terça-feira, setembro 15, 2009

A responsabilidade civil conexa com a criminal

(texto de Mónica Travessa Ferreira, para a sessão de 3 de Março de 2009)

A responsabilidade civil conexa com a responsabilidade penal; o pedido de indemnização civil.

I – A prática de uma infracção criminal é possível fundamento de duas pretensões dirigidas contra os seus agentes:
- uma acção penal, para julgamento e, em caso de condenação, aplicação das reacções criminais adequadas;
- uma acção cível, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais que a infracção tenha causado.

Estas duas acções apresentam uma estreita conexão entre si mas não se confundem, daí que se tenha discutido se deverão as mesmas ser objecto do mesmo processo ou se deverão ser decididas em processos autónomos, de jurisdições diferentes.
A este propósito podemos identificar:
a) O sistema da identidade: apenas tem interesse histórico. Figueiredo Dias apelidou-o de “sistema da confusão” total. Corresponde a uma fase da evolução do direito penal em que este ainda se confunde com o direito civil – ainda não está presente o interesse na punição do culpado, mas apenas o interesse da vítima em obter vingança e reparação;
b) O sistema da absoluta independência: é o sistema seguido em Inglaterra, Estados Unidos da América e Brasil. Tem como pressuposto as diferentes finalidades que as acções penal e cível se propõem realizar;
c) O sistema da interdependência ou da adesão: é o sistema perfilhado pela maioria das legislações. Tem inúmeras cambiantes mas apresenta como denominador comum a possibilidade ou a obrigatoriedade de juntar a acção cível à acção penal, permitindo que o juiz penal decida também a acção cível.

É este o sistema também consagrado entre nós no artigo 71.º do Código de Processo Penal. Assim, o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal só pode ser exercido no próprio processo penal, nele se enxertando o procedimento cível a tal destinado.

Do ponto de vista das leis penal e processual penal, a indemnização civil fundada na prática do crime é encarada como um instituto de natureza estritamente civilístico, e como tal deve ser substantivamente encarado e tratado.
Tal resulta, claro, do art.º 129.º do CP (A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil), e tem expressão em toda a regulamentação dos art.ºs 71.º e ss. do CPP.
Já, porém, no aspecto processual, e tendo em conta o princípio da autonomia do processo penal, o correspondente pedido rege-se pelas normas pertinentes do CPP, sem prejuízo da aplicabilidade, como direito subsidiário, das normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal – art.º 4º.
A este propósito, cfr. o Ac. Rel. Porto, de 24.01.94, in CJ, XIX, tomo 1, pág. 253 onde se prescreve que “no pedido de indemnização civil formulado em processo penal não é aplicável o art.º 631.º do CPC, mas sim o 316.º, n.º 1, CPP, em matéria de substituição e adicionamento de testemunhas – questão processual ;
Cfr., também, o Ac. Rel. Coimbra, de 21.11.96, in CJ, XXI, tomo 5, pag.55, onde foi admitida a ampliação do pedido de indemnização civil em processo penal, numa aplicação das regras do processo civil sobre ampliação do pedido.

O princípio é o de que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime deve ser accionado no processo penal, só o podendo ser em separado nos casos previstos na lei.
O Código adoptou, pois, um sistema de adesão obrigatória da acção civil à acção penal, embora mitigado.

II – Este sistema de adesão obrigatória estava já consagrado no CPP de 1929 – artigo 29.º − e tinha como traço fundamental a possibilidade de o juiz condenar o réu em indemnização civil sem necessidade de pedido expresso (artigo 34.º do CPP de 1929) mesmo em caso de absolvição do crime (artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 605/75, de 3-11).

Em 1987, ficou consagrada a necessidade de formulação expressa do pedido cível para que o juiz penal possa arbitrar uma indemnização.
Manteve-se, pois, o princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal.
Restringiu-se o patrocínio oficioso do MP aos carecidos de meios económicos – cfr. a este propósito a Circular da PGR n.º 14/88.
Estabeleceu-se a obrigatoriedade de o tribunal informar o lesado de um crime dos direitos civis que lhe assistem e da forma pela qual os pode fazer valer no processo penal e, ainda, a intervenção subsidiária do MP na dedução do pedido.
Ficou ainda estabelecida a possibilidade de o juiz atribuir provisoriamente ao lesado uma soma adequada sempre que não possa ou não deva decidir sobre o pedido de indemnização civil ou este deva ser liquidado só em execução de sentença.

O regime do pedido de indemnização civil em processo penal foi objecto de profundas alterações pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, no sentido, sobretudo, de melhorar a protecção do lesado no âmbito do processo penal.
Sem prejuízo do que diremos mais à frente, apontamos já as alterações que nos parecem mais significativas:
- a omissão do dever de informação do lesado passou a constituir fundamento para a dedução em separado do pedido – art.º 72.º, n.º 1, al. i);
- o dever de informação é alargado aos OPC’s, quando for caso disso – art.º 75.º, n.º 1;
- estabeleceu-se a obrigação das pessoas interessadas em deduzir o pedido de indemnização o declararem no processo até ao encerramento do inquérito;
- prevê-se, em último caso, a possibilidade de intervenção espontânea do lesado que não tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização ou que não tenha sido notificado para o fazer;
- O regime da representação sofreu grandes alterações – num esforço de conciliação com as regras do processo civil e com o EMP:
- afirmou-se o princípio de representação do lesado por advogado, mas admitiu-se a sua intervenção sem advogado nos casos em que também o pode fazer em processo civil (artigo 32.º, a contrario, do CPC) – possibilitou-se que, na maioria dos casos, o lesado pudesse obter o ressarcimento dos seus danos através de um procedimento informal, baseado numa simples declaração no processo, com indicação dos prejuízos e das provas que pretende apresentar;
- o regime de intervenção do MP em representação do lesado não foi eliminado mas foi harmonizado com o regime resultante do seu estatuto orgânico e com o processo civil – artigo 76.º, n.º 3, prevê a intervenção do MP em representação do Estado e das outras pessoas e interesses cuja representação lhe seja atribuída por lei. É o caso, designadamente, dos incapazes, dos incertos e dos ausentes.
- O art.º 82.º-A veio consagrar a possibilidade de o tribunal, oficiosamente, poder arbitrar, como efeito penal da condenação, uma reparação pelos prejuízos sofridos, quando o imponham particulares exigências de protecção da vítima.

III – Passando à análise do processamento do pedido de indemnização cível no processo penal:
Como já ficou dito, a regra é a da obrigatoriedade de dedução do pedido cível no processo penal – artigo 71.º − desrespeitando-se este princípio, há uma preclusão do direito à indemnização pois fica-se impossibilitado, no futuro, de se recorrer aos meios civis para obtenção do ressarcimento dos prejuízos sofridos.

O artigo 72.º consagra, porém, as excepções ao princípio da adesão obrigatória, que podem ser agrupados nas seguintes categorias:
- protelamento ou arrastamento excessivo do processo penal (a), por não haver acusação passados oito meses sobre a notícia do crime ou por o processo estar sem andamento por igual período;
- arquivamento ou suspensão provisória do processo penal, ou extinção do procedimento antes do julgamento (b);
- procedimento dependente de queixa ou acusação particular (c), caso em que a prévia dedução do pedido perante a jurisdição civil vale como renúncia ao direito de queixa ou de acusação (n.º 2);
- ausência de danos no momento da acusação, ou desconhecimento da sua existência ou extensão (d);
- silêncio da sentença penal quanto ao pedido formulado, por o juiz ter remetido as partes para os meios comuns, nos termos do art.º 82.º, n.º 3 (e);
- ter o pedido cível sido deduzido contra o arguido e responsáveis civis, ou somente contra estes haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido (f);
- diferente espécie dos tribunais passíveis de intervir na parte criminal e civil, por o valor do pedido cível permitir, se deduzido no foro civil, a intervenção do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante o tribunal singular (g);
- forma especial, sumária ou sumaríssima, em que deva ocorrer o processo penal (h);
- falta de informação do lesado acerca do direito de formular o pedido cível no processo penal, em violação do dever de informação que consta do art.º 75.º, ou falta de notificação do despacho de acusação ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, para, querendo deduzir o pedido, em violação do art.º 77.º, n.º 2.

Umas notas particulares para as alíneas:
b) o processo criminal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o processo se tiver extinguido antes do julgamento
Pergunta-se: extinto o procedimento criminal por morte do arguido antes do julgamento o processo penal pode prosseguir quanto ao pedido de indemnização cível?
Ac. RC de 16-5-1994 e Ac. RL de 15-4-1998: não é possível o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido cível. O lesado deve, pois, recorrer aos tribunais cíveis para ver ressarcidos os seus danos.
E se o processo penal se extinguir por amnistia?
Ac. Fixação de Jurisprudência n.º 1/98: “Quando, por aplicação da amnistia, se extingue a acção penal, e apesar de não ter sido deduzida acusação, poderá o ofendido requerer o prosseguimento do pedido cível”.
Quanto à extinção por prescrição:
O AUJ 3/2002, de 17.01.02, in DR 1-A, nº54, de 05.03.02, julgou que “extinto o procedimento criminal, por prescrição, depois de proferido o despacho a que se refere o art.º 311.º do Código de Processo Penal, mas antes de realizado o julgamento, o processo em que tiver sido deduzido pedido de indemnização civil prossegue para conhecimento deste”.

c) O procedimento depender de queixa o de acusação particular
A excepção prevista na alínea c, do nº1 tem como objectivo evitar o recurso obrigatório ao processo criminal, por parte do ofendido de crimes particulares ou semi-públicos. Por isso, deve ser interpretada restritivamente, de maneira a que dela não resulte a possibilidade de o ofendido que tenha exercido o direito de queixa ou de acusação, poder deduzir, em separado, pedido cível ao mesmo tempo que faz prosseguir o processo criminal.

h) o processo penal decorrer sobre a forma sumária ou sumaríssima
Processo sumário: O formalismo do pedido cível no processo sumário é muito reduzido – o pedido e a contestação são apresentados em requerimento escrito, ou verbalmente, para a acta – art.º 388.º.
Se o julgamento do pedido não se compadecer com os trâmites do processo deverá ser decidida a tramitação sob a forma de processo comum – art.º 390.º.
Para além disso o pedido pode, logo desde o início, ser deduzido em separado.
Processo sumaríssimo: nesta forma de processo, não é lícita a intervenção de pessoas com responsabilidade meramente civil – art.º 393.º.
Estas podem dirigir-se ao MP que proporá, se for caso disso, o pedido de indemnização.
Independentemente disso, elas próprias poderão propor acção em separado para o ressarcimento dos seus danos.

Quanto ao n.º 2 do mesmo artigo:
Se o lesado, titular do direito de queixa ou acusação num crime semi-público ou particular, deduziu pedido de indemnização nos tribunais cíveis não pode posteriormente apresentar queixa pelos mesmos factos uma vez que tal opção equivale a renúncia ao direito de queixa ou acusação.
Já será diferente naqueles casos em que a causa de pedir da acção civil e da acção penal são diferentes – é o caso do Ac. RE de 24-10-1995: A intenta uma acção cível contra B cuja causa de pedir é o incumprimento de um contrato de compra e venda, pedindo o pagamento de parte do preço em dívida. Depois quer apresentar queixa-crime por emissão de cheque sem provisão porque o cheque que B lhe dera para pagamento dessa parte do preço não tinha provisão. Aqui pode, porque são diferentes as causas de pedir, e assim o recurso prévio à via cível não equivale a renúncia ao direito de queixa.
Cfr. AUJ 5/00, de 19.01.00, in DR 1-A, nº52, de 02.03.2000, onde se diz que a dedução, perante a jurisdição civil, do pedido de indemnização, fundado nos mesmos factos que constituem objecto da acusação, não determina a extinção do procedimento quando o referido pedido cível tiver sido apresentado depois de exercido o direito de queixa se o processo estiver sem andamento há mais de oito meses após a formulação da acusação.

A ideia geral a reter acerca das excepções ao princípio da adesão é a de que, tirando os dois primeiros casos da alínea b, o caso da alínea e e, ainda, o da alínea h (mas esta só no que se refere ao processo sumaríssimo), o pedido em separado constitui uma opção do lesado, incluindo no caso da alínea b, parte final. Neste último caso, de extinção do procedimento criminal antes do julgamento, o processo poderá, pois, prosseguir ao serviço, tão só, do pedido cível que já tenha sido deduzido, desde que já haja acusação, porque, se ela não existe, o pedido cível carece de qualquer referência.

Legitimidade para dedução do pedido de indemnização cível (legitimidade activa):
- O lesado – art.º 74.º, n.º 1, do CPP – a pessoa que sofreu danos, materiais ou morais, ocasionados pelo crime, ainda que não se tenha constituído ou não possa constituir-se assistente;
- O MP – art.º 76.º, n.º 3, do CPP – em representação do Estado e das pessoas ou interesses cuja representação lhe seja atribuída por lei;
- As Instituições de Segurança Social, nos termos e para os efeitos do art.º 2.º, n.º 2, do DL n.º 58/89, de 22 de Fevereiro.

Legitimidade passiva:
- Em regra, será deduzido contra o agente do crime;
- Pode ser deduzido, também, contra os responsáveis meramente civis, incluindo as seguradoras da responsabilidade civil.
Os responsáveis meramente civis podem intervir voluntariamente no processo (art.º 73.º, n.º 1), mas, a intervenção voluntária não habilita o interveniente (responsável meramente civil) a praticar actos que o arguido tiver perdido o direito de praticar (n.º 2).
Por esta via, pretendeu evitar-se que o arguido recupere direitos que deixara caducar.

Poderes processuais do lesado
Foram moldados pelos do assistente (art.º 74.º, n.º 2), no correspondentemente aplicável, restringindo-se à sustentação e prova do pedido que formulou.
O lesado que tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização deve, em especial, ser notificado do arquivamento do inquérito (art.º 277.º, n.º 3);
e pode requerer, em relação ao arguido ou responsáveis meramente civis, a prestação de caução económica ou o arresto de bens (art.º 227.º, n.º 2, e 228.º).

Poderes processuais do demandado cível e dos intervenientes
Foram moldados pelos do arguido, no correspondentemente aplicável, e limitados à sustentação e à prova das questões civis debatidas no processo (art.º 74.º, n.º 3).
Existe independência entre a defesa criminal e a civil, e, por isso,
a confissão, de qualquer dos demandados ou intervenientes,
a desistência
ou a transacção acerca do pedido cível (quanto à desistência, rege, expressamente, o art.º 81.º, a)
não implicam com o normal desenvolvimento da acção penal;
a relação entre cada uma das defesas cíveis, de dependência ou independência, resultará do que, a tal respeito, regem as normas de processo civil.

Direito ao recurso
As partes civis têm legitimidade para recorrer das decisões que lhes são desfavoráveis (art.º 401.º, n.º 1, c, e 404.º).

Direito à informação
A fim de possibilitar o exercício do direito de indemnização e o cumprimento do ónus da adesão da acção cível ao processo penal, o art.º 75.º, n.º 1, carrega as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal, no seu âmbito de actuação e competência, com o dever de informar o lesado do direito de deduzir o pedido de indemnização e dos trâmites a observar, para o efeito.
Até ao encerramento do inquérito, o lesado deverá informar no processo a intenção de o fazer, e isso para que, na altura própria, possa ser notificado, nos termos do n.º 2, do art.º 77.º, para deduzir o pedido.
Se, apesar de avisado do seu direito, nos termos do n.º 1 do art.º 75.º, o lesado não informar, até ao termo do inquérito, do seu propósito de entrar com o pedido de indemnização, ou se pura e simplesmente, a autoridade judiciária omitiu o dever de o notificar, nos termos do citado art.º 77.º, n.º 2, ainda lhe restará uma possibilidade, deduzindo o pedido nos 20 dias posteriores à notificação ao arguido da acusação ou, não a havendo, do despacho de pronúncia (art.º 77.º, n.º 3).
Só que, nesta hipótese, terá de estar atento, porque nada obriga a autoridade judiciária a informá-lo da data daquela última notificação.
O incumprimento do dever de informação previsto no art.º 75.º, n.º 1, ou do dever de notificação previsto no art.º 77.º, n.º 2, constitui, assim, mera irregularidade, sem consequências.
Em todo o caso, nunca o lesado verá precludido o seu direito de acção, pois aquela violação dos deveres de informação, nos termos do artº75º, nº1, ou de notificação, nos termos do artº77º, nº2, constitui, precisamente, um dos casos que justificam a dedução em separado do pedido cível, como se viu atrás.

Representação judiciária do lesado e dos demandados (art.º 76.º)
O lesado pode fazer-se representar por advogado, sendo essa representação obrigatória nos mesmos casos em que o seria se o pedido fosse presente à jurisdição civil (n.º 1).
Já os demandados e os intervenientes devem fazer-se representar por advogado (n.º 2).

Prazo e modo de formulação do pedido – art.º 77.º
- Quando deduzido pelo MºPº, em representação do Estado ou das pessoas e interesses cuja representação lhe cabe, ou pelo assistente, o pedido deve ser formulado na acusação ou no prazo em que esta deve ser formulada (n.º 1).
Nesta segunda hipótese (dedução do pedido em separado da acusação), o requerimento do MºPº ou do assistente deve ser articulado.
- Quando deduzido pelo lesado que não seja assistente, o pedido é deduzido em requerimento articulado, nos seguintes prazos:
- 20 dias, a contar da notificação prevista no n.º 2;
- não tendo sido notificado, por qualquer motivo, 20 dias a contar da notificação ao arguido da acusação ou do despacho de pronúncia (n.º 3).

Nada obsta a que o pedido de quem se não constituiu assistente seja formulado mesmo na fase de inquérito, ficando, naturalmente, a sua viabilidade e o seu alcance sujeito à acusação ou à pronúncia que vierem a ser deduzidas.
Isto porque, como disse atrás, é sempre a acusação ou a pronúncia que fornecem o referencial do ilícito causador dos danos indemnizáveis.

Se o valor do pedido dispensar a constituição de advogado, pode o lesado, dentro dos prazos atrás referidos, deduzi-lo, por si, em requerimento simplificado e informal, que pode ser formulado oralmente, em auto, com indicação do prejuízo sofrido e das provas (n.º 4).

Como já ficou dito:
Para o processo sumário, rege o art.º 388.º (no início da audiência).

Em processo sumaríssimo, o pedido cível não é admitido (art.º 393.º).

Trâmites do pedido posteriores ao requerimento inicial do lesado – art.º 78.º a 83.º
A contestação deve ser, tal como o pedido, articulada e ser deduzida no prazo de 20 dias (art.º 78.º, n.ºs 1 e 2) posteriores à notificação para tal.
Os elementos a transmitir com a notificação devem ser os correspondentemente aplicáveis indicados no art.º 235.º, CPC, por aplicação subsidiária, nos termos do art.º 4.º.
Não há efeito cominatório para a falta de contestação, mesmo a dos responsáveis meramente civis (art.º 78.º, n.º 3).
Também não há lugar a reconvenção.

Provas (art.º 79.º)
As provas são oferecidas com os articulados, e podem ser de qualquer natureza, de entre as admissíveis.
Há limitação quanto ao número de testemunhas – máximo de 10 ou de 5, por cada requerente, demandado ou interveniente, consoante o valor do pedido exceda ou não a alçada do tribunal da relação, em matéria cível (art.º 79.º, n.ºs 1 e 2).

Saneamento
No despacho a que se reporta o art.º 311.º (em que faz o saneamento do processo, quando este lhe é remetido com a acusação ou com o despacho de pronúncia) o juiz pode rejeitar liminarmente o pedido, se ele for manifestamente improcedente ou ocorrerem excepções dilatórias insupríveis, que sejam de conhecimento oficioso.

Julgamento (art.º 80.º)
A comparência das partes civis no julgamento não é, em princípio, obrigatória; só o será se forem chamados a prestar declarações a que não puderem recusar-se (art.º 80.º).
As partes civis não podem depor como testemunhas (art.º 133.º, n.º 1, c), mas podem prestar declarações (art.º 145.º e 347.º).
No mais, a intervenção das partes civis em julgamento tem o seu assento próprio nas normas que disciplinam esta fase do processo.

Renúncia, desistência e conversão do pedido
Em harmonia com a natureza civil do direito de indemnização, o lesado pode, em qualquer altura do processo,
renunciar ao direito de indemnização,
desistir do pedido formulado
e, até, converter o pedido em diferente atribuição patrimonial, desde que prevista na lei, como são os casos contemplados no art.º 130.º, n.ºs 2 e 3, CP (objectos declarados perdidos para o Estado, o produto da sua venda, o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, o montante da multa).
Nos casos de adesão facultativa, nada impede, também, a simples desistência da instância, com efeitos meramente processuais.

Liquidação em execução de sentença e reenvio para os tribunais civis (art.º 82.º)
Liquidação em execução de sentença
Como no processo civil, pode o tribunal, se não dispuser de elementos bastantes, condenar no que se liquidar em execução de sentença, correndo, então, a execução perante a jurisdição civil, isto sem prejuízo de, oficiosamente ou a requerimento, condenar, desde logo, se, para tal, tiver elementos, numa indemnização provisória por conta da indemnização a fixar depois.

Reenvio para os tribunais civis
Oficiosamente, ou a requerimento, pode o tribunal remeter as partes para os meios cíveis, se
as questões suscitadas inviabilizarem uma decisão rigorosa
ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente a questão penal.
É que, por vezes, ou a estrutura do processo penal não se adequa a certas questões de complexidade marcadamente civilística ou as incidências do pedido cível podem retardar para além do admissível a conclusão da acção penal.
É para isso que, fazendo apelo ao bom senso do juiz, o legislador lhe atribuiu o poder oficioso previsto no n.º 3 do art.º 82.º.

Exequibilidade provisória
Pode o juiz, também, a requerimento do lesado, e independentemente do trânsito em julgado, declarar a condenação em indemnização civil, no todo ou em parte, provisoriamente executiva, nomeadamente, sob a forma de pensão – art.º 83.º.

Julgamento penal absolutório
Ainda que absolutória no aspecto penal, a sentença deverá condenar em indemnização civil, se o pedido respectivo se revelar fundado e o tribunal não tiver usado da faculdade de remeter as partes para os tribunais civis (art.º 377.º).
O AUJ 7/99, de 17.06.99, in DR 1-A, nº179, de 03.08.99, fixou a seguinte jurisprudência: Se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no art.º 377.º, n.º1, CPP, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade contratual.
Há, na realidade, uma autonomia entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal, no entanto, aquele artigo pressupõe que a indemnização se funde nos mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal.
A condenação civil deve ter, pois, como fundamento o mesmo facto voluntário que integra o objecto da acusação ou pronúncia, embora despojado dos elementos que o qualificavam como crime mas não dos que lhe dão relevo como fonte de responsabilidade civil extracontratual.

Casos especiais de reparação civil
Em caso de condenação penal do arguido, pode o tribunal, também de ofício, mas respeitando o princípio do contraditório, arbitrar indemnização ao lesado que não tenha deduzido pedido cível, nem o tenha formulado em separado, quando particulares exigências de protecção da vítima o justifiquem (art.º 82.º-A).
Esta é uma válvula de escape do sistema de adesão, sistema este que é fundamentalmente centrado no princípio civilístico do dispositivo.
Tem em vista atalhar às situações particulares de vítimas carenciadas de protecção.
A avaliação dessas situações fica entregue ao bom senso do juiz.
A quantia é arbitrada “a título de reparação dos prejuízos sofridos”, mas não tem a pretensão de ser uma indemnização.
Dadas as circunstâncias em que é arbitrada e às finalidades que serve, o seu valor tenderá a ser inferior ao da verdadeira indemnização, mas será descontado em caso de futura acção indemnizatória.
Não obstante a aparente intenção limitativa da sua letra, deve entender-se que a norma abrange não só a pessoa directamente lesada pelo crime, mas, também, todo o lesado que, nos termos da lei, tenha direito de indemnização.

Caso julgado – art.º 84.º
Na decorrência lógica do carácter civilístico da indemnização, o art.º 84.º confere à decisão penal que julgar o pedido cível a eficácia de caso julgado que o código de processo civil atribui às sentenças cíveis.

IV – Acabamos de ver o processamento do pedido de indemnização civil deduzido contra pessoas com responsabilidade civil.
Porém, o artigo 130.º do CP prevê a criação de um seguro social destinado a assegurar a indemnização do lesado quando a mesma não possa ser satisfeita pelo arguido.
O Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, que veio a ser alterado pela Lei n.º 31/2006, de 21 de Julho, deu um primeiro passo no sentido de concretizar esse objectivo tendo em vista (em consonância com instrumentos internacionais, nomeadamente do Conselho da Europa) indemnizar as vítimas de criminalidade violenta.
Nesta indemnização não está em causa a efectivação por parte do Estado de uma sua responsabilidade pelo facto ilícito gerador de indemnização civil fundada na prática de um crime, mas sim de uma indemnização baseada na ideia de solidariedade social.
A atribuição desta indemnização é feita por via administrativa, sendo da competência do Ministro da Justiça, assistido por uma comissão, à qual compete a instrução e cuja composição consta do artigo 6.º, n.º 2, do referido DL.
O DReg. n.º 4/93, de 22 de Fevereiro, veio regulamentar o DL n.º 423/91.
Este diploma é muito específico: apenas se aplica quando estejam em causa vítimas de certos crimes e determinado tipo de danos, e mediante a verificação de certos requisitos. Assim:
Nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do DL 423/91, apenas podem requerer a indemnização as vítimas de crimes que envolvam a prática de actos intencionais de violência de que decorram lesões graves.

Danos indemnizáveis:
A indemnização é restrita ao dano patrimonial resultante da lesão, fixada equitativamente com os limites máximos constantes do artigo 2.º.

Montante da Indemnização
No montante da indemnização serão tomadas em consideração todas as importâncias recebidas de outra fonte, nomeadamente do agente do facto ou da segurança social.
Em relação às importâncias recebidas a título de seguro de vida ou de acidentes pessoais, estas só serão levadas em conta na medida em que a equidade o exija.

Requisitos (artigo 1.º, n.º 1):
- da lesão ter resultado uma incapacidade permanente, uma incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de pelo menos 30 dias ou a morte;
- ter o prejuízo causado uma perturbação considerável do nível de vida da vítima ou, no caso de morte, do requerente;
- não ter a vítima obtido a efectiva reparação do dano em execução de sentença condenatória relativa a pedido cível deduzido nos termos do artigo 71.º e s do CPP, ou
Ser razoavelmente de prever que o demando e responsável civil não reparará o dano não sendo possível obter a reparação por outra via.

Legitimidade para o pedido:
- a vítima;
- em caso de morte desta, as pessoas que nos termos do artigo 2009.º do CC têm direito a alimentos, e as que, nos termos da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, vivessem com ela em união de facto;
- as pessoas que auxiliaram voluntariamente a vítima ou as autoridades na prevenção da infracção, perseguição ou detenção do agente (artigo 1.º, n.º 3);
- o Ministério Público – artigo 5.º, n.º 1.

Prazo para o pedido:
Artigo 4.º − o pedido de concessão da indemnização deve ser apresentado no prazo de um ano a contar da data do facto (se a vítima for menor pode apresentar o pedido até um ano depois de atingir a maioridade ou a emancipação)
Se tiver sido instaurado processo criminal estes prazos podem ser prorrogados e expiram após uma ano sobre a decisão que põe termo àquele processo.
O Ministro da Justiça pode relevar o requerente do efeito da caducidade se justificadas circunstâncias morais ou materiais tiverem impedido a apresentação atempada do pedido.

O direito a indemnização mantém-se, ainda que não seja conhecido o autor dos actos intencionais de violência ou por outra razão aquele não possa ser condenado ou acusado.

Competência para a decisão do pedido:
Ministro da Justiça – artigo 6.º, n.º 1.

Procedimento:
- o pedido é dirigido ao Ministro da Justiça e entregue na Comissão para a Instrução de pedidos de indemnização às vítimas de crimes violentos – artigo 6.º, n.º 1, e 3.º do Dec. Reg. 4/93, de 22 de Fevereiro:
- a Comissão procede à instrução do processo em 3 meses – artigo 8.º, n.º 1;
- após instrução o processo é remetido ao Ministro com parecer sobre a concessão da indemnização – artigo 8.º, n.º 2.

Notas finais:
O DL 423/91 não é aplicável quando o dano for causado por um veículo terrestre a motor, bem como se forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em serviço – artigo 1.º, n.º 5.

A indemnização pode ser reduzida ou excluída tendo em conta a conduta da vítima ou do requerente antes, durante, ou após a prática dos factos, a sua relação com o autor do ilícito criminal, ou se a atribuição daquela indemnização se mostrar contrária ao sentimento de justiça ou à ordem pública - artigo 3.º.

Em caso de urgência, pode ser requerida a concessão de uma provisão por conta da indemnização a fixar posteriormente. A provisão não pode ser superior a um quarto do limite máximo da indemnização.

Se a vítima obtiver a qualquer título reparação ou indemnização efectiva do dano sofrido, posteriormente ao pagamento da provisão ou da indemnização, deve o Ministro da Justiça, mediante parecer da comissão, exigir o reembolso, total ou parcial, das importâncias pagas – artigo 10.º, n.º 1.
O mesmo vale para aquelas situações em que foi entregue a provisão e a indemnização não veio a ser concedida por falta dos requisitos do artigo 1.º.