quarta-feira, julho 09, 2008

Os Processos Abreviado e Sumaríssimo na Revisão do Código de Processo Penal

(Suporte escrito da apresentação oral realizada na sessão de 6 de Junho de 2008, por Ana Cristina Castro)

Pretende este trabalho enunciar de forma esquemática as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto ao regime dos processos abreviado e sumaríssimo previstos no Código de Processo Penal, salientando as dificuldades que a aplicação do novo regime legal poderá suscitar e apontando possíveis caminhos para a sua resolução.
Contudo, importa desde já prevenir que as referidas alterações são pontuais e visaram, sobretudo, agilizar procedimentos e alargar o âmbito de aplicação dos processos especiais, pelo que se mantém, pelo menos nos aspectos essenciais, o regime previamente estatuído.

I – Do processo abreviado
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto introduziu, no regime do processo abreviado previsto no Código de Processo Penal, as alterações que se passam a enunciar.
1.1. Alargamento do âmbito de aplicação do processo abreviado
O âmbito de aplicação do processo em análise foi alargado, permitindo-se, agora, a dedução de acusação em processo abreviado em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos, enquanto que, na versão anterior do código, a moldura penal não poderia exceder os 3 anos – n.º 1 do art. 391º – A do Código de Processo Penal.
A este propósito interessa referir o disposto no n.º 2 do art. 391º-A onde se pode ler que são ainda julgados em processo abreviado, nos termos do número anterior, os crimes puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos. Esta não constitui qualquer modificação do regime anterior à mais recente revisão, pois tal resultava já da expressa aplicabilidade do disposto no art. 16º n.º 3 do Código de Processo Penal ao processo sumaríssimo (vide anterior redacção do n.º 2 do art. 391º-A Código de Processo Penal).
1.2. Pressupostos da aplicabilidade do processo abreviado
Nesta matéria, foi concretizado o conceito de provas simples e evidentes (com recurso à técnica dos exemplos-padrão, de acordo com a exposição de motivos): há provas simples e evidentes quando, nomeadamente: a) O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efectuar -se sob a forma de processo sumário; b) A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação; ou c) A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos – n.º 3 do art. 391º - A do Código de Processo Penal.
O início da contagem do prazo de 90 dias foi alterado, contando-se, não desde a data em que o crime foi cometido, mas sim desde a aquisição da notícia do crime, nos termos do disposto no artigo 241.º do Código de Processo Penal, tratando -se de crime público ou desde a apresentação de queixa, nos restantes casos – n.º 2 do art. 391º - B do Código de Processo Penal.
Assim, é correcta a asserção de que a acusação pode ocorrer até 270 dias após a prática do crime, nos casos de crimes semi-públicos, ou até decorridos vários anos, nos casos dos crimes públicos.
Se, por um lado, esta revisão permite alargar o âmbito de aplicação desta forma processual, por outro poderá questionar-se se esse alargamento não desvirtua a ratio subjacente a este tipo de processo: a “frescura” da prova
[2].
1.3. A aplicabilidade dos arts. 280º a 282º do CPP no âmbito do processo abreviado
No n.º 3 do art. 391º - B do Código de Processo Penal, consagrou-se expressamente a aplicabilidade, em processo abreviado, do disposto nos artigos 280.º a 282.º do mesmo código.
Importa apenas fazer uma breve referência à aplicabilidade da suspensão provisória do processo em processo abreviado.
Parece que a suspensão provisória do processo, pelo menos na maior parte dos casos e por via da sua duração (máxima de 2 a 5 anos) será incompatível com o processo abreviado. Com efeito, se a suspensão poderá iniciar-se no âmbito de um processo qualificado como abreviado, todavia, não tendo as injunções e regras de conduta sido cumpridas, o processo prosseguirá necessariamente como comum, pois é difícil conceber um caso em que ainda seja possível respeitar os apertados prazos previstos para o processo abreviado.
1.4. Eliminação da fase de instrução
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto eliminou a possibilidade do arguido requerer a abertura de instrução (ainda que restrita ao debate instrutório), seguindo agora o processo, após a dedução de acusação e despacho previsto no art. 311º do Código de Processo Penal, para julgamento (o debate instrutório estava previsto no art. 391º-C do Código de Processo Penal).
Esta alteração suscita várias questões.
Em primeiro lugar, têm-se colocado dúvidas quanto à conformidade deste normativo com a Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, Paulo Pinto de Albuquerque
[3] defende que o processo abreviado, na medida em que não prevê a fase instrutória, é inconstitucional. Em abono da sua tese, argúi que a supressão da instrução implica que a acusação seja submetida a julgamento sem que o arguido tenha tido a possibilidade de submeter a um juiz o controlo da falta de pressupostos legais do processo abreviado, incluindo os indícios suficientes de culpa (pois é entendimento unânime que juiz não pode sindicar a suficiência de indícios no despacho de saneamento dos autos).
Mais refere que a questão foi já apreciada pelo TC
[4], a propósito da limitação da instrução a um debate instrutório no processo abreviado, tendo aquele tribunal decidido o seguinte: nos termos do nº 3 do artigo 80º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpretar o artigo 391º-C do Código de Processo Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, em conjugação com o nº 3 do artigo 308º do mesmo Código, no sentido de que, se o juiz verificar a falta de pressupostos legais do processo abreviado, deve proferir despacho de não pronúncia.
Mais precisamente, apenas não se concluiu pela inconstitucionalidade em virtude de existir, então, uma decisão de um juiz sobre o mérito da acusação, no âmbito do debate instrutório então previsto.
No que concerne à aplicação da lei no tempo, importa referir que nos processos abreviados instaurados antes da entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, continua a ser admissível a instrução a requerimento do arguido – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Abril de 2008
[5].
Cumpre deixar uma última nota, que se prende com a notificação da acusação ao arguido. De facto, com a revogação do art. 391º-C do Código de Processo Penal, deixou-se de prever a notificação da acusação ao arguido.
Não obstante, deverá esta considerar-se obrigatória? Parece que a resposta apenas pode ser afirmativa pois, embora não esteja especialmente prevista, a sua necessidade decorre dos mais elementares princípios constitucionais e processuais, designadamente a existência de um processo justo, leal e equitativo, com plena garantia dos direitos de defesa do arguido.
Mas não só. A necessidade de notificação do despacho de acusação decorre, também, das razões de natureza puramente adjectiva. Com efeito, o art. 113º, n.º 9 do CPP impõe a obrigatoriedade de notificação do despacho de acusação ser notificado ao arguido, bem como ao respectivo defensor.
Acresce que a notificação faculta ao arguido a possibilidade de arguir eventuais nulidades praticadas no decurso do inquérito, sendo que tal arguição poderá ser decidida no despacho liminar a proferir pelo juiz de acordo com o artº 311º, ex vi, artº 391º-C.
Por fim, na medida em que o regime de contagem do prazo de dedução de pedido de indemnização civil dos artºs 75º e 77º, nºs 2 e 3 assenta no pressuposto de que esta notificação se fará (na ausência de disposição especial e não se incluindo o processo abreviado na alínea h) do n.º 1 do art. 72º do CPP, a instância civil decorre, no processo abreviado da mesma forma que no comum)
[6].
Neste mesmo sentido se pronunciou o Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 9 de Abril de 2008
[7], assim sumariado:
I - Com as alterações produzidas pela 15ª Alteração do Código de Processo Penal no processo abreviado, o legislador, embora tendo suprimido o debate instrutório, não eliminou a obrigatoriedade da notificação da acusação ao assistente, ao arguido, ao denunciante com a faculdade de se constituir assistente e a quem tenha manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, bem como ao respectivo defensor ou advogado.
II.A materialização efectiva de um processo justo e equitativo exige que, para além da formalização de uma acusação, os sujeitos processuais interessados tomem conhecimento dos seus termos de forma a poderem exercitar, com plenitude, os direitos constitucionalmente consagrados, nomeadamente o do contraditório (cfr. artigo 32.º da CRP).
Após as devidas notificações, o processo deve ser logo remetido à distribuição, pois não há agora que aguardar pelo decurso do prazo do requerimento de abertura de instrução.
1.5. Designação e início da audiência
O processo abreviado é, agora, considerado processo urgente – art. 103º n.º 2 alínea c) e 104º n.º 2, ambos do CPP.
Por outro lado, a designação de dia para audiência é feita com precedência sobre os julgamentos em processo comum – n.º 2 do art. 391º - C.
Esta alteração visa, sobretudo, imprimir a esta fase processual a mesma celeridade que na fase antecedente. Com efeito, verificava-se, na prática, que o processo abreviado era tratado como o processo comum de tal forma que, se até à acusação era imprimida ao processo a celeridade pretendida pelo legislador, o mesmo não sucedia na fase de julgamento.
Na nova redacção do art. 391º - D do Código de Processo Penal, a audiência de julgamento em processo abreviado tem de iniciar-se no prazo de 90 dias a contar da dedução da acusação.
Como bem denota Helena Leitão
[8] esta norma suscitará, por certo, as maiores dificuldades de ordem prática, “maxime”, nos processos em que tenha ocorrido a dedução de pedido de indemnização civil. Na verdade, o decurso sucessivo dos prazos para dedução de pedido de indemnização civil e contestação a essa pretensão, limitarão, de sobremaneira, o tempo disponível para o cumprimento de todas as formalidades necessárias a que a audiência de julgamento se inicie no prazo de 90 dias acima assinalado (cfr. artºs 77º e 78º).
Outra questão de extrema relevância e que já se vem suscitando na prática, embora até à presente data se desconheça decisão de um tribunal superior relativa à mesma, é a seguinte: qual o vício que afecta o despacho do juiz que, na designação de dia para audiência, não respeita o prazo de 90 dias previsto no art. 391º - D do Código de Processo Penal?
Ou, sendo esse prazo respeitado no momento da designação do dia para audiência, esta vem a iniciar-se após esse prazo? Significa isto que o juiz deve, na marcação do dia de audiência, deixar alguma margem temporal de forma a prevenir eventuais vicissitudes no início da audiência?
Tudo se reconduz a saber qual a natureza do aludido prazo e qual a sanção para a sua inobservância.
Duas posições se perfilam: para uns, trata-se de uma nulidade insanável - art. 119º alínea f) do CPP. Noutra perspectiva, estamos perante uma mera irregularidade – art. 123º do mesmo código.
Helena Leitão, pronunciou-se no primeiro dos sentidos enunciado sustentando que o prazo de 90 dias, é um requisito do processo abreviado que, quando não observado, redundará em erro na forma de processo com a consequente prática da nulidade insanável prevista no artº 119º, alínea f). De facto, é da essência do processo abreviado, não só, a evidência da prova, como a sua frescura, traduzida na proximidade entre o julgamento e a data dos factos. Mais refere que esta nulidade não implica a nulidade dos actos até ali praticados, mas apenas a remessa do processo para julgamento em processo comum.
Paulo Pinto de Albuquerque, pelo contrário, considera que quer este prazo, quer o prazo de 90 dias para a dedução de acusação não são requisitos essenciais da forma de processo abreviado. Mais alega que o último era um requisito essencial na primitiva versão do código, mas deixou de o ser, pois o legislador faz agora depender o termo inicial (variável) da vontade do ofendido. Ora, na medida em que não constituem requisitos essenciais do processo abreviado, a sua inobservância gera uma mera irregularidade – art. 123º do CPP.
1.6. Formalidades da audiência de julgamento
Eliminou-se o n.º 2 do art. 391º - E do Código de Processo Penal, que previa a possibilidade de ser requerida a documentação dos actos de audiência. Assim, é obrigatória a documentação da audiência – art. 363º ex vi art. 391-E n.º 1, ambos do CPP.
Resta referir a introdução do art. 391º - F do Código de Processo Penal que estatui que é correspondentemente aplicável ao processo abreviado o disposto no artigo 391.º

II – Do processo sumaríssimo
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto introduziu, no regime do processo especial sumaríssimo previsto no Código de Processo Penal, as alterações que se passam a explicitar.
2.1. Alargamento do seu âmbito de aplicação
A Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto alargou o âmbito de aplicação desta forma processual, permitindo-se, agora, a dedução de requerimento para a aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos (na anterior versão a moldura penal não poderia exceder os 3 anos) – n.º 1 do art. 392º do Código de Processo Penal.
Acresce que o n.º 1 do art. 392º do CPP prevê a possibilidade do arguido requerer a aplicação de pena em processo sumaríssimo (embora nada o impedisse de o fazer anteriormente, continuando o MP a não estar vinculado ao requerido).
Decorre do mesmo dispositivo que, não sendo a tramitação sob esta forma processual requerida pelo arguido, este tem de ser ouvido pelo MP previamente à apresentação do requerimento.
Esta exigência permite, desde logo, ficar a saber-se se é conhecido o paradeiro do arguido no processo. Pode também permitir ao MP, numa fase inicial do processo, aferir da adequação desta forma processual, bem como da disponibilidade do arguido para aceitar a aplicação de pena em processo sumaríssimo. Por outro lado, pode o MP aproveitar para recolher elementos que lhe permitam a determinação da pena a aplicar.
Acompanhando a posição defendida por Sónia Fidalgo
[9], dir-se-á que não nos repugna uma interpretação menos exigente deste preceito, de forma a permitir que a audição do arguido possa ser feita pelos órgãos de polícia criminal, no âmbito da delegação de competências prevista na lei. Nesta audição, não sendo exigível que lhe seja indicada a pena cuja aplicação se irá propor, deve-lhe ser explicado a possibilidade de lhe ser aplicada uma pena não privativa da liberdade num processo em que não lhe vai ser exigida a presença em audiência de julgamento, perante um juiz.
2.2. Inadmissibilidade da intervenção de partes civis
Mantém-se a inadmissibilidade da intervenção de partes civis, mas agora consagra-se expressamente a possibilidade de reparação nos termos do disposto no artigo 82.º -A Código de Processo Penal e nos estritos pressupostos aí previstos – art. 393º do mesmo código.
2.3. Dever de concretização das sanções e da quantia exacta a atribuir a título de reparação
O n.º 2 do art. 394º do Código de Processo Penal prevê, agora, que o Ministério Público termina o requerimento indicando, para além das sanções concretamente propostas, a quantia exacta a atribuir a título de reparação, nos termos do disposto no artigo 82.º -A, quando este deva ser aplicado.
2.4. O reenvio para outra forma processual
O juiz, nos casos de rejeição do requerimento ou oposição do arguido, reenvia o processo para outra forma que lhe caiba (e não apenas para a forma comum) – n.º 1 do art. 395º e n.º 1 do art. 398º, ambos do Código de Processo Penal. Neste caso, quem deverá proceder à notificação do arguido – os serviços do MP ou da secção judicial?
Paulo Pinto de Albuquerque
[10]: o MP deverá notificar o arguido para que este possa exercer o seu direito à instrução.
No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 12 de Março de 2008
[11], em cujo sumário se pode ler que o reenvio do processo sumaríssimo, previsto no art. 398º do Código de Processo Penal, significa a devolução do processo ao Ministério Público, a quem compete determinar a outra forma de processo. E cabe aos respectivos serviços a notificação ao arguido do requerimento/acusação.
Por outro lado, consagrou-se, agora, aquilo que já vinha sucedendo na prática: ordenado o reenvio, o arguido é notificado da acusação, bem como para requerer, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura de instrução – n.º 2 do art. 395º do Código de Processo Penal.
2.5. A rejeição do requerimento pelo juiz e a fixação de sanção diferente da proposta pelo Ministério Público
O juiz poderá rejeitar o requerimento quando entender que a sanção proposta é manifestamente insusceptível de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (onde anteriormente se previa a discordância da sanção proposta) – alínea c) do n.º 1 do art. 395º do Código de Processo Penal.
Actualmente, para a fixação de sanção diferente da proposta pelo Ministério Público, o juiz necessita da concordância do arguido e do Ministério Público (na anterior versão, bastava o consentimento deste último – n.º 2 do art. 395º do Código de Processo Penal) – art. 395º n.º 2 do Código de Processo Penal.
Sónia Fidalgo
[12] suscitou uma questão relativa a esta norma: saber se esta concordância pressupõe a notificação prévia do arguido (atento o disposto no n.º 2 do art. 395º e na alínea b) do n.º 1 do art. 396º do Código de Processo Penal). Ponderando o regime na sua globalidade, critica a opção do legislador quando exige, nesta fase, o consentimento do arguido. Com efeito, como se argúi na citada intervenção, se no momento em que é questionado, o arguido concordar com a sanção proposta pelo juiz, o processo prosseguirá e, nos termos da alínea b), n.º 1, do art. 396º, o arguido será notificado, desta vez por contacto pessoal, do despacho do juiz onde constará a sanção por este proposta (com a qual o arguido concordou previamente) para, querendo, o arguido se opor no prazo de 15 dias!.
Talvez por essa razão Paulo Pinto de Albuquerque
[13] conclui que o juiz deve ouvir previamente o MP, mas não tem de ouvir previamente o arguido, pois a concordância manifesta-se na sua não oposição ao despacho judicial.
2.6. Novo impedimento do juiz – alínea e) do art. 40º do Código de Processo Penal
Importa apenas referir a previsão de um novo impedimento do juiz.
2.7. O crime de violação de imposições, proibições ou interdições – art. 353º do Código Penal
Importa, outrossim, referir o artigo 353.º do Código Penal que dispõe, sob a epígrafe violação de imposições, proibições ou interdições, o seguinte: quem violar imposições, proibições ou interdições determinadas por sentença criminal, a título de pena aplicada em processo sumaríssimo, de pena acessória ou de medida de segurança não privativa da liberdade, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.
Dir-se-á que finalmente se prevê uma consequência legal para os casos em que o arguido, condenado numa sanção não privativa da liberdade no âmbito de processo sumaríssimo, não cumpra essa sanção.
Maria João Antunes
[14] refere a este propósito que é de aplaudir que o legislador tenha colmatado a lacuna legal, mas levanta dúvidas quanto à adequação da consequência prevista, atentas as finalidades que se visam alcançar.
Sónia Fidalgo, no âmbito da sua intervenção nas Jornadas de Revisão do Código de Processo Penal, defendeu que o ilícito criminal em causa apenas se preenche quando em causa esteja o não cumprimento de uma sanção não privativa da liberdade diferente da pena de multa. Vejamos porquê.
Ora, o crime supra identificado visa assegurar o cumprimento de sanções impostas por sentença criminal que não possuam qualquer outro meio de assegurar a sua eficácia
[15], sendo o bem jurídico protegido a não frustração de sanções impostas por sentença criminal.
Assim, conclui Sónia Fidalgo
[16] que, quando a pena aplicada em processo sumaríssimo seja a pena de multa principal que depois não for paga, a consequência a aplicar será a prevista no art. 49º n.º 1 do CP – pagamento coercivo por via da execução patrimonial (art. 491º do CPP) e, como “ultima ratio”, a conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
Desta forma, o não cumprimento de uma pena de multa aplicada em processo sumaríssimo não conduz à prática de qualquer crime, mas já se preencherá o tipo do art. 353º do CP se for aplicada outra pena de substituição não privativa da liberdade.
[2] Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 989.
[3] Ob. Cit., pág. 993.
[4] Acórdão n.º 158/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt
[5] No processo n.º 0840940, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Vide Helena Leitão, in Processos Especiais: os processos sumário e abreviado no código de processo penal (após a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, disponível em www.cej.mj.pt.
[7] No processo n.º 433/07.1GTLRA-B.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Ob. Cit., pág. 18.
[9] In “O Processo Sumaríssimo na Revisão do Código de Processo Penal”, pág. 14, disponível em www.cej.mj.pt.
[10] Ob. Cit. pág. 1006.
[11] 0840052, disponível em www.dgsi.pt.
[12] In “O Processo Sumaríssimo na Revisão do Código de Processo Penal”, pág. 15, disponível em www.cej.mj.pt.
[13] Ob. Cit. pág. 1001.
[14] Vide Maria João Antunes, Alterações ao Regime Sancionatório, disponível em www.dgsi.pt : É de aplaudir que a lacuna até agora subsistente tenha sido, finalmente, colmatada por via de lei, mas é de anotar, por um lado, que representa uma entorse, injustificada, à regra de que o incumprimento da pena de substituição determina o cumprimento da pena principal; e, por outro, que se trata de criminalização totalmente injustificada quando se aplique em processo sumaríssimo pena de multa principal, considerando o que se dispõe no artigo 49.º do Código Penal quanto à prisão subsidiária.
[15] Vide Cristina Líbano Monteiro, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo III, pág. 400.
[16] Ob. Cit., pág. 20.

Suspensão Provisória do Processo

(Slides para powerpoint, de Marisa Malagueira, para a sessão de 6de Junho de 2008)

ESQUEMA DA APRESENTAÇÃO
Caracterização do instituto
Objectivos da alteração legislativa – Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto
A SPP no inquérito e as alterações legislativas
A SPP na fase da instrução
A SPP no processo sumário
A SPP no processo abreviado e as alterações legislativas
SOLUÇÕES DE CONFLITO

Porquê?
1. Encontram-se reunidos os pressupostos legais de aplicação.
2. Existe prova simples e evidente.

Quais?
A) Processo Sumário (arts. 381.º a 391.º do C.P.P.);
B) Processo Abreviado (arts. 391.º-A a 391.º-F do C.P.P.).

SOLUÇÕES DE CONSENSO

Porquê?
Evitam o congestionamento do sistema da justiça penal;
Mais económicas devido à redução de diligências a realizar;
3. Celeridade na resolução do conflito;
4. Redução da estigmatização social do arguido, intensificação da sua reabilitação e reintegração na sociedade;
5. Melhor resposta ao interesse da vítima.
Quais?
A) Arquivamento em caso de dispensa de pena (art. 280.º do C.P.P.);
B) Suspensão provisória do processo (arts. 281.º e 282.º do C.P.P.;
C) Processo Sumaríssimo (arts. 392.º a 398.º do C.P.P.).

A suspensão provisória do processo é:

●Uma forma consensual de resolução do conflito criminal;
●Uma manifestação do princípio da oportunidade;
●Não constitui um poder discricionário do M.P. ou do JIC: aplicável sempre que estejam preenchidos os seus pressupostos de facto e de direito (assim respeitando o princípio da legalidade);
●De aplicação privilegiada pelo Ministério Público no âmbito da pequena criminalidade – arts. 12.º, n.º 1, al. b) e 14.º, al. f) da Lei n.º 51/2007, de 31/08 (Lei Sobre Política Criminal) e Circular n.º 2/08 da PGR, de 02/02/2008;

OBJECTIVOS DA ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
LEI n.º 48/2007, de 29 de Agosto

Exposição de Motivos da respectiva proposta de lei:
«alargar a aplicação deste instituto processual de diversão e consenso».

Outras iniciativas legislativas e regulamentares:
Lei n.º 51/2007, de 31 de Agosto, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de Maio (Lei Quadro da Política Criminal) - art.º 12.º, em relação à pequena criminalidade, prevê que os magistrados do Ministério Público privilegiam, no âmbito das suas competências e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador-Geral da República, a aplicação de diversas medidas entre as quais a suspensão provisória do processo [n.º 1, al. b)], directivas e instruções genéricas que vinculam os magistrados do Ministério Público, nos termos do respectivo Estatuto (n.º 3). Devendo o Ministério Público reclamar ou recorrer, nos termos do CPP e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador-Geral da República, das decisões judiciais que não acompanhem as suas promoções destinadas a prosseguir os objectivos, prioridades ou orientações de política criminal previstos naquela lei (art. 17.º). O que foi retomado nas Directivas e instruções genéricas em matéria de execução da lei sobre política criminal, já emitidas pelo Procurador-Geral da República.
Do texto do n.º1 do art. 281.º do C.P.P. decorrem as seguintes alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/08:
lObrigatoriedade de aplicação da SPP quando verificados os respectivos pressupostos legais, decorrente da substituição da expressão “pode o Ministério Público decidir-se” pela afirmação de que verificados os pressupostos legais, o “Ministério Público…determina… a suspensão do processo” e da concepção da SPP como um decisão vinculada do MP nos termos já enunciados supra.
O arguido e o assistente podem requerer ao Ministério Público a SPP.
Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza veio substituir a anterior exigência de “ausência de antecedentes criminais”.
Foi aditado, como pressuposto de aplicação da SPP, a ausência de aplicação anterior de suspensão provisória de processo por crime da mesma natureza.
A “ausência de um grau de culpa elevado”como pressuposto de aplicação da SPP veio substituir o anterior “carácter diminuto da culpa”.

Artigo 281.º Suspensão provisória do processo
2 - São oponíveis ao arguido, cumulativa ou separadamente, as seguintes injunções e regras de conduta: a) Indemnizar o lesado; b) Dar ao lesado satisfação moral adequada; c) Entregar ao Estado ou a instituições privadas de solidariedade social certa quantia ou efectuar prestação de serviço de interesse público; d) Residir em determinado lugar; e) Frequentar certos programas ou actividades; f) Não exercer determinadas profissões; g) Não frequentar certos meios ou lugares; h) Não residir em certos lugares ou regiões; i) Não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas; j) Não frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões; l) Não ter em seu poder determinados objectos capazes de facilitar a prática de outro crime; m) Qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso.

Do texto do n.º2 do art. 281.º do C.P.P. – no que concerne às injunções e regras de conduta - decorrem as seguintes alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/08:
A prestação de serviço de interesse público – injunção já aplicada no regime anterior ao abrigo da alínea i), hoje, alínea m).
A frequência de certos programas e actividades – injunção já aplicada no regime anterior nos processos por crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, ou sem habilitação legal, crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e nos crimes de maus tratos.
A proibição de frequentar certas associações ou participar em determinadas reuniões;
A obrigação de residir em determinado local. Questão: Esta injunção não será desproporcionada face à gravidade dos ilícitos penais enquadráveis nos pressupostos de aplicação da SPP e susceptível de ofender a dignidade do arguido (n.º 3 do art. 281.º do C.P.P.)?

Os n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 281.º do C.P.P. não foram objecto de alteração.

Artigo 281.º Suspensão provisória do processo
6 - Em processos por crime de violência doméstica não agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.

Do texto do n.º 6 do art. 281.º do C.P.P. decorrem as seguintes alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/08:
O crime de violência doméstica, agora previsto no artigo 152.º do Código Penal, integra hoje os comportamentos típicos que se encontravam previstos na descrição do tipo legal do crime de maus tratos e infracção de regras de segurança, concretamente os maus tratos entre cônjuges, entre quem convivesse em condições análogas às dos cônjuges ou fosse progenitor de descendente comum em 1.º grau.

A SPP aplica-se ao crime de violência doméstica não agravado pelo resultado quando:
1. A vítima o requeira livre e esclarecidamente;
2. O arguido não tenha condenações anteriores por crime da mesma natureza;
3. O arguido não tenha anteriores SPP por crime da mesma natureza.
4. O JIC e o arguido concordem.

A SPP pode ter a duração até 5 anos (art. 282.º, n.º 5 do C.P.P.).
Questão: Verificado o preenchimento dos pressupostos do n.º 7, o M.P. e o JIC podem afastar a aplicação da SPP por exigências de prevenção?

Artigo 281.º Suspensão provisória do processo
7 - Em processos por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravado pelo resultado, o Ministério Público, tendo em conta o interesse da vítima, determina a suspensão provisória do processo, com a concordância do juiz de instrução e do arguido, desde que se verifiquem os pressupostos das alíneas b) e c) do n.º 1.

A SPP aplica-se aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor não agravados pelo resultado quando:
O interesse da vítima o impuser (i.e. o superior interesse da criança ou do jovem);
O arguido não tenha condenações anteriores por crime da mesma natureza;
O arguido não tenha anteriores SPP por crime da mesma natureza.
O JIC e o arguido concordem.

A SPP pode ter a duração até 5 anos (art. 282.º, n.º 5 do C.P.P.).
ATENÇÃO: Os n.ºs 3 e 4 do art. 178.º do Código Penal prevêem a aplicação da SPP nestes crimes mas exigem tão-somente que ao arguido não tenha sido aplicada anteriormente medida similar por crime da mesma natureza, parecendo consagrar um regime menos exigente do que aquele que se encontra actualmente previsto no CPP.

Artigo 282.º Duração e efeitos da suspensão
1 - A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no n.º 5. 2 - A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo. 3 - Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto. 4 - O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado. 5 - Nos casos previstos nos n.os 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão pode ir até cinco anos.

Questões:
É admissível o recurso do despacho do JIC que, no inquérito, declara não concordar com a SPP?
Três posições:
1.ª Posição: É irrecorrível.
Este despacho não constitui uma decisão final mas uma mera concordância ou discordância a propósito da aplicação do regime em causa e é proferida no âmbito de um poder discricionário, não carecendo sequer de ser justificada a posição assumida pelo juiz (Ac. do TRL, de 15/07/2003, proc. 5650/2003-5, in www.dgsi.pt).
Não há aqui um despacho no verdadeiro sentido de que com ele se decide uma situação jurídica, mas antes uma mera adesão ou não à suspensão do processo.Ou seja: se pudesse considerar-se "decisão" o juízo de discordância do juiz de instrução, tal "decisão", porque dependente da livre resolução do tribunal, seria já de si irrecorrível (art. 400.º, n.º 1 al.ª b), do C.P.P). Mas a insindicabilidade de tal juízo, porque não decisório, resultaria, já do princípio geral do art. 399.º, que só permite recorrer de "acórdãos, sentenças e despachos". É que, em bom rigor, a concordância judicial é mero pressuposto de validade da suspensão provisória do processo (Ac. do TRL, de 22/05/2007. proc. 1293/2007-5, in
www.dgsi.pt)
A lei não permite a nenhum dos intervenientes que sindique o juízo que o outro interveniente terá acerca dessa matéria, sendo cada um deles livre na opção que faz a propósito da adequação do mesmo (Ac. do TRL, de 15/07/2003, proc. 5650/2003-5, in www.dgsi.pt).

2.ª Posição: É recorrível.
Embora as injunções e as regras de conduta não sejam formalmente «penas», elas não deixam de constituir um constrangimento ou limitação sobre direitos fundamentais. A sua aplicação é própria da função jurisdicional, na medida em que “conduzem à aplicação de verdadeiras sanções, na base de um juízo sobre a responsabilidade criminal do arguido.
A decisão do juiz não pode deixar de ser sindicável, porque a ele cabe “fiscalizar o juízo de oportunidade e a adequação da iniciativa protagonizada pelo MP”, devendo a sua posição “ter como referência valorações político-criminais substantivas, que lhe impõem a obediência a critérios objectivos que permitam obter a solução mais justa e apropriada ao caso concreto”.
Sob pena de quebra da harmonia do sistema, não é defensável que, por um lado, a intervenção do juiz exista porque estão em causa direitos fundamentais e, por outro, se esvazie essa intervenção, limitando-a a aspectos meramente formais.
Não sendo a concordância do juiz uma mera opinião subjectiva sobre a oportunidade da aplicação da suspensão provisória do processo, mas uma decisão sobre a legalidade da mesma no caso concreto, não pode tal decisão deixar de ser sindicável por via de recurso.
(Acs. do TRP, de 22/10/2003, proc. 0313095, e de 26/04/2006, proc. 0545570; Ac. do TRL, de 29/10/2002, proc. 0051329, todos in
www.dgsi.pt)

3.ª Posição: Mista.
A decisão do JIC quanto à suspensão provisória do processo pressupõe um controlo de legalidade, referente à verificação da reunião dos pressupostos da SPP, e a formulação de um juízo quanto à suficiência da medida para realizar as exigências de prevenção que no caso se fazem sentir. Por se tratar do exercício de um poder discricionário, não é admissível a impugnação da decisão do JIC no que respeita a este último juízo. É, no entanto, recorrível o despacho na parte em que o juiz se pronuncia sobre a inadmissibilidade de uma determinada regra de conduta
(Ac. do TRL, de 18/07/2007, proc. 6525/2007-3, in www.dgsi.pt).

A SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO NO INQUÉRITO
Arts. 281.º e 282.º do C.P.P.

2. Pode ser requerida a abertura de instrução com fundamento na não SPP pelo Ministério Público?
Duas posições:
1.ª Posição: Não pode ser requerida a abertura de instrução porque na fase de instrução demanda-se do juiz (de instrução) a comprovação da objectiva legalidade da acusação, pela verificação da reunião de material probatório demonstrativo da existência de crime e do seu responsável e pela formulação do juízo de prognose de forte probabilidade de condenação do arguido sujeito – em sede de julgamento – a reacção penal ou medida de segurança, e não já o policiamento da soberana discricionariedade do M.P. quanto ao juízo de oportunidade de sujeição do agente a julgamento, em razão de ponderosos – ou ponderáveis – critérios de utilidade ou conveniência, nos limites legais, pela opção pela acusação ou pela suspensão provisória do processo; e mal se compreende o impulsionamento da fase instrutória tão-só com vista ao virtual condicionamento – quiçá coactivo (!)– do Ministério Público à revisão e alteração da sua oportuna opção de acusar em detrimento do recurso ao enunciado mecanismo de suspensão provisória do processo.

2.ª Posição: Pode ser requerida a abertura de instrução - Ac. do STJ, de 13/02/2008, proc. 07P4561; Ac. do TRL, de 16/11/2006, proc. 7073/2006-9, todos in www.dgsi.pt.
O n.º 1 do art. 286.º dispõe que o objectivo da instrução é “a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”. Mas A suspensão provisória do processo, constituindo uma “sanção penal” que conduz à não submissão (eventual) da causa a julgamento, insere-se num dos fins visados pela instrução.
A comprovação judicial a que se reporta o n.º 1 citado, não pode ser restrita ao domínio do facto naturalístico, mas há-de compreender, sempre que relevante, a dimensão normativa dos factos, susceptível de conduzir ou não a causa a julgamento, i.e as razões de direito, material e adjectivo.
Depois, o requerimento de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução (n.º 3 do art. 287.º do CPP).
Ora, em norma nenhuma do CPP se incluiu esta hipótese como sendo de inadmissibilidade (legal) da instrução.
Finalmente, não se vê que a necessidade de concordância do Ministério Público, que não usou do instituto da suspensão provisória do processo, com a sua aplicação por “sugestão” do juiz de instrução, inviabilize a possibilidade que se vem considerando. Pode acontecer que da instrução resultarem verificados elementos necessários à suspensão do processo que, durante o inquérito não haviam sido suficientemente esclarecidos e assim se justificar a mudança de atitude do Ministério Público. Se, no final da instrução, o MP mantiver a posição que adoptou ao acusar, não se estabelecendo o consenso pretendido, ficando inviabilizado o modelo consensual, a possibilidade de diversão deixa de constituir fundamento para a não sujeição da causa a julgamento, devendo o juiz, nessa circunstância, pronunciar o arguido.

3. Pode o assistente reagir contra a decisão de arquivamento do M.P., proferida no âmbito do n.º 3 do art. 282.º do C.P.P. se entender não se encontrarem preenchidos os pressupostos?
Ac. do TRE, de 05/06/2007, proc. 1479/07-1, in www.dgsi.pt: pode impugnar a decisão de arquivamento através de requerimento de abertura de instrução.

4. Deve o M.P. obter o consenso do JIC antes de se decidir pela SPP?
Não. Na suspensão provisória do processo, a decisão compete ao Ministério Público, que não tem que ouvir previamente o Juiz. A este só cabe concordar ou discordar da solução que lhe é apresentada (Acs. do TRP, de 26/04/2006, proc. 0545570, e de 12/07/2006, proc. 0542060, ambos in www.dgsi.pt).

Artigo 307.º Decisão instrutória
1 - Encerrado o debate instrutório, o juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a acta, considerando-se notificado aos presentes, podendo fundamentar por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura da instrução.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 281.º, obtida a concordância do Ministério Público.
(…)
NOTA: A circunstância de o JIC recusar a suspensão provisória do processo por discordar da sanção proposta consubstancia um impedimento do Juiz para intervir no julgamento (art. 40.º, alínea e) do C.P.P.).

LIVRO VIII
Dos processos especiais
TÍTULO I Do processo sumário

Questões:
Quem decide da aplicação da SPP?
Posições:
A) Cabe ao Juiz de julgamento, e não ao JIC, decidir-se pela aplicação do instituto, devendo para tal obter a concordância do Ministério Público e do arguido, bem como do assistente. Caso contrário, esvaziar-se-ia de conteúdo e aplicação prática o normativo do art. 384.º do C.P.P. (Acs. do TRL; de 30/05/2007, proc. 2321/2007-3 e 2313/2007-3; Ac. do TRL, de 19/96/2007, proc. 2312/2007-5 e Ac. do TRL, de 20/06/2007, proc. 2322/2007-3, todos in www.dgsi.pt).
Pode o Ministério Público junto do Tribunal de julgamento decidir não se verificarem os requisitos do julgamento sumário previstos no art. 381.º do C.P.P. e, assim, determinar a não apresentação do expediente e arguido a este Tribunal, ordenando a tramitação sob outra forma processual nos termos do disposto no art.382º, nº3, do C.P.P. Será então o inquérito a sede para a ponderação da aplicação pelo Ministério Público do instituto da suspensão provisória do processo com a concordância do JIC e do arguido, bem como do assistente (Dr. Paulo Maurício – Procurador-Adjunto).
B) No âmbito de aplicação do art. 384.º do C.P.P. é o Ministério Público que decide a aplicação da suspensão provisória do processo (Leal-Henriques e Simas Santos in Código de Processo Penal Anotado, 2000, e Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado, 11ª Edição, 1999)

Concretização da posição A):
Verificados os requisitos de aplicação do processo sumário, o Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento tem de apresentar o expediente e o arguido a este Tribunal deduzindo uma acusação ou substituindo a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia nos termos do art.389º, nº2, do C.P.P, manifestando desde logo a sua concordância com a aplicação da suspensão provisória do processo nesta fase processual pelo Juiz de julgamento, caso este Juiz entenda dever aplicá-la, fundamentando fáctica e legalmente a sua concordância em função dos elementos constantes do expediente que lhe é apresentado ou de diligências que entenda realizar: solicitar o C.R.C. do arguido, ouvir sumariamente o arguido, etc.
O Juiz de julgamento determinará, em despacho “liminar”, a autuação do processo sumário (um processo jurisdicional), que só assim se inicia, e decidirá:
- ou suspender provisoriamente o processo;
- ou realizar o julgamento sumário.
Não cumpridas pelo arguido as injunções/regras de conduta, o Juiz remeterá os autos para outra forma processual nos termos do art.390º do C.P.P., desde logo face à impossibilidade da observância do prazo previsto no art. 387.º do C.P.P.

Artigo 391.º-B Acusação, arquivamento e suspensão do processo
(…)4 - É correspondentemente aplicável em processo abreviado o disposto nos artigos 280.º a 282.º.

Prazos de Inquérito

(slides para powerpoint de Teresa Moita Ramos, para a sessão de 28 de Abril de 2008)

Prazos de Inquérito

Constituição de arguido – art. 58º n.º 3 do CPP

A constituição de arguido feita por órgão de polícia criminal é comunicada à autoridade judiciária no prazo de 10 dias e por esta apreciada, em ordem à sua validação, no prazo de 10 dias.
A omissão destas formalidades implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova (n.º 5 do mesmo preceito).

Prazos de Inquérito
Auto de notícia – art. 243º n.º 3 do CPP

O auto de notícia é obrigatoriamente remetido ao MP no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias, e vale como denúncia.

Denúncia – art. 245º do CPP

A denúncia feita a entidade diversa do MP é transmitida a este no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias.
Prazos de Inquérito
Comunicação da notícia do crime – art. 248º n.º 1 do CPP

Os órgãos de polícia criminal que tiverem notícia de um crime, por conhecimento próprio ou mediante denúncia, transmitem-na ao MP no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias.

Actos que podem ser delegados pelo MP nos OPC – art. 270º n.º 4

Sem prejuízo do disposto (…) no n.º 3 do art. 243º e no n.º 1 do art. 248º, a delegação a que se refere o n.º 1 pode ser efectuada por despacho de natureza genérica que indique os tipos de crime ou os limites das penas aplicáveis aos crimes em investigação.

A nova redacção do n.º 4 desta disposição normativa, ao prever a aplicação dos arts. 243º n.º 3 e 248º n.º 1 do CPP, parece obrigar os OPC a comunicarem ao MP titular do inquérito a notícia de qualquer outro crime que, entretanto, tenham conhecimento no decurso da investigação levada a cabo.

Prazos de Inquérito

Quais as consequências processuais decorrentes da violação destes prazos?

“A não comunicação pelos órgãos de polícia criminal, no mais curto prazo possível, do crime que lhes tenha sido denunciado, com violação do disposto no art. 248º do CPP, constitui mera irregularidade, que deve considerar-se sanada com a intervenção directa do MP no processo” – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/02/1997, CJ, XXII, tomo I, 256 Apud Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Almedina, 15º Edição, pág. 513.

Esta jurisprudência parece ainda ser actual, tendo em consideração que o CPP não prevê expressamente qualquer outra consequência processual.
Prazos de Inquérito
Prazo de duração máxima do inquérito:

O Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, tendo de o fazer dentro dos prazos legais que lhe são impostos (art. 276º n.º 1 do CPP).

Havendo arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação;

Não havendo arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação.
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito

Havendo arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação

Quatro prazos possíveis:
- 6 meses
- 8 meses
- 10 meses
- 12 meses
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito
6 meses (regra geral) – [art. 276º n.º 1 do CPP]

8 meses – quando o inquérito tiver por objecto um dos crimes referidos no art. 215º n.º 2 CPP – [art. 276º n.º 2 alínea a) do CPP]:
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito
Casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
Crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos;
Crimes previstos nos arts. 299º (associação criminosa), 318º n.º 1 (meios de prova de interesse nacional), 319º (infidelidade diplomática), 326º (incitamento à guerra civil ou à alteração violenta do estado de direito), 331º (ligações com o estrangeiro), 333º n.º 1 (coacção contra órgãos constitucionais) do Código Penal, ou nos arts. 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar;
Furto de veículos ou falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;
Falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem;
Burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;
Branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito
10 meses - Sempre que o processo se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime - [art. 276º n.º 2 alínea b) do CPP].

12 meses – quando o inquérito (i) tiver por objecto um dos crimes referidos no art. 215º n.º 2 CPP; e (ii) se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime - [art. 276º n.º 2 alínea c) do CPP].
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito

Não havendo arguidos presos ou sob obrigação de permanência na habitação

8 meses (regra geral) - art. 276º n.º 1
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito
Circular 7/89 da PGR:

1 - Os prazos de inquérito estabelecidos no artigo 276.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal têm natureza ordenadora ou disciplinar;

2 - O Ministério Público deve conferir a maior efectividade aos princípios de celeridade e de eficiência processual, providenciando para que o inquérito se realize no mais curto prazo, observados os limites fixados no artigo 276.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal;

3 - O excesso dos prazos referidos nas conclusões anteriores não produz a inexistência, nulidade ou ineficácia dos actos praticados;

4 - Quando exigências de investigação impuserem a realização de diligências fora dos prazos previstos para o encerramento do inquérito, o Ministério Público deve fazer a comunicação a que se refere o artigo 105.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito

Os prazos de duração máxima do inquérito acima referidos iniciam-se, nos termos do previsto no n.º 3 do art. 276º do CPP:

no momento em que o inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada;
ou
no momento em que se tiver verificado a constituição de arguido.
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito
Circular 4/90 da PGR:

1 - O artigo 276.º, n.º 3, do Código de Processo Penal prevê dois momentos a partir dos quais se podem contar os prazos de inquérito fixados nos n.ºs 1 e 2 do mesmo preceito: o momento em que o inquérito começar a correr contra pessoa determinada ou em que se verificar a constituição de arguido;

2 - O termo inicial do prazo de inquérito verifica-se no momento em que, em concreto, ocorrer qualquer dos factos a que a norma atribui o efeito jurídico citado;

3 - Estando determinada a pessoa contra a qual o inquérito corre, o início do prazo coincide com o momento em que o processo passou a correr contra ela, independentemente da sua constituição como arguido, salvo se esta for anterior àquele momento;

4 - Não correndo inquérito contra pessoa determinada ou não havendo ainda inquérito no momento da constituição de arguido, como pode suceder nas situações previstas nos artigos 58.º, n.º 1, al. b), c) e d) e 59º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, o prazo de inquérito corre a partir do momento em que se verificar a constituição de arguido
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito
Actuação em caso de violação dos prazos de duração máxima do inquérito?
¯

O magistrado titular do processo é obrigado a comunicar ao superior hierárquico imediato a violação do prazo, indicando as razões que expliquem o atraso e o período necessário para concluir o inquérito (art. 276º n.º 4 do CPP).
Prazos de InquéritoDuração máxima do inquérito
Perante a violação do prazo de inquérito, o superior hierárquico imediato (art. 276º n.º 5):

Pode avocar o processo [faculdade];
Dá conhecimento ao arguido e ao assistente da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito [dever];
Dá conhecimento ao PGR da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito dever].
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito

Dá conhecimento ao arguido e ao assistente da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito;

Tanto o arguido como o assistente podem requerer a aceleração processual, nos termos do art. 109º do CPP.
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito

Dá conhecimento ao PGR da violação do prazo e do período necessário para concluir o inquérito;

O Procurador-Geral da República pode [faculdade] determinar, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, a aceleração processual, prevista no art. 109º do CPP.
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito
Despacho n.º 3/2008 da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa:

Ponto 7.º: “Considerando as dificuldades que se têm verificado em vários tribunais e serviços no cumprimento escrupuloso da obrigação de comunicação prevista no n.º 5 do artigo 276º, pelo elevado número de inquéritos pendentes e pela inexistência de sistemas automatizados de produção de relatórios, a imposição prevista na disposição antes referida será satisfeita pelos senhores Procuradores da República nos seguintes termos:

Imediatamente, no que se refere a processos com arguidos presos ou sujeitos a medida de obrigação de permanência na habitação;
No final de cada mês, relativamente aos inquéritos iniciados após a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007;
No que respeita aos inquéritos iniciados antes de 15 de Setembro de 2007, as comunicações obedecerão à seguinte calendarização:

inquéritos com registo de 2003 e anos anteriores, até 31 de Janeiro de 2008;
inquéritos com registo de 2004 e 2005, até 31 de Março de 2008;
inquéritos com registo de 2006 e 2007, até 30 de Junho de 2008”.
Prazos de Inquérito Duração máxima do inquérito

A questão dos prazos de duração máxima do inquérito e a sua eventual violação tem também relevância para os processos que estejam em segredo de justiça.

findos os prazos previstos no art. 276º, em princípio, o arguido, o assistente e o ofendido passam a poder consultar todos os elementos constantes do processo.os elementos constantes do processo.

Regime actual do segredo de justiça

(texto de Sandra Serra de Carvalho para a sessão de 28 de Abril de 2008)

A versão do Código de Processo Penal anterior à revisão operada pela Lei nº 48/2007, dispunha que o processo estava sujeito a segredo de justiça até ao momento em que a instrução já não podia ser requerida ou, caso o fosse, até à decisão instrutória (artigo 86º/1). Todavia, a autoridade judiciária que presidisse à fase processual em causa, podia «dar ou ordenar ou permitir que seja dado conhecimento a determinadas pessoas do conteúdo de acto ou de documento em segredo de justiça, se tal se afigurar conveniente ao esclarecimento da verdade.» (artigo 86º/5).
A Proposta de Lei nº 109/X apresentada pelo Governo à Assembleia da República, na linha do Anteprojecto elaborado pela Unidade de Missão para a Reforma Penal, apesar de introduzir algumas importantes inovações em relação ao regime do segredo de justiça ora enunciado, mantinha a regra de que o processo estava sujeito a segredo de justiça até ao termo do prazo para requerer a abertura de instrução (artigo 86º/2), mas previa o afastamento dessa regra quando o Ministério Público determinasse a publicidade do inquérito, ou quando o arguido o pedisse ao JIC e este concordasse.
Contudo, a Lei nº 48/2007, de 29-08, foi muito para além da Proposta de Lei nº 109/X na temática do segredo de justiça, tendo consagrado 4 novas regras fundamentais:
i. a regra da publicidade – interna e externa – do inquérito, salvo decisão irrecorrível do juiz de instrução que ordena o segredo externo do processo;
ii. a regra da publicidade – interna e externa – da instrução;
iii. a definição da publicidade externa como incluindo a assistência do público aos actos processuais, mesmo aos praticados no inquérito e na instrução; e
iv. a vinculação ao segredo de justiça de todos os que contactam com o processo ou têm conhecimento de elementos do processo, incluindo jornalistas.

O C.P.P. revisto apenas prevê que o inquérito fique sujeito a segredo interno e externo
[1], quando se verifiquem as hipóteses contidas nos artigos 86.º, n.ºs 2 e 3, do C.P.P.
Preceitua o n.º 2 do artigo 86.º do C.P.P., que o arguido, o assistente e o ofendido, podem requerer que o Juiz de Instrução, ouvido o Ministério Público, por despacho irrecorrível, determine a sujeição do processo, durante a fase do inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais.
Por seu turno, o artigo 86.º, n.º 3, do C.P.P., estabelece que o Ministério Público, quando entender que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao processo, durante a fase do inquérito, do segredo de justiça, ficando essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de setenta e duas horas.
Uma vez determinada a colocação do processo sob segredo de justiça, este implica as proibições de:
a) Assistência à prática ou tomada de conhecimento do conteúdo de acto processual a que não tenham o direito ou o dever de assistir;
b) Divulgação da ocorrência de acto processual ou dos seus termos, independentemente do motivo que presidir a tal divulgação – cfr. artigo 86.º, n.º 8, do C.P.P..

No entanto, a necessidade de salvaguardar o conteúdo essencial de outros direitos merecedores de tutela, conflituantes com os interesses que justificam a sujeição do processo a segredo, leva a que o legislador tenha previsto várias situações em que se permite o acesso ao conteúdo de actos ou documentos constantes dos autos, não obstante vigorar o regime de segredo, mormente nos artigos 86.º, n.ºs 9, 10, 11, 12 e 13, 89.º, n.ºs 1, 2 e 3, 141.º, n.º 4 e 194.º, n.ºs 3, 4, 5 e 6, do C.P.P..

Parece-nos que a regra da publicidade interna e externa do inquérito viola a estrutura acusatória do processo penal português.
Mais acresce que a estrutura acusatória do processo penal português é incompatível com a regra da publicidade, na medida em que supõe uma fase de investigação, secreta, sem contraditório, dominada pelo Ministério Público, e uma fase de julgamento, pública, com contraditório, dominada pelo juiz, bem como uma separação orgânica e funcional entre estas duas fases.
Refira-se, ainda, que o art. 86º subalterniza o Ministério Público em relação ao JIC, a quem são atribuídos poderes próprios duma instância de controlo definitivo da decisão do Ministério Público sobre o segredo interno do inquérito, sobretudo quando se atende ao facto de a decisão do Juiz de Instrução Criminal, no enquadramento dos nºs 2 e 5 do artigo 86º, ser irrecorrível. Este poder do JIC parece contender com a direcção do inquérito que, por força da estrutura acusatória do processo penal português, incumbe exclusivamente ao Ministério Público.
Por imperativo constitucional, o Ministério Público não está limitado a qualquer juízo do JIC sobre a oportunidade dos actos de investigação realizados no inquérito (vide Ac. TC nº 395/2004). Por isso, o exercício da direcção do inquérito pelo Ministério Público não pode estar limitado por um juízo absoluto do JIC sobre o que prejudica a investigação.
Sendo o objectivo da publicidade interna do processo permitir o contraditório pleno sobre a prova dos autos, e dispondo o art. 32º/5, “in fine” da CRP que só há contraditório no julgamento e nos actos instrutórios que a lei determinar, então, segundo a nossa Constituição, a lei ordinária não tem de determinar os actos instrutórios que não estão subordinados ao princípio do contraditório, mas sim aqueles que o estão.
Concomitantemente, face à irrecorribilidade do despacho que determina a publicidade interna do inquérito, não só o destino do inquérito, mas também a segurança das vítimas (em determinados tipos de crimes) fica inteiramente dependente da vontade de um juiz de primeira instância, sem qualquer possibilidade de recurso. Será esta solução conforme com um Estado de Direito e os seus direitos de acesso aos tribunais e de participação no processo penal? A CRP também não parece admitir uma tamanha desprotecção das vítimas.
Particularmente quanto à regra da publicidade externa, para além dos argumentos expostos, ela também viola a protecção constitucional devida ao segredo de justiça (art. 20º/3 da CRP) e a presunção de inocência do arguido (art. 32º/2, da CRP).
Salvo melhor interpretação, o regime do segredo de justiça pretendido pelo legislador da Lei nº 48/2007 viola os limites essenciais ou constitutivos do conceito de segredo de justiça previsto no art. 20º/3 da CRP. Tal violação é mesmo gritante no caso da instrução requerida pelo arguido, o qual, como é evidente, não tem qualquer interesse na publicidade externa do processo em que está envolvido.
Muito para além da protecção, constitucionalmente consagrada, do segredo de justiça está a nova possibilidade de qualquer cidadão poder assistir às diligências do inquérito (artigo 86º/6/a, Código de Processo Penal), salvo decisão que determine o segredo externo (artigo 87º, Código Penal).
Face a isto, consideramos, como o faz Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 2007, p. 244) que «as normas do artigo 86, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do Código de Processo Penal são inconstitucionais por violarem os artigos 2º, 20º, nºs 1 e 3, 32, n.º 5 e 7, e 219, n.º 1, da Constituição da República, ao fixar a regra da publicidade externa do inquérito e ao conferir ao juiz o poder de decidir oficiosamente e por despacho irrecorrível a publicidade externa do inquérito contra a vontade do Ministério Público, bem como ao vedar o segredo da instrução a requerimento do arguido.
Pelos mesmos motivos, é inconstitucional o artigo 86, n.º 6, al. a, do CPP, na parte em que não exclui os actos de inquérito e de instrução.»

Consulta e confiança dos autos de inquérito

Em decorrência das alterações produzidas no regime do segredo de justiça, o novo regime jurídico da consulta e confiança dos autos de inquérito, apresenta algumas particularidades a que importa atender:
a) nos serviços do Ministério Público deverá estar um translado/processo-gémeo/processo de tramitação (consoante o método adoptado) o mais actualizado possível face ao que consta dos autos de inquérito na posse do OPC que desenvolve a investigação, de forma a não obviar ao exercício do direito de consulta dos autos e obtenção de cópias, pelos sujeitos processuais, consagrado no artigo 89º/1;
b) a exclusão da publicidade no caso dos crimes referidos no art. 87º/3 deve implicar a proibição de exame dos autos fora da secretaria (se o público não pode assistir ao julgamento desses crimes, também não deve poder aceder aos autos por se encontrarem na posse de um dos sujeitos processuais);
c) enquanto se mantiver a exclusão de publicidade do inquérito, o Ministério Público deve ter um cuidado especial na autorização da obtenção de cópias, extractos ou certidões pelos sujeitos processuais, quer no caso do nº 2, quer do nº 3 do art. 87º. A emissão de certidão só deve ser autorizada quando se destine a processo criminal, disciplinar ou civil (por aplicação analógica do art. 86º/11). A emissão de cópias e extractos dos autos só pode ter lugar quando não ponha em causa os valores que a exclusão da publicidade visou proteger;

Em razão dos argumentos de direito supra articulados, o art. 89º, nº 2 do CPP – que consagra uma apreciação, pelo Juiz de Instrução Criminal, por despacho irrecorrível, do despacho do Ministério Público que se oponha à consulta ou obtenção de elementos pelos sujeitos processuais - também deverá ser julgado como inconstitucional, por violação dos arts. 2º, 20º/1, 32º/5/7, e 219º/1 da Constituição da República Portuguesa, nos termos já explanados.
[1] O segredo interno é encarado pela doutrina como a “limitação de acesso dos sujeitos e participantes processuais aos elementos probatórios e de outro tipo constantes dos autos, bem como a assistência pelos mesmos a certos actos e sua narração”. Por seu turno, o segredo externo refere-se a todas aquelas pessoas, que não sendo sujeitos ou participantes processuais, por qualquer título, tomam contacto com o processo ou adquirem conhecimento de elementos a ele pertencentes - cfr. André Lamas Leite, ob. cit., págs. 540-541.

Manual de Boas Práticas na Investigação Criminal

(texto de Sandra Serra de Carvalho, de 12 de Março de 2008)

O presente trabalho tem como objectivo traçar uma ponte entre as necessidades do Ministério Público e a actuação dos Órgãos de Polícia Criminal no âmbito da investigação criminal, sobretudo face ao enquadramento legislativo presentemente em vigor.
Sem qualquer outra pretensão que não a de auxiliar os Órgãos de Polícia Criminal na recolha e obtenção de prova válida para os autos (procurando facilitar a aplicação da lei na sua prática diária), o presente manual tem uma matriz eminentemente prática, colocando-se à parte das divergências jurisprudenciais e doutrinárias existentes sobre alguns dos pontos focados.

ESQUEMA

1. Crimes de investigação prioritária
2. Prazos do Inquérito
3. Segredo de justiça
4. Junção e separação de Inquéritos
5. Tratamento da denúncia
6. Constituição de arguido
7. Meios de prova
7.1 Prova pessoal
7.1)1. Inquirição de queixosos, denunciantes e lesados
7.1)2. Inquirição de testemunhas
7.1)3. Interrogatório do arguido
7.1)4. Declarações do assistente
7.1)5. Declarações das partes civis
7.1)6. Declarações de peritos e consultores técnicos
7.2) Reconhecimentos de pessoas e objectos
7.3) Reconstituição do facto
7.4) Prova pericial
7.5) Prova documental
8. Meios de obtenção de prova
8.1) Revistas e buscas
8.2) Apreensões
8.3) Escutas telefónicas
8.4) Registo de voz e imagem
8.5) Vigilâncias policiais
9. Detenção
10. Tratamento de óbitos
10. Relatórios intercalares e relatório final da investigação

1. CRIMES DE INVESTIGAÇÃO PRIORITÁRIA

Através da Lei nº 51/2007, de 31-08, foram definidos os objectivos, as prioridades e as orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009.
A investigação dos inquéritos aos quais seja atribuída prioridade pelo Magistrado do Ministério Público, tem precedência na investigação criminal e na promoção processual sobre processos não prioritários, pelo que os Órgãos de Polícia Criminal deverão privilegiar a sua investigação sobre os demais inquéritos.
Conjugando-se o disposto nesta Lei com a Circular nº 1/2008 da PGR, é possível esquematizar a classificação dos crimes de investigação prioritária nos seguintes moldes:

1.1) PRIORIDADE ABSOLUTA
A) Processos com arguidos detidos
B) Processos cujo prazo de prescrição se mostre próximo do seu termo

1.2) ESPECIAL PRIORIDADE
A) [1]Criminalidade organizada e violenta contra as pessoas, designadamente:
a) Homicídio(s)
b) Ofensa à integridade física grave
c) Sequestro
d) Rapto
e) Tomada de reféns
f) Tráfico de pessoas
g) Crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual
h) Tráfico de droga
i) Roubo
B) Crimes de corrupção

C) Crimes praticados contra bens jurídicos individuais de pessoas idosas, crianças, deficientes, doentes, mulheres grávidas e imigrantes, tendo em conta a sua especial vulnerabilidade[2]:
a) Crimes enunciados em A)
b) Violência doméstica
c) Maus tratos
d) Infracção das regras de segurança
e) Furto qualificado [artigo 204º/1/d), f), i) e 204º/2, C.P.]
f) Abuso de confiança [artigo 205º/4/5, C.P.]
g) Burla qualificada [artigo 218º/2, C.P.]
h) Burla informática [artigo 221º/5/b), C.P.]
i) Abuso de cartão de garantia ou de crédito
j) Crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal
i) Discriminação racial, religiosa ou sexual [artigo 240º, C.P.]
ii) Tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos [artigo 243º, C.P.]

D) Actos de violência praticados contra professores, em exercício de funções ou por causa delas, e outros membros da comunidade escolar, nomeadamente:
a) Homicídio
b) Ofensa à integridade física

E) Actos de violência praticados contra médicos e outros profissionais de saúde[3], em exercício de funções ou por causa delas, nomeadamente, ofensa à integridade física.

2. PRAZOS DO INQUÉRITO

Os prazos máximos de duração do inquérito não sofreram quaisquer alterações com a Lei nº 48/2007.
A contagem dos prazos inicia-se (276º/3):
- com a primeira constituição de arguido; ou
- a partir do momento em que o inquérito passa a correr contra pessoa determinada.
É possível esquematizar os prazos máximos de duração do Inquérito da seguinte forma:

Inquérito com arguidos:
Artigo 276º/1
Artigo 215º/2
Qualquer tipo de crime com procedimento de excepcional complexidade
Artigo 215º/3
Presos preventivamente ou sob obrigação de permanência na habitação
6 meses

(artigo 276º/1)
8 meses

(artigo 276º/2/a)
10 meses

(artigo 276º/2/b)
12 meses

(artigo 276º/2/c)
Sujeitos a outras medidas de coacção
8 meses (artigo 276º/1)

Quando o Órgão de Polícia Criminal antecipe a necessidade de ultrapassar o prazo do inquérito, deverá dirigir uma informação circunstanciada ao titular do inquérito, um mês antes do “terminus” do prazo, onde explicite:
- os motivos dessa necessidade;
- as diligências de recolha de prova já feitas, e por fazer; e
- a estimativa de prazo adicional necessário para a conclusão da investigação.

3. SEGREDO DE JUSTIÇA

A sujeição do inquérito a segredo de justiça depende de um juízo de necessidade feito pelo Ministério Público, sendo que, sem despacho que decrete tal sujeição, o inquérito (e não os actos de inquérito) é público.
Não obstante, o acesso quer dos sujeitos processuais – arguido, assistente, ofendido, lesado e responsável civil -, quer de terceiros aos autos depende sempre de despacho da autoridade judiciária.
Relativamente à assistência de terceiros e outros sujeitos processuais a diligências de recolha de prova (como sejam inquirições, interrogatório, buscas, etc.) não deverá ser admitida, uma vez que a regra da publicidade do processo não implica tal possibilidade.

4. JUNÇÃO E SEPARAÇÃO DE INQUÉRITOS

A junção de inquéritos (que apenas deve ser equacionada nos casos previstos nos arts. 24º e 25º do Código de Processo Penal), deve ser sugerida ao Ministério Público num prazo máximo de 5 dias após a verificação, pelo Órgão de Polícia Criminal, da situação de conexão processual.
Para o efeito, deverá fazer uma informação circunstanciada, não apenas dos elementos de conexão, mas igualmente da importância que possa ter para a investigação dos autos a junção dos inquéritos.
Esta informação deverá ser acompanhada da indicação da prova já existente no inquérito cuja junção se pretende, bem como do prazo estimado de investigação em cada um dos inquéritos.

A separação de inquéritos, que com a Lei nº 51/2007, passou a ser da competência do Juiz de Instrução Criminal, deverá ser sugerida ao Ministério Público quando o OPC detecte alguma das situações previstas, no art. 30º/1/a/b, do Código de Processo Penal, ou no art. 16º da Lei nº 51/2007, de 31-08.
Para o efeito, o OPC deverá fazer uma informação circunstanciada, probatoriamente sustentada, das razões para a separação dos inquéritos.

5. TRATAMENTO DA DENÚNCIA

Em circunstância alguma poderão os OPC abster-se de aceitar uma denúncia de um crime que lhes seja apresentada (art. 242º/1/a, Código Penal).
A denúncia deverá ser comunicada ao Ministério Público, para instauração de inquérito, num prazo máximo de 10 dias a partir da elaboração do auto (art. 243º/3), que deverá ser redigido em estrito cumprimento do disposto no art. 243º/1 e 246º/2, do Código de Processo Penal.
Mesmo quando a notícia do crime seja manifestamente infundada, a sua comunicação ao Ministério Público tem de ser feita no prazo de 10 dias – art. 248º/1/2.

Em todos os crimes particulares, os ofendidos deverão, imediatamente, declarar se desejam constituir-se como assistentes, consignando-se a sua pretensão no auto. Também deverão ser notificados nos termos do art. 246º/4, com a cominação expressa de que apenas têm um prazo de 10 dias para apresentarem o requerimento para constituição como assistentes.
Deverá ser tido em consideração pelo Órgão de Polícia Criminal que, com a Lei nº 48/2007, passou a poder ser, também, assistente a pessoa do mesmo sexo que convivesse com o ofendido em condições análogas ao do cônjuge.

6. CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO

Com a Lei nº 48/2007, o acto de constituição de arguido (pessoa singular e/ou colectiva) deixou de ser uma consequência automática da identificação do suspeito de determinado crime, para passar a depender de requisitos mais apertados, previstos no artigo 58º do Código de Processo Penal.
Para além das situações consagradas neste inciso, a constituição de arguido também tem lugar por iniciativa do suspeito, nos casos previstos no artigo 59º do mesmo código.
Realça-se que entidades policiais que não sejam Órgãos de Polícia Criminal não podem proceder à constituição de suspeitos como arguidos (58º/2), pese embora possam levantar autos de notícia (243º).

Sempre que corra inquérito contra determinada pessoa colectiva, em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, e o seu legal representante deva prestar declarações, a mesma deve ser constituída como arguida na pessoa do seu legal representante, antes do início das declarações deste. Também será na pessoa do seu legal representante que a pessoa colectiva é advertida dos seus direitos e deveres enquanto arguida.
Caso também existam fundadas suspeitas de responsabilidade criminal do legal representante da pessoa colectiva, deverá ser feita outra constituição de arguido e outra notificação sobre os seus direitos e deveres, desta vez à pessoa singular.

Com a Lei nº 48/2007, tornou-se claro que o arguido tem o direito de ser informado dos factos que lhe são concretamente imputados antes de prestar declarações.
Face à revogação do artigo 62º/2/3, é possível concluir que quer a Autoridade de Polícia Criminal, quer a Autoridade Judiciária, deixam de ter competência para a escolha e nomeação de defensor oficioso para o arguido, sendo necessário pedir a sua indicação à O.A..

A omissão/violação das formalidades consagradas no artigo 58º implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova, sem embargo do aproveitamento dos actos processuais já realizados pelo visado, se for essa a sua vontade depois de constituído como arguido.
Concomitantemente, este vício também vai inquinar todas as diligências de prova decorrentes das declarações prestadas pelo “arguido” (artigo 58º/5/6).

Sendo o crime imputado ao arguido um crime de natureza semi-pública, deverá acompanhar a constituição de arguido a consignação se o mesmo se opõe a uma eventual desistência da queixa.

Sempre que do teor da denúncia o Órgão de Polícia Criminal possa concluir pela possibilidade de vir a ser aplicada ao arguido uma medida de diversão/instituto de conciliação, nomeadamente por estar em causa crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos, deve consignar, em Auto separado, se o arguido concorda com uma eventual suspensão provisória do processo ou aplicação de pena ou medida de segurança não privativas da liberdade em processo sumaríssimo.
Complementarmente, quando o arguido não se oponha à eventual aplicação de uma destas medidas de diversão, deverá ser feito, de imediato, um inquérito às suas condições sócio-económicas.

6.1) CONCEITO DE “FUNDADAS SUSPEITAS”

O conceito de “fundadas suspeitas” corresponde a um estado de coisas donde se retira uma suspeita séria de que determinado indivíduo teve intervenção nos factos criminosos, assim justificando que se desencadeie um procedimento penal tendo em vista a confirmação, ou exclusão, de tal suspeita.
Este conceito não pode confundir-se com o de “fortes indícios”, mais exigente no seu preenchimento, pois já se situa num grau intermédio entre os indícios suficientes e a certeza judiciária.

6.2) COMUNICAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO

A constituição de arguido pelo Órgão de Polícia Criminal antes da instauração de inquérito, ou durante a sua pendência, deve ser comunicada ao Ministério Público para efeitos de convalidação (artigo 58º/3).
O prazo para a convalidação está fixado na lei (arts. 104º e 58º/3, do Código de Processo Penal, e 144º/1 do Código de Processo Civil): 10 dias seguidos para a comunicação pelo Órgão de Polícia Criminal + 10 dias seguidos para o despacho da autoridade judiciária.
Quando a constituição de arguido tenha sido feita em cumprimento de ordem emanada de uma autoridade judiciária, não há necessidade de submissão do acto a validação.

6.3) INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
A propósito desta temática, remete-se para o que se refere no ponto 7.1)3..

6.4) TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA

Nos termos do artigo 196º do Código de Processo Penal, são sujeitos a Termo de identidade e residência todos os suspeitos que forem constituídos como arguidos.
Do Termo de identidade e residência devem constar, expressamente as seguintes indicações:
i) residência completa do arguido (tem que permitir a concreta localização espacial do arguido), com a indicação de que foi por si escolhida para posteriores notificações; ou
ii) morada completa do local de trabalho do arguido, ou outro domicílio por si seleccionado para ser notificado (196º/2); ou
iii) indicação de pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área da comarca, para receber notificações – apenas para situações em que o arguido tem uma profissão ou actividade que não lhe permitem uma permanência estável em determinado local (113º/8);
iv) informação de que se deu conhecimento ao arguido (196º/3):
(1) da obrigação de disponibilidade para os fins do processo;
(2) da proibição de mudança da residência indicada, e ausência da mesma por período superior a 5 dias, sem comunicação ao processo;
(3) da notificação por via postal simples para a morada indicada;
(4) consequências do incumprimento das imposições descritas.

7. MEIOS DE PROVA

O artigo 126º do Código de Processo Penal consagra os métodos proibidos de prova. Sendo a sanção - para os actos levados a cabo com violação das proibições impostas - a nulidade de tais actos, bem como da prova que se obtenha a partir dos mesmos (“efeito de arrastamento”), deverão os Órgãos de Polícia Criminal ter especial cuidado em não recorrer a métodos proibidos de prova.
São eles:

Métodos proibidos de prova
- Maus tratos, ofensas corporais, hipnose, meios cruéis/enganadores ou de natureza que perturbe a liberdade de vontade ou de decisão;
- Ameaça com medida legalmente inadmissível e com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto
- Agressão à capacidade de memória ou de avaliação;
- Utilização da força ou ameaças;
- Promessa de vantagens inadmissíveis.

Absolutamente proibidos
(mesmo com consentimento)
Relativamente proibidos
(apenas sem consentimento)
- Provas obtidas por tortura

- Provas obtidas por coacção

- Provas obtidas por ofensa à integridade física ou moral
- Provas obtidas por intromissão na vida privada;
- Provas obtidas por intromissão no domicílio;
- Provas obtidas por intromissão na correspondência;
- Provas obtidas por intromissão nas telecomunicações

7.1) PROVA PESSOAL

O depoimento constitui uma narração, perante a entidade competente, de factos de que se teve percepção através dos sentidos.
Está, assim, limitado aos factos com interesse para a resolução do litígio penal concreto. Em regra não cabe a quem presta depoimento expressar as suas apreciações pessoais, ou opinar sobre questões de carácter jurídico.
Esquematizando as situações contempladas no artigo 130º do Código de Processo Penal, constata-se a seguinte divisão:

Inadmissíveis
Expressos em vozes ou rumores públicos
Admissíveis
- se incindíveis dos factos concretos em que assentam;
- se decorrentes de qualquer ciência, técnica ou arte;
- se manifestados na fase de determinação da sanção

DEPOIMENTOS

expressos em convicções ou interpretações pessoais sobre factos.

Aquando da prestação do depoimento, o sujeito processual pode querer juntar alguma destas peças processuais:
§ exposição (apresentação de factos ou situações relacionados com a matéria dos autos);

§ memorial (apontamento para lembrança, documento em que se registam ou assinalam coisas que devem ser lembradas, sem que tal tenha sido pedido); ou

§ requerimento (acto pelo qual se solicita uma providência à entidade a quem é dirigido).

Sobre tal pretensão dispõe o artigo 98º, cujo conteúdo se pode esquematizar da seguinte forma:


O que se pode apresentar
De que modo e como
Quando
Destino
Arguido
- exposições
- memoriais
- requerimento
- Podem ser assinados pelo próprio ou pelo defensor;
- Têm de se conter dentro do objecto do processo ou limitar-se à salvaguarda dos seus direitos fundamentais.
Em qualquer fase do processo
(inquérito, instrução, julgamento ou recurso)
- os textos escritos serão integrados nos autos (98º/1)
- os requerimentos orais constarão do respectivo auto (98º/3)

Outros participantes processuais
- exposições
- memoriais
. Podem ser assinados pelo próprio.
- requerimentos
- Assinados pelo advogado, quando haja mandatário; ou
- Assinados pelo próprio Rqnt, quando o advogado esteja impossibilitado de assinar, ou o Rqnt vise a prática de acto sujeito a prazo de caducidade.

7.1)1. INQUIRIÇÃO DE QUEIXOSOS, DENUNCIANTES E LESADOS

A lei processual penal distingue os vários sujeitos processuais, bem como a forma como é recolhida prova pessoal dos mesmos.
O queixoso/ofendido é a pessoa titular do interesse que a norma incriminadora visa proteger.
O denunciante, é a pessoa que dá conhecimento da ocorrência do crime, independentemente de ter ou não legitimidade para a apresentação da queixa.
O lesado é a pessoa, ofendida ou não, que sofreu, por efeito do crime, prejuízos no seu património material ou moral que, de acordo com a lei civil, merece a protecção do direito.

São todos ouvidos em Auto de inquirição sujeito às formalidades previstas para a inquirição de testemunhas (descritas em 7.1)2.).

7.1)2. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHAS

A produção da prova testemunhal, pelas especificidades e complexidade que implica, tem de revestir uma exigência acrescida.
Assim:
As testemunhas apenas prestam juramento perante autoridade judiciária (91º/3).
Antes de iniciar a inquirição, o Órgão de Polícia Criminal deve averiguar se existe algum impedimento de aquela testemunha depor (artigo 133º) e, em caso afirmativo, consigná-lo em auto (ao invés de proceder à tomada de declarações).
Nos casos previstos no artigo 134º, o Órgão de Polícia Criminal, antes de iniciar a inquirição, deve informar a testemunha da possibilidade de se recusar a depor (134º/2).

A identificação da testemunha deverá ser o mais completa possível, nomeadamente com indicação de mais do que uma referência de contacto (ex.: nº de telemóvel e local de trabalho), de forma a agilizar futuras notificações.
No auto de inquirição de testemunhas é importante que conste:
a) a concreta actividade profissional da testemunha, a sua formação profissional, e grau de escolaridade;
b) as ligações que a testemunha possa ter com os demais intervenientes processuais;
c) a razão de ciência da testemunha (se é presencial e, em caso afirmativo, onde se encontrava quando visionou a ocorrência; em caso negativo, como teve conhecimento da mesma; o circunstancialismo de tempo e de lugar de ocorrência dos factos; o motivo pelo qual se recorda dos mesmos, etc.);
d) o conteúdo do depoimento
i) caso denote algo de estranho na forma de depor da testemunha, que afecte a sua espontaneidade, coerência ou verosimilhança, o Órgão de Polícia Criminal que procedeu à inquirição deverá fazer constar tal informação, fundamentando-a, em relatório separado do auto de inquirição.

A inquirição de incapazes (menores, inabilitados, interditos), face à exigência do artigo 131º/2, tem que ser feita por Autoridade Judiciária, independentemente de ter havido uma delegação genérica de competência para a investigação no Órgão de Polícia Criminal (a menos que o magistrado dê instruções em sentido contrário).

Com a Lei nº 48/2007, a testemunha passou a poder indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha, para ser notificada (132º/3).
Também pode fazer-se acompanhar de advogado sempre que deva prestar depoimento (com as limitações do 132º/5).

7.1)3. INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO

O interrogatório do arguido passa pela conjugação dos arts. 61º e 140º a 144º do Código de Processo Penal.
Desta forma, a identificação do arguido deverá ser feita em conformidade com o disposto no artigo 141º/3. Para além desses elementos, deverão constar dos autos outros elementos de contacto do arguido (ex.: o local de trabalho e o nº de telemóvel).
À pergunta sobre os seus antecedentes criminais e processos criminais pendentes, deve o arguido ser advertido da obrigação de responder com verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade criminal.
Seguidamente, o arguido deve ser informado dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo as circunstâncias de tempo, de modo e lugar.
O interrogatório do arguido deve ser conduzido de forma a excutir o conteúdo do artigo 141º, nº 5 do Código de Processo Penal.

Sendo o arguido desconhecedor da língua portuguesa, ou não tendo um domínio da mesma, ele pode escolher um intérprete, sem encargos, para traduzir as conversações com o seu defensor (artigo 92º/3). Este intérprete pode ser nomeado por Autoridade de Polícia Criminal (92º/7).

7.1)4. DECLARAÇÕES DO ASSISTENTE

São assistentes as pessoas indicadas no artigo 68º/1, que se tenham constituído como tal.
O regime de tomada de declarações aos assistentes (em auto de declarações) é o da prova testemunhal, por remissão do artigo 145º/3, salvo no que concerne à prestação de juramento, que aqui não tem lugar (145º/4).
Não obstante, os assistentes devem ser advertidos de que são obrigados a falar com verdade, sob pena de incorrerem na comissão de um crime de Falsidade de declaração, previsto e punível nos termos do artigo 359º/2 do Código Penal.

7.1)5. DECLARAÇÕES DAS PARTES CIVIS

São partes civis os lesados que tenham formulado pedido de indemnização civil nos autos (artigo 74º).
O regime de tomada de declarações das partes civis (em auto de declarações) é o da prova testemunhal, por remissão do artigo 145º/3, salvo no que concerne à prestação de juramento, que aqui não tem lugar (145º/4).
Não obstante, as partes civis devem ser advertidos de que são obrigados a falar com verdade, sob pena de incorrerem na comissão de um crime de Falsidade de declaração, previsto e punível nos termos do artigo 359º/2 do Código Penal.

7.1)6. DECLARAÇÕES DOS PERITOS E CONSULTORES TÉCNICOS

As declarações dos peritos e consultores técnicos estão sempre dependentes de despacho da Autoridade Judiciária, a única a poder nomeá-los (270º/2/b e 154º/1).
Os mesmos prestam compromisso perante Autoridade Judiciária ou Autoridade de Polícia Criminal, devendo ser advertidos de que podem incorrer em responsabilidade criminal (360º/1 do CP) nos casos previstos no artigo 91º/3/4 do Código de Processo Penal.
As declarações dos peritos e consultores técnicos são tomadas em auto de declarações, podendo os mesmos socorrer-se dos documentos/instrumentos referidos no artigo 350º/2 do Código de Processo Penal, o que deverá ficar consignado em auto.

7.2) RECONHECIMENTOS DE PESSOAS E OBJECTOS

Pela sua natureza, este tipo de prova deve ser recolhido o mais proximamente possível da ocorrência criminosa, relativamente a todas as testemunhas oculares que desconheçam a identidade do(s) agente(s) do crime.
Uma vez que a lei não exige a presença de defensor oficioso quer para o suspeito, quer para o arguido já constituído, apenas a pedido é que o Órgão de Polícia Criminal terá de providenciar por tal comparência.

O artigo 147º do Código de Processo Penal, que dispõe sobre este meio de prova, estabelece um procedimento pormenorizado, cuja violação afasta o valor probatório do reconhecimento (147º/7), e que deve ficar a constar integralmente do auto de reconhecimento.
Tal procedimento pode ser sintetizado da seguinte forma:

1ª Fase: Reconhecimento intelectual


o identificante descreve pormenorizadamente o identificado, com indicação de todos os pormenores de que se recorde;


informa se já tinha visto o identificado anteriormente e, em caso afirmativo, descreve o circunstancialismo de tempo e de lugar em que tal aconteceu;


o identificante refere outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

2ª Fase: Reconhecimento físico/presencial
Apenas caso a identificação não seja cabal – uma identificação que permita, pelos traços fisionómicos referidos, individualizar, sem margem para dúvidas, o identificado – é que se passa para a 2ª fase do reconhecimento, com recurso a uma linha de reconhecimento, composta, no mínimo, por 3 pessoas (onde se inclui o suspeito) – artigo 147º/2.
Para aumentar a fiabilidade da prova por reconhecimento físico, sempre que possível deverão ser adoptadas algumas das recomendações feitas por psicólogos estudiosos da matéria, nomeadamente:
§ alargamento do número de pessoas que integram o painel de reconhecimento;
§ prévia apresentação ao identificante de um painel de reconhecimento em que o suspeito não se encontra, para verificar se o identificante tem propensão para efectuar um julgamento relativo;
§ exigência de que a pessoa que conduz o reconhecimento pessoal não tenha conhecimento da identidade do suspeito;
§ exigência de que o identificante seja previamente informado de que o suspeito pode não se encontrar entre as pessoas que compõem o painel de reconhecimento;
§ exigência de que todas as pessoas que compõem o painel reúnam as características indicadas previamente pela testemunha, não devendo nenhuma delas apresentar traços dissonantes (v.g, comprimento e cor do cabelo, etnia, estatura, etc…).

O Órgão de Polícia Criminal deverá ter o cuidado de verificar se é necessário proceder ao reconhecimento sem que o identificante seja visto pelo identificado conforme previsto no artigo 147º/3, Código de Processo Penal.

A junção de fotografia dos intervenientes no reconhecimento (pessoas não reconhecidas) aos Autos, só pode ser feita com o consentimento dos mesmos.

Reconhecimento fotográfico
O artigo 147º/5 prevê a realização de reconhecimento fotográfico.
Os reconhecimentos fotográficos são uma diligência policial de investigação válida para identificar o possível agente do crime, se bem que de natureza subsidiária.
Para ter valor como prova, o reconhecimento fotográfico deve ser seguido de um reconhecimento pessoal, efectuado nos termos previstos no Código de Processo Penal. A rigorosa ritualidade do procedimento previsto na lei é destinada a assegurar a atendibilidade do resultado e a impedir que o reconhecimento seja o fruto de sugestões, da intimidação ou de convencimentos pré-formados.

Reconhecimento vocal:
Uma vez que o Código de Processo Penal não impõe meios de prova taxativos, consentindo que possam ser produzidas provas atípicas, cumpre referir o reconhecimento vocal, com interesse na investigação de crimes praticados, nomeadamente, através de telemóvel.
A descrição acústica dos sons e das palavras pode efectuar-se através de técnicas variadas que consistem em detectar, visualizar e quantificar certos parâmetros duma assinatura vocal. Assim, a testemunha, ou o ofendido, deverão descrever da forma mais precisa possível, as características vocais do agente do crime.

A este propósito, a Lei n.º 5/2002 de 11 de Janeiro (que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira), prevê, no capítulo designado como “outros meios de prova”, a admissibilidade do registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado.

Reconhecimento de objectos
No artigo 148º está prevista a possibilidade de reconhecimento de objectos (como seja o reconhecimento da arma do crime, ou da viatura usada pelo agente do crime para abandonar o local).
Este reconhecimento, tal como referido no inciso legal, é feito com observância das formalidades do reconhecimento de pessoas, devendo ser juntas aos autos fotografias (mais detalhadas relativamente aos pontos determinantes para o reconhecimento) dos objectos usados para a produção de prova, em obediência ao princípio da transparência.

7.3) RECONSTITUIÇÃO DO FACTO

Este meio de prova, previsto no artigo 150º do Código de Processo Penal, restringe-se a situações em que o simples exame ou inspecção dos vestígios deixados no local do crime é insuficiente, ou os vestígios não foram tempestivamente recolhidos; e existe a necessidade da reconstituição da ocorrência, para possibilitar a representação da forma como terá ocorrido o crime, bem como para dissipar dúvidas acerca da possibilidade deste ter ocorrido de outra maneira.
Decorre do artigo 150º, que a competência para a determinação da reconstituição cabe, exclusivamente, à Autoridade Judiciária.
Da reconstituição do facto deve ser lavrado um auto, pois esse é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais (art.99º CPP), mas o mesmo pode ser parcialmente substituído ou completado por documentação audio-visual ou por outra adequada, como a fotográfica, tal como resulta do artigo 150º, nº 2 CPP.
O artigo 150º consagra uma regra de máxima restrição possível à publicidade externa, pelo que nem o público, nem os órgãos de comunicação social podem participar na diligência.
Se a reconstituição tiver lugar em processo em que vigore a publicidade interna, todos os sujeitos processuais e respectivos advogados têm o direito de acesso à diligência, devendo ser notificados da sua realização. Havendo arguido preso, o mesmo é, obrigatoriamente, assistido por defensor (artigo 144º/3).
As pessoas, incluindo o arguido, que intervierem na reconstituição apenas podem ser filmadas ou fotografadas se nisso consentirem (147º/4).

7.4) PROVA PERICIAL

A prova pericial tem lugar sempre que a percepção ou apreciação dos factos exijam especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos – artigo 151º do Código de Processo Penal.
Nos termos do artigo 154º e 270º/2/b, a perícia tem de ser ordenada por Autoridade Judiciária.

As perícias podem ser realizadas (artigo 152º):

Quem faz as perícias
Perícias em geral
(152º)
Perícias psiquiátricas (159º/6/7)

Perícias sobre a personalidade
(160º)
Perícias médico-legais (159º/1-5)
- estabelecimento, laboratório ou serv. oficial apropriado;
- perito nomeado de entre as pessoas constantes da lista de peritos existente em cada comarca;
- pessoa de honorabilidade e de reconhecida competência na matéria em causa (na falta ou impossibilidade de resposta em tempo útil dos peritos da comarca)
- as mesmas entidades que realizam perícias médico-legais, podendo nelas participar especialistas em psicologia ou criminologia.
- serviços de reinserção social, institutos de criminologia ou outros institutos especializados;
- especialistas em criminologia, psicologia, sociologia ou psiquiatria
- institutos de medicina-legal;
- serviços oficiais médico-legais;
- médicos constantes das listas existentes na comarca;
- quaisquer médicos especialistas ou que desenvolvam de forma continuada actividades médico-legais ou apresentem para elas especial qualificação.

7.5) PROVA DOCUMENTAL

A prova documental está prevista nos arts. 164º-170º do Código de Processo Penal.
Do artigo 164º/2 resulta a obrigatoriedade de junção da prova documental aos autos quando se esteja perante a mesma, salvo quando contenha uma declaração anónima que não seja objecto ou elemento do crime.
Havendo urgência para a investigação na tradução de determinado documento junto aos autos, a mesma deve ser ordenada pelo Ministério Público, mas a nomeação de intérprete pode ser feita por Autoridade de Polícia Criminal (arts. 166º e 92º/6).
O artigo 167º consagra o valor probatório das reproduções mecânicas, excluindo a sua admissibilidade como prova quando forem ilícitas. Para o efeito, há que atender à forma de produção da prova, uma vez que não são proibidas as reproduções que estejam abrangidas pelos arts. 171º-190º (exames, revistas, buscas, apreensões e escutas telefónicas).

8. MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA

8.1) REVISTAS E BUSCAS

As buscas obedecem a regimes distintos, consoante se realizem, ou não, em locais com função de domicílio.
Assim sendo:
A) Buscas não domiciliárias:
A.a) Em geral:
- são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, excepto nos casos dos arts. 174º/5 e 251º/1, em que os actos podem ser realizados pelos Órgãos de Polícia Criminal, sem despacho prévio (mas sujeitos a posterior validação);
- são presididas, sempre que possível, pela autoridade judiciária (174º/3), excepto nos casos previstos no artigo 174º/5;
- podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite.

A.b) Em escritório de advogado ou consultório médico (177º/5):
- autorizadas ou ordenadas por despacho judicial;
- presidência obrigatória do juiz, sob pena de nulidade;
- aviso prévio ao Conselho local da respectiva Ordem;
- podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite.

A.c) Em estabelecimento oficial de saúde (177º/6):
- autorizadas ou ordenadas por despacho judicial;
- presidência obrigatória do juiz;
- aviso prévio à gestão do estabelecimento;
- podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite.

B) Buscas domiciliárias:
B.a) Regime regra:
- autorizadas ou ordenadas por despacho judicial (art. 177º/1 e 269º/1/a);
- presidência obrigatória do juiz;
- efectuadas, em regra, entre as 7 e as 21h (art. 177º/1).B.b) Regime excepcional:
- ordenadas pelo MP ou efectuadas por OPC nos casos de:
· Terrorismo ou situações similares – 174º/5/a e 177º/3/a;
· Consentimento do visado – art. 174º/5/b e 177º/3/b;
- presidência obrigatória do Ministério Público;
- efectuadas, em regra, entre as 7 e as 21h (art. 177º/1);
- o controlo judicial é feito “a posteriori”.

A propósito da questão de quem tem legitimidade para dar o consentimento para as buscas domiciliárias (artigo 174º/5/b e 177º/3/b), existem diversos entendimentos jurisprudenciais. Assim:
1 - Quem tiver a disponibilidade do local onde se realiza a busca é que terá de dar consentimento (Ac. do STJ de 26 de Novembro de 1992, in www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 11 de Março de 1993, in BMJ 425-425; e Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 1995, in CJSTJ, Ano 3, Tomo 1, pág. 194).
2 - Ac. RP de 29-01-2003, in www.dgsi.pt: “A validade da realização da busca domiciliária basta-se com o consentimento da pessoa afectada por ela e que tenha a livre disponibilidade, quanto ao local onde a diligência é efectuada e que possa ser por ela afectado, não se exigindo o consentimento cumulativo de todos os outros residentes na casa. A entrada na habitação será porém irregular se houver oposição de algum dos demais titulares, que terá que ser manifestada.”
3 - O Tribunal Constitucional considerou, no acórdão n.º 507/94, que o consentimento de uma só pessoa não basta para legitimar as buscas nas casas habitadas por vários, e que é necessário também o consentimento do visado pela medida probatória. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-07-2005, in www.dgsi.pt, entendeu nesse mesmo sentido, apreciando um caso em que a busca domiciliária foi realizada durante o inquérito, pelos OPC's, mediante consentimento do visado: “Se um órgão de polícia criminal realizar uma busca domiciliária e essa busca for consentida pelo visado, esse meio de obtenção de prova não tem que ser imediatamente comunicado ao juiz de instrução para ele poder apreciar as condições em que decorreu, validando-o se for caso disso.”

Seja a busca domiciliária ou não, as formalidades a observar são as prescritas no artigo 176º:

Buscas com autorização prévia:
§ Antes de se iniciar a diligência, a cópia do despacho que ordenou a busca é entregue a quem tiver a disponibilidade do local em que a diligência se realiza, devendo conter a menção que este se pode fazer acompanhar por pessoa da sua confiança, que se apresente sem delongas;
§ no caso da pessoa que tem a disponibilidade do lugar estar ausente, “a cópia é entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro ou a alguém que o substitua” – n.º 2 do art. 176º.

Nas buscas sem autorização, não há entrega de despacho.
Os OPC devem solicitar o consentimento do visado (que não é uma formalidade mas um pressuposto de validade da diligência).

Se o visado pela busca solicitar a presença de uma pessoa da sua confiança e o OPC nada fizer ou se opuser, poderemos estar perante um método de obtenção de prova proibido (art. 126º do Código de Processo Penal), pelo que tal postura é desaconselhada.

Tendo em conta o disposto no artigo 99º do Código de Processo Penal e a estrutura da diligência, o auto de busca deve conter:
a) identidade da autoridade que realiza a busca e das pessoas presentes;
b) identidade do visado e menção explícita se consentiu, ou não, na busca;
c) dia e hora em que começou e terminou a busca;
d) local em que decorreu a busca, incluindo as medidas tomadas para protecção da privacidade do visado;
e) menção da comunicação ao visado dos seus direitos e, havendo-o, da entrega de cópia do despacho que determinou a busca;
f) descrição do modo pelo qual foi feita a busca, com indicação das partes do lugar buscado e dos objectos destruídos para a realização da busca;
g) descrição dos objectos encontrados durante a busca;
h) descrição de quaisquer declarações prestadas pelo visado, por pessoa da sua confiança ou pelo advogado do visado (se já estiver constituído como arguido) e pela pessoa que tiver a disponibilidade do lugar;
i) registo de quaisquer incidentes;
j) data da elaboração do auto e assinatura.

Não obstante a regra da autorização por Autoridade Judiciária, as diligências de busca e revista poderão ser da iniciativa dos Órgãos de Polícia Criminal no seguinte enquadramento legal:

Revistas e buscas (174º/5)
Al. a): terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
Al. b): qualquer situação em que haja consentimento dos visados;
Al. c): detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão

Revistas e buscas sem prévio consentimento da autoridade judiciária
Buscas domiciliárias (177º/3)
Revistas e buscas não domiciliárias
(251º/1)
Situações de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada (177º/3/a) ou em que haja consentimento dos visados (177º/3/b)
- Revistas fora de flagrante delito de suspeitos em situações de fuga iminente ou de detenção;
- Buscas fora de flagrante delito no lugar em que os suspeitos se encontrem, sempre que houver fundada razão para crer que em tais suspeitos se ocultem objectos relacionados com o crime e úteis à sua prova, susceptíveis de se perderem;
- Revistas de pessoas com vista ao acautelamento da prática de acções criminosas durante a realização de actos processuais.

A revista tem lugar quando existam indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova (174º/1).
Relativamente à competência para a sua determinação, seguem-se as regras supra descritas sobre as buscas.

Em termos de formalidades a observar, as mesmas estão definidas no artigo 175º. Tendo em conta o disposto no artigo 99º, e a estrutura da diligência, o auto de revista deve conter:
a) identidade da autoridade que realiza a revista e das pessoas presentes;
b) identidade do revistado e menção explícita se consentiu, ou não, na revista;
c) dia e hora em que começou e terminou a revista;
d) local em que decorreu a revista, incluindo as medidas tomadas para resguardo do pudor do visado;
e) menção da comunicação ao visado dos seus direitos e, havendo-o, da entrega da cópia do despacho que determinou a revista;
f) descrição do modo pelo qual foi feita a revista, com indicação das partes do corpo revistadas e do uso da força física;
g) descrição dos objectos encontrados durante a revista;
h) descrição de quaisquer declarações prestadas pelo visado, por pessoa da sua confiança ou pelo advogado do visado (se já estiver constituído como arguido);
i) registo de quaisquer incidentes;
j) data da elaboração do auto e assinatura.

8.2) APREENSÕES

A apreensão consiste num acto de polícia criminal de natureza preventiva, que tem como escopo obter prova.
É autorizada, determinada ou validada por despacho da Autoridade Judiciária – artigo 178º/3.
Não existe necessidade de validação das apreensões quando já tenha sido a Autoridade Judiciária a determiná-las, se as mesmas não tiverem ido para além do que tinha sido ordenado.
Tudo o que for apreendido por iniciativa do Órgão de Polícia Criminal, tem que ser sujeito a validação, no prazo máximo de 72h.

São passíveis de apreensão:
- os objectos que serviram ou se destinaram à prática de crimes;
- os objectos que constituam produto, lucro, preço ou recompensa do mesmo crime;
- os objectos deixados pelo arguido no local;
- todos os objectos que, de qualquer modo, possam servir de prova do(s) facto(s) criminoso(s).

O Órgão de Polícia Criminal pode efectuar apreensões nos seguintes casos:
- no uso de delegação de poderes do Ministério Público (270º/1 e 270º/2), salvo no que se refere a apreensões de correspondência (269º/1/d);
- no decurso de revista (178º/4);
- no decurso de busca, domiciliária ou não domiciliária, diurna ou nocturna (178º/4);
- quando haja urgência ou perigo na demora e, designadamente, quando esse seja o único meio de preservar o vestígio durante ou após a realização do exame (178º/4 e 249º/2/c).

A apreensão de correspondência tem as especificidades previstas nos artigos 179º e 252º, que contemplam as seguintes situações:
Correspondência
Apreensão

Abertura e análise

Suspensão da remessa
Só o JIC pode proceder à abertura da correspondência apreendida e estabelecer o primeiro contacto com o conteúdo (252º/1, 179º/3, 268º/1/d). Excepcionalmente o JIC pode autorizar a abertura de encomendas/valores fechados, aos OPC, nos termos do artigo 252º/2.
Compete exclusivamente ao JIC ordenar ou autorizar a apreensão (34º/1/4 CRP, 252º/1, 179º/1, 269º/1/d, CPP.
Pode ser ordenada pelos OPC quando é permitido ao JIC autorizar a abertura de encomendas/valores fechados. A suspensão fica sujeita à convalidação judicial no prazo máximo de 48 horas, sem o que a correspondência retida será enviada ao destinatário (252º/3).
Quando o Juiz de Instrução Criminal ordene uma busca domiciliária, e consequentes apreensões, está implícita a autorização para o OPC que a leve a cabo tomar conhecimento de todos os objectos que se relacionem com o crime e, neste ponto, também do conteúdo do disco rígido do computador que aí se encontre (já que se tratam de documentos guardados em suporte digital).

A única excepção que cumpre fazer é quanto ao correio electrónico, devendo neste ponto referir-se o seguinte:
O artigo 189º tem a sua tónica nas comunicações em curso, isto é, não se aplica a qualquer comunicação, apenas aquelas que estão a decorrer. Ora, também as comunicações por via electrónica (e o mesmo se diga para as SMS), podem ser determinadas num lapso de tempo: começam quando entram na rede e acabam quando saem da rede. E só neste hiato temporal se pode falar em comunicação e intercepção para efeitos do artigo 189º.
Desta forma, fora desta situação, está-se sempre perante o regime das apreensões, uma vez que as mensagens recebidas ficam gravadas no receptor, devendo ter o mesmo tratamento da correspondência escrita recebida pelo destinatário.
Determinado que está o regime geral, deve distinguir-se a mensagem aberta da não aberta, pois só esta última goza da protecção da reserva da correspondência estabelecida no artigo 179º, já que as primeiras reconduzem-se à categoria de meros documentos escritos, só que arquivados em formato digital.
Consequentemente, no que a mensagens não abertas respeita, não estando o JIC a presidir à diligência não podem os OPC´s conhecer do conteúdo das mesmas, devendo o computador ou o telemóvel ser entregue ao JIC para que, em cumprimento do artigo 179º/3, seja o primeiro a tomar conhecimento do seu conteúdo, e a decidir da sua junção, ou não, aos autos.
Esta limitação não se aplica se a mensagem não aberta for, voluntariamente, fornecida ao processo pelo visado (arguido, testemunha, ofendido, etc).

8.3) ESCUTAS TELEFÓNICAS

A Lei nº 48/2007 veio, no que concerne às escutas telefónicas, reforçar a ponderação dos princípios da adequação e da necessidade na determinação deste meio de obtenção de prova. Para o efeito, substituiu o antigo critério do “grande interesse para a descoberta da verdade ou da prova”, pelo critério de que a diligência seja “indispensável para a descoberta da verdade” e de que “a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter”.
Das alterações operadas pela Lei nº 48/2007 resulta, também, que as intercepções só são possíveis na fase de inquérito (afastando-se a possibilidade de intercepções telefónicas com fins de prevenção criminal).

Ao anterior catálogo de crimes que admitem o recurso às escutas telefónicas, foram acrescentados os seguintes crimes:
• ameaça com prática de crime (305º do Código Penal);
• abuso e simulação de sinais de perigo (306º Código Penal);
• evasão (352º Código Penal), quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes de catálogo.

A Lei nº 48/2007 acrescentou à previsão do artigo 187º, um catálogo fechado de alvos de escutas (artigo 187º/4), assim obstando à determinação de escutas em processos contra incertos. A propósito do “intermediário” (187º/4/b), o mesmo não deve ser confundido com o suspeito da prática do crime, pois a lei não exige a sua má fé ou dolo.

O novo processo judicial de acompanhamento das escutas previsto no artigo 188º, pode ser esquematizado da seguinte forma:
1º) o Juiz de Instrução Criminal autoriza a escuta com:
i – identificação dos alvos;
ii – prazo para as escutas;
iii – determinação que os actos de inquérito relativos ao controlo das escutas são urgentes.

2º) O Órgão de Polícia Criminal elabora um auto de início de intercepção, com menção:
i - do despacho de autorização da escuta;
ii – identidade da pessoa que procede à diligência;
iii – identificação do telefone interceptado;
iv – circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção.

3º) Ao 15º dia do início da intercepção (dias seguidos), o Órgão de Polícia Criminal:
i - elabora um auto intercalar da intercepção e um relatório, indicando as passagens que considera relevantes para a prova, súmula das mesmas e seu alcance para a descoberta da verdade; e
ii – apresenta os dois documentos, e os respectivos suportes técnicos, ao Ministério Público titular do inquérito.

4º) Dentro de 48 horas contadas desde a entrega pelo Órgão de Polícia Criminal, e até ao 17º dia contado desde o início da intercepção, o Ministério Público:
i – avalia o auto, o relatório e os correspondentes suportes técnicos;
ii – redige uma promoção no inquérito, dirigida ao Juiz de Instrução Criminal, pronunciando-se sobre os mesmos;
iii – apresenta o Inquérito, com todos estes elementos, ao Juiz de Instrução Criminal.

5º) No mais curto prazo de tempo possível, o Juiz de Instrução Criminal, após ter ouvido pessoalmente as conversações gravadas, aprecia as escutas e profere despacho:
i – determinando a junção provisória aos autos dos respectivos suportes técnicos e a manutenção da escuta por determinado prazo – caso decida que se mantém a indispensabilidade da escuta; ou
ii - determinando a junção provisória aos autos dos respectivos suportes técnicos e a imediata cessação das escutas em curso – caso decida que não se mantém a indispensabilidade da escuta.

A transcrição pelo Órgão de Polícia Criminal e junção aos autos das conversações e comunicações interceptadas, passam a ser excepcionais, uma vez que o controlo judicial passa a ser feito, apenas, na audição das conversações.

Passou a estabelecer-se um regime para os casos de “conhecimentos fortuitos”:

Poderão ser utilizados como prova se revelarem um crime de catálogo (juntando-se por despacho do juiz);

Se não for de catálogo, o Órgão de Polícia Criminal comunica a notícia do crime para instauração de inquérito.

8.4) REGISTO DE VOZ E IMAGEM

Resulta da Lei nº 5/2002 que a utilização deste meio de obtenção de prova está dependente da verificação cumulativa de três requisitos:
a) A existência de uma ordem ou autorização do juiz (6º/2);b) A circunstância de se estar a investigar um crime de catálogo (artigo 1º);
c) A necessidade para a investigação da utilização desse meio de prova.

De acordo com o artigo 6º/3 da Lei nº 5/2002, aplica-se o artigo 188º do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações (é lavrado auto, levado ao conhecimento do juiz “imediatamente”…).

Apesar de não ser feita remissão para o artigo 187º/5 do Código de Processo Penal, tem-se entendido que se podem colher imagens das conversas entre o arguido e o seu defensor, desde que não envolva a gravação da voz.

8.5) VIGILÂNCIAS POLICIAIS

No âmbito da investigação os Órgãos de Polícia Criminal podem encetar vigilâncias – no sentido de visionamento deliberado e controlado de determinado espaço ou sujeito – que depois documentam nos relatórios de diligência externa, e cuja possibilidade de contenderem com os direitos fundamentais dos vigiados tem de ser acautelada.
A vigilância policial tem a virtualidade de transmitir à Autoridade Judiciária um fio lógico condutor da investigação, conferindo uma visão dinâmica da mesma.
Contudo, os conhecimentos que o Órgão de Polícia Criminal obtenha por este meio, e que nessa sequência documente no relatório de diligência externa, não podem estar inquinados com uma violação de direitos fundamentais dos vigiados, como seja com a proibição de prova prevista no artigo 126º/3 do Código de Processo Penal.
O facto de a vigilância policial não estar prevista no Código de Processo Penal, não isenta a prova que daí se extrai das limitações do artigo 126º, e consequências da sua violação (efeito de arrastamento referido no ponto 7).

9. DETENÇÃO

Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão,
· para a autoridade judiciária ou entidade policial existe uma obrigatoriedade de detenção (255º/1/a);· para qualquer pessoa, desde que não esteja presente nem puder ser chamada em tempo útil qualquer entidade referida na al. a) do 255º, nº1, a detenção é facultativa (255º/1/b).

O flagrante delito exprime uma ideia de actualidade do facto criminoso e de evidência probatória. De acordo com a definição dada no artigo 256º, o flagrante delito tem três modalidades (em ordem decrescente de actualidade e evidência):
· flagrante delito propriamente dito (256º/1/1ª parte) que supõe um crime a ser praticado ou a acabar de o ser;
· quase flagrante delito (256º/1/2ª parte) que respeita à situação em que, logo após a prática do crime, o agente é perseguido por qualquer pessoa;
· presunção de flagrante delito (256º/2) que qualifica a situação em que o agente é encontrado com objectos ou sinais que mostram claramente que acabou de cometer um crime ou de participar nele.

No caso específico dos crimes de execução permanente, isto é, dos crimes que se consumam por actos sucessivos ou reiterados (p. ex., lenocínio) ou por um só acto susceptível de se prolongar no tempo (p. ex., sequestro), o flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem os sinais que mostram claramente que o crime está a ser cometido e que o agente está a participar na sua execução – 256º, nº 3.

Do Auto de detenção por Autoridade Judiciária ou Órgão de Polícia Criminal deve constar:
a) o dia, a hora e o local da detenção;
b) a identidade da autoridade ou entidade que fez a detenção;
c) a identidade do detido;
d) quaisquer lesões físicas do detido ou queixas relacionadas[4];
e) a razão da detenção;
f) a menção da comunicação ao detido dos seus direitos;
g) a data da elaboração do auto e a assinatura do mesmo.

Ao detido têm de ser comunicados os seguintes direitos:
a) direito de conhecer os motivos da detenção, neles se incluindo os factos concretos que motivaram a detenção, as incriminações que lhes correspondem e as circunstâncias que legalmente fundamentam a detenção (27º/4, Constituição da República Portuguesa, e 258º/1/c, Código de Processo Penal);
b) direito de impugnar os motivos da detenção;
c) direito de comunicar imediatamente com advogado;
d) direito de comunicar com parente ou pessoa da sua confiança, enquanto o Ministério Público ou o juiz não decidir o contrário (artigos 260º e 194º/8, do Código de Processo Penal);
e) direito de ser constituído como arguido (58º/1/c).

No 255º, nº2 está preceituado que se a detenção for efectuada por pessoa que não autoridade judiciária ou entidade policial, aquela deve entregar o detido a estes, os quais devem redigir um auto sumário de entrega. Não se pode confundir este auto sumário de entrega com o auto de notícia consagrado no artigo 243º, dado que neste último a autoridade pública presencia o crime.

Do auto sumário de entrega elaborado pela autoridade ou entidade que recebe o detido pelo particular, deve constar:
f) o dia, a hora e o local da detenção;
g) a identidade do particular que fez a detenção;
h) a identidade do detido;
i) quaisquer lesões físicas do detido ou queixas relacionadas;
j) a razão da detenção;
k) o dia, a hora e o local da entrega do detido;
l) a menção da comunicação ao detido dos seus direitos;
m) a data da elaboração do auto e a assinatura do mesmo.

Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser feita nos termos do artigo 257º do Código de Processo Penal.
Carecendo este tipo de detenção da emissão de Mandados para o efeito, há que respeitar o disposto no artigo 258º do Código de Processo Penal, donde se retira que dos Mandados de detenção tem de constar, sob pena de nulidade:
a) a identificação da pessoa a deter e, havendo já processo instaurado, do processo em que foi ordenada a sua detenção;
b) a indicação dos factos concretos que determinaram a detenção, das incriminações que lhes correspondem e das circunstâncias que legalmente fundamentam a detenção;
c) o prazo da validade do mandado;
d) a data da emissão;
e) a assinatura da autoridade competente para a emissão do mandado.

Sendo efectuada a detenção ordenada pelo mandado, a autoridade ou agente elabora uma certidão comprovativa da detenção, donde deve constar:
a) o dia, a hora e o local da detenção;
b) a identidade da autoridade ou entidade que faz a detenção;
c) a identidade do detido;
d) quaisquer lesões físicas do detido ou queixas relacionadas;
e) a menção da entrega ao detido de exemplar do mandado; da cópia do despacho que ordenou a detenção; e, ainda, da comunicação ao detido dos seus direitos;
f) a indicação de quaisquer incidentes;
g) a data da certificação e a assinatura do autor da certidão.

No caso de crime cujo procedimento dependa de queixa, o tempo máximo que o sujeito pode estar detido sem que tenha sido apresentada queixa é de 6h, por aplicação analógica do estatuído no artigo 250º, nº6.
Sendo apresentada a queixa, esta fica registada no auto que a Autoridade Judiciária ou entidade policial têm de levantar (artigo 255º/3), sob pena de o acto formal de detenção e da queixa não existirem processualmente (99º/4).

No caso de crimes particulares, não se procede à detenção do arguido em flagrante delito, mas apenas à sua identificação – artigo 255º/4.

A detenção efectuada por entidade policial deve ser comunicada imediatamente à autoridade judiciária competente, que é o juiz que ordenou o mandado de detenção - se esta se destinar à comparência forçada em acto processual -, e é o Ministério Público, nos restantes casos (artigo 259º do Código de Processo Penal).
“De imediato” significa que a comunicação deve ser feita logo a seguir à detenção, com diligência e sem perda de tempo, segundo um critério de razoabilidade.

10. TRATAMENTO DE ÓBITOS

Sempre o Órgão de Polícia Criminal seja chamado a intervir nos termos do artigo 16º da Lei nº 45/2004 de 19-08 (óbito fora de instituições de saúde por causa ignorada ou morte violenta), antes do mais, deve providenciar:
1. pela verificação sumária do óbito, com intervenção do menor número possível de pessoas;
2. pela preservação do corpo exactamente como foi encontrado, com reportagem fotográfica;
3. pelo afastamento de todos os curiosos da (possível) cena do crime;
4. pela preservação do local, quer de pessoas/animais, quer de ocorrências climatéricas, com reportagem fotográfica;
5. pelo registo:
a. dos riscos de contaminação do cadáver e da (possível) cena do crime;
b. da identificação completa das pessoas presentes na cena do crime e cuja inquirição em sede de inquérito possa vir a ser pertinente;
c. de viaturas / objectos suspeitos, encontrados / avistados na cena do crime / suas imediações;
6. pedir o apoio necessário e especializado, designadamente:
a. do delegado de saúde para certificar o óbito;
b. do piquete da Polícia Judiciária;
c. do Magistrado do Ministério Público de turno;
7. montar um cordão de segurança; e
8. levantar um auto circunstanciado.

11. RELATÓRIOS INTERCALARES E RELATÓRIO FINAL DA INVESTIGAÇÃO

Durante a investigação, e sem prejuízo de orientações em contrário do magistrado titular do inquérito, os Órgãos de Polícia Criminal deverão fazer Relatórios intercalares mensais, em processos cuja investigação seja mais densa e complexa, referente às diligências de prova feitas e as que ainda pretendem fazer.
Estes relatórios, pela sua natureza informativa e planificadora, devem ser sucintos cingindo-se à descrição das diligências feitas e a efectuar, e à indicação do prazo estimado para a conclusão da investigação.
Caso o Órgão de Polícia Criminal entenda serem necessárias diligências dependentes de despacho de Autoridade Judiciária, as mesmas deverão ser indicadas, em lugar de destaque no relatório, e devidamente fundamentadas, nomeadamente com suporte na prova já produzida nos autos.

Uma vez terminadas as diligências de investigação, o Órgão de Polícia Criminal deverá redigir um Relatório final da investigação onde enuncia todas as diligências de prova efectuadas, a justificação da sua realização, e sua localização nos autos.
Se, por algum motivo, houver dissonância entre a prova coligida nos autos e a percepção final do investigador, nomeadamente quanto ao juízo de culpa do(s) arguido(s), apenas em situações excepcionais deverá tal discordância constar do Relatório final, mostrando-se preferível a sua comunicação verbal ao magistrado titular do Inquérito.
[1] Artigo 4º, alíneas a), b) e c) da Lei nº 51/2007, 31-08.
[2] Artigo 5º da Lei nº 51/2007, de 31-8.
[3] Homicídio e ofensa à integridade física estando a vítima em exercício de funções ou por causa delas.
[4] Por força dos pontos 15.1 e 95.4 da recomendação do Comité de Ministros do Conselho de Europa (2006)2.