quarta-feira, julho 09, 2008

Os Processos Abreviado e Sumaríssimo na Revisão do Código de Processo Penal

(Suporte escrito da apresentação oral realizada na sessão de 6 de Junho de 2008, por Ana Cristina Castro)

Pretende este trabalho enunciar de forma esquemática as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto ao regime dos processos abreviado e sumaríssimo previstos no Código de Processo Penal, salientando as dificuldades que a aplicação do novo regime legal poderá suscitar e apontando possíveis caminhos para a sua resolução.
Contudo, importa desde já prevenir que as referidas alterações são pontuais e visaram, sobretudo, agilizar procedimentos e alargar o âmbito de aplicação dos processos especiais, pelo que se mantém, pelo menos nos aspectos essenciais, o regime previamente estatuído.

I – Do processo abreviado
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto introduziu, no regime do processo abreviado previsto no Código de Processo Penal, as alterações que se passam a enunciar.
1.1. Alargamento do âmbito de aplicação do processo abreviado
O âmbito de aplicação do processo em análise foi alargado, permitindo-se, agora, a dedução de acusação em processo abreviado em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos, enquanto que, na versão anterior do código, a moldura penal não poderia exceder os 3 anos – n.º 1 do art. 391º – A do Código de Processo Penal.
A este propósito interessa referir o disposto no n.º 2 do art. 391º-A onde se pode ler que são ainda julgados em processo abreviado, nos termos do número anterior, os crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos. Esta não constitui qualquer modificação do regime anterior à mais recente revisão, pois tal resultava já da expressa aplicabilidade do disposto no art. 16º n.º 3 do Código de Processo Penal ao processo sumaríssimo (vide anterior redacção do n.º 2 do art. 391º-A Código de Processo Penal).
1.2. Pressupostos da aplicabilidade do processo abreviado
Nesta matéria, foi concretizado o conceito de provas simples e evidentes (com recurso à técnica dos exemplos-padrão, de acordo com a exposição de motivos): há provas simples e evidentes quando, nomeadamente: a) O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efectuar -se sob a forma de processo sumário; b) A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação; ou c) A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos – n.º 3 do art. 391º - A do Código de Processo Penal.
O início da contagem do prazo de 90 dias foi alterado, contando-se, não desde a data em que o crime foi cometido, mas sim desde a aquisição da notícia do crime, nos termos do disposto no artigo 241.º do Código de Processo Penal, tratando -se de crime público ou desde a apresentação de queixa, nos restantes casos – n.º 2 do art. 391º - B do Código de Processo Penal.
Assim, é correcta a asserção de que a acusação pode ocorrer até 270 dias após a prática do crime, nos casos de crimes semi-públicos, ou até decorridos vários anos, nos casos dos crimes públicos.
Se, por um lado, esta revisão permite alargar o âmbito de aplicação desta forma processual, por outro poderá questionar-se se esse alargamento não desvirtua a ratio subjacente a este tipo de processo: a “frescura” da prova
[2].
1.3. A aplicabilidade dos arts. 280º a 282º do CPP no âmbito do processo abreviado
No n.º 3 do art. 391º - B do Código de Processo Penal, consagrou-se expressamente a aplicabilidade, em processo abreviado, do disposto nos artigos 280.º a 282.º do mesmo código.
Importa apenas fazer uma breve referência à aplicabilidade da suspensão provisória do processo em processo abreviado.
Parece que a suspensão provisória do processo, pelo menos na maior parte dos casos e por via da sua duração (máxima de 2 a 5 anos) será incompatível com o processo abreviado. Com efeito, se a suspensão poderá iniciar-se no âmbito de um processo qualificado como abreviado, todavia, não tendo as injunções e regras de conduta sido cumpridas, o processo prosseguirá necessariamente como comum, pois é difícil conceber um caso em que ainda seja possível respeitar os apertados prazos previstos para o processo abreviado.
1.4. Eliminação da fase de instrução
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto eliminou a possibilidade do arguido requerer a abertura de instrução (ainda que restrita ao debate instrutório), seguindo agora o processo, após a dedução de acusação e despacho previsto no art. 311º do Código de Processo Penal, para julgamento (o debate instrutório estava previsto no art. 391º-C do Código de Processo Penal).
Esta alteração suscita várias questões.
Em primeiro lugar, têm-se colocado dúvidas quanto à conformidade deste normativo com a Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, Paulo Pinto de Albuquerque
[3] defende que o processo abreviado, na medida em que não prevê a fase instrutória, é inconstitucional. Em abono da sua tese, argúi que a supressão da instrução implica que a acusação seja submetida a julgamento sem que o arguido tenha tido a possibilidade de submeter a um juiz o controlo da falta de pressupostos legais do processo abreviado, incluindo os indícios suficientes de culpa (pois é entendimento unânime que juiz não pode sindicar a suficiência de indícios no despacho de saneamento dos autos).
Mais refere que a questão foi já apreciada pelo TC
[4], a propósito da limitação da instrução a um debate instrutório no processo abreviado, tendo aquele tribunal decidido o seguinte: nos termos do nº 3 do artigo 80º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpretar o artigo 391º-C do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, em conjugação com o nº 3 do artigo 308º do mesmo Código, no sentido de que, se o juiz verificar a falta de pressupostos legais do processo abreviado, deve proferir despacho de não pronúncia.
Mais precisamente, apenas não se concluiu pela inconstitucionalidade em virtude de existir, então, uma decisão de um juiz sobre o mérito da acusação, no âmbito do debate instrutório então previsto.
No que concerne à aplicação da lei no tempo, importa referir que nos processos abreviados instaurados antes da entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, continua a ser admissível a instrução a requerimento do arguido – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Abril de 2008
[5].
Cumpre deixar uma última nota, que se prende com a notificação da acusação ao arguido. De facto, com a revogação do art. 391º-C do Código de Processo Penal, deixou-se de prever a notificação da acusação ao arguido.
Não obstante, deverá esta considerar-se obrigatória? Parece que a resposta apenas pode ser afirmativa pois, embora não esteja especialmente prevista, a sua necessidade decorre dos mais elementares princípios constitucionais e processuais, designadamente a existência de um processo justo, leal e equitativo, com plena garantia dos direitos de defesa do arguido.
Mas não só. A necessidade de notificação do despacho de acusação decorre, também, das razões de natureza puramente adjectiva. Com efeito, o art. 113º, n.º 9 do CPP impõe a obrigatoriedade de notificação do despacho de acusação ser notificado ao arguido, bem como ao respectivo defensor.
Acresce que a notificação faculta ao arguido a possibilidade de arguir eventuais nulidades praticadas no decurso do inquérito, sendo que tal arguição poderá ser decidida no despacho liminar a proferir pelo juiz de acordo com o artº 311º, ex vi, artº 391º-C.
Por fim, na medida em que o regime de contagem do prazo de dedução de pedido de indemnização civil dos artºs 75º e 77º, nºs 2 e 3 assenta no pressuposto de que esta notificação se fará (na ausência de disposição especial e não se incluindo o processo abreviado na alínea h) do n.º 1 do art. 72º do CPP, a instância civil decorre, no processo abreviado da mesma forma que no comum)
[6].
Neste mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 9 de Abril de 2008
[7], assim sumariado:
I - Com as alterações produzidas pela 15ª Alteração do Código de Processo Penal no processo abreviado, o legislador, embora tendo suprimido o debate instrutório, não eliminou a obrigatoriedade da notificação da acusação ao assistente, ao arguido, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, bem como ao respectivo defensor ou advogado.
II.A materialização efectiva de um processo justo e equitativo exige que, para além da formalização de uma acusação, os sujeitos processuais interessados tomem conhecimento dos seus termos de forma a poderem exercitar, com plenitude, os direitos constitucionalmente consagrados, nomeadamente o do contraditório (cfr. artigo 32.º da CRP).
Após as devidas notificações, o processo deve ser logo remetido à distribuição, pois não há agora que aguardar pelo decurso do prazo do requerimento de abertura de instrução.
1.5. Designação e início da audiência
O processo abreviado é, agora, considerado processo urgente – art. 103º n.º 2 alínea c) e 104º n.º 2, ambos do CPP.
Por outro lado, a designação de dia para audiência é feita com precedência sobre os julgamentos em processo comum – n.º 2 do art. 391º - C.
Esta alteração visa, sobretudo, imprimir a esta fase processual a mesma celeridade que na fase antecedente. Com efeito, verificava-se, na prática, que o processo abreviado era tratado como o processo comum de tal forma que, se até à acusação era imprimida ao processo a celeridade pretendida pelo legislador, o mesmo não sucedia na fase de julgamento.
Na nova redacção do art. 391º - D do Código de Processo Penal, a audiência de julgamento em processo abreviado tem de iniciar-se no prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação.
Como bem denota Helena Leitão
[8] esta norma suscitará, por certo, as maiores dificuldades de ordem prática, “maxime”, nos processos em que tenha ocorrido a dedução de pedido de indemnização civil. Na verdade, o decurso sucessivo dos prazos para dedução de pedido de indemnização civil e contestação a essa pretensão, limitarão, de sobremaneira, o tempo disponível para o cumprimento de todas as formalidades necessárias a que a audiência de julgamento se inicie no prazo de 90 dias acima assinalado (cfr. artºs 77º e 78º).
Outra questão de extrema relevância e que já se vem suscitando na prática, embora até à presente data se desconheça decisão de um tribunal superior relativa à mesma, é a seguinte: qual o vício que afecta o despacho do juiz que, na designação de dia para audiência, não respeita o prazo de 90 dias previsto no art. 391º - D do Código de Processo Penal?
Ou, sendo esse prazo respeitado no momento da designação do dia para audiência, esta vem a iniciar-se após esse prazo? Significa isto que o juiz deve, na marcação do dia de audiência, deixar alguma margem temporal de forma a prevenir eventuais vicissitudes no início da audiência?
Tudo se reconduz a saber qual a natureza do aludido prazo e qual a sanção para a sua inobservância.
Duas posições se perfilam: para uns, trata-se de uma nulidade insanável - art. 119º alínea f) do CPP. Noutra perspectiva, estamos perante uma mera irregularidade – art. 123º do mesmo código.
Helena Leitão, pronunciou-se no primeiro dos sentidos enunciado sustentando que o prazo de 90 dias, é um requisito do processo abreviado que, quando não observado, redundará em erro na forma de processo com a consequente prática da nulidade insanável prevista no artº 119º, alínea f). De facto, é da essência do processo abreviado, não só, a evidência da prova, como a sua frescura, traduzida na proximidade entre o julgamento e a data dos factos. Mais refere que esta nulidade não implica a nulidade dos actos até ali praticados, mas apenas a remessa do processo para julgamento em processo comum.
Paulo Pinto de Albuquerque, pelo contrário, considera que quer este prazo, quer o prazo de 90 dias para a dedução de acusação não são requisitos essenciais da forma de processo abreviado. Mais alega que o último era um requisito essencial na primitiva versão do código, mas deixou de o ser, pois o legislador faz agora depender o termo inicial (variável) da vontade do ofendido. Ora, na medida em que não constituem requisitos essenciais do processo abreviado, a sua inobservância gera uma mera irregularidade – art. 123º do CPP.
1.6. Formalidades da audiência de julgamento
Eliminou-se o n.º 2 do art. 391º - E do Código de Processo Penal, que previa a possibilidade de ser requerida a documentação dos actos de audiência. Assim, é obrigatória a documentação da audiência – art. 363º ex vi art. 391-E n.º 1, ambos do CPP.
Resta referir a introdução do art. 391º - F do Código de Processo Penal que estatui que é correspondentemente aplicável ao processo abreviado o disposto no artigo 391.º

II – Do processo sumaríssimo
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto introduziu, no regime do processo especial sumaríssimo previsto no Código de Processo Penal, as alterações que se passam a explicitar.
2.1. Alargamento do seu âmbito de aplicação
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto alargou o âmbito de aplicação desta forma processual, permitindo-se, agora, a dedução de requerimento para a aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos (na anterior versão a moldura penal não poderia exceder os 3 anos) – n.º 1 do art. 392º do Código de Processo Penal.
Acresce que o n.º 1 do art. 392º do CPP prevê a possibilidade do arguido requerer a aplicação de pena em processo sumaríssimo (embora nada o impedisse de o fazer anteriormente, continuando o MP a não estar vinculado ao requerido).
Decorre do mesmo dispositivo que, não sendo a tramitação sob esta forma processual requerida pelo arguido, este tem de ser ouvido pelo MP previamente à apresentação do requerimento.
Esta exigência permite, desde logo, ficar a saber-se se é conhecido o paradeiro do arguido no processo. Pode também permitir ao MP, numa fase inicial do processo, aferir da adequação desta forma processual, bem como da disponibilidade do arguido para aceitar a aplicação de pena em processo sumaríssimo. Por outro lado, pode o MP aproveitar para recolher elementos que lhe permitam a determinação da pena a aplicar.
Acompanhando a posição defendida por Sónia Fidalgo
[9], dir-se-á que não nos repugna uma interpretação menos exigente deste preceito, de forma a permitir que a audição do arguido possa ser feita pelos órgãos de polícia criminal, no âmbito da delegação de competências prevista na lei. Nesta audição, não sendo exigível que lhe seja indicada a pena cuja aplicação se irá propor, deve-lhe ser explicado a possibilidade de lhe ser aplicada uma pena não privativa da liberdade num processo em que não lhe vai ser exigida a presença em audiência de julgamento, perante um juiz.
2.2. Inadmissibilidade da intervenção de partes civis
Mantém-se a inadmissibilidade da intervenção de partes civis, mas agora consagra-se expressamente a possibilidade de reparação nos termos do disposto no artigo 82.º -A Código de Processo Penal e nos estritos pressupostos aí previstos – art. 393º do mesmo código.
2.3. Dever de concretização das sanções e da quantia exacta a atribuir a título de reparação
O n.º 2 do art. 394º do Código de Processo Penal prevê, agora, que o Ministério Público termina o requerimento indicando, para além das sanções concretamente propostas, a quantia exacta a atribuir a título de reparação, nos termos do disposto no artigo 82.º -A, quando este deva ser aplicado.
2.4. O reenvio para outra forma processual
O juiz, nos casos de rejeição do requerimento ou oposição do arguido, reenvia o processo para outra forma que lhe caiba (e não apenas para a forma comum) – n.º 1 do art. 395º e n.º 1 do art. 398º, ambos do Código de Processo Penal. Neste caso, quem deverá proceder à notificação do arguido – os serviços do MP ou da secção judicial?
Paulo Pinto de Albuquerque
[10]: o MP deverá notificar o arguido para que este possa exercer o seu direito à instrução.
No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 12 de Março de 2008
[11], em cujo sumário se pode ler que o reenvio do processo sumaríssimo, previsto no art. 398º do Código de Processo Penal, significa a devolução do processo ao Ministério Público, a quem compete determinar a outra forma de processo. E cabe aos respectivos serviços a notificação ao arguido do requerimento/acusação.
Por outro lado, consagrou-se, agora, aquilo que já vinha sucedendo na prática: ordenado o reenvio, o arguido é notificado da acusação, bem como para requerer, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura de instrução – n.º 2 do art. 395º do Código de Processo Penal.
2.5. A rejeição do requerimento pelo juiz e a fixação de sanção diferente da proposta pelo Ministério Público
O juiz poderá rejeitar o requerimento quando entender que a sanção proposta é manifestamente insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (onde anteriormente se previa a discordância da sanção proposta) – alínea c) do n.º 1 do art. 395º do Código de Processo Penal.
Actualmente, para a fixação de sanção diferente da proposta pelo Ministério Público, o juiz necessita da concordância do arguido e do Ministério Público (na anterior versão, bastava o consentimento deste último – n.º 2 do art. 395º do Código de Processo Penal) – art. 395º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Sónia Fidalgo
[12] suscitou uma questão relativa a esta norma: saber se esta concordância pressupõe a notificação prévia do arguido (atento o disposto no n.º 2 do art. 395º e na alínea b) do n.º 1 do art. 396º do Código de Processo Penal). Ponderando o regime na sua globalidade, critica a opção do legislador quando exige, nesta fase, o consentimento do arguido. Com efeito, como se argúi na citada intervenção, se no momento em que é questionado, o arguido concordar com a sanção proposta pelo juiz, o processo prosseguirá e, nos termos da alínea b), n.º 1, do art. 396º, o arguido será notificado, desta vez por contacto pessoal, do despacho do juiz onde constará a sanção por este proposta (com a qual o arguido concordou previamente) para, querendo, o arguido se opor no prazo de 15 dias!.
Talvez por essa razão Paulo Pinto de Albuquerque
[13] conclui que o juiz deve ouvir previamente o MP, mas não tem de ouvir previamente o arguido, pois a concordância manifesta-se na sua não oposição ao despacho judicial.
2.6. Novo impedimento do juiz – alínea e) do art. 40º do Código de Processo Penal
Importa apenas referir a previsão de um novo impedimento do juiz.
2.7. O crime de violação de imposições, proibições ou interdições – art. 353º do Código Penal
Importa, outrossim, referir o artigo 353.º do Código Penal que dispõe, sob a epígrafe violação de imposições, proibições ou interdições, o seguinte: quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Dir-se-á que finalmente se prevê uma consequência legal para os casos em que o arguido, condenado numa sanção não privativa da liberdade no âmbito de processo sumaríssimo, não cumpra essa sanção.
Maria João Antunes
[14] refere a este propósito que é de aplaudir que o legislador tenha colmatado a lacuna legal, mas levanta dúvidas quanto à adequação da consequência prevista, atentas as finalidades que se visam alcançar.
Sónia Fidalgo, no âmbito da sua intervenção nas Jornadas de Revisão do Código de Processo Penal, defendeu que o ilícito criminal em causa apenas se preenche quando em causa esteja o não cumprimento de uma sanção não privativa da liberdade diferente da pena de multa. Vejamos porquê.
Ora, o crime supra identificado visa assegurar o cumprimento de sanções impostas por sentença criminal que não possuam qualquer outro meio de assegurar a sua eficácia
[15], sendo o bem jurídico protegido a não frustração de sanções impostas por sentença criminal.
Assim, conclui Sónia Fidalgo
[16] que, quando a pena aplicada em processo sumaríssimo seja a pena de multa principal que depois não for paga, a consequência a aplicar será a prevista no art. 49º n.º 1 do CP – pagamento coercivo por via da execução patrimonial (art. 491º do CPP) e, como “ultima ratio”, a conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
Desta forma, o não cumprimento de uma pena de multa aplicada em processo sumaríssimo não conduz à prática de qualquer crime, mas já se preencherá o tipo do art. 353º do CP se for aplicada outra pena de substituição não privativa da liberdade.
[2] Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 989.
[3] Ob. Cit., pág. 993.
[4] Acórdão n.º 158/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt
[5] No processo n.º 0840940, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Vide Helena Leitão, in Processos Especiais: os processos sumário e abreviado no código de processo penal (após a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, disponível em www.cej.mj.pt.
[7] No processo n.º 433/07.1GTLRA-B.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Ob. Cit., pág. 18.
[9] In “O Processo Sumaríssimo na Revisão do Código de Processo Penal”, pág. 14, disponível em www.cej.mj.pt.
[10] Ob. Cit. pág. 1006.
[11] 0840052, disponível em www.dgsi.pt.
[12] In “O Processo Sumaríssimo na Revisão do Código de Processo Penal”, pág. 15, disponível em www.cej.mj.pt.
[13] Ob. Cit. pág. 1001.
[14] Vide Maria João Antunes, Alterações ao Regime Sancionatório, disponível em www.dgsi.pt : É de aplaudir que a lacuna até agora subsistente tenha sido, finalmente, colmatada por via de lei, mas é de anotar, por um lado, que representa uma entorse, injustificada, à regra de que o incumprimento da pena de substituição determina o cumprimento da pena principal; e, por outro, que se trata de criminalização totalmente injustificada quando se aplique em processo sumaríssimo pena de multa principal, considerando o que se dispõe no artigo 49.º do Código Penal quanto à prisão subsidiária.
[15] Vide Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, pág. 400.
[16] Ob. Cit., pág. 20.