) operada no contexto do princípio da lealdade, tradutor da maneira de ser da investigação e da obtenção da prova que deve passar para o julgamento.
E neste se exige verdadeira fundamentação, porque retirados do seu contexto, ou apenas singularmente observados, quase nenhum elemento de prova constitui suficiente comprovação da actividade ilícita pela qual se responsabiliza o arguido.
Pergunta-se então como se submete a escuta à imediação e ai contraditório?
O julgamento implica a obrigação de examinar e atender, em harmonia com a lei, a todas as provas existentes no processo, sem necessidade da sua leitura pública, apenas exigível para os depoimentos ou declarações dos intervenientes reduzidos a escrito.
As reproduções fonográficas, se não forem ilícitas, são consideradas documentos e valem como prova (v. artigos 164, n. 1 e 167, n. 1 do Código de Processo Penal). Diz-se mesmo no Ac Rel Lisboa de 12-01.2000, CJ ano XXV, tomo I pág 135, que “ o auto de transcrição, uma vez incorporado no processo, constitui prova documental... sendo deste modo manifesto que não é essencial a sua leitura ou exame em audiência para valer como meio de prova”.
Mas as escutas têm o valor probatório que têm: são documento particular, apócrifo, cuja imputação da autoria pode ser posta em crise ( não se esqueça o ónus da prova ) que sofrem o confronto com outros meios de prova produzidos na audiência de julgamento, que não obstante provarem o que foi dito e transcrito, não provam a verdade dos dizeres... O argumento é precisamente o mesmo que expendeu o Ac. STJ de 18-02-98 acerca do valor de documento autêntico que não prova a veracidade das afirmações nele constantes. Será bom de ver, que então o meio da abalar o documento resultante das escutas não será fazê-lo por via de declarar no notário que o escutado era mentira!
Impugnando a autoria ou identidade dos escutados, é possível requerer perícia, no sentido de obter identificação positiva das vozes.
Quanto ao conteúdo dos autos, uma vez mais a interpretação que seja feita do documento é regida pela livre apreciação do julgador mas, uma vez posta em crise a sua veracidade, o confronto com os códigos e com a verdadeira significação das palavras, há que ser discutida e especialmente fundamentada a leitura que se faz do documento, não apenas por se exigir que se dissesse “são roupas, senhor, e a cocaína, por milagre, se transformasse ... em calças de ganga!”. Porque às vezes, podemos mesmo andar enganados... ( caso Pacheco: logística, preparar a viagem para vir buscar triângulos... )
Ficam os códigos mais significativos, sendo certo que o futuro e a imaginação se encarregarão de nos arranjar outros, quem sabe, mais inventivos...
"Rodas", "Jantes", "Botões", "Rodinhas", "Moranguinhos", "Mini-Dics", "CDs", vulgarmente conhecidas por ‘Pastilhas de Ecstasy’, constituem o produto estupefaciente designado por MDMA;
"Chapéus", "Chapeleiros" e "Olhos de Águia", vulgarmente conhecidas por ‘Selos’, “Papelada”, “Ácidos” e “Acidez”, constituem o produto estupefaciente designado por LSD;
"Chocolate" designa Haxixe;
"Sabonetes", também designado por "Peças", representa 250 gramas de Haxixe, sendo o preço normalmente de 250€;
"Pólen" constitui uma forma mais apurada de haxixe, de melhor qualidade, com o qual se costuma fazer ‘bolotas’;
"Balas", "Bitolas", "Bolas", "Bolinhas", "Azeitonas", "Caganitas", "Bolotas", "Bolotazinha" ou "Bolotita", que é uma qualidade mais apurada de haxixe, o qual é moldado em forma de bolotas e que normalmente provém de Países do Norte de África; metade de uma ‘bolota’ de haxixe equivalia à quantia de € 10; e uma "bolota" de haxixe tinha o preço de € 25;
"Línguas" constituem pedaços de bolotas de haxixe cortado em forma de língua;
"O", "Meia Clara", "Branca" e "Branca de Neve", “calças brancas” designa cocaína;
"Tanho" e "Castanha", “calças castanhas” designa heroína.
"Kapas de Chamonite...", quilogramas de Haxixe, "Petrom" que significa preço, "Guita" que significa dinheiro.

Detenção - regime legal

(texto da autoria de Diogo Alves, datado de Outubro de 2005 - este texto não foi revisto pelo autor)

Consagração legal: art. 254.º e segs.


Definição: privação da liberdade precária, por um período curto, não excedente a 48h.


Tem 3 finalidades fundamentais que estão previstas no art. 254.º CPP:

· Para o detido ser apresentado, no prazo de 48h, a julgamento sumário…….. arguidos;
· A 1.º interrogatório judicial; para aplicação ou execução de medida de coação……………… arguidos;
· Para assegurar a presença imediata do detido (ou até 24h, se não for possível a presença imediata) perante autoridade judiciária em acto processual ………………… não arguidos;


Situação diversa é a que vem previsto no n.º 6 do art. 256.º CPP, detenção para identificação, em que as entidades policiais podem conduzir um suspeito ao posto policial para identificação do mesmo (confinado ao tempo estritamente necessário para o efeito e até ao limite máximo de 6 horas e apenas quando ocorra impossibilidade de identificação).

A detenção para identificação, em termos sistemática no CPP, insere-se no Capitulo II referente ás medidas Cautelares e de Policia. Com esta medida pretendeu-se conciliar imperativos constitucionais com a necessidade de atribuição ás forças policiais de meios indispensáveis a uma acção mais eficaz na prevenção e contenção da criminalidade.
A medida contemplada no n.º6, porque entra em conflito com a liberdade individual, tem que obedecer aos rígidos condicionalismos que a lei consagra.

É uma medida que não exige a existência de um processo e pode ser aplicada a qualquer cidadão.

Assim, não constitui uma medida detentiva (não se integra nas medidas contempladas no art. 254.º), tem que visar exclusivamente uma identificação não conseguida de outro modo, cessando logo que o objectivo seja alcançado. Não se logrando mesmo assim a pretendida identificação, a medida cessa obrigatoriamente.
Esta autonomia policial (no âmbito das medidas cautelares e de policia), porém, não invalida a obrigação de imediata transmissão da noticia do crime à entidade e quem cabe a direcção do inquérito (MP-248.º).



Detenção:
· Em flagrante delito (art. 256.º)
· Fora de flagrante delito (art. 257.º)


Em Flagrante Delito (art. 256.º)

Art.º 256.º (noção muito ampla):

· N.º1, 1.ª parte: flagrante delito
· N.º1, 2.ª parte: quase flagrante delito
· N.º2: presunção de flagrante delito ou flagrante delito por extensão


Momento em que o agente é surpreendido a cometer um crime. Crime que está a ser cometido ou que acabou de o ser. A lei reputa também como flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participou.

O conceito interessa no que diz respeito à legitimidade para executar ou ordenar a detenção:
1. Autoridade judiciária: crimes públicos e semi-públicos e com pena de prisão…………detenção é obrigatória;
2. Entidade policial: crimes públicos e semi-públicos e com pena de prisão ...............detenção é obrigatória;

3. Qualquer pessoa: ausência de qualquer das referidas autoridades ou de as convocar em tempo útil………. detenção facultativa.

Detenção será ilegal nos crimes particulares (n.º 4, art. 255.º): há apenas lugar à identificação do autor.

Efectuada a detenção por entidade policial terá de se proceder à sua imediata comunicação ao MP, elaborando-se o competente auto de notícia acompanhará o detido (art. 259.º, al.b) e 243.º, n.º1).
Só será feita comunicação ao juiz quando dele tiver partido a ordem de detenção e a mesma se destinar a levar junto dele o detido (art. 259)

Recebido o expediente pelo MP.º, este poderá promover o julgamento sumário do detido, interrogá-lo sumariamente (art. 143.º), e/ou remetê-lo ao juiz de instrução para primeiro interrogatório judicial.



Detenção Fora de Flagrante Delito (art. 257.º)

Só pode ter lugar com base em mandado para o efeito, com os formalismos do art. 258.º. A ordem pode partir de uma das seguintes entidades:


· Juiz: quando a detenção vise a presença do detido em acto processual (art. 116.º e 333.º);
· MP.º: crimes públicos e semi-públicos e com pena de prisão………apresentação imediata ao JIC para 1.º interrogatório judicial, podendo haver um prévio interrogatório sumário não judicial se não for possível a apresentação ao JIC (art. 143.º).
· Autoridades de policia criminal: crimes públicos e semi-públicos, com pena de prisão e existir um fundado receio de fuga ……….. será de imediato entregue ao MP.




Análise Jurisprudencial:

Problema da validação da detenção:


Questão: após a detenção o arguido deverá ser ouvido e ser aplicada medida de coação dentro do prazo de 48h, ou seja, após o interrogatório? (problema de existir um numero elevado de arguidos)

Resposta do Tribunal Constitucional (Ac. N.º 135/2005 e Ac. N.º 565/03): art. 28.º CRP, e 141.º e 254.º CPP – pessoa detida deve ser apresentada a um magistrado no prazo máximo de 48h a contar da data da sua detenção. Contudo dessa obrigação não decorre o direito da pessoa detida ser ouvida num determinado prazo.

O CPP e a CRP não referem expressamente um prazo dentro do qual deverá ocorrer o interrogatório do arguido e ser proferida decisão sobre a aplicação de medida de coacção;
A duração dessa tarefa dependerá do caso concreto (existem diversos factores que condicionam a celeridade da decisão fundamentada);
Legalidade da detenção dependeria não só da actuação policial, como ainda da actuação do próprio arguido e das opções que ele entendesse tomar no primeiro interrogatório, designadamente quanto ao tempo dispendido com as respostas;
A finalidade da intervenção do juiz não é apenas a de apreciar a legalidade da detenção, reside também na possibilidade de aplicação de medida de coacção;

Pretende-se tão-só garantir que um arguido não possa permanecer detido, por tempo superior a 48h, sem ser apresentado ao juiz competente, podendo a decisão subsequente ser proferida já depois de esgotado esse prazo. Legislador constitucional pretendeu limitar a privação da liberdade por via admninistrativa, especialmente a policial.

A partir de que momento há detenção: desde a altura em que ela se efective materialmente, ou seja, a partir do momento em que o arguido fica privado do direito de se deslocar livremente (não se conta a partir da hora que consta no respectivo auto).

Dois momentos: entrega do detido ao tribunal – não pode exceder as 48h; validação da detenção e decisão sobre a aplicação de prisão preventiva – pode exceder o aludido prazo.

Fundamentação da decisão


Questão:
Necessidade de fundamentação do mandado (art.º 257.º n.º2, b/c) em caso de detenção fora de flagrante delito por iniciativa das autoridades de policia criminal (suposta violação do art.º 27.º n.º4 CRP – toda a pessoa privada de liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção)

Resposta do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 63/05): razões de celeridade e de eficácia da detenção justificam que a fundamentação possa não constar do mandado de detenção.
São emitidos numa situação de urgência e de perigo na demora – fundamentação não se compadece com tal urgência;
Implicaria, no limite, uma equiparação entra o mandado e uma decisão judicial, no que ás exigências de fundamentação diz respeito;
No art.º 27.º/4 CRP exige-se apenas que o detido seja informado das razões da sua detenção, não se formula qualquer exigência de fundamentação.

Da perda de bens

(texto da autoria de Nuno Negrão, datado de Março de 2006 - este texto não foi revisto pelo autor)

Muito se tem dito e escrito em torno da perda de bens. Regra geral, como em tantos outros ramos do Direito, as figuras jurídicas não permanecem, no sentido de sempre virem a mudar seja por actualizações ou por – e agora o que nos interessa – interpretações correctivas.
Daí que, a mais das vezes, seja realmente exigível que se discorra sobre um dado regime legal para depois o enquadrar na jurisprudência, por norma, inovadora.
No caso específico do tema da perda bens, proponho exactamente o caminho contrário... Do presente, fazer um regresso às origens!
Ora então esclarendo a autoria dos acórdãos que seguem, às instâncias superiores, vejamos que podemos aprender com a jurisprudência e seus debates...

Ac. Stj de 17-10-96
1- Os veículos automóveis só devem ser declarados perdidos a favor do Estado quando a sua utilização seja essencial para a prática do crime.
2- Deve ser declarado perdido a favor do Estado o veículo automóvel utilizado por um arguido que já fora condenado por diversas vezes por crimes de furto utilizando sempre veículos automóveis para transportar os objectos furtados.

Ac. Stj. De 20-03-96
1- Para que um objectos seja considerado instrumento do crime e seja declarado perdido a favor do Estado é necessário provar-se que ele se tornou ou ia ser necessário para a execução do crime, de tal forma que sem ele a respectiva consumação não seria possível ou que, nas circunstâncias do facto, se tornaria de muito mais difícil consumação.
2- Por isso, se o automóvel apenas serviu para levar os objectos subtraídos, ele não foi instrumento do crime, já que este já estava consumado aquando da sua utilização.

Ou então este:
Ac. Stj 01-03-95
1- Por ser instrumento do crime, deve ser declarada perdida a motorizada utilizada pelo arguido para se deslocar ao local onde tinha avisado que o ofendido devia deixar o dinheiro que pretendia extorquir.

Ac. Stj 22-01-92
A utilização de veículo automóvel do arguido para o transporte de acções falsificadas do local da impressão para a sua residência acarreta a perda daquele (... )

Ac. Stj 07-12-93

Não se provando que o automóvel utilizado para transportar os arguidos e transportar os objectos furtados não pertencia a qualquer dos arguidos, não pode ser declarado perdido a favor do Estado. Apesar de haver quem diga que sim...

Muitos mais haveria – claro que cirurgicamente escolhidos – mas resta este que, enfim, imaginando a decisão recorrida, parece ser engraçado. Reza assim:
Não podem ser declarados perdidos os óculos graduados que o arguido utilizou na prática do crime, por não consituirem instrumento perigoso, salvo se for provado que tivessem servido de disfarce. Ac. Stj 01-02-95

Uma leitura menos avisada de estes e de outros tantos, poderia mesmo fazer crer que os próprios sapatos calçados no dia do cometimento do crime devessem ser declarados perdidos!...

Ao contrário do que indicia o Ac. Stj de 12-05-94 – “O instituto da perda dos instrumentos e do produto do crime (...) não tem a natureza de pena acessória nem é um efeito do crime ou da condenação; por isso, não há necessidade de ser muito exigente na fundamentação expressa e circunstanciada dos pressupostos da declaração de perdimento”... Ora, com o devido respeito, passaremos então à análise dos normativos legais...
Resulta do Art. 109º do Código Penal, que :
1- São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
2- O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto.
3- Se a lei não fixar destino especial aos objectos perdidos nos termos dos números anteriores pode o juiz ordenar que sejam total ou parcialmente destruídos ou postos fora do comércio.

Ainda que seja tentador poder assim considerar, que não se admita ( ! ), a fazer fé no expediente da GNR num dado processo, em que requeria perícia médico-legal, constatando tratar-se de um crime de violação, descriminam o respectivo instrumento do crime... Ou ainda, considerar o produto de crime de violação...
Vejamos então o regime legal de perda de bens, à Luz da lei e da mais fiel interpretação.
Esta regra ínsita no Art. 109º cuida da perda de instrumentos e de produtos do crime. Produto, logicamente, diverso do dano...
Em bom latim doutrinal, são aqueles os instrumenta sceleris e estes os producta. Este é o ponto de partida para considerar a figura de declaração de perda de bens. Apurada esta realidade, cumpre, aliás como numa série de outros normativos, aprofundar a análise na senda de descortinar pressupostos fácticos e enquadrá-los na previsão legal.
Assim, além deste “detonadores”, obrigatório se torna que sejam os mesmos, objecto de uma certa “qualificação” que se pode genericamente reconduzir à ideia de um perigo típico – ou em sentido objectivo mas, dir-se-ia, uma objectividade do caso concreto, não obstante poder parecer contraditório.
Se não vejamos: reputa-se comummente como subjacente e este preceito uma ideia de prevenção – se imposta para proteger a comunidade por a mesma ser posta em perigo relacionado, quer com os objectos, quer com os factos típicos ilícitos a eles associados.
Mas isto acontece – lá vem o apelo à objectividade do caso concreto – por reporte à factualidade julgada, cuja expressão deflui da conduta do próprio arguido. Quer-se dizer: os objectos em si não são considerados apenas por poderem ser perigosos, há que fazer um juízo do uso, não apenas potencial, não apenas latente, mas efectivamente serviente do crime ou empreendido pelo arguido ou de um perigo intrínseco e intolerável. E neste ponto, abandonando já a censura que seja de dirigir à pessoa submetida a julgamento, é que se pondera a real exposição da comunidade ao perigo criado pelo arguido por conta dos objectos usados no crime.
Daí que se possa dizer, ter também esta declaração um carácter quase-penal, pois nem por isso deixar de se apresentar como um sacrifício que se inflinge ao arguido. Contudo, refreie-se a objecção ou lançamento da violação do non bis in idem! Sinal de que o fundamento desta norma é essencialmente a prevenção securitária – não se pode falar com propriedade em cumprir um desígnio do fim das penas – se retira do nº2 do Art. 109º, de onde se extrai que, mesmo sem condenação ou mesmo sem arguido, os objectos relacionados com a prática de crimes podem ser declarados perdidos.
Vamos então em concreto analisar o que se retira do aludido preceito.
O primeiro elemento a considerar é a existência de um facto ilícito ou anti-jurídico, no qual caberá também a tentativa.
Seguidamente, um objecto que:
- Tenha servido para a prática de um facto típico ilícito;
- Estava destinado a servir para a prática de um facto ilícito típico;
- Produzido por um facto ilícito típico
E que pela sua NATUREZA ou pelas circunstâncias, possam pôr em perigo a comunidade ( a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública ) ou oferecer sérios riscos de serem utilizados para a prática de crimes .
Um objecto que tenha servido ou estivesse destinado a servir a prática de um facto típico ilícito – instrumenta sceleris- é o material ou coisa cujo uso não importe destruição imediata da própria substância de que se serviu ou se preparava para servir o agente na prática do crime. Ou seja: os objectos que surgem de tal modo estreitados e conexos com a própria acção, de modo que se possa dizer que, sem eles não seria a acção possível, poderia ser até impossível ou, pelo menos, seria extremamente difícil. ( Aqueles que importam detruição imediata na própria substância, pense-se em explosivos, observam um regime próprio a que mais adiante se fará referência ).
No que aos producta concerne, pode-se defini-los como sendo as coisas ou direitos adquiridos quer directamente com o crime – a coisa roubada, – ou mediante especificação – a jóia feita com o ouro roubado, o automóvel cuja falsificação de elementos de identificação proporcionam a aparência de titularidade – ou por alienação – o dinheiro da venda.
A declaração de perda de bens se pode prescindir do príncípio “estrito” da culpa, não deixa contudo de se dever pautar por um critério de proporcionalidade que, atenta a produção de jurisprudência que vem sendo conhecida sobre o assunto, se pode bem assimilar à figura de “algum bom senso”...
Adverte-se uma vez mais a procura de proximidade na relação entre os factos e os objectos! Uma vez mais a servidão com que estes se encontram onerados! Pois é muito feio ter de haver um Supremo Tribunal a esclarecer que lá por alguém ter haxixe – aliás em dose irrisória – no bolso do seu casaco jeans enquanto conduzia não quer dizer que não o pudesse fazer se não tivesse carro!... Uma coisa é isto – um padrão de alguma normalidade – outra bem diversa já será a preparação de um automóvel com ocultação de compartimentos para armazenagem de produto ou o transporte que, pela dimensão e peso da carga só pudesse ser realizado com um camião apto e especialmente a ele destinado. E apenas se, puser em perigo a comunidade ou ofereçam sérios riscos de serem utilizados para o cometimento de novos crimes.
Dito isto, e antes de entrar na enunciação dos regimes especiais para certos objectos, a grande questão: a presunção judicial.
Se bem se reparar, uma parte do preceito resulta de observação directa e subsunção fáctica. A parte difícil da decisão/declaração é o crivo do perigo. No fundo, é arvorar uma probabilidade. Recorrendo a juízos de permitirem os objectos e factos prever que se lhe suceda certo perigo ou certa renovação do uso. Tarefa que, precisamente, exige cautela e ponderação.
O que nos põe noutro ponto da questão... Da necessidade de fundamentação... Ora, uma decisão, sempre será por força do Art. 97º do CPC fundamentada. Contudo, falamos de declaração... E assim haja quem abra a porta para a mera indicação da perda.
Não sei o que pensam sobre isto...
Não obstante tratar-se da mera declaração, integra-se na sentença, nomeadamente no dispositivo, que é o resultado ou a conclusão lógica da fundamentação. Como resulta do n 3 alínea c) do art 374º. Aí se diz que deve a sentença conter a “mera” indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime. Disse-se já não cuidarmos de uma pena – principal ou acessória – nem de uma medida de segurança. Mas crê-se que sempre deverá ser fundamentada. Implica um juízo, tendente à subsunção que sempre deverá ser de exteriorizar. Isto, claro, quando não resulte já do estratado na sentença ou quando se cuide de questões de fronteira.
A perda de objectos tem efeitos imediatos, passando, regra geral, a propriedade da coisa ou do direito para o Estado. Casos há, em que nos termos do Art. 130 CP, não havendo cobertura por legislação especial, destinada a assegurar a indemnização dos lesados pela prática de um crime que não puder ser satisfeita pelo agente, pode o tribunal atribuir-lhes os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda.

Não obstante a cláusula geral, chamemos-lhe assim, da perda de objectos ínsita no Art. 109º, em legislação avulsa ocorre a criação de regimes específicos quanto a alguns produtos ou instrumentos de infracções.

Armas proibidas, engenhos ou matérias explosivas – Dl nº 37.313 de 21 de Fevereiro de 1949, Art. 7º n.º 1 do DL 207-A/ 75 de 17 de Abril, DL 399/93 de 3 de Dezembro, Lei nº 22/97 de 27 de Junho e Art. 20º, nº 3 da Lei 15/2001 ( armas apreendidas em processo por crime aduaneiro )
Estupefacientes – Art. 35º e 39º do DL 15/93 de 22 de Janeiro
Infracções anti-económicas e contra a saúde pública – Art. 9º, 46º, 47º, 74º a 76º do DL 28/84 de 20 de Janeiro
Crimes de Imprensa – Art. 35º da Lei 2/99 de 13 de Janeiro
Instalações, equipamentos, substâncias e produtos nucleares – Art. 3º do DL nº 49398 de 2 de Novembro de 1969
Jogo ilícito de fortuna e azar – Art. 56º e 59º do DL 48912, de 18 de Março de 1969
Organizações fascistas – Art. 4º nº 2 do DL 64/78 de 6 de Outubro
Material pornográfico – Art. 7º nº3 do DL 254/76 de 7 de Abril
Quantias monetárias – Art. 14º do Decreto 12487 de 14 de Outubro de 1926
Títulos de Crédito ao Portador – nº 26 das instruções aprovadas pela Portaria nº 10471 de 19 de Agosto de 1943 em execução do Decreto nº 32 428 de 24 de Novembro de 1942.
Crimes Aduaneiros – Artº 18º a 20º e 38º e 39º da Lei 15/2001 de 5 de Junho.

Consoante os casos, os objectos apreendidos poderão ter vários destinos:

Quanto aos objectos passíveis de venda e objectos facilmente deterioráveis, deverá ser realizada a sua venda, antecipando-a quanto aos segundos. Claro que, os objectos que possam servir para a prática de novos crimes ou que pelo seu teor não devam ser vendidos em hasta pública – droga, publicações pornográficas...

Noutros casos, há que determinar a sua destruição, como por exemplo, os objectos que possam facilmente servir à contrafacção de outros – selos, cunhos falsos, impressos em branco de bi’s, passaportes, cartas de condução e em geral documentos que não possam ser vendidos em hasta pública – também o material pornográfico conhecerá o mesmo destino, após consulta e decisão da procuradoria. Cfr. Circulares nº 2073 e 2078.

No que concerne às quantias em dinheiro, são as mesmas depositadas na CGD, à ordem do Juiz, a fim de serem entregues a final a quem a elas tiver direito – cfr. parecer nº 24/66 da PGR – Bmj 164-163. Os objectos e quantias não reclamados pelas partes no prazo de 3 meses prescrevem a favor da Fazenda Nacional. De acordo com o Ofício-Circular nº 21 166 do Gabinete de Gestão Financeira, os valores e produtos da venda de objectos apreendidos em processo penal e declarados perdidos a favor do Estado são divididos em partes iguais para a Dir. Ger. Serviços Prisionais e IRS.
Quanto a Armas, cumpre atender à Circular PGR, de 18 de Abril de 1968
1. Logo que apreendida uma arma de fogo ou uma arma proibida ou respectivas munições, o agente do MP comunincará o facto à respectiva Procuradoria da República, com as indicações necessárias, a fim de nela ser registado em livro de inventário próprio;
( ... )

3. As armas, após a sua apreensão, deverão ser entregues por termo nos autos, ao chefe da Secretaria do Tribunal, (...) o qual ficará responsável pela sua guarda, enquanto não lhes for dado destino legal.

Contudo, poderão as armas apreendidas pela Polícia Judiciária ficar-lhes afectas, bem como outros objectos nos termos do Art.156º do DL 295-A/90 de 21 de Setembro, quando para a Instituição tenham interesse – armas, munições, viaturas ou equipamento de telecomunicações.

Quanto aos Jogos de Fortuna e Azar, o dinheiro obtido através da sua exploração bem como os objectos relacionados com os mesmos, são apreendidos e revertem para o Fundo de Socorro Social.

No que toca às substâncias estupefacientes, rege o Art. 62º do DL 15/93 cujo procedimento compreende:
Exame laboratorial, por ordem da autoridade competente para a investigação ou instrução, no mais curto prazo possível;
Recolha, identificação, acondicionamento, pesagem e selagem de duas amostras do produto ( se a quantidade apreendida ou a remanescente do exame o permitirem ), ficando uma guardada em cofre da entidade investigadora ou instrutora até à decisão final e outra apensada ao processo quando da sua remessa a tribunal.
Guarda em cofre forte do remanescente, se o houver.
Destruição da droga remanescente, ordenada por despacho do MP ou do Juiz ( consoante a fase processual ), a proferir no prazo de 5 dias a contar da junção do relatório do exame laboratorial, destruição que será levada a efeito nos 30 dias seguintes e terá lugar por incineração em forno próprio, na presença de um magistrado, de um funcionário, de um técnico de laboratório, lavrando-se auto da ocorrência; destruição das amostras colhidas, sob controle do Tribunal, logo que proferida decisão definitiva no processo, também por incineração, reduzindo-se a respectiva diligência a auto.

Quanto a moeda falsa, bem como os instrumentos e outros objectos pela sua natureza destinados à falsificação ou alteração de moeda, serão apreendidos e confiscados, sendo de seguida remetidos, se requisitado, quer ao Governo quer ao Banco emissor de cujas moedas se trate, com excepção dos meios de prova que exijam que se conserve no arquivo. Primacial, é que sejam estes objectos retirados de uso.

Temos agora os veículos, regulados pelo Dl 31/85 de 25 de Janeiro, A procuradoria Geral Distrital Do Porto fixou orientações específicas em relação aos veículos apreendidos. Sumariamente, resulta que deverá o MP 90 dias após a pareensão de veículo susceptível de vir a ser declarado perdido a favor do Estado, fazer a comunicação da apreensão à Direcção Geral do Património do Estado apurando também quem possa ser o propietário ou legítimo possuidor do veículo, que deverá notificar.
A reter interessa que pode a viatura:
Ficar afecta ao parque automóvel do Estado
Ser vendida
Ser restituída.
Retenha-se que, caso haja restituição, o lesado será compensado em dinheiro pela diferença entre a desvalorização ocasionada pelo uso por parte do Estado e os gastos de conservação feitos, se os houver.

O pressuposto, contudo, será sempre a declaração de perda.

O art. 110º regula, por seu turno, os objectos pertencentes a terceiro. Regra Geral, não é decretada a perda destes objectos. Nº1 Só assim não acontece se Nº 2:
Os titulares tiverem concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção;
Tiverem colhido vantagens do facto ilícito;
Tiverem, por qualquer título, e após a prática do facto, adquirido os objectos conhecendo a sua ilícita proveniência.

Igualmente não ocorrerá a perda se os objectos consistirem em inscrições ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou em meio de expressão audiovisual que pertençam a terceiros de boa fé Nº 3.
Em tais casos, o tribunal ou:
Manda restituir os objectos aos respectivos titulares, apagando-se previamente, se possível, as inscrições, representações ou registos que integrem o facto criminoso;
Manda destruir os objectos, se não for possível o apagamento, indemnizando.
Da questão da constitucionalidade...
Por fim, rege o Art. 111º a perda de vantagens patrimoniais conseguidas ilicitamente, que assenta em dois pressupostos:
Um facto anti-jurídico, doloso ou culposo
Um proveito patrimonial: o agente do crime ou a pessoa em nome de quem o facto foi praticado, deve ter conseguido ou ter-lhe sido prometida uma vantagem patrimonial. Tudo o que possa ser objecto de uma pretensão de enriquecimento.
Dos dinheiros...

Crimes contra a honra e reserva da vida privada

(texto da autoria de Diogo Alves, datado de Dezembro de 2006 - este texto não foi revisto pelo autor)

Crimes contra a Honra

Espécies: 1. Difamação (art.º 180.º);
2. Injúria (art.º 181.º);
3. Calúnia (art.º 183.º);
4. Ofensa a Memória de Pessoa Falecida (art.º 185.º);
5. Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço (art.º 187.º);
6. Conhecimento Público de Sentença Condenatória (art.º 189.º).


· art.º 180.º: Difamação

SCHOPENHAUER: “A honra, objectivamente, é a opinião dos outros sobre o nosso valor e, subjectivamente, o nosso medo dessa opinião”.

A opinião dos outros sobre o nosso valor – a opinião pública – é, no fundo, o modo de uma integração nas sociedades. Compreende-se, por isso, que qualquer atentado à honra acabe por ser sentido no mais íntimo da pessoa. Noutros termos: o bem “honra” é um verdadeiro bem de personalidade, ainda quando o Direito atente, para poder proteger o próprio interior, às realidades sociais perceptíveis.

Definição: atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerram em si uma reprovação ético-social, isto é que sejam ofensivas da reputação do visado.

Comportamento lesivos da consideração e da honra de alguém:

- Honra: essência da pessoa humana: reconduz-se à probidade, rectidão, lealdade, carácter, etc.;
- Consideração: património do bom-nome, de crédito de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da vida, sendo como que o aspecto exterior da honra.

Duas formas de execução:
Imputação de um facto ofensivo;
Formação de um juízo de valor;


Imputar significa atribuir um facto, apresentá-lo como correcto ou verdadeiro, segundo a convicção ou perspectiva do imputante, que assim se identifica com o respectivo conteúdo. Atribuir a alguém a prática de determinado facto, que lhe ofende a reputação ou o bom – nome.
Formulação de um juízo de valor será toda a afirmação que encerra uma apreciação pessoal negativa sobre o carácter da pessoa acerca da qual se subscreve tal juízo.
É uma distinção funcional. Não pode ser feita de forma semântica, mas pelo contexto em que ela é proferida:

Ex: A. diz que B. é um vigarista, porque aceitou um suborno. Imputação de um facto.
A. diz que B. é ladrão porque não marcou um penalty. Juízo de valor.
Juízo de valor feito num contexto fáctico é imputação de facto.
«A é um sanguinário assassino» ou «A teria, com certeza, lugar assegurado, em qualquer campo de concentração». Não estamos perante a imputação de um facto, mas sim perante a formulação de um juízo.

Exemplos mais complexos: B depois de competente e legítimo processo, foi condenado por furto. C apelida B de ladrão; D é reconhecido e tido por todos como uma personalidade de péssimo carácter, agressivo e maldoso; D bate desalmadamente em E; Perante aquele espectáculo, F limita-se a dizer que tal monstruosidade só podia vir de um bárbaro, de uma besta e de um troglodita do jaez de D. Terão C e D expressados juízos de valor?
Tudo depende da óptica com que se empregar na apreensão da realidade. È um facto que B praticou um furto, logo em linguagem comum ele é um ladrão. É uma decorrência lógico-factual do acto de furtar. Mas será mesmo assim? Não haverá na expressão “ladrão” uma valoração que ultrapassa o juízo de realidade?

No domínio da intenção o legislador exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, isto é, o chamado dolo específico?
Orientação do Tribunais: hoje já não é exigível que haja a especial intenção, o propósito de ofender, sendo bastante a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2000, de 5/07/2000, publicado no BMJ n. 499, Processo n.º 833/98: considera que não é necessária a verificação de uma especial intenção ou propósito de ofender (o animus diffamandi).

Na doutrina: Nelson Hungria. Define o dolo específico do crime contra a honra como sendo a consciência e vontade de ofender a honra alheia.


A. Distinção com a injúria:

No código de 1886 estes institutos estavam construídos da seguinte forma: difamação constituía a imputação de um facto; a injúria a formulação de um juízo de valor.

No C. Penal actual ambas figuras podem consistir em imputações de facto ou formulação de juízos, a diferença está no facto delas serem produzidas na presença (relação bipolar) ou na ausência da vítima (relação triangular).

No entanto, a diferença entre imputação de factos e juízos de valor continua a ser importante. As causas de justificação só funcionam quando há imputação de factos (180.º n.º2).

Na difamação, ao contrário do que acontece na injúria, o agente dirige-se a terceiro. Sendo da essência da difamação que o ofensa seja levada a terceiros, só se pode falar em lesão do bem jurídico da honra e consideração quando a imputação correspondente chegue ao seu conhecimento, ou seja, haverá uma imputação indirecta.
No caso da difamação com publicidade, ou através dos meios de comunicação social, a responsabilidade é agravada, nos termos do art.º 183.º nº1 e 2.

A difamação é um ilícito mais grave, porque na injúria a vitima não está ausente e pode defender-se, neutralizando ou diminuindo o efeito da ofensa.

Ex: debate televisivo. Vitima está a assistir em casa. Há difamação ou injúria?
Autor dirige-se a terceiros e não à vítima. Se a vitima estiver no debate há injúria.

Está em causa a possibilidade de defesa nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar: igualdade de armas


B. Causas de Justificação

Art.º 180. n.º2: causa de justificação especiais. Servem para resolver conflitos de interesse, tal como as causas de justificação gerais que têm plena aplicação neste tipo de crimes (n.º3, art.º 180.º).
Os interesses em jogo são a honra, os interesses legítimos (independentemente de serem públicos ou privados), a intimidade da vida privada e verdade nas relações sociais.

Como se disse, a diferença entre imputação de factos e juízos de valor continua a ser importante. As causas de justificação só funcionam quando há imputação de factos (180.º n.º2).

Casos de impunibilidade da conduta nos termos do n.2, do art.º180.º:

1. A imputação vise realizar interesses legítimos.




Interesse legitima público ou privado legalmente protegido, ou seja, todos os interesses privados que possam ser objecto de legitima defesa.

Para C. Valdágua, para a realização de um interesse privado deve exigir-se uma relação de proximidade. Proximidade entre o autor e o titular do interesse.
É necessário que esse interesse seja pelo menos de valor idêntico à honra, mas nunca inferior. Para C. Valdágua terá de ser um interesse superior à honra. Sendo certo que um interesse de ordem patrimonial, em princípio tem valor inferior à honra.

Questão do exercício do dever de informar: o fim ou intenção que preside à actividade informativa é fundamental. Deve haver da parte de quem informa o “animus” de realizar a função pública inerente ao direito de informar. De qualquer forma, a imputação de factos ofensivos da honra deve ser feita, mesmo nos casos de exercício legítimo do direito de informar, de forma construtiva e consciente, com contenção e moderação, só devendo assumir forma contundente caso tal se revele indispensável.
Ora, a prova da verdade tem de ser perspectivada à luz do direito de informação que na crónica se encerra. Exige-se tão-só o conjunto de regras derivadas das leges artis, das regras de cuidado que cada grupo homogéneo cultiva e simultaneamente lhe dá coesão.
O que não pode valer é a exaltação da subjectividade como critério último e definidor do cumprimento daquele dever de informação. Ora, se se chega à conclusão de que a imputação desonrosa não cumpre um interesse legítimo, nos termos assinalados, não há lugar para qualquer produção de prova em ordem a demonstrar a verdade desses factos.
Mas o legislador português foi ainda mais longe na tutela da função pública da imprensa: foi ao ponto de admitir a possibilidade de justificação mesmo em situações em que não se logre fazer a prova da verdade. Tal justificação pode ocorrer no caso do agente ter fundamentos sérios para, em boa fé, reputar os factos como verdadeiros.
Não se poderá exigir o rigor necessário para proferir uma sentença, ou acusação, o que poderia inviabilizar o próprio direito à informação. Temos é de partir sempre da ideia de risco permitido.
Assim, a boa-fé não pode significar uma pura convicção subjectiva por parte do jornalista na veracidade dos factos, antes tem de assentar numa das regras de cuidado. Isto é: a boa fé está dependente do respeito das regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa e que impõe publicação da notícia (averiguação das fontes, no adiamento da publicação caso a versão mais provável ainda não seja suficientemente forte, etc.).




2. Se fizer prova da verdade dos factos ou houver fundamento sério para os reputar verdadeiros;

Convicção de actuar com boa fé. Constitui uma causa de justificação de risco permitido, tal como no caso de consentimento presumido. Neste caso a actuação não é ilícita.
Intimidade da vida privada é protegida de forma absoluta.
Acórdão do STJ de 9 de Abril de 2003 considera que o direito á intimidade da vida privada compreende a reserva da vida familiar, sexual e da saúde, podendo compreender outros tipos de intimidade.


Sendo, portanto, regra a irrelevância dos motivos determinantes, importa saber que cariz assumem os chamados “animi”. Isto é: haverá circunstâncias que excluam, de per si, o propósito injurioso ou difamatório, como sejam os tradicionalmente conhecidos animus jocandi, animus consulendi, animus corrigendi, animus narrandi e animus defendendi?

No animus jocandi o objectivo do agente não é ofender a honra de alguém, antes brincar ou gracejar.
E quando isso resultar das circunstâncias do facto, é manifesto que a conduta do agente perde aptidão ofensiva. Pode-se gracejar, mas não se deve ridicularizar, sob pena de se poder passar a fronteira da legalidade.
Há animus corrigendi quando se patenteia o propósito de repreender.
No animus consulendi o fim do agente é aconselhar, advertir ou informar, por iniciativa própria ou a solicitação alheia.
No animus narrandi desenha-se a intenção de relatar a terceiro o que se viu, sentiu, desde que se não ultrapasse a fidelidade da transmissão. passará a ser punível o acto que reflicta, por tendencioso, propósito de atingir a honra alheia.
animus defendendi quando o que está em causa é a própria defesa do agente e não a vontade de ofender quem quer que seja.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2000, de 5/07/2000, publicado no BMJ n. 499, Processo n.º 833/98: considera que não é necessária a verificação de uma especial intenção ou propósito de ofender (o animus diffamandi).


Protege-se a verdade nas relações sociais (Eduardo Correia).
A nossa lei consagra a admissibilidade da prova da verdade da imputação como regra. As excepções a essa regra são as seguintes:

art.° 180°, n.° 3 — Quanto à imputação de factos relativos à intimidade da vida privada e familiar;
Art. 181°, n.° 2 — Quanto à simples imputação de factos no crime de injúria (que não de juízos de valor).


Se houver ofensas à honra e o facto disser respeito à intimidade da vida privada não há causa da justificação. Neste caso o conflito de interesses é resolvido pelo lado da vítima.

Tentativa não é punível: conjugação do art.º 180.º com o n.º1 do art.º 23.º.


A) A questão da hierarquia de valores conjugada com a Exceptio Veritatis. Problema das árvores de Natal com o nome dos caloteiros nas mercearias e pastelarias. Há crime de Difamação?
Há a divulgação um facto, que é verdadeiro. Será este o meio adequado à defesa dos interesses do comerciante? Não. Devem recorrer aos meios normais de resolução dos conflitos. Por isso deverá entender-se que, apesar da imputação do facto ser verdadeira há crime de difamação.

B) Lei-quadro de politica criminal e as soluções de oportunidade neste tipo de crimes (considerados como bagatelas jurídicas) que quando chegam à fase de inquérito muitos vezes é proferido despacho de não pronuncia? Não será isto uma solução de oportunidade? (“cigano tendeiro; alarve, vende artigos de qualidade duvidosa”, etc.)

C) Acórdão do STJ de 9 de Abril de 2002, Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII (2002), Tomo II. Ameaça de partir os cornos. È um crime subsumível ao art.º 153.º CP, ou é um crime contra a honra?


art.º 181.º: Injúria

É feito na presença da vítima. Imputação directa, na forma mais simples e comum, isto é, na presença da vitima.

Ex.: A, num comício, sabendo que B estava a assistir, dirige-lhe palavras ofensivas da sua honra.
Por intermédio de videoconferência C, em Lisboa, insulta B, no Porto.

Silva Dias sustenta que o carácter directo da imputação deve ser apreciado em função de uma presença activa, ou seja, com a possibilidade de réplica imediata. Tem de ser uma presença activa, ou seja, haver possibilidade de defesa nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar. Igualdade de armas.

Faria Costa: não pode ser sempre assim. A ideia de presença activa não responde a todos os casos de injúria: casos em que o ofendido sofre de uma patologia mental e não tem capacidade de resposta.


Problema do contexto sócio cultural:

No entanto, coisa bem diversa é a observação da utilização quotidiana de uma linguagem desbragada — por exemplo, no seio da família ou só entre os cônjuges —, e depois vir defender-se que a palavra ou as palavras obscenas, milhares de vezes anteriormente empregadas, foram ofensivas da honra de quem delas foi objecto. Se as empregou durante anos a fio uma linguagem sustentada em bordões sugestivos de obscenidades e se aceitou, também durante esse tempo, recebendo sempre no diálogo a mesma carga de ofensividade, é evidente que não pode em um determinado e posterior momento vir invocar o facto de ser injuriado. Faria Costa.

Quanto ao tipo subjectivo aplica-se o que foi referido quando se analisou a crime de difamação, trata-se de um crime essencialmente doloso, a que basta, para uma plena imputação subjectiva, mesmo o mero dolo eventual.

Causas de Justificação: o nº2 do art.º 181.º remete em bloco para a específica regulamentação do crime de difamação.

A injúria de pessoa ou grupo de pessoa por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião, praticada em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social constitui crime de discriminação racial (n.º2/b, art.º 240.º)


Art.º 182.º: Norma de equiparação
Correspondência entre a ofensas produzidas oralmente ás feitas por escrito, gestos ou imagens. Alarga as margens de punibilidade dos tipos legais de difamação e de injúria.


Art.º 183.º: publicidade e calúnia

N.º1 al. a) agravação pela facto da ofensa ter sido praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação ou se o crime tiver sido cometido através da comunicação social.
Em primeiro lugar, os meios ou circunstâncias que aumentam o efeito propulsor ou de ressonância da injúria ou difamação, não se confundem com os meios de comunicação social. Este tem uma agravação específica no n.º2 deste artigo. Comunicação social pressupõe uma estrutura organizacional, por mínima que seja, ex. jornais, revistas, tv, rádio.
EX: Graffiti desonroso escrito no metro ou num autocarro.

N.º1, al. b) Calúnia. Forma mais perversa dos crimes contra a honra, porque o agente mesmo sabendo da falsidade, avança com a imputação dos factos. È a assunção da lógica malsã que se estriba no slogan “menti, menti mas alguma coisa há-de ficar”.
Elemento determinante para que se esteja perante uma calúnia: reconhecimento de que o agente sabia da falsidade das suas afirmações fácticas.

Determinação do que é falso: afirmação que nos seus pontos essenciais se mostre falsa. Exageros e inexactidões insignificantes sobre a realidade não essencial não são suficientes para integrar a falsidade.

Circunscrição subjectiva do conhecimento do agente: conhecimento sobre a falsidade dos factos, daquilo que se imputa a outrem, não permite conceber uma situação de dolo eventual (Lenckner: conhecimento positivo sobre a inverdade).


Art.º 184.º: Agravação


Art.º 185.º: Ofensa a Memória de Pessoa Falecida
Bem jurídico: memória – pedaço de nós espiritualmente ligado à nossa existência e que é capaz de ser, depois da morte, ainda pertinente na definição do presente.
Não basta que haja ofensa, é necessário que ela seja grave. Se o não for não há preenchimento do crime.
Casos de investigação jornalística, histórica e cientifica.

Ex: C diz que D era um pedante amado por ninguém e odiado por todos, um sofrível, e por isso sem génio e talento, escritor, pode estar a ofender a memória de D, mas não o atinge na sua parte nuclear.
E, que deixou um património espiritual de intelectual probo e rigoroso em toda a sua investigação, é considerado por F um despudorado plagiador, e que fez a sua carreira universitária baseada no trabalho de terceiros. F está a destruir o núcleo essencial da memória de E.



Tipo subjectivo: dolo em qualquer da forma do art.º 14.º

Causas de justificação:
N.º2: al. a): remissão para as causas de justificação do art.º 182.º/2.
Não é assim tão simples. Ex. Conflito entre o valor que a memória de alguém representa e o não menos importante valor que se consubstancia no direito à investigação histórica.

N.º3: condição objectiva de não punibilidade. É estabelecido um período de nojo de 50 anos.
Sociedades modernas: aceleração histórica. Prazo desajustado à realidade actual.

Artigo 186.º: Dispensa de Pena.
Franja inferior da relevância punitiva.


Artigo 187.º: Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço
Bem Jurídico é heterogéneo: credibilidade, prestígio e confiança.
Tipo objectivo: afirmação ou propalação de factos inveridicos. É necessário também que, de um ponto de vista objectivo, aqueles precisos factos se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva.

Tipo subjectivo: basta que o agente actue com dolo eventual.

Artigo 188.º: Procedimento Criminal

Legislador considerou que, em princípio, todos os crimes previstos neste capítulo são crimes particulares, isto é, dependem de acusação particular.
Excepção: Artigo 184.º, quando há agravação;
Artigo 187.º, quando o ofendido exerça autoridade pública.
Nestes casos é suficiente a queixa, ou seja, estamos no domínio dos crimes semi-públicos.


Artigo 189.º: Conhecimento Público de Sentença

Tal conhecimento pode ser dado desde que:
-Haja uma condenação
-Essa condenação respeite a crime de difamação, de injúria (ou equiparado), de ofensa a memõria de pessoa falecida ou de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço;
-Tem se de tratar de delito cometido com publicidade ou caluniosamente.

O conhecimento público é dado:

-Por decisão do tribunal;
-A requerimento (do titular do direito de queixa);
-à custa do delinquente;
-nos termos em que a lei fixar.




Crimes contra a Reserva da Vida Privada



Artigo 190.º Violação de Domicilio

Bem jurídico: privacidade/intimidade. Que é protegida face a agressões qualificadas pela exigência de violação de uma esfera pessoal espacialmente limitada e fisicamente assegurada: a habitação.
O n.º2 introduz um novo e distinto bem jurídico: paz e sossego. Neste caso exige-se uma específica intenção, delito e tendência. Ex.: telefonar para a habitação.

Tipo Objectivo: objecto da acção é a habitação. Espaço fisicamente fechado efectivamente reservado ao alojamento de uma ou várias pessoas. Excluem-se os jardins, pátios e espaços abertos, que cabem no âmbito do art.º 191.º.
Crime duradouro.
Habitação está normalmente associada à casa, mas não se identifica necessariamente com ela.
Acórdão do STJ de 16 de Maio de 1990: alarga o conceito de habitação a tendas de campismo, roulotes, barco, ou quarto de hotel. Espaço onde alguém desenvolve a sua vivência ainda que temporariamente.

Portador do Bem Jurídico:
Costa Andrade: é aquele que tem o domínio e disposição do espaço, seja qual for o fundamento jurídico: um direito real, relação obrigacional ou uma situação de direito público.
Acórdão do STJ de 2-6-93: quarto de hóspede seja ele de um hotel, de uma pensão, de uma residencial ou de uma simples casa particular, enquanto hóspede da casa constitui sua habitação.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Novembro de 1993: marido que vive separado da mulher à mais de um ano comete ou não crime de violação de domicílio. Bem jurídico protegido é a privacidade e não a propriedade. Se já ali não mora e entra sem consentimento comete um crime de violação de domicílio.

Quem pode dar consentimento:
Acórdão do STJ de 23 de Março de 1994: podem dar consentimento os filhos, os hóspedes e os empregados. Rapariga de 13 anos que levava os amigos para sua casa não há violação de domicílio.
Costa Andrade: o consentimento só será válido se for exigível que os contitulares suportem essa presença.


N.º3: conjunto de circunstâncias que qualificam o crime.
Conceito de noite.
CPP aplica um critério horário, das 21h às 7h. Estão em causa necessidades de investigação.
Costa Andrade: critério meteorológico: escuro como facilitador do crime.
Ausência de luz solar. Esta circunstância rouba a possibilidade de defesa ou de uma defesa eficaz. Pedra de toque será a diminuição das garantias defesa do ofendido.
Lugar ermo: habitação implantada de forma isolada. Lugar privado de socorro.

Concurso aparente coma ameaça ou coação e com o furto qualificado do n.º1 al. f) e n.2 al e) do art.º 202.º


Artigo 191.º: introdução em Lugar Vedado ao Público

Demais espaços reservados e não livremente acessíveis ao público.

Bem jurídico: inviolabilidade de um conjunto heterogéneo de espaços. Assim temos a privacidade (pátios, jardins, ou espaços vedados anexos à habitação) e racionalidade económica e a eficácia burocrático -administrativa dos espaços em causa (empreses publicas, serviços de transporte), e variável (escritório de advogado - segredo profissional -, estabelecimento comercial – eficácia e racionalidade do funcionamento do estabelecimento).

Tipo objectivo: objecto da acção tem de assumir a forma de um espaço fisicamente limitado, em termos de a entrada arbitrária só ser possível ultrapassando uma barreira física.
Pode ser um muro, uma parede, arame farpado, uma paliçada, etc.

Acção típica compreende duas modalidades de conduta: a introdução e a permanência.


Artigo 192.º: Devassa da Vida Privada


Preocupação recente da comunidade jurídica. Foram as transformações sócio-culturais, cientifico-tecnológicas e jurídicas desde meados do séc. XX, que puseram a descoberto a necessidade e urgência de assegurar uma eficaz tutela jurídica à privacidade.
Bem Jurídico: privacidade/intimidade. Tem uma estrutura axiológico-normativa de uma liberdade fundamental. É a liberdade que assiste a cada pessoa de decidir quem e em que termos pode tomar conhecimento ou ter acesso a espaços, eventos ou vivências pertinentes à respectiva área de reserva.
Direito à intimidade da vida privada, na qual se inclui a reserva da vida familiar, da vida sexual e, em certos casos da saúde.

Conceito de esfera de privacidade.: consiste no último reduto do Right to be alone, ou na última e inviolável área nuclear da liberdade pessoal, segundo o Tribunal Constitucional Alemão.
Ac. TC 459/93: leva á esfera da intimidade práticas susceptíveis de enquadrar ilícito criminal em domínios como a corrupção.
A esfera de intimidade é reconhecida a todas as pessoas, independentemente do seu estatuto de figuras públicas ou pessoas da história do seu tempo (elites da vida politica, cultural, económica, desportiva). Trata-se de uma esfera inviolável, e como tal, subtraído ao princípio da ponderação de interesses (princípio da proporcionalidade) e em particular à prossecução de interesses legítimos. (Ex: caso das fotos que provam a infidelidade conjugal?).
Ela constitui também uma barreira à exceptio veritatis ou à prova da verdade dos factos, regra geral admissível.
Impossibilidade de definir um universo de eventos ou vivências invariável. Esfera da privacidade/intimidade não é um espaço estanque face ao domínio da publicidade.

Relatividade histórico-cultural da privacidade: oscilação das fronteiras entre o privado e o publico ao ritmo das transformações civilizacionais.
Relevância de determinados matérias num certo período histórico.
Quando tais eventos ou factos contendem com o interesse comunitário, eles deixam de pertencer à privacidade, constituindo objectos legítimos de devassa e discussão públicas.
Relatividade e variabilidade deste direito. Está ligado à pessoa do portador concreto do bem jurídico, à sua conduta e circunstâncias.
A este propósito há quem fale do custo da notoriedade e direito à curiosidade relativamente a pessoas de grande notoriedade.
Exclusão da esfera de privacidade: quem vive alimentando e alimentando-se do sensacionalismo. Ex: figura pública que todos os dias procura espantar e chocar com as notícias sobre as suas aventuras sentimentais.

Objecto Típico: danosidade social que assume a forma de um delito de indiscrição. Permite explicar que a causa de exclusão dos crimes contra a honra não funcione.
Tem de haver uma lesão efectiva.
Conduta típica está desdobrada em quatro áreas (as das al. a/b/c/d).

Tipo subjectivo: intenção de devassar a vida privada: dolo específico.
C. Andrade tem dúvidas.

Imprensa: Costa Andrade: media podem cultivar legitimamente o sensacionalismo e o escândalo para aumento das tiragens, desde que o faça sem afrontar as normas penais. EX.: Caso das fotos de C. Ronaldo vestido de mulher?

N.º2: al. d é uma causa de justificação.



Artigo 193.º: Devassa por meio de informática

Acautelar os riscos decorrentes da utilização das novas tecnologias, com as largas possibilidades que oferecem de devassa da intimidade pessoal de cada um através da informática.
Art.º 35.º CRP: protecção do património pessoal do cidadão.
Trata-se de garantir a interdição absoluta do tratamento informático de um conjunto de dados pessoais que a CRP afirma como insindicáveis e da total e plena disponibilidade da pessoa a que se reporta.
É um bem jurídico supra-individual.

Objecto de Ilícito:
Art.º 193.º contém um conjunto de elementos típicos cujo preenchimento está previsto na Lei de Protecção de dados pessoais (L. 67/98, de 26 de Outubro).
Conceito de “ficheiro automático”: art.º 2.º, d)
Conceito de “dados individualmente identificáveis”: conjunto de informações relativas a uma concreta pessoa singular identificada ou identificável (art.º 2.º/a).
Qualquer conduta que através da qual se tenha acesso a conteúdos de dados pessoais. Pode ser tanto aquele que, por si, cria um daqueles ficheiros automatizados, como aquele que mantém um ficheiro daquele tipo, mesmo que o não tenha criado, ou ainda o que o utiliza, tendo acedido a ele por qualquer forma.
Aquelas condutas têm de dirigir-se ao acesso a um ficheiro automatizado cujo conteúdo é constituído por dados individualmente identificáveis respeitantes a determinadas matérias.

Conjunto de conteúdos declarados absolutamente interditos:
Convicções Politicas;
Convicções religiosas;
Convicções Filosóficas;
Filiação Partidária ou sindical;
Vida Privada;
Proveniência étnica.

Tipo Subjectivo: tipo legal supõe o dolo, bastando o dolo eventual.

L. 109/91, de 17 de Agosto: Criminalidade informática.

Crime tem natureza pública.

Artigo 194.º: Violação de Correspondência ou de telecomunicações
Bem jurídico: privacidade (em sentido formal – Costa Andrade). É indiferente o conteúdo das missivas ou telecomunicações, não se exigindo que versem sobre coisas privadas ou íntimas;
E nem sempre se exige a tomada de conhecimento do conteúdo, como sucede quando o legislador censura a simples abertura da carta, encomenda ou escrito fechado, mesmo sem acesso ao conteúdo, contentando-se com a punição da ultrapassagem de uma barreira física e o tabu que ela representa.
Para efeitos de incriminação, a carta considera-se entregue ao destinatário a partir do momento em que ela entra na esfera de disponibilidade fáctica.

Objecto da acção: carta, encomenda ou escrito fechado (n.º1) e as telecomunicações (n.º2). Não se incluem nesta disposição, ao contrário do CP Alemão, as fotografias, desenhos ou outras reproduções de imagem.
O pensamento corporizado na escrita terá de ter uma dimensão individual, isto é, uma referência a uma personalidade concreta.

Para constituírem objecto típico da infracção os escritos têm de estar fechados (especial relevo nas cartas). É precisamente este facto que define a fronteira da tutela penal do sigilo da correspondência e dos escritos em geral.

Questão: haverá crime de devassa feita por um dos cônjuges em relação à correspondência dirigida ao outro?

Tipo subjectivo: dolo em qualquer das suas modalidades.

N.º2: “sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicações ou dele tomar conhecimento”.
Costa Andrade: terá de passar por acções que impliquem o recurso a meio técnicos de captação, audição e registo. Está pensado para a s comunicações telefónicas.
Coloca alguns problemas:
E as mensagens de correio electrónico? São comunicações electrónicas. Porventura serão também telecomunicações no âmbito da antiga legislação (L. 91/97, de 1 de Agosto). Porém só serão comunicações electrónicas (e também telecomunicações) enquanto existir comunicação, ou seja, enquanto estiverem em trânsito (como numa comunicação telefónica). Podia levar a concluir-se que, após o recebimento no computador das mensagens nunca poderia haver a intromissão nas telecomunicações deste n.º2.
Será um documento informático um escrito, uma vez que o tipo legal se destina a proteger encomenda, carta ou qualquer outro escrito, para efeitos do n.º1? Corporização escrita de pensamentos. Porém o legislador não o quis incluir na categoria de escritos. Não é claro que o legislador os quisesse incluir. O que já fez no CPP art.º 190.º.
Considerando que cabe no conceito de qualquer outro escrito, poder ser considerado para efeitos do art.º 194.º como fechado? Pela letra da lei não. Legislador quis incluir outras formas de correspondência, que não o e-mail.

Art.º 34.º CRP. Inviolabilidade da correspondência.
Abertura de e-mail não é crime, tendo em conta o estatuído no art.º 194.º. contradição entre os interesses protegidos pelo direito penal e as limitações impostas à investigação criminal. Incongruência do sistema.



Artigo 195.º: Violação de Segredo
A violação de segredo tem uma função específica. Enquanto que no art.º192.º se assegura a esfera privada contra as acções de intromissão e devassas vindas de fora (espionagem – Costa Andrade), este artigo protege-a contra a traição.
É punida independentemente de qualquer perigo ou dano patrimonial, figurando como um crime de dano cuja danosidade social se concretiza e esgota na acção de devassa.

Bem Jurídico: Controvérsia suscitada quanto ao bem jurídico: interesse comunitário da confiança na descrição e reserva de determinados grupos profissionais ou a esfera privada do individuo – Costa Andrade.
Tal qual refere o artigo, a ordem jurídica protege o segredo. Segredo é o facto ou tema particular de cada um que se deseja esconder ou ocultar, isto é, que se deseja manter afastado do conhecimento de um círculo restrito de pessoas.
Segredo circunscreve-se a factos ou temas concretos e verdadeiros (nunca a ideias ou, opiniões ou juízos), apenas conhecidos de um universo restrito de pessoas.
O conhecimento do segredo tem de resultar exclusivamente do exercício da actividade profissional do obrigado (estado, oficio, emprego, profissão ou arte), constituindo estes, pois, os confidentes necessários, ou seja, os que estão colocados em especial posição para recolher segredos, quer pela sua qualidade, quer pelo seu mister.

Tipo objectivo: revelar segredo alheio.
Tipo subjectivo: dolo em qualquer forma.

Crime semi-público.



Artigo 196.º: Aproveitamento indevido de segredo
Aproveitar-se de um segredo é obter o seu conhecimento, dele colhendo benefícios e sem que haja posterior revelação do mesmo. Mas esse aproveitamento só é criminalmente censurável se dele resultar um prejuízo concreto para outra pessoa ou para o Estado.
Bem jurídico protegido, ao contrário do art.º195.º que tem carácter pessoal, assume aqui uma natureza patrimonial.
Objecto da acção: segredo específico (relativo a actividade comercial, industrial, profissional ou artística alheia), que envolva vantagens económicas que possam beneficiar o agente pela via da sua actividade profissional.
Crime só é punível a título de dolo. Será bastante o dolo eventual.

Artigo 197.º: Agravação

Agravação da pena base relativamente aos crimes tipificados nos art.º190.º a 195.º, dependente dos requisitos expressos neste artigo (ver artigo).

Artigo 198.º: Queixa

Estamos perante crimes semi – públicos. Excepção – art.º 193.º: crime público.

A referência a queixa ou participação tem por sentido o distinguir entre a entidade a quem compete levar o feito ao MP para que este dê inicio ao procedimento criminal.
“Queixa” quando a iniciativa incide sobre entidades privadas e “Participação” quando incide sobre entidades públicas.

Crime de Burla e Emissão de Cheques sem Provisão

(texto da autoria de Francisco Pereira Pinto, datado de Fevereiro de 2006 - este texto não foi revisto pelo autor)


"O maior prazer de um homem inteligente é fazer de idiota diante de um idiota que faz de inteligente”

São, assim, elementos do crime de burla:
Burla – art.º 217 CP
Elementos típicos deste crime: a-) erro ou engano sobre os factos astuciosamente provocados
b-) para determinar a outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial
c-) intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. ( Requisitos do conceito civilístico de enriquecimento sem causa: o enriquecimento de alguém; o consequente empobrecimento de outrém; o nexo causal entre ambos acontecimentos; a falta de causa justificativa do enriquecimento. (Acs. do STJ de 2745/01-5 e de 18.1.91, Acs. STJ IX, 1, 218, e Ac. 2362/01-5).
O crime de burla apresenta-se pois como a actuação de alguém que pretendendo obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente se tenham provocado, determina outrem à prática de actos que lhe causem ou causem a outra pessoa prejuízo patrimonial.
A burla é uma forma evoluída de captação do alheio servindo-se do erro e do engano para obter os mesmos resultados que outros conseguem com recurso a meios violentos ou a artifícios de rapina. O ataque ao património não se realiza através de meios materiais (apreensão da coisa violência ou intimidação, ocupação) mas através de meios intelectuais.
“O crime de burla apresenta-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar (Ac. de 19-12-1991, BMJ 412-234).”
«Com os seus variadíssimos processos, a fraude é bem o atestado do poder de inventiva e perspicácia do homo sapiens. Tem espécies e subespécies, padrões clássicos e expedientes de acaso. Há a fraude reconhecível a olho nu como infracção penal e a parva calliditas, que se abriga à sombra de uma proclamada naturalis licentia decipiendi. Há a fraude corriqueira dos clientes habituais da prisão e a fraude subtil daquela gente que sabe tangenciar a lei penal e constitui a legião dos "criminosos astutos e afortunados" de que nos conta FERRIANI» (Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, VII, pág. 168).
Trata-se fundamentalmente do uso do engano, do abuso da confiança ou de procedimentos semelhantes que impliquem a elaboração de determinada maquinação do sujeito activo contra o património de outro (vd. Juan Bustos Ramírez - Manual de Derecho Penal, p. 189).
Os elementos que preenchem e informam a tipicidade do crime de burla são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo (Ac. de 11-10-2001, proc. n.º 1295/01-5, Acs STJ IX, 3, 192).

O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é o património na perspectiva de proteger a situação de disposição que o sujeito tem sobre uma coisa.
São elementos constitutivos deste crime o uso de erro ou engano sobre factos, astuciosamente provocado; a determinação de outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial e a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.

“DUPLO DOLO”
ERRO ou ENGANO?
Vejamos: o erro ou o engano.
Na 1.ª Comissão Revisora do C. Penal referiu «ao lado do erro coloca-se o engano. Mas também não basta qualquer erro; é necessário que ele tenha sido provocado ou aproveitado astuciosamente» (BMJ 287-41)
«A mera mentira verbal pode, pois, dada a redacção deste artigo, ser meio do induzimento em erro ou do engano, excepto se a mentira for tal que a mais elementar prudência aconselha a que não seja acreditada (salvo se se provar que a vítima, por completa ignorância, ou outro motivo relevante do agente - uma deficiência passageira do raciocínio ou da atenção, resultante, por exemplo, de abalo moral recente - não estava em condições de se precaver)» (Simas Santos e Leal-Henriques, C. Penal Anotado, II, págs 837-89)
No Comentário Conimbricense (A. Almeida Costa, II, 301) referem-se a propósito deste elemento três modalidades: «quando o agente provoca o erro de outrem, descrevendo-lhe, por palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade. A segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de actos concludentes, i.e., de condutas que não consubstanciam, em si mesmas, qualquer declaração, mas, a um critério objectivo - a saber, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros ético-sociais vigentes no sector da actividade -, mostram-se adequados a criar uma falsa convicção sobre certo facto passado, presente ou futuro. Em terceiro lugar, refere-se a burla por omissão: ao contrário do que sucede nas situações anteriores, o agente não provoca, agora, o engano do sujeito passivo, limitando-se a aproveitar o estado de erro em que ele já se encontra»
Também sobre este elemento se tem pronunciado de forma pacífica este Supremo Tribunal de Justiça em diversos arestos, cuja doutrina se mantém inteiramente válida.
Ao lado do erro como meio de execução da burla coloca-se também o engano. É necessário que o erro ou engano tenham sido provocados astuciosamente pelo agente da infracção; isto é, usando de um meio engenhoso para se enganar ou induzir em erro. Trata-se de uma exigência que acresce a um dolo que já de per si é específico, pois que se exige a intenção de enriquecimento ilegítimo (Ac. do STJ de 02-07-1992, proc. n.º 42779).
(1) O burlado nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiros por que tem um falso conhecimento da realidade. simplesmente esse seu falso convencimento nasce, no caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão.
(2) A vítima, ao ser induzida em erro toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o erro. Na manutenção do erro a vítima desconhece a realidade, o agente perante o erro já existente, causa a sua persistência, prolongando-o, ao impedir, com a sua conduta astuciosa ou omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele.
(3) O segundo momento do crime de burla é a prática de actos que causem prejuízos patrimoniais.
(4) Tem de existir uma relação entre os meios empregues e o erro e o engano, e entre estes e os actos que vão directamente defraudar o património de terceiros ou do burlado. Mas se o engano é mantido ou produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo no sentido civil em prejuízo da vítima, não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerado abstractamente. Da mesma forma não importa apurar se esse meio era suficiente para enganar ou fazer cair em erro o homem médio suposto pela ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima não pode constituir uma desculpa para o agente (Ac. de 19-12-1991, BMJ 412-234).
(2) A astúcia posta pelo burlão tanto pode consistir na invocação de um facto falso, como na falsa qualidade, como na falsificação da escrita, ou outra qualquer. Interessa, apenas, que os factos invocados dêem a uma falsidade a aparência de verdade, ou, como diz a lei alemã, o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros.
(3) O burlão, actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro. É indispensável, assim, que os actos além de astuciosos, sejam aptos a enganar, não se limitando o burlão a mentir, mentindo com engenho e habilidade, revelando uma maior intensidade no dolo e uma maior susceptibilidade dos outros serem convencidos.
(4) Longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, a sagacidade do agente comporta uma regra de "economia de esforço", limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima.
(5) A idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado (Ac. de 18-10-2001, 2362/01-5, também subscrito por Simas Santos).
Finalmente, (4) por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima. (5) O engano a que o art. 217.º, n.º 1, do CP, faz referência, continua a equivaler à mera mentira (a uma mentira pré-ordenada). (6) Para a comprovação do crime de burla ganha vulto a imprescindibilidade de uma factualização expressa e inequívoca das práticas integradoras da indução em erro ou da força do engano, pois que só a partir da concretização dessas práticas e dos seus cambiantes envolventes, é lícito e possível exprimir um juízo válido e seguro acerca da vulnerabilidade do sujeito passivo da infracção e, consequentemente, da eficácia frutuosa da relação entre os actos configuradores da astúcia delineada e do erro ou engano engendrados e a cedência do lesado na adopção de atitudes a ele ou a outrem prejudiciais. (7) - Por outras palavras, é necessário que facticialmente se objective a componente subjectiva de que unicamente a insídia do agente foi determinante do comportamento da vítima. (8) Assim, constando ainda da matéria de facto provada, que na posse do indicado vale de correio o arguido dirigiu-se a uma agência de um banco onde o entregou para depósito numa sua conta bancária, tendo-lhe sido creditada a correspondente quantia, esta factualidade não autoriza o enquadramento jurídico-criminal da correspondente actuação no âmbito previsivo do crime de burla. (9) Com efeito, se a indução em erro ou engano está naturalmente afastada quanto à beneficiária titular do vale do correio (e é ela a autêntica e directa lesada deste processo), também por inverificado se tem de ter aquele requisito no concernente à entidade bancária (ou melhor, ao funcionário desta), que aceitou o vale adulterado pelo arguido e o depositou na conta deste, ausente qualquer dado indicativo ou inculcador de que o procedimento houvesse sido determinado por qualquer actuação enganadora desenvolvida pelo dito arguido e conducente àquela aceitação e àquele depósito. (10) E uma eventual passividade ou falta de cuidado da entidade bancária (ou do funcionário seu), na confirmação da autenticidade da assinatura aposta no vale não é sinónimo de aquiescência motivada por acção daquele tipo. (Ac. de 11-10-2001, Acs STJ IX, 3, 192).
Integram o conceito de artifício fraudulento do tipo legal do crime de burla, além de outros, os chamados actos concludentes: condutas que não consubstanciam em si qualquer declaração mas que, em virtude de um critério objectivo, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros sociais vigentes num sector de actividade, se mostram adequadas a criar uma falsa convicção sobre determinado facto passado, presente ou futuro. (3) Assim, pratica um crime de burla, a arguida que se apresenta como compradora de um veículo automóvel e, para pagamento do preço do mesmo, entrega dois cheques referentes a uma conta bancária que sabia estar cancelada, deste modo agindo por forma a convencer o vendedor que tal conta existia e que, nas datas respectivas, possuiria fundos suficientes para o pagamento em causa, assim o levando a entregar-lhe o referido veículo, com o que lhe veio a causar prejuízos e conseguiu um enriquecimento que sabia ser ilegítimo» (Ac. de 10-05-2000, proc. n.º 838)
Marques Borges continua a entender, de mau grado, que engano continua a equivaler à simples mentira, abrangendo as hipóteses anteriormente previstas ao artigo 456 do CP 1886. ( no seu comentário ao artigo 313 – Crimes contra ao Património – pag 22)
Almeida Costa (Comentário Conimbricense, II, pág. 300) refere que no plano criminal se exige que «a consumação do delito dependa, não de um qualquer domínio-do-erro (ainda que efectivo) mas de um domínio-do-erro jurídico-penalmente relevante», tendo em consideração uma restrição adicional do desvalor de acção subjacente à burla, cuja definição remete para o princípio da boa fé (em sentido objectivo): «uma exigência de consideração pelos interesses legítimos da outra parte, nele radica o decisivo critério da lealdade que deve acompanhar as relações das pessoas no comércio jurídico e, portanto, o limite da relevância do domínio-do-erro no quadro da burla».Traduzindo, a burla não existe pelo simples facto de o preço não ser pago mas sim quando é obtido pelo agente, para si ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo através de um dos processos que a lei refere, ou seja, por erro, engano ou astúcia por ele provocada.

Fraude Civil versus Fraude Penal:

A doutrina tem-se ocupado da questão da distinção entre a fraude civil e a fraude penal.T. S. Vives Anton (Compendio de Derecho Penal, Parte Especial, 497-8) sobre o título engano e dolo "in contrahendo", refere-se assim, à linha divisória entre a fraude, constitutiva da burla, e o simples ilícito civil.«Na doutrina civil o "dolo in contrahendo" determinante da nulidade do contrato (dolo grave ou causante) configura-se em termos praticamente idênticos ao engano constitutivo da burla (vid. Díez Picazo), inclusive quanto à eficácia causal para produzir e provocar o acto dispositivo.Em consequência, a linha divisória entre a burla e o ilícito civil, determinante da nulidade do contrato, radicará na existência ou inexistência de prejuízo obtido ou tentado - (vid. Sentença de 6.2.89, Ar. 1.479 - que afirma que o dolo "in contrahendo" é facilmente criminalizável desde que concorram os demais elementos estruturais do crime de burla).Deve destacar-se que, na prática, em geral a conduta será classificada como burla, ou tida por civilmente ilícita em função da via processual eleita pelo prejudicado, como chega a insinuar a sentença antes citada.» (na tradução do relator).Também Júlio Fabbrini Mirabete (Manual de Direito Penal II, 19.ª Edição, pá. 297-8) lembra que foram sugeridos vários critérios para se fazer a distinção entre a fraude civil e a fraude penal.«Afirma-se que existe esta (fraude penal) apenas quando: há propósito ab initio do agente de não prestar o equivalente económico; há um dano social e não puramente individual; há a violação do mínimo ético; há um perigo social, mediato ou indirecto; há uma violação da ordem jurídica que, por sua intensidade ou gravidade, tem como única sanção adequada a pena; há fraude capaz de iludir o diligente pai de família; há evidente perversidade e impostura; há uma mise-en-scène para iludir; há uma impossibilidade de se reparar o dano; há o intuito de um lucro ilícito e não do lucro do negócio etc. Afirma Hungria que, "tirante a hipótese de ardil grosseiro, a que a vítima se tenha rendido por indesculpável inadvertência ou omissão de sua habitual prudência, o inadimplemento preordenado ou preconcebido é talvez o menos incerto dos sinais. orientadores na fixação de uma linha divisória nesse terreno contestado da fraude". Na verdade; não há diferença de natureza, antológica, entre a fraude civil e a penal; Não há fraude penal e fraude civil, a fraude é uma só. Pretendida distinção sobre o assunto é supérflua, arbitrária e fonte de danosíssimas confusões (JTACrSP58/210; RT423/401). O que importa verificar, pois, é se, em determinado facto, se configuram todos os requisitos do estelionato, caso em que o fato é sempre punível, sejam quais forem as relações, a modalidade e a contingência do mesmo (RT 543/347-348).E acrescenta este Autor: «tem-se entendida que há fraude penal quando o escopo do agente é o lucro ilícito e não o do negócio (RT423/344) Isso, porque a fraude penal pode manifestar-se na simples operação civil, não passando esta, na realidade, de engodo fraudulento que envolve e espolia a vítima (RT329/121), Mas é comum nas transacções civis ou comerciais certa malícia entre as partes, que procuram, por meio da ocultação de defeitos ou inconveniências da coisa, ou de uma depreciação, justa ou não, efectuar operação mais vantajosa. Mesmo em tais hipóteses, o que, se tem é o dolo civil, que poderá dar lugar à anulação do negócio, por vício de consentimento,. com as consequentes perdas e danos (arts. 147, II, e 1.103 do CC), não, porém, do dolo configurador do estelionato (RT 547l34g) Não há crime na ausência de fraude, e o mero descumprimento do contrato, mesmo doloso, é mero ilícito civil (JTACrSP 49/173, 50/79, 51/405, RT 423/394, RTJ 93/978) (...).Configura-se o crime: (...) no obtenção de financiamento com garantia fiduciária inexistente; na compra a crédito com nome falso (JTACrSP 59/261, 62/171); na inadimplência contratual preconcebida (JTACRSP 44/166) etc.»

Burla Informática (Art. 221 C.P.):

Dispõe o artigo 221º, do CP:
“1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.---2 - A mesma pena é aplicável a quem, com intenção de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, causar a outrem prejuízo patrimonial, usando programas, dispositivos electrónicos ou outros meios que, separadamente ou em conjunto, se destinem a diminuir, alterar ou impedir, total ou parcialmente, o normal funcionamento ou exploração de serviços de telecomunicações.”---

Constituem elementos típicos do crime de burla informática:
- a interferência no resultado de tratamento de dados ou mediante incorrecta estruturação de programa informático; uso incorrecto ou incompleto de dados; aproveitamento de dados sem autorização; intervenção no processamento por meio não autorizado.
- com a intenção de obter ganho ilícito, para o próprio agente ou para terceiro.
- Causando prejuízo patrimonial.

Ver Acórdão 06-10-2005 cujo Relator Simas Santos

“– No crime de burla informática do art. 221.º, do C. Penal, o bem jurídico protegido é não só o património – mas concretamente, a integridade patrimonial – mas também os programas informáticos, o respectivo processamento e os dados, na sua fiabilidade e segurança.
3 – Se depois de roubarem uma carteira, os agentes descobrem nela um cartão multibanco e respectivo código e decidem então utilizá-lo até esgotarem o saldo, o que executam, sem estarem autorizados, cometem um crime de roubo e, em concurso real, um crime de burla informática.4 – No caso há igualmente uma autonomia e pluralidade de resoluções que sempre afastaria a consumpção da burla informática pelo roubo. Ac. STJ 06-10-2005 – relator – Simas Santos”

1.ª Questão – Crime de Burla por omissão:
- Na 1.ª Comissão revisora do texto de 1982, foi sugerido a expressão “ou aproveitou”, então usada no Anteprojecto (art.º 212), dava a ideia de punição por omissão, o que constituia um alargamento excessivo do tipo que podia conduzir, por exemplo, a que a maioria de compras de antiguidades se transformassem em crimes de burla. No anteprojecto, pôs-se em relevo que não se devia afastar o crime por omissão, pois o tipo não se alarga o demasiado pois fica sempre limitado, por um lado, pela exigência de o aproveitamento ter sido austicioso e, por outro lado de haver um dever de informar e de esclarecer. Isto é, no domínio da burla por omissão o “aproveitamento astucioso” só realiza quando havia um dever de informação que não foi cumprido. A expressão não passou para o artigo.
- MARQUES BORGES – Entende que a burla por omissão não deve ser punida. 3 motivos: 1.º a expressão “aproveitamento” de erro ou engano foi discutida; 2.º a redacção final eliminou expressamente tal termo. 3.º a remissão para a parte geral do CP não é de per si suficiente para repor a punibilidade do crime de burla por omissão.
- Tal, no entanto, não permite concluir que tenha sido afastada a possibilidade de cometimento de burla por omissão. A forma como está redigido não o faz e o art.º 10, nos termos do qual, quando um tipo legal de crime compreende um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo, salvo se for outra a intenção da lei. Contudo, a comissão de um resultado por omissão só é punível quando sobre o omitente recaia um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar esse resultado. ( Simas Santos, Borges de Pinho e Maia Gonçalves) .
- “Há situações em que o silêncio doloso sobre um erro preexistente deve ser assimilado à indução em erro para efeitos criminais: assim acontece quando a vitima desconhece a realidade, o agente se apercebe desta circunstância e causa a persistência do erro, prolongando-o e potenciando-o, ao impedir, com a sua astuciosa conduta omissiva do dever de informar, que a vitíma se liberte dele. É a burla por omissão ou aproveitamento. Ac STJ de 29 de 96/02/29, BMJ 454-532
- O crime de burla apresenta-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar. O burlado, nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiros por que tem um falso conhecimento da realidade. Simplesmente esse seu falso convencimento nasce, no caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão. A vítima, ao ser induzida em erro toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o erro. Na manutenção do erro a vítima desconhece a realidade, o agente, perante o erro já existente, causa a sua persistência, prolongando-o, ao impedir, com a sua conduta astuciosa ou omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele. O segundo momento do crime de burla é a prática de actos que causem prejuízos patrimoniais. Tem de existir uma relação entre os meios empregues e o erro e o engano, e entre estes e os actos que vão directamente defraudar o património de terceiros ou do burlado. Mas se o engano é mantido ou produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo—no sentido civil do termo, aquele que não corresponde objectiva ou subjectivamente a qualquer direito—em prejuízo da vítima, não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerado abstractamente. Da mesma forma não importa apurar se esse meio era suficiente para enganar ou fazer cair em erro o homem médio suposto pela ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima não pode constituir uma desculpa para o agente. O ofendido entregou ao arguido a quantia de 4.000.000$00, sabendo que este, na altura, aceitava depósitos em dinheiro, sobre os quais pagava o mesmo juro da Organização D. Branca — 10 % ao mês — e este aceitou esse depósito comprometendo-se a pagar os juros mensais de 10% sobre ele. Por sua vez, o réu comprometeu-se perante o ofendido a pagar-lhe juros mensais de 10% sobre a quantia depositada. Nesta parte do processo causal reside o engano em que o réu fez cair o ofendido que lhe entregou a aludida importância tão-só por estar convencido de que o réu detinha tal quantia e estava em condições de pagar juros mensais de 10 por cento. O engano utilizado pelo réu, para se apropriar de bens do ofendido, consistiu precisamente no facto de lhe prometer pagar juros de 10 por cento ao mês, sabendo de antemão que tal lhe era impossível, estando numa situação económica difícil e tendo vendido muitos dos seus bens de raiz. A inverosímil ingenuidade do ofendido não pode constituir desculpa para o agente. O certo é que o arguido pagou ao ofendido tão só 100 contos respeitante a juros, tendo-se ausentado para fora do país, sabendo o réu que estava a provocar uma diminuição patrimonial ao ofendido. Tem-se assim verificado: o engano do ofendido, a prática de actos causadores de prejuízo patrimonial com o consequente enriquecimento ilegítimo (acórdão do STJ de 19 de Dezembro de 1991/12/91, BMJ-412-234.


Qual o momento de consumação do crime de Burla?

“ Crime de Burla só se perfectibiliza com a existência de um prejuízo patrimonial: um crime que só pode ter como consumado com prejuízo patrimonial do burlado ou de terceira pessoa. Daí que o momento de consumação seja o da prática do acto de onde vem a resultar o prejuízo patrimonial – nas situações mais frequentes o da entrega jurídica ou material da coisa. – Ac. STJ de 7/10/99, proc.560/99, SASTJ, n.º 34,79)


2.º Questão: Pode o Estado ser vítima do Crime de Burla?
Cons. Pereira Madeira.
- Ac. STJ de 3/10/1996 – “Também tradicionalmente, nunca no nosso sistema juridico, se entedeu, que a realidade juridico-constitucional que tem a designação de Estado, embora seja uma entidade abstrata de direito público, mas não tem as caraterísticas de uma pesoa colectiva tal como ela é estruturada pelos direitos civil ou comercial, pudesse ser vítima de um crime de burla, já que o lesado por este crime treria que ser uma pessoa, das reguladas por estes dois ramos do direito.”
- Sentido Idêntico –
o Diogo e Monica Leite e Campos[1] que afirmam que o Estado não pode ser sujeito passivo de burla, já que o património público se protege com outros tipos, pois para certos crimes estão dispostas agravações em função da natureza da coisa subtraída. Parece, segundo estes autores, que está subtraída ao património público, podendo apenas ser cometida perante um património privado.
o Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira afirma que poderemos indiciar com ovítima em sentido estrito – como objecto da acção típica – a pessoa induzida em erro ou engano. E essa vítima só poderá ser, por natureza, uma pessoa singular. Entes colectivos, públicos ou privados, são, em si mesmos, insusceptíveis de serem induzidos em erro ou engano. O erro ou engano não é requerido na burla em sentido figurado: ele deve possuir uma dimensão psicológica. Acrescentam, assim que é duvidoso que o património do Estado possa ser protegido pela incriminação da burla.
- Ac. STJ de 10-01-2002 – “O Estado é uma pessoa colectiva de direito público e, como tal, possível sujeito passivo do crime de burla e de outros de índole patrimonial.”
o Mário Ferreira Monte – o Estado é composto por toda uma estrutura organizatória, de onde se avultam os seus funcionários, os seus serviços, que enquanto trabalham para e em nome do Estado, são eles mesmos o rosto deste. Bem sabemso quando se diz que o Estado foi enganado, em rigor, o que queremos dizer é que foi enganado através das pessoas singulares que nele trabalham. Em suma, refere o mesmo autor, o que é relevante é a relação jurídica existente, estabelecida entre dois sujeitos ( Estado e cidadão), dentro da qual a infracção decorre, ainda que um deles ( Estado), por se tratar de ente colectivo, seja afectado através de actividade de um seu servidor, concluindo que o que é relevante em sede de aplicação de direito constituído, em direito penal, é saber se o bem jurídico é violado ou não, e não saber se a vítima é esta ou aquela.
o Primeiro aspecto a ter em conta: no crime de burla não é necessário que a pessoa enganada pelo agente seja a mesma que sofre o prejuízo patrimonial. O que é essencial é que haja um elemento enganado ( vítima de engano ou erro ) e um elemento que sofra um prejuízo patrimonial em resultado de actos praticados em função do erro ou engano causado pelo agente do crime de referência. Nada resulta da lei que tal elemento não possa ser um pessoa colectiva.
o Mas poderá a tutela do crime de burla abranger tb as situações em que o Estado intervém como pessoa colectiva de direito público, sob a veste de autoridade pública, ou seja com ius imperium?
§ Diogo e Monica Leite de Campos – afirma peremptóriamente que nas relações entre iguais tudo é devido à outra parte. Nas relações de imposição só é devido o devido procedimento. Compete a quem impõe definir o comportamento do sujeito e a este cumprir. Em matéria de impostos, o Estado não pode ser sujeito passivo de burla, já que o património público se protege com outros tipos. Inclusive para certos tipos ( furto e abuso de confiança – art 299 e 300 CP de 1982) estão dispostas agravações em função da natureza da coisa substraída e tal não acontece na burla. Não se entende facilmente que na burla não haja agravação, a não ser que admitams q a burla só cabe nos quadros do património privado.
§ Paula Dá Mesquita - A inexistência desta agravação deriva tão só de uma opção de politica criminal no sentido de que a natureza pública do património não justifica uma qualificativa especial tendo mesmo estas qualificações sido eliminadas na revisão de 95 mas que ninguém preconiza que se tenha operado uma despenalização das apropriações ilícitas das coisa pertencentes aos referidos sectores.
§ Alguns Autores – Afirmam que é de afastar a tutela do crime de burla no patrimonio público do Estado, pois o mesmo é objecto de tutela específica. ( art.º 375, 376 e 377, peculato, peculato de uso e participação económica em negócio)
Furto com utilização duma artimanha (Triekdiebstahl). Outros casos de subtracção.
CASO nº 15-D. O carro acabado de lavar. A desloca-se ao Porto e como tem aí que fazer durante umas horas deixa o carro numa estação de lavagens e recolhas, perto da Baixa. Depois voltará para pagar e levar o carro, lavadinho e a reluzir como nos primeiros dias em que andou com ele. A meio da tarde, B, que sempre se entusiasmou com aquela marca de automóveis, dirige-se à estação de recolhas, onde é atendido pelo empregado C. Fingindo ser o dono do carro, paga e recebe de C as chaves da viatura, ausentando-se nela, feliz por ter conseguido dar um golpe bem urdido e melhor executado.
Responsabilidade de B e C? A pessoa enganada viu o garagista ficar privado do carro contra sua vontade. Não obstante o engano utilizado para conseguir convencer que o agente era o proprietário do carro, o que houve foi uma subtracção. É de furto que se trata.


Na burla o objecto da intenção do agente pode bem ser uma coisa determinada, mas o que marca a diferença é a perda patrimonial sofrida. Na burla são decisivos critérios de valor, não já a determinação da propriedade

A burla pressupõe não só um enriquecimento ilegítimo como o respectivo prejuízo patrimonial do lesado, enquanto que o crime de furto pressupõe a violação da propriedade.
Este caso preenche todos os elementos típicos-criminais quer do do crime de furto quer do crime de burla! No entanto defenso, em primeira ratio, que é um crime de furto por se tratar de coisa móvel alheia....A ratio do crime de burla, salvo melhor opinão tem mais um relacionamento chegado com a falsificação de documentos, passagem de moeda falsa, fraude fiscal....
Parece-me relevante que para a caracterizacão da burla, ser necessário chamar à colação uma da suas características: trata-se de um crime de relação. Isto é um crime que depende da participação da vítima, pelo que ao nível da imputação objectiva tem que se analisar as características da acção do autor ( o engano ) e da participação da vítima ( o acto de disposição realizado em virtude do erro). ( sei que isto tb se aplica ao caso).
Last but not the least, defenso que o crime de burla como acima referi, protege o património em geral, tanto mais que está no capitulo dos Crimes contra ao Património (protege mais especificamente, o prejuízo patrimonial) enquanto que o crime de furto protege a propriedade dos bens jurídicos que fazem parte do patrimonio - "coisa móvel alheia". o Crime de Furto está situado no capitulo dos crimes contra a propriedade. Em primeira análise, parece que o bem juridíco violado foi a propriedade e não o património no seu todo!




3.ª Questão: Facturas Falsas: Crime de Fraude Fiscal ou Crime de Burla?

- O arguido.., na qualidade de gerente da sociedade XXX, simulou transacções comerciais com terceiros, utilizando facturas sem correspondente em efectivas trocas e recebimento de mercadorias.
- Essas facturas, utilizadas no período compreendido entre Setembro de 1990 e julho de 1993, pelo modo que foram utilizadas, permitiram a dedução de cerca de 61 mil contos correspondente ao IVA que a referida sociedade não suportou!
- Despacho que decretou a prisão preventiva- art 218, n.º 2 al. a) – Burla qualificada; falsificação de documentos art. 256 n.º 1 al. b e c; fraude fiscal – art. 23.º do DL n.º 20-A/90, na redação do DL 394/93 de 24 de Novembro.
A utilização de facturas falsas como meio de redução de impostos a liquidar ou como meio de obtenção de reembolsos constitui o crime de fraude fiscal ( pp pelo DL 20-A/90, art.º 23, n.º 1, 2 al. c, 4, após redacção de DL 394/93) ou crime de Burla (art. 217 ou 218 CP)??
- A-) A FAVOR da possibilidade de qualificação jurídico-penal como crime de burla.
o Tese do concurso efectivo entre o crime de burla e crime de fraude fiscal. (Ac.STJ 4 e 11/10 de 1995) – Duas considerações: 1ª - por um lado os bens tutelados pelos respectivos tipos legais de crimes seriam diferentes, pois que o cirme de de burla protegeria o património e o crime de fraude fiscal tutelaria o a verdade fiscal, isto é, a verdade e a fiabilidade nas declarações fiscais; 2ª - por outro lado teriamos o art. 13 do RJIFNA ( Regime Jurídico das Infracções Fiscais não-Aduaneiras) – “ se o mesmo facto jurídico constituir simultaneamente crime previsto neste Regime Jurídico e crime comum , as penas previstas para ambos são cumuláveis, desde que tenham sido violados interesses jurídicos distintos.”
§ Apreciação Critica: esta tese só será defensável para a hipótese em que a conduta fraudulenta em causa visasse directamente um duplo prejuízo patrimonial ( e um corresponde enriquecimento): um prejuízo de um terceiro e o prejuízo do Fisco. Se este duplo prejuízo não existir, não pode existir concurso real pois tal constituiria um violação do princípio ne bis in idem.
- B-) A FAVOR da possibilidade de qualificação jurídico-penal como crime de Fraude Fiscal
o Tese da impossibilidade de o Estado poder ser vítima do crime de burla e portanto da inevitável qualificação da conduta fraudulenta, em prejuízo do erário público, como fraude fiscal. – Sendo o elemento nuclear do crime de burla o engano ou a indução em erro do sujeito passivo, só a pessoa humana pode ser objecto de tal crime, pois só ela e apenas ela pode ser ardilosamente influenciada na sua liberdade de decisão e o Estado, enquanto construção jurídica, nunca pode ser enganado. (Ac STJ de 3/10/96 com votos de vencidos de Juizes conselheiros, embora concordando com a qualificação do crime de facturas falsas como fraude fiscal, discordaram da tese da impossibilidade do Estado ser sujeito passivo do crime de burla!).
§ Apreciação Critica – O Estado como qualquer pessoa colectiva, tem os seus representantes, os seus funcionários que são pessoas individuais, que, como tal, podem ser induzidas em erro. E as decisões tomadas por essas pessoas, enquanto representantes do Estado, são decisões do próprio Estado.
o Tese da relação de especialidade entre o direito Penal Fiscal e o Direito penal Comum - está em questão uma profunda autonomia e especificidade dos regimes jurídicos das infracções fiscais face aos crimes de delito comum. Isto é, os crimes fiscais têm uma matriz e uma identidade ético-social e juridico-penal própria, donde nunca seria punível como crime de burla nos termos do CP o ilícito que apenas atingisse o património do Fisco.


AUJ de 07/05/2003 – “De harmonia com o exposto, acordam os Juízes que compõem o Pleno das Secções Criminais deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 445º do Código de Processo Penal, em:
Fixar a seguinte jurisprudência: «Na vigência do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção original e a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, não se verifica concurso real entre o crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23.º daquele RJIFNA e os crimes de falsificação e de burla, previstos no Código Penal, sempre que estejam em causa apenas interesses fiscais do Estado, mas somente concurso aparente de normas, com prevalência das que prevêem o crime de natureza fiscal»;Voto de Vencido: “Vencido pois, de Acordo com o memorando que apresentei à conferência como relator, uniformizaria a jurisprudência nos termos seguintes:
«No domínio do DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, na redacção que lhe foi dado pelo DL nº 394/93, de 24 de Novembro, o agente que inscreve na contabilidade de uma empresa uma factura emitida por outra empresa que não corresponda a qualquer transacção real, integrando assim o imposto que lhe foi supostamente facturado na declaração periódica de IVA, com o objectivo de obter da parte do Estado um reembolso a que não tinha direito, comete o crime de burla dos arts. 313º. e 314º., bem como o de falsificação do art.228.º, nº 1 do C.Penal, na versão originária, ou dos arts. 217.º,218.º e 256.º do C.Penal, na versão de 1995».
1. Não se dissente da solução dada ao concurso das normas do Código Penal e da legislação penal fiscal, mas entende-se que, antes de determinar que tipo de concurso se estabelece entre essas normas, se impõe determinar se se verifica sequer concurso entre elas.
2. Em obediência aos princípios da legalidade e da tipicidade, impõe-se começar por verificar qual(is) o(s) crime(s) que a conduta em causa corporiza, sabendo que a parte especial do Código Penal dá cumprimento ao princípio da legalidade, que tutela e protege os direitos fundamentais do cidadão, e ao seu corolário, o princípio da tipicidade: para a conduta humana assumir a dignidade de um crime, é indispensável que coincida formalmente com a descrição feita em norma incriminadora. Não basta, pois, que alguém tenha cometido um facto anti-social, merecedor da reprovação pública, se esse facto escapou à previsão do legislador.Cabe, assim, à lei e só a ela especificar quais os factos ou condutas que constituem crime e quais os pressupostos que justificam a aplicação de uma medida de segurança, optando o legislador por o fazer através de modelos ou tipos que têm como função aferir se determinados comportamentos humanos se amoldam ao desenho arquitectado pelo legislador, deve a acção tida como censurável ser típica, isto é, corresponder a um dos «esquemas» ou «delitos-tipo» objectivamente descritos na lei penal.Analisado o tipo do crime de burla tal como configurado, quer no texto original, quer na redacção actual do Código Penal, conclui-se que os elementos que preenchem e informam a respectiva tipicidade são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo.
No caso sujeito, trata-se de um agente que inscreve na contabilidade de uma empresa uma factura emitida por outra empresa que não corresponda a qualquer transacção real, integrando assim o imposto que lhe foi supostamente facturado na declaração periódica de IVA, com o objectivo de obter da parte do Estado um reembolso a que não tinha direito.
É, pois, patente a utilização por esse agente de meios adequados a provocar astuciosamente um estado de erro ou engano do Estado. E mercê do uso de tal artifício fraudulento e do erro em que, assim, a Administração Fiscal foi induzida, é esta levada a praticar um acto que lhe causa um prejuízo patrimonial. Património que, numa visão jurídico-económica, integra o conjunto de "utilidades económicas" detidas pelo sujeito, cuja fruição ou exercício a ordem jurídica não desaprova: a totalidade das "situações" e "posições" com valor ou utilidade económica, detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica ou, pelo menos, cuja fruição não é desaprovada por essa mesma ordem jurídica. Noção que se revê também no uso feito no primeiro segmento da norma em análise da expressão "enriquecimento ilegítimo".Da forma descrita, o agente leva a Administração Fiscal a praticar um acto que causa uma diminuição injustificada do património público: um acto de disposição patrimonial, que se traduz ou em compensar indevidamente um direito de crédito do Estado ou em obter deste um reembolso indevido. O que sempre se traduz numa verdadeira deslocação patrimonial do Erário Público e um enriquecimento ilegítimo para o agente ou para terceiro, actuando aquele com o objectivo de obter da parte do Estado um reembolso a que não tinha direito, assim enriquecendo ilegitimamente ele ou terceiro.3. Importa, depois, verificar se, como sucede em situações muito comuns, o agente, com a sua conduta, não preenche apenas um único ou o mesmo tipo de ilícito, mas sim mais do que um tipo ou o mesmo tipo mais do que uma vez, podendo suceder que ocorra concurso de normas incriminados, ou seja e no caso, que a conduta em causa corporize também outros crimes, designadamente fraude fiscal.Tomando em consideração o RJIFNA (DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro e na redacção do DL nº. 394/93, de 24 de Novembro) no seu art. 23.º, podemos reter que constituem fraude fiscal as condutas ilegítimas aí tipificadas que visem:
- a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto; ou
- a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
Relembremos que se trata de um agente que inscreve na contabilidade de uma empresa uma, integrando assim o imposto que lhe foi supostamente facturado na declaração periódica de IVA, com o objectivo de obter da parte do Estado um reembolso a que não tinha direito.
Se factura emitida não corresponde a qualquer transacção real, então as transacções comerciais, a que a mesma se refere, eram pura e simplesmente inexistentes, não passavam de ficção ou encenação fraudulenta destinada a enganar o Estado. E, sendo assim, é evidente que tais "operações" (ficções) não eram tributáveis.E, não sendo tributáveis, a conduta ilícita não tem em vista diminuir as receitas fiscais ou tributárias, pois aquelas não eram, no caso, devidas.
Ao obter indevidamente o reembolso, o agente, está tão só a apropriar-se de uma parte do património do Estado, utilizando, como se viu já, meios adequados a provocar astuciosamente um estado de erro ou engano do Estado, induzido através da Administração Fiscal, que é levada a praticar um acto que causa ao Estado (Erário Público) um prejuízo patrimonial.
Trata-se, pois, de um meio fraudulento estranho à actividade fiscal do Estado, equivalente portanto a qualquer outro artifício fraudulento produzido noutra esfera de actividade estatal. Os reembolsos obtidos foram-no de forma "absolutamente" indevida, já que nenhuma relação fiscal se estabeleceu entre o agente e o Estado. O artifício fraudulento constituído pelas facturas falsas é alheio à relação fiscal; o agente não actuou na veste de contribuinte, e não visou a diminuição das receitas tributárias, mas sim obter um enriquecimento ilegítimo, mediante a determinação do Estado, através da Administração Fiscal, a prática de actos que lhe causam prejuízo patrimonial.
Em síntese, o agente ficcionou uma relação fiscal para se apropriar de parte do património do Estado, ao criar um artifício fraudulento idóneo a enganar os serviços desse mesmo Estado, levando-os a fazerem-lhe uma entrega patrimonial que não lhe era devida. Não está, assim, presente o elemento subjectivo do crime de fraude fiscal (específico complexo): intenção do agente de obter para si ou para outrem vantagem patrimonial indevida, visando uma diminuição das receitas fiscais ou a obtenção de um benefício fiscal injustificado.Como não está presente a relação jurídica fiscal, pressuposta pela fraude fiscal, tendo como sujeito activo o Estado-Fisco e sujeito passivo o contribuinte, devedor do imposto ou responsável pelo cumprimento de alguma obrigação relacionada com a cobrança do imposto.
Essa relação jurídica fiscal, enquanto pressuposto necessário do crime de fraude fiscal, é sempre verdadeira e não simulada. Com efeito, o negócio jurídico simulado previsto na alínea b), do nº 1, do art.º 23 do RJIFNA, não se refere à relação jurídica fiscal, mas sim à simulação de actos tendentes a alterar os termos daquela relação. E, no entendimento deste Tribunal que se acompanha, «o legislador fiscal, ao referir-se no art. 23º da RJINF, na redacção do Dec-Lei 394/93 a simulação, teve em vista o conceito normativo do direito civil, nomeadamente da simulação relativa. Por isso, esse Diploma não tem aplicação, nos termos do art. 2º nº. 4 do C.Penal, quando os arguidos se limitaram a forjar facturas, que não titulavam qualquer negócio» (Ac. do STJ de 4-5-1994, Processo nº 45029.«(1) No art. 23º, nº 2, al. c) do DL nº. 20-A/90, de 15 de Janeiro apenas se encontra contemplada a simulação relativa e não também a simulação absoluta. (2) Não é possível falar de simulação quando o agente não celebrou qualquer negócio jurídico e se limitou a forjar factura que não titulava qualquer negócio sendo totalmente falsa.» (Ac. do STJ de 1-6-1998, Processo nº 975/98)Sem relação tributária verdadeira, não há fraude fiscal.E essa relação tributária verdadeira não se pode esgotar no mero plano formal, em que seria sempre "verdadeira" porque existente, mas no plano material, traduzida em actos tributáveis, susceptíveis de gerar receitas tributárias e correspondentes reembolsos.
4. Assumida esta posição no plano dos princípios da legalidade e da tipicidade, fica afastada a ocorrência de concurso de normas do Código Penal e do RJIFNA, o que não deve, no entanto, causar estranheza.A consideração de que o RJIFNA constitui um Código específico das matérias tratadas, pelo que «seria absurdo pensar e admitir que, tendo o poder legislativo estudado e analisado os vários comportamentos possíveis que se traduzem em violação de interesses da Fazenda Nacional, de modo directo ou indirecto, e escolhendo a penalidade que julgou adequada à prevenção e sanção, elaborando um código específico, se consentisse que o mecanismo dissuasor e punitivo desses comportamentos afinal saísse do direito penal comum se não sempre pelo menos na maior parte dos casos » (1.º e 2.º §s do relatório), só se justificando a intervenção do Direito Penal comum a título subsidiário «o que veda uma aplicação de princípios e normas alheias aos bens jurídicos que se desejaram proteger com a elaboração daquele diploma» (art. 4º do DL 20-A/90), elemento importante na tese do acórdão recorrido, impõe necessariamente uma tarefa fundamental: a clara e precisa delimitação do âmbito de aplicação de tal diploma.
Só bem definido esse limite, é que se pode afastar o direito penal comum. Ora, como vimos, essa delimitação só poderá ser material, nos termos expostos.
Por outro lado, a consideração de que o direito fiscal é votado à defesa de interesses particulares e que não se confundem, atenta a sua particularidade, com os tutelados no Código Penal, como fundamento da aludida especialização do direito penal fiscal, impõe que a sua aplicação não seja deslocada e acabe por ter lugar em relação a factos, a condutas alheias àqueles interesses particulares, como sucede com a conduta aqui em causa.Em relação a estes factos não se perfilam os interesses particulares que motivam um regime específico, e que conduziriam à injustificada aplicação de um regime que se iria mesmo mostrar muito mais favorável a criminalidade comum contra o património.
A consideração de que a fraude fiscal se consuma mesmo que nenhum dano/enriquecimento indevido venha a ter lugar, não permite afirmar que o património não seja também protegido pelo tipo. Significa somente que é antecipada essa protecção, o que não afasta a protecção de outros bens jurídicos.Com efeito, como refere Jescheck (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª Edição, pág. 6), «o direito penal tem por missão proteger bens jurídicos. Em todas a normas jurídico-penais subjazem juízos de valor positivo sobre bens vitais que são indispensáveis para a convivência humana na comunidade e que consequentemente devem ser protegidos, pelo poder coactivo do estado através da pena pública. (...)Todos os preceitos penais podem reconduzir-se à protecção de um ou várias bens jurídicos. O desvalor do resultado radica na lesão ou o colocar em perigo de um objecto da acção (ou do ataque) (v.g. a vida de uma pessoa ou a segurança de quem participa no tráfico), que o preceito penal deseja assegurar do titular do bem jurídico protegido». O que significa que poderá um só tipo legal proteger, mais do que um bem jurídico, questão a dilucidar, perante cada tipo e cada acção dele violadora.Basta atentar, na relevância dada, no desenho do tipo de fraude fiscal e sua regulamentação, ao prejuízo patrimonial e sua reparação para concluir pela protecção que se quis dar ao património do Estado com o crime de fraude fiscal. Assim se afastaria, pois, o concurso puro de infracções, entre os crimes de burla e fraude fiscal defendido pelo acórdão fundamento.
5. Resolvida esta questão, aplicaria, no que diz respeito à questão do concurso do crime de burla com o crime de falsificação, a jurisprudência fixada por este Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 19.2.92, publicado em 9.4.92, e Acórdão nº. (8/2000, publicado em 23.5.2000.” No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 228 n. 1 alinea a) e do artigo 313 n. 1, respectivamente, do Codigo Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes.).
Lisboa, 7 de Maio de 2003.
Simas Santos
Burla Informática (Art. 221 C.P.):

Dispõe o artigo 221º, do CP:
“1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorrecta de programa informático, utilização incorrecta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizada no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.---2 - A mesma pena é aplicável a quem, com intenção de obter para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, causar a outrem prejuízo patrimonial, usando programas, dispositivos electrónicos ou outros meios que, separadamente ou em conjunto, se destinem a diminuir, alterar ou impedir, total ou parcialmente, o normal funcionamento ou exploração de serviços de telecomunicações.”---

Constituem elementos típicos do crime de burla informática:
- a interferência no resultado de tratamento de dados ou mediante incorrecta estruturação de programa informático; uso incorrecto ou incompleto de dados; aproveitamento de dados sem autorização; intervenção no processamento por meio não autorizado.
- com a intenção de obter ganho ilícito, para o próprio agente ou para terceiro.
- Causando prejuízo patrimonial.

Ver Acórdão 06-10-2005 cujo Relator Simas Santos

“– No crime de burla informática do art. 221.º, do C. Penal, o bem jurídico protegido é não só o património – mas concretamente, a integridade patrimonial – mas também os programas informáticos, o respectivo processamento e os dados, na sua fiabilidade e segurança.
3 – Se depois de roubarem uma carteira, os agentes descobrem nela um cartão multibanco e respectivo código e decidem então utilizá-lo até esgotarem o saldo, o que executam, sem estarem autorizados, cometem um crime de roubo e, em concurso real, um crime de burla informática.4 – No caso há igualmente uma autonomia e pluralidade de resoluções que sempre afastaria a consumpção da burla informática pelo roubo. Ac. STJ 06-10-2005 – relator – Simas Santos”
Burla versus Abuso de Confiança
A burla distingue-se do abuso de confiança pelo facto de naquela a posse não preceder a conduta criminosa mas resultar desta. Por via de regra, na burla, o agente obtém a entrega da coisa, induzindo em erro ou enganando o seu detentor; já no abuso de confiança, o agente não tem a ideia pré-concebida de fazer sua a coisa alheia que lhe foi entregue validamente a título precário.
No Abuso de confiança o dolo é subsequente à entrega da coisa, na burla o dolo precede essa entrega.
No plano prático, a jurisprudência em matéria de burla constituiu desde sempre uma amostra completa e muitas vezes pitoresca da sociedade. Qualquer sociólogo tenderia a ver nas decisões mais recentes um reflexo das grandes particularidades da nossa época.

· Cometem o crime de burla dois indivíduos (A e B) que determinam terceiro (C) a entregar-lhes dinheiro, mediante persuasão de que um deles tinha o poder suposto de fabricar notas e lhe ia ensinar a fabricá-las (acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1959, BMJ-90-413).
· No crime de burla é necessário que o elemento “agir astuciosamente” se junte limitativamente ao dolo específico, de tal forma que, mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa intenção se revele engenhoso, enganoso, criando a aparência de realidades que não existem, ou falseando directamente a realidade. O arguido, que obteve um empréstimo com a alegação de que o mesmo se destinava à compra de um armazém, que, depois, daria de hipoteca ao credor, livre de quaisquer ónus ou encargos, fazendo-se a prova de que o credor não lhe concederia tal empréstimo se soubesse que, afinal, ele já tinha, não apenas comprado o armazém, como até arrendado, comete um crime de burla. Este crime tem como requisitos que o agente: - tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo; - com tal objectivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido sobre factos; - e dessa forma determine o mesmo ofendido à prática de actos que causem a este, ou a outra pessoa, prejuízos patrimoniais. Quanto ao elemento “astuciosamente”, estão a doutrina e a jurisprudência de acordo em que se trata de uma exigência que se vem juntar limitativamente ao dolo específico (v. Actas da Comissão Revisora do Cód. Penal, 1979, pág. 138, e Cód. Penal Anotado, Maia Gonçalves, 3ª ed., 464), de tal forma que, “mesmo havendo a intenção de enriquecimento ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa intenção tem de se revelar engenhoso, enganoso, criando a aparência de realidades que não existem (dizendo ou fazendo crer que existe o que não existe) ou falseando directamente a realidade (manifestando expressamente uma mentira)” (acórdão da Relação de Coimbra, de 1 de Junho de 1983, Col. Jur., Ano VIII, t. 3, pág. 98).
· São elementos constitutivos do crime de burla: o intuito de obter enriquecimento ilegítimo, através de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente determinem outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízos patrimoniais. Integra o elemento enganoso, o facto de os arguidos após prévio acordo se dirigirem ao ofendido, fazendo-lhe crer que eram pessoas sérias e de boa capacidade económica, prontificando-se a emitir cheques e letras, tendo com base nisso obtido a entrega do veículo por parte do ofendido (acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 1996, processo nº 48746 - 3ª Secção, Internet).
· Toda a actuação demonstra um complexo estratagema destinado a enganar o sujeito passivo, iludindo a sua boa fé e levando-o a uma falsa representação da realidade de que resultou (e aqui está a chamada relação causa-efeito) agir ela contra o seu património. Nessa actuação está patente o urdimento com exteriorização enganatória, significante da astúcia. As manobras foram colimadas a criar junto do ministério a "aparência" de uma determinada realidade não existente e se o ministério pagou no convencimento dessa realidade (e, portanto, devido a esse convencimento em que foi induzido por tais manobras), é inegável que existe uma relação de adequação de meio para fim. Se (primeiro momento), com a intenção de enriquecimento ilegítimo (e é ilegítimo aquele que não corresponde a qualquer direito), o agente convence o sujeito passivo de uma falsa representação da realidade (e o erro ou engano nisso consistem), mediante manobras (e estas podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as circunstâncias envolventes são de molde a tornar credível perante o homem médio até aos mais elaborados artifícios) adrede realizadas, e com isso consegue (segundo momento) que esse sujeito pratique actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízos patrimoniais, está perfeito o crime de burla, sendo que o enriquecimento ilegítimo é em regra concomitante (como duas faces da mesma moeda) com o prejuízo patrimonial causado pelo acto e que deve existir uma relação de causa-efeito entre o primeiro e o segundo momentos (acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, BMJ-454-531; também publicado e anotado na RPCC 6 (1996).
· Pratica o crime de burla o causídico que, tendo sido nomeado patrono oficioso do ofendido para propor uma acção de divórcio e tendo proposto uma acção de divórcio por mútuo consentimento no âmbito do patrocínio, obteve do ofendido uma procuração em que este lhe concedia "amplos poderes forenses", sem lhe dar qualquer explicação sobre a finalidade a que a destinava e, depois, veio a conseguir que ele lhe entregasse a importância de 10 contos (acórdão da Relação de Coimbra de 28 de Novembro de 1991, CJ, XVI (1991), t. 1, p. 91); * Pratica o crime de burla, e não de abuso de confiança, o advogado que, após receber da seguradora um cheque destinado ao seu cliente, o falsifica e obtém o seu pagamento junto do Banco (apôs no verso do cheque uma assinatura como se fosse a do ofendido e como se este lhe tivesse transmitido o título), causando prejuízos ao titular do cheque.
· Comete um crime de burla agravada dos artigos 313º e 314º, c), do CP de 82, o arguido que, convence a queixosa, sua tia, a transferir todo o seu dinheiro (4.509.050$00) que tinha depositado, em duas contas a prazo no banco F..., para o balcão do Banco Z..., em Mangualde, e a colocá-lo em nome dela, dele (arguido) e de sua esposa e dele se apodera depois, através da execução de um plano, contra a vontade da ofendida (acórdão do STJ de 23-01-1997, processo n.º 171/90, Internet).
· Praticam um crime de burla os arguidos que, na sequência de contrato-promessa de compra e venda de fracção de um imóvel realizado com a queixosa, continuamente lhe asseguram a celebração da escritura do contrato prometido para o mês seguinte, sabendo, no entanto, que a sociedade não tinha capacidade financeira para distratar a hipoteca e que, por conta de tal contrato, dela vão recebendo diversas quantias em dinheiro. Acórdão do STJ de 24 de Abril de 1997, BMJ-466-257
· Cometem um crime de burla um sargento e outros militares do exército, os quais, mediante promessas enganosas, de livrarem mancebos do serviço militar, conseguem que estes lhes entreguem quantias em dinheiro, que gastam em seu proveito. Oscilando entre os 20.000$00 e os 180.000$00 as quantias de que os arguidos, astuciosamente, se apropriaram, em prejuízo dos ofendidos, a esta última quantia (180.000$00) corresponde a "conduta mais grave" a ter em conta na punição do crime continuado art.º 30, n.º 2 e 79, ambos do CP, revisto em 1995. Não sendo a importância de 180.000$00, de valor "consideravelmente elevado", estamos perante em face de um crime de burla simples.
Sendo o erro e o engano elementos do tipo da burla têm que estar em relação, dum lado, com os meios empregues pelo burlão, do outro, com os actos que vão directamente defraudar o património do lesado. A conduta astuciosa do burlão motiva o erro ou engano; em consequência do erro ou engano, a vítima passa ao acto de que resulta o prejuízo patrimonial.


Crime de Emissão de Cheque sem Provisão: ( punido pelo art.º 11 do DL n.º 454/91, de 28 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 316/97 de 19 de Novembro.)

A protecção penal do cheque impõe no presente mundo devido ao seu uso genérico.

O cheque é um título cambiário, à ordem ou ao portador, literal ou formal, autonomo e abstracto, contendo uma ordem incondicionada, dirigida a um banqueiro no estabelecimento do qual o emitente tem fundos disponíveis, ordem de pagar à vista a soma nele descrita., devendo ter a menções referidas no art.º 1 da Lei Uniforme sobre Cheques.
Ver prospecto da PJ – Simas Asntos, pag 841

São elementos constitutivos do crime:

- a-) Emissão de um cheque – que consiste no seu preenchimento e entrega a tomador;

- b-) Falta ou insuficiência de provisão - o que caracteriza o crime é a falta de provisão, quando apresentado o cheque a pagamento dentro de 8 dias. O Facto do portador saber, na altura que recebeu o cheque, que o mesmo não tinha provisão, não é elemento que exclua a criminalidade do Acto, uma vez que a incriminação não se destina apenas a proteger os interesses patrimoniais do portador, mas visa sobretudo a protecção do interesse social, a segurança das relações jurídico-económicas em relação ao perigo resultante de passagem irregular de títulos de crédito.

- c-) dolo genérico – basta que esteja presente a intenção do agente de praticar o facto, tendo consciência da falta de provisão e da ilicitude dessa conduta. (doutrina adoptado pelo Assento de 80-11-20.

Condições de punibilidade do crime:

- a-) apresentação a pagamento dentro de prazo legal – a contar do dia que figura no cheque como de emissão
- b-) verificação do não pagamento ou insuficiência de provisão – não basta que o cheque seja apresentado a pagamento no prazo legal, sendo ainda necessário que a verificação da falta de provisão tenha lugar no mesmo prazo. De acordo com o art.º 41 de LUC , a declaração deve ser feita antes de expirar o prazo para apresentação, podendo, no entanto, se o cheque for apresentado no último dia do prazo, ser a mesma declaração feita no primeiro dia útil seguinte. Exige-se que essa declaração manifeste inequivocamente que o cheque não tem cobertura.

Estas duas condições objectivas de punibilidade, de verificação simultânea, são insusceptíveis de suprimento por qualquer meio de prova, ou seja, só a prova decorrente da declaração de recusa de pagamento feita por qualquer dos modos previstos no art.º 40 da L.UC. vale como meio de prova.

Ver quadro de estruturação do crime – pag 842 Simas

Cheque de garantia – aquele que tem por objectivo garantir o pagamento de um crédito do tomador) é segundo a jurisprudência, susceptível de ser objecto de c rime se se verificarem os requisitos legais pela lei.

Crime de emissão de Cheque pré-datado sem provisão – em que é aposta uma data posterior à sua entrega. – A jurisprudência tem entendido que é punível

- tudo se conjuga para o entendimento de que essa foi a intenção do legislador, i.e., punir o cheque sem provisão mesmo que apresentado a pagamento antes da data nele aposta. Só assim se pode harmonizar as razões determinantes da punição com o caracter do ilícito, marcadamente de perigo assumido ou abstracto (isto é, não se torna necessário que o sacador emita o cheque para prejudicar beneficiários e assim a circulação do cheque como meio de pagamento e moeda boa para o realizar, sendo suficiente o perigo de lesão de interesse digno de tutela jurídica.
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Questão : Haverá crime mesmo naqueles casos em que o tomador do cheque, sabendo que o mesmo não tem cobertura, o aceita mediante compromisso escrito com o emitente no sentido de o apresentar a pagamento só depois de verificada certa condição suspensiva? – é que o consentimento do ofendido, nos termos do art.º 38 n.º 1 do CP , só exclui a ilicitude do facto quando se refira a interesses livremente disponíveis e o interesse que subjaz à incriminação do cheque sem fundos não é exclusivamente um interesse patrimonial dos tomadores ou beneficiários mas, de preferência, o interesse público da circulação do cheque como meio de pagamento com vista à realização dos objectivos de rarefacção da circulação fiduciária de moeda e saída de fundos do circuito bancário.


Para que o crime de burla se verifique é necessário que se configure e estabeleça uma relação causal adequada entre o erro e o engano criados e a prática de actos pelo ofendido que, a esta ou a outra pessoa, sejam patrimonialmente prejudiciais sem o que aqueles seriam irrelevantes para que estes actos fossem praticados e daí que «incorre no crime da alínea c) do n.º 1 do artigo 11 do Decreto-Lei 454/91 de 28 de Dezembro e não nos de falsificação de cheque (...) e de burla (...) o sacador de cheque que, depois de o emitir, vai ao banco sacado, onde tem provisão e, de má fé, diz que o título (ou o livro deles) se extraviou e dá ordem de não pagamento"- vd. Ac. STJ de 21-09-95, no proc. 047211, sendo relator o Sr. Conselheiro Sá Nogueira, in dgsi site.
Seria de todo difícil considerar que aquilo que começa por ser um negócio jurídico regular entre duas partes que se conhecem e negoceiam entre si há mais de dois anos, tendo o vendedor sobre o comprador um crédito resultante de vendas anteriores, se tornasse numa burla quando perante a exigência de emissão de um cheque para garantia do pagamento se viesse a apurar que tal cheque não teve boa cobrança.
Fosse a falta de provisão, fosse a ordem de pagamento para que tal cheque não fosse pago, ordem essa dada antes ou depois da sua emissão, cremos que em qualquer dos casos esse elemento não transforma um não pagamento em burla, por ausência de um meio ardiloso, através de ou engano, causal da entrega que o vendedor faz ao comprador da mercadoria.

2.ª Questão : paginas 743 e 744 Maia Gonçalves
[1] “Burla e Impostos”, in Separata da Revista da rodem dos Advogados