terça-feira, março 27, 2007

O registo de voz e imagem

(texto de Síliva Martins, para as sessões de Penal II - 15 de Dezembro de 2006)


O registo de voz e imagem - Enquanto meio de produção de prova em processo penal

Lei 5/2002, de 11 de Janeiro

Esquema de apresentação:
1 – Enquadramento legal.
2 – Comparação com a Lei 1/2005, de 10 de Janeiro e o DL 35/2004, de 21 de Fevereiro.
3 – O regime de registo de voz e imagem:
Dispositivos legais aplicáveis;
Aspectos comuns com o CPP;
Aspectos específicos.

1 – enquadramento legal

Quer a voz, mais propriamente a palavra, quer a imagem são direitos que têm consagração/tutela constitucional.
Sendo certo que a captação de voz e imagem através de meios técnicos pode colidir com outros direitos, tais como, a privacidade, o sigilo de comunicações, etc.

O art. 26.º da CRP prescreve como direitos fundamentais, os direitos à imagem e à palavra.

Art. 26º da CRP
(Outros direitos pessoais)
1 – A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

A imagem (mas não a voz), enquanto direito de personalidade, é também tutelada juscivilisticamente pelo art. 70 e ss. do CC, onde consta a tutela geral dos direitos de personalidade.

Art. 70.º
(Tutela geral da personalidade)
1 - “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.”

A tutela da imagem é especificamente concretizada no art. 79.º do CC (Direito à imagem), de acordo com o qual o retrato de uma pessoa não pode ser exposto nem publicado sem o seu consentimento.

O citado art. 79 do CC estabelece que:
1 – O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.
2 – Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades cientificas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3 - ….

Tais direitos (voz e imagem) encontram também positivação/protecção jurídico-penal através do art. 199.º do CP, onde se proíbem as “Gravações e fotografias ilícitas”.

Art. 199.º do CP
1 – Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 – Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3- …

Assim, a palavra e a imagem são, actualmente, tratados como bens jurídicos autónomos face à privacidade/intimidade (art. 190.º do CP).
Até 1995, a voz e a imagem eram tratados no capítulo Dos crimes contra a reserva da vida privada. Todavia, em 1995, a voz e imagem (art. 199.º) passaram a ter uma tutela autónoma, encabeçando o novo capítulo Dos crimes contra outros bens jurídicos pessoais.

Pretendeu-se elevar estes dois interesses à categoria de autênticos e autónomos bens jurídicos, expressão da personalidade, dignos e carentes de tutela penal, independentemente de se colocar ou não em causa a intimidade da vida privada.

Por outro lado, já na esfera dos meios de prova, o art. 167.º do CPP consagra que
Art. 167 do CPP
(Valor probatório das reproduções mecânicas)
1 – As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas nos termos da lei penal. (desde logo, o art. 199.º do CP)
2 – Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no Título III deste Livro. (refere-se aos meios de obtenção de prova – ar. 171 e ss. do CPP)

A prossecução das finalidades repressivas imanentes ao processo penal, maxime, a descoberta da verdade material, não legitima produção (por particular ou por autoridade pública) sem consentimento, de gravação, fotografia ou filme. Como não legitima a sua utilização ou valoração sem consentimento em processo penal, nomeadamente no contexto das proibições de prova.
O mero propósito de juntar, salvaguardar e carrear provas para o processo penal não justifica o sacrifício do direito à palavra e do direito à imagem.

Conclui-se, assim, que a voz e a imagem são bens jurídicos eminentemente pessoais, enquanto expressão da personalidade e têm uma tutela penal própria.

E da conjugação das várias disposições referidas, resulta a ilicitude da utilização da voz e da imagem, sem o consentimento do respectivo titular.

Todavia, a protecção da palavra e da imagem conhece algumas limitações, pois os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados.

Em primeiro lugar, e não se podendo considerar uma verdadeira limitação, na determinação da área de tutela (penal) típica do direito à imagem deve ter-se presente o disposto no art. 79, n.º 2 do CC, que, pelo menos em algumas situações ai previstas, se projecta em sede de tipicidade e não apenas de ilicitude/ justificação, o que se verifica em relação a dois grupos de casos:
a) Em primeiro lugar, quando a imagem vier enquadrada na de lugares públicos ou na de factos de interesse público ou hajam decorrido publicamente, isto na medida em que a imagem da pessoa resulte inequivocamente integrada na imagem daqueles espaços ou eventos e neles se dissolva;
b) Em segundo lugar, quando seja relevante a notoriedade ou o cargo desempenhado. (O cargo público exercido está incluído pela lei nos casos de limitação legal do direito à imagem, já que o interesse público em conhecer a imagem dos respectivos titulares sobreleva o interesse individual.)
O art. 79.º, n.º 2 do CC reduz significativamente a tipicidade dos atentados à imagem.
De acordo com o art. 31.º do CP todas as causas de justificação existentes em qualquer ramo do direito valem em direito penal. Integração sistemática com a ordem jurídica no seu conjunto.
Art. 31.º do CP “O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade.”

Anteriormente, era também considerado o art. 79.º, n.º 2 do CC no que concerne às “exigências de polícia ou de justiça”, mas o preceito há-de, actualmente, ser interpretado à luz do art. 167.º do CPP. Ou seja, o objectivo de carrear prova para o processo penal não justifica a produção de fotografias arbitrárias.

Por outro lado, a voz e a imagem, enquanto direitos constitucionalmente tutelados, sofrem limitações/restrições em homenagem à realização de finalidades processuais, as finalidades repressivas imanentes ao processo penal. Com efeito, o art. 187 do CPP e o art. 6 da Lei 5/2002 (sob apertadas exigências previstas legalmente), permitem a intercepção e gravação de conversações e o registo de voz e imagem.
Mas tais direitos, podem também ser limitados por questões de segurança e prevenção, designadamente o DL 35/2004 e a L 1/2005.


Assim, e começando pelo fim…analisemos a Lei 1/2005…nunca esquecendo que o trabalho tem por base a obtenção de prova em processo penal…


2 – Comparação com a Lei 1/2005, de 10 de Janeiro e o DL 35/2004, de 21 de Fevereiro.

A Lei 1/2005 regula a utilização de câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum.

Dos art. 1.º, n.º 3 e art. 2.º, n.º2 , decorre a aplicação subsidiária da Lei 67/98, de 26 de Outubro (Lei de protecção de dados pessoais), uma vez que, como decorre do próprio objecto e âmbito da lei, esta visa a utilização de sistemas de videovigilância, o que implica uma limitação/restrição do direito à reserva da intimidade da vida privada
Sendo certo que apenas estão sujeitos à aplicação desta lei as situações de captação de dados que permitam identificar as pessoas, o que não acontece com um sistema sem zoom que apenas pretende visualizar o fluxo de tráfego numa determinada rua.
Art. 4.º, n.º 4 da Lei 67/98 “A presente lei aplica-se à videovigilância e outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas sempre que o responsável pelo tratamento esteja domiciliado ou sediado em Portugal..”

De acordo com esta lei – art. 2.º -
Só pode ser autorizada a utilização de videovigilância para um dos seguintes fins:
a) Protecção de edifícios e instalações públicos e respectivos acessos;
b) Protecção de instalações com interesse para a defesa nacional;
c) Protecção da segurança das pessoas e bens, públicos ou privados, e prevenção da prática de crimes em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência;
d) Prevenção e repressão de infracções estradais. (a captação para estes fins deve ser objecto da autorização devida – art. 2.º, n.º3)

A instalação de câmaras de vigilância está sujeita a autorização do membro do Governo que tutela a força ou serviço de segurança requerente, precedido de Parecer da Comissão Nacional de Protecção de Dados, de acordo com o art. 3º. Se o referido Parecer for negativo, a autorização não pode ser concedida e havendo material gravado, ele será imediatamente destruído.

A autorização de instalação é requerida pelo dirigente máximo da força ou serviço de segurança, e pode também ser requerida pelo Presidente da Câmara (art. 5, n.º2)

Nos elementos que devem constar do pedido de autorização, apenas refiro os 2 mais relevantes para o tema:

d) Os fundamentos justificativos da necessidade e conveniência da instalação do sistema de vigilância por câmaras de vídeo;
e) Os procedimentos de informação ao público sobre a existência do sistema;


O art. 5, n.º 5 refere depois que a duração máxima da autorização será de um ano, sujeita a renovação.

Assim e de acordo com o art. 4.º, nos locais objecto de vigilância, com recurso a câmaras fixas, é obrigatória a afixação de informação sobre:
a) A existência e localização das câmaras de vídeo;
b) A finalidade;
c) A informação sobre o responsável pelo tratamento dos dados recolhidos.


A grande diferença entre esta Lei 1/2005 e a Lei 5/2002, está precisamente aqui. Na lei 1/2005, a vigilância é usada como meio de prevenção, de dissuasão de prática de eventuais crimes e, essa vigilância, decorre com o conhecimento das pessoas, do público.


Por outro lado, o art. 6, n.º 1 refere que a autorização para utilização de câmaras fixas inclui a utilização de câmaras portáteis.

E no n.º 4 do mesmo art. refere-se que, à utilização de câmaras portáteis é aplicável a legislação própria relativa às forças e serviços de segurança e a Lei 5/2002.
Destaco a LOPJ, aprovada pelo DL 275-A/2000, onde no art. 4.º, n.º2 se permite que “…podendo proceder à identificação de pessoas e realizar vigilâncias, se necessário, com recurso a todos os meios e técnicas de registo de som e imagem,…, nos termos do disposto no CPP e legislação complementar.” Se ficar registada a ocorrência de um crime, não há razão que obste à sua utilização como meio de prova.

O Art. 7.º refere os princípios atinentes à utilização das câmaras de vídeo
Em primeiro lugar (n.º1) a utilização de câmaras de vídeo rege-se pelo princípio da proporcionalidade. Isto implica em cada caso concreto a ponderação da idoneidade do meio utilizado, bem como o respeito pelo princípio da intervenção mínima. Ou seja, é necessário ponderar a finalidade pretendida e a necessária violação de direitos fundamentais, concretamente o direito à privacidade e à imagem.

Na decorrência do referido, os n.º 4, 5, 6 e 7 vêm dizer que
“É expressamente proibida a instalação de câmaras fixas em áreas que, apesar de situadas em locais públicos, sejam pela sua natureza, destinadas a ser utilizadas em resguardo.”

O n.º 5 diz que
”A autorização de utilização de câmaras pressupõe sempre a existência de riscos objectivos para a segurança e ordem públicas.”

E o n.º 6 refere que
“É vedada a utilização de câmaras de vídeo quando a captação de imagens e de sons abranja interior de casa ou edifício habitado ou sua dependência, salvo consentimento dos proprietários e de quem o habite legitimamente ou autorização judicial.”

E o n.º 7 refere que
“É igualmente vedada a captação de imagens e sons nos locais previstos no art. 2, n.º 1 quando essa captação afecte, de forma directa e imediata, a intimidade das pessoas, ou resulte na gravação de conversas de natureza privada.”

Por último o n.º 8 vem dizer que
“As imagens e sons acidentalmente obtidos, em violação dos n.ºs 6 e 7, devem ser destruídos de imediato pelo responsável do sistema.”

O art. 8.º tem importância porque trata da questão da gravação da prática de um crime, pelo que quando uma gravação registe a prática de factos com relevância criminal, a força ou serviço de segurança elaborará auto que remeterá ao MP.

O art. 9.º, refere que sem prejuízo do disposto no art. 8.º, isto é, quando se trata da gravação de factos com relevância criminal, as gravações efectuadas de acordo com a presente lei apenas podem ser guardadas um mês contado da data da respectiva captação.

O art. 10.º refere os direitos dos interessados, sendo que estes têm o direito de acesso e eliminação. Sendo que esses direitos podem ser limitados quando se verifique uma das situações previstas no n.º 2 (constituir perigo para a defesa do Estado ou para a segurança pública, seja uma ameaça ao exercício de direitos e liberdades de terceiros, ou prejudique investigação criminal em curso).

Em conclusão:
1 – finalidades de protecção e prevenção;
2 – necessária autorização prévia e parecer da CNPD;
3 – informação do público da utilização de sistemas de vigilância;
4– as imagens são guardadas durante um mês, a menos que tenham relevância penal e sejam aí usadas como meio de prova.
5 – princípio da proporcionalidade e intervenção mínima.



O DL 35/2004 por seu lado regula a actividade de segurança privada.

De acordo com o próprio Preâmbulo do diploma, os princípios definidores desta actividade são:
Prossecução do interesse público;
Complementaridade e subsidariedade face às competências desempenhadas pelas forças e serviços de segurança.

O art. 1.º refere, no seu n.º 2, o carácter subsidiário e complementar da actividade face à actividade das forças e dos serviços de segurança pública.
O n.º 3 diz que:
Para efeitos do presente diploma, considera-se actividade de segurança privada:
a) A prestação de serviços a terceiros por entidades privadas com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes;
b) A organização, por quaisquer entidades e em proveito próprio, de serviços de autoprotecção, com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes.
Na mesma linha, o art. 20.º, n.º 2 do Código do Trabalho considera lícita a utilização de meios de vigilância à distância.
Art. 20.º
(Meios de vigilância à distância)
1 – O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 – A utilização do equipamento identificado no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 – Nos casos previstos no número anterior o empregador deve informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados.
Ac. do STJ de 08-02-2006:
Finalidade da captação de imagens pela entidade patronal: a protecção dos bens do empregador; para evitar o furto de medicamentos. A CNPD autorizou a vigilância para esse fim. É um interesse legítimo. A protecção da segurança das pessoas e bens, enquanto finalidade especifica da recolha e tratamento de dados pessoais, tem em vista a prevenção da prática de crimes. A videovigilância com este objectivo deve ocorrer em locais onda haja o risco de delitos contra pessoas ou contra o património, e esses risco decorre de serem locais abertos ao público frequentados por pessoas anónimas sem possibilidade de qualquer prévio controlo de identificação. Não é o que acontece numa empresa onde a vigilância incide sobre os trabalhadores, que são facilmente identificados. Não há uma vigilância genérica e de natureza essencialmente preventiva; mas uma vigilância individualmente dirigida que elege todos e cada um dos trabalhadores como potenciais suspeitos da prática de crimes. Neste condicionalismo a videovigilância configura uma medida de polícia. Constitui uma intolerável intromissão na reserva da vida privada na sua vertente de direito à imagem. A utilização de câmaras de vídeo nestes termos é ilícita.

Por outro lado, o ac. do TR Lisboa de 03-05-2006:
“I – São provas nulas as imagens de vídeo obtidas sem o consentimento ou conhecimento do arguido, através de câmara oculta colocada pelo assistente no seu estabelecimento de gelataria, e que é o local de trabalho do arguido, e sem que estivesse afixada informação sobre a existência de meios de videovigilância e qual a sua finalidade.”
Este acórdão trata uma situação anterior ao DL 35/2004.
Voto de vencido do Desembargador Mário Morgado:”A prova obtida é válida nos termos do art. 167.º, n.º 1 do CPP, já que a captação de imagens realizada não ofende a integridade física ou moral do arguido, nem a sua dignidade ou intimidade, como não é ilícita nem integra o crime do artigo 199.º, n.º 2-a) do CP. ”


O art. 4.º refere-nos que determinadas entidades têm obrigatoriamente de adoptar um sistema de segurança privada, designadamente, o Banco de Portugal, as instituições de crédito e entidades financeiras, e ainda os estabelecimentos de restauração e de bebida, onde haja espaços destinados à dança…

A realização de espectáculos em recintos desportivos depende da condição de disporem de um sistema de segurança, nos termos e condições fixadas por Portaria.
O art. 6.º, n.º 5 refere ainda que “Os assistentes de recinto desportivo, no controlo de acesso aos recintos desportivos, podem efectuar revistas pessoais de prevenção e segurança…”.

O art. 13.º refere os meios.
Assim, o art. 13.º
(Meios de vigilância electrónica)
1 – As entidades …podem utilizar equipamentos electrónicos de vigilância com o objectivo de proteger pessoas e bens desde que sejam ressalvados os direitos e interesses constitucionalmente protegidos.
2 - A gravação de imagens e som feita por entidades de segurança privada ou serviços de autoprotecção, no exercício da sua actividade, através de equipamentos electrónicos de vigilância deve ser conservada pelo prazo de 30 dias, findo o qual será destruída, só podendo ser utilizada nos termos da legislação processual penal.
3 – Nos lugares objecto de vigilância com recurso aos meios previstos nos números anteriores é obrigatória a afixação em local bem visível de uma aviso com os seguintes dizeres, consoante o caso “Para sua protecção, este lugar encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão” ou “Para sua protecção, este lugar encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som”, seguido de símbolo identificativo.

Também aqui se aplica subsidiariamente a Lei 67/98 relativa à protecção de dados, designadamente em matéria de direito de acesso, informação, oposição de titulares e regime sancionatório, de acordo com o disposto no art. 13.º, n.º4.
Pelo que, se aplicam aqui os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.


O art. 17.º refere o dever de colaboração entre estas entidades privadas e as forças de segurança em locais onde ambos actuem. Sendo que as entidades privadas devem colocar os seus meios humanos e materiais à disposição e sob a direcção do comando das forças de segurança.

O art. 19.º diz que estes profissionais ficam sujeitos ao dever de Segredo profissional, que apenas pode ser levantado de acordo com a legislação penal e processual penal.

Em conclusão:
1 Estas entidades privadas podem utilizar equipamentos electrónicos de vigilância com o objectivo de proteger pessoas e bens, bem como de prevenção à prática de crimes;
2 Há entidades em que tal vigilância é obrigatória;
3 Estas imagens devem ser guardadas durante 30 dias;
4 Findo esse prazo devem ser destruídas, a menos que tenham relevância criminal. aqui, as imagens servem como meio de prova em processo penal;
5 Afixação obrigatória do aviso “Para sua protecção, este lugar encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão” ou “Para sua protecção, este lugar encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som”.



Assim, e também nesta lei, a finalidade da colocação de sistemas de vigilância passa pela protecção de pessoas e bens, bem como pela prevenção da prática de crimes. A função dissuasora.
Daqui decorre que a recolha de imagem e som não está direccionada para actos individuais mas para uma generalidade de pessoas.
Também aqui, há um dever de informação do público quanto à existência de câmaras.




E chegados agora ao que verdadeiramente interessa…ou seja, à Lei 5/2002, onde se trata dos registos de voz e imagem apenas com finalidades no âmbito do processo penal, ou seja, enquanto meio de obtenção de prova.


3 – O REGISTO DE VOZ E IMAGEM
A Lei 5/2002, de 11 de Janeiro

Então, a Lei 5/2002 estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira. Privilegia-se este tipo de criminalidade por ser aquele que carece de uma intervenção penal eficaz, ou melhor, uma justiça funcionalmente eficaz.
A criminalidade económico-financeira enquadra-se no campo do “direito penal secundário”. Esta é uma área de normatividade jurídico-penal que se vem expandindo, em razão da intensidade com que as condutas têm sido tuteladas.
Os bens jurídicos do direito penal secundário, são normalmente supra-individuais e relacionam-se com a actuação da personalidade do homem enquanto fenómeno social, em comunidade e em dependência recíproca.

O art. 1.º define o âmbito de aplicação da lei. Começando por dizer que estabelece um regime especial de recolha de prova quanto a determinados crimes que enumera.
Como se disse, esta lei constitui uma restrição aos direitos fundamentais à palavra e à imagem.
Assim, o art. 1.º
1 – Esta lei estabelece um regime especial de recolha de prova…relativa aos crimes de:
a) Tráfico de estupefacientes, nos termos do art. 21.º a 23.º e 28.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro;
b) Terrorismo e organização terrorista;
c) Tráfico de armas;
d) Corrupção passiva e peculato;
e) Branqueamento de capitais;
f) Associação criminosa;
g) Contrabando;
h) Tráfico e viciação de veículos furtados;
i) Lenocínio e lenocínio e tráfico de menores;
j) Contrafacção de moeda e de títulos equiparados a moeda.
2 – O disposto na presente lei só é aplicável aos crimes previstos nas alíneas g) a j) do número anterior se o crime for praticado de forma organizada.
3 – O disposto nos capítulos II e III é ainda aplicável aos demais crimes referidos no art. 1.º da Lei 36/94, de 29 de Setembro.

Ou seja,
a) Corrupção, peculato e participação económica em negócio;
b) Administração danosa em unidade económica do sector público;
c) Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática;
d) Infracções económico-financeiras de dimensão internacional e transnacional.

Por outro lado, o art. 6.º refere que
Art. 6.º
(Registo de voz e imagem)
1 – É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem o consentimento do visado.
2 – A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos.
3 – São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no art. 188.º do CPP.

Assim, resulta da lei que a utilização deste novo meio de obtenção de prova está dependente da verificação cumulativa de três requisitos:
a) A existência de uma ordem ou autorização do juiz;
b) A circunstância de se estar a investigar um crime de catálogo;
c) A necessidade para a investigação da utilização desse meio de prova.


Aspectos comuns ao CPP e à Lei 5/2002:
1 – As formalidades;
De acordo com o art. 6.º n.º 3 aplica-se o art. 188.º do CPP, com as necessárias adaptações (é lavrado auto, levado ao conhecimento do juiz “imediatamente”…).
2 – Desnecessidade de consentimento do visado;
Parece até redundante…se houvesse consentimento não havia necessidade de prever este regime, porque não haveria crime.
3 – Prévia intervenção do Juiz.
Vem prevista no art. 6.º, n.º 2.
Nota: não remete para o art. 187.º, n.º 2 do CPP, mas parece ser de entender que, na fase de inquérito, tal como nas escutas telefónicas, deve haver promoção do MP, ou pelo menos a intervenção do OPC.

Nota: não há uma remissão para o art. 187.º n.º 3 do CPP, todavia entende-se que se podem colher imagens das conversas entre o arguido e o seu defensor, mas isso não pode envolver a gravação da voz.

Aspectos específicos da Lei 5/2002 referentes ao registo de voz e imagem:
1 – Meio através do qual se efectua o registo.
O art. 6.º diz qualquer meio
Os art.s 187.º e 190.º do CPP aparentemente limitam os meios. De acordo com o disposto nas referidas normas, tais meios são o telefone ou qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como a intercepção das comunicações entre presentes (alteração de 1998).
Neste aspecto, a lei 5/2002 é mais ampla porque diz qualquer meio. Mas na prática as diferenças acabam por não ser muitas, uma vez que o art. 190.º do CPP procede a um alargamento.
Contudo, será de entender que o CPP não permite, por si, a gravação de imagem (mas apenas permite o registo da palavra/voz). E a Lei 5/2002 permite o registo de voz e imagem, sendo certo que o registo de voz é necessariamente complementar do registo da imagem, ou seja, depende dele. O que esta lei trouxe de novo foi o registo de imagem, que até então não era permitido.
2 – O catálogo de crimes.
Há a diferença terminológica .
Os crimes que nesta Lei 5/2002 não têm correspondência no art. 187.º do CPP, acabam por ser absorvidos pelo art. 187.º, n.º1- a) – crime punível com pena superior a três anos, por ex. a Lei 5/2002 refere o lenocínio e o lenocínio e tráfico de menores que não consta do catálogo do CPP, mas cuja moldura penal é de 6 meses a 5 anos (crime base).
Aqui o CPP é mais amplo – crimes puníveis com pena superior a três anos…
O art. 1.º, n.º2 da Lei 5/2002, restringe alguns casos à prática de crime de forma organizada – al. g) a j) do art.1, n.º2. Ou seja, se não houver forma organizada não pode haver registo de voz e imagem; novamente o lenocínio e lenocínio e tráfico de menores.
Mas, como é que os OPC, o MP ou o JIC sabem que se trata e criminalidade organizada sem efectuar tais registos?
Logo, também o CPP é aqui mais amplo, o que causa alguma perplexidade.
3 – A lei diz que este meio de obtenção de prova pode ser usado “quando se mostre necessário para a investigação”, o que aponta para uma maior permissividade do que o CPP onde refere “razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou prova”.



Levanta-se aqui uma questão:
O regime previsto para o registo de voz e imagem apenas exclui a ilicitude resultante da violação da voz e da imagem ou a sua força justificadora também se alarga à privacidade, permitindo, por exemplo “captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objectos em espaços íntimos (art. 192, n.º1, al. b) do CP)”? Isto é, poderão as câmaras e os microfones ser instalados em espaços que constituam o domicílio de alguém?
1 – Carlos Almeida
Parece que não.
Procurando manter o equilíbrio entre as necessidades de defesa da sociedade e a salvaguarda dos direitos fundamentais, não se pode deixar de interpretar (?!?!?!) o art. 6.º no sentido de que ele apenas legitima a violação ao direito à imagem e à palavra falada. Isto por lado, porque se tratam de bens jurídicos autónomos e não existe na lei qualquer referência expressa à susceptibilidade de, por esta via, se invadir a privacidade, sem a qual não se pode admitir a lesão das dimensões formal e material deste bem jurídico, cuja densidade e relevância ultrapassam claramente as dos direitos à imagem e à palavra.
Por outro lado, não se concebe que a sua violação fique dependente apenas da mera existência de uma qualquer necessidade, não qualificada de investigação.
Mesmo que assim se não entendesse, não se podia valorar a prova por se ter violado o “núcleo essencial intangível da personalidade e, com isso, a dignidade humana.”

O ac. do TR Guimarães de 14-03-2005, segue a posição defendida por Carlos Almeida, e rejeita a posição seguida pelo ac. do TR Coimbra referido infra em 3.
Também neste sentido, o recente acórdão do TR Porto, de 22 de Março de 2006, de onde, no sumário, ressalta que “I – A recolha de provas através do registo de voz e imagem em lugares públicos sem autorização do visado (prevista na Lei 5/2002, de 11/Jan) tem de ser autorizada pelo juiz. II – Essa autorização só deve ser concedida quando estejam em causa um dos crimes referidos na dita Lei e seja impossível ou extremamente difícil obter prova por outro meio menos danoso para o direito à imagem e à reserva da vida privada.”. Também neste acórdão se remete para a posição defendida por Carlos Almeida.

2 – Mário Ferreira Monte
Parece que sim.
Tais direitos – voz e imagem - são verdadeiros bens jurídicos pessoais e expressão da personalidade, e são autonomamente tutelados, independentes da protecção da vida privada e da intimidade, pelo que, para aplicação do art. 6.º não há que fazer distinção entre tais direitos dentro e fora da privacidade/intimidade da vida privada.


3 – Ac. T.R.Coimbra de 23-04-2003 in CJ, t. II, pág. 43 e ss.
“Importa assim conjugar os diplomas e respectivos normativos que disciplinam esta matéria quais sejam o n.º 3 do art. 126º do CPP e o recente n.º1 do art. 6.º da lei 5/2002 aplicável ao caso atenta a data da entrada em vigor (10.02.02)…
Ora da conjugação referida ressalta agora que, nos crimes ora em apreço (sobre o enquadramento jurídico…) o registo de voz ou imagem, por qualquer meio, mesmo que tal constitua intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações não exige consentimento do visado, depende de prévia autorização ou ordem do juiz.
Afigure-se-nos assim que o legislador, com vista a maior eficácia no combate a criminalidade, sem descurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos constitucionalmente consagrados (no art. 26.º da CRP), em caso de conflito com direitos ou valores da mesma matriz, deposito no juiz a ponderação dos interesses em jogo permitindo a restrição contra as exigências (mínimas) de valor que, por serem a projecção da ideia de dignidade humana, constituem o fundamento (a essência) de cada preceito constitucional nesta matéria, …
Nesta perspectiva o regime estabelecido pela referida lei 5/2002 no que respeita ao registo de voz e imagem não podia ser mais restritivo do que o regime anterior proporcionado pelo art. 126 do CPP.
É que, não obstante, agora ser dispensável o consentimento do visado, o certo é que, pelo supra exposto, não se pode concluir que todo e qualquer registo de voz e imagem (art. 6 da lei 5/2002) depende de prévia autorização ou ordem do juiz, mas tão só aquele registo em que haja ofensa à integridade moral das pessoas (n.º 1 do art. 126.º do CPP) ou constitua intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (n.º 3 do art. 126.º do CPP).”


Pequena nótula à alteração legislativa:
O art. 187.º, n.º 4 limita as escutas telefónicas a determinadas pessoas, arguido, suspeito ou pessoa que recebe ou transmite mensagem destinada ou proveniente do arguido e a vítima –se consentir.
O art. 187.º, n.º 6 passa a determinar que o juiz determina as escutas por um prazo máximo de 3 meses, mas que é renovável.
O art. 188.º, n.º3 refere que os OPC devem levar o auto e as fitas de 15 em 15 dias ao MP.





BIBLIOGRAFIA:

Medidas de combate à criminalidade organizada e económico financeira, CEJ, Coimbra Ed., 2004, pág. 77 e ss;
Sobre as proibições de prova em processo penal, Costa Andrade, Coimbra Ed., pág. 237 e ss.;
A utilização de sistemas de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos, Amadeu Guerra, in Revista do MP, n.º 103, Jul/Set. 2005, pag. 39 e ss.
Comentário Conimbricense ao Código Penal, vol. I, art. 199.º, anotação do Dr. Costa Andrade, pag. ;
Deliberação n.º 61/2004 da Comissão Nacional da Protecção de Dados, in http://www.cnpd.pt/;
Parecer n.º 95/2003 da PGR, in DR – II, de 04-03-2004;
Ac do TR Porto, de 22-03-06, in CJ, t. II, pág. 198 e ss., relator Guerra Banha;
Ac. do STJ, proc. 05s3139, de 08-02-2006, relator Fernandes Cadilha, in http://www.dgsi.pt/;
Ac do TR Lisboa, proc. 83/2006-3, de 03-05-2006, relator Carlos Sousa, in http://www.dgsi.pt/;
Ac. do TR Guimarães, proc. 263/05-1, de 14-03-2005, Relator Miguez Garcia, in http://www.dgsi.pt/;
Ac. TR Porto, proc. 0414638, de 27-04-2005, relator Élia São Pedro, in http://www.dgsi.pt/;
Ac do TR Guimarães, proc. 1680/03-2, de 29-03-2004, relator Maria Augusta, in http://www.dgsi.pt/;
Ac. do TR Coimbra de 23-04-2003, in CJ, t. II, pág. 43 e ss, relator João Trindade;
Ac. do Tribunal Constitucional n.º 255/2002, in http://www.tribunalconstitucional.pt/.

Nota: a bibliografia tem carácter meramente indicativo e a sua ordem é totalmente aleatória.
Refiro apenas as mais relevantes, mas também consultei o CP e CPP anotados quer de Simas Santos e Leal Henriques, quer de Maia Gonçalves.

Processo Sumário

(texto de Marisa Malagueira, para as sessões de Penal II - 20 de Outubro de 2006)


I. Sistematização

O processo sumário é um processo especial, regulado nos artigos 381.º a 391.º do Título I do Livro VIII do Código de Processo Penal[1].

II. Razão de ser

O processo sumário constitui um instrumento processual que visa, em primeira linha, «responder às necessidades de celeridade, imediatismo e eficácia da reacção jurídico-criminal»[2]. Trata-se, portanto, de garantir, através de uma forma simplificada de processo, uma resposta célere e imediata aos casos de pequena e média criminalidade em que uma resposta tardia gera o descrédito da justiça penal.

O processo sumário, tal como referido pelo Colega Filipe Dias, é uma das respostas processuais previstas para os casos de apresentação de um indivíduo detido em flagrante delito e é a única forma de processo em que é admissível a apresentação do arguido a tribunal sem a realização de uma fase processual preliminar (o inquérito ou a instrução).









III. Quando tem lugar a aplicação do processo sumário

A) Enunciação

Nos casos de detenção em flagrante delito, realizada por autoridade judiciária ou entidade policial, por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a três anos (semi-público ou público, pois nos crimes particulares não pode haver detenção em flagrante delito por força do artigo 255.º, n.º 4 do C.P.P.) e a audiência de julgamento se possa iniciar no prazo máximo de 48 horas após a detenção ou nos 30 dias seguintes, o detido deve ser imediatamente ou no mais curto prazo possível apresentado ao Ministério Público, nos termos dos artigos 259.º alínea b) e 382.º, n.º 1 e 2 do C.P.P.

B) Procedimentos

v
A entidade policial que tiver procedido à detenção, após proceder à constituição como arguido do detido nos termos da alínea c) do artigo 58.º do C.P.P. e de dar cumprimento às notificações a que alude o artigo 383.º do C.P.P., tem uma de duas opções:
1. Se a secretaria judicial estiver aberta, apresenta o detido imediatamente ao Ministério Público;
2. Se a secretaria judicial estiver encerrada liberta o detido, sujeita-o a termo de identidade e residência e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público no primeiro dia útil seguinte, nos termos do artigo 387.º, n.º 2 do C.P.P.

v
O Ministério Público, quando a pessoa detida lhe é apresentada, interroga-a sumariamente e promove uma de várias situações:
1. Determina a imediata libertação do detido, «logo que se tornar manifesto que a detenção foi efectuada por erro sobre a pessoa ou fora dos casos em que era legalmente admissível ou que a medida se tornou desnecessária», nos termos do n.º 1 do artigo 261.º do C.P.P.;
2. Arquiva, nos termos do artigo 280.º, ou suspende o processo nos termos do artigo 281.º, aplicáveis ex vi do artigo 384.º, todos do C.P.P., com a concordância do juiz de instrução criminal;
3. Providencia para que o detido seja presente ao juiz de instrução para interrogatório judicial e eventual aplicação de outra medida de coacção ou de garantia patrimonial, nos termos do artigo 141.º do C.P.P., sempre que a audiência em processo sumário não puder realizar-se nas 48H seguintes à detenção ou o processo não poder seguir a forma sumária – artigos 387.º/1 e 382.º/ 3 e 4 do C.P.P.;
4. Apresentar imediatamente, ou no mais curto prazo possível, o arguido ao tribunal competente para o julgamento, nos termos do n.º 2 do artigo 382.º do C.P.P., sempre que o entender conveniente (designadamente em atenção aos indícios existentes e à complexidade do caso) e tiver razões para crer que a audiência se poderá iniciar no prazo de 48H a contar da detenção e que a mesma não será adiada por prazo superior a trinta dias após a detenção.


Passando à análise detalhada dos requisitos para a realização de julgamento sob a forma de Processo Sumário temos:

a) Detenção em flagrante delito.

As finalidades, pressupostos e a noção de flagrante delito estão consagradas nos artigos 254.º, 255.º, 256.º e 257.º do C.P.P. Atento o facto de, a detenção ser um tema já tratado pelo Colega Filipe Dias, remeto para as considerações das sessões anteriores.

b) Por autoridade judiciária ou entidade policial

O que se entende por autoridade judiciária e órgãos de policia criminal vem definido no artigo 1.º, n.º 1 alíneas b) e c) do C.P.P.

Assim, se a detenção tiver sido efectuada por alguém do povo, nos termos do artigo 255.º, n.º 1 al. b) do C.P.P., já não é aplicável o processo sumário. Germano Marques da Silva sustenta esta inaplicabilidade com o seguinte fundamento: «É que o julgamento em processo sumário assenta na ideia de maior facilidade da prova, uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito, tendo o crime sido presenciado por uma autoridade judiciária ou entidade policial, o que não sucede do mesmo modo quando a pessoa que procedeu à detenção é um qualquer do povo, frequentemente interessado na detenção (v.g. segurança nos supermercados, o amigo do ofendido, etc.)»[3].

Questão Frequente:
O que fazer se o arguido foi detido por particular e entregue num curto espaço de tempo à entidade policial, encontrando-se ainda na posse de objectos ou apresentando sinais que mostrem ter acabado de cometer o crime? Integra-se ou não na situação de presunção de flagrante delito, prevista no artigo 256.º n.º 3 do C.P.P., sendo susceptível de julgamento em processo sumário?

Nesta situação há quem entenda que o artigo 381.º do C.P.P. impede a aplicação da forma de processo sumário porque esse preceito impõe que a detenção tenha sido realizada por autoridade policial ou judiciária[4].
Em sentido diverso, há quem defenda que, não obstante a detenção inicial não ter sido realizada por autoridade policial, quando esta procede à detenção ainda se está numa situação de flagrante delito, pelo que a situação é subsumível à previsão do artigo 381.º do C.P.P., posição com a qual concordo nos casos em que o detido é apresentado à autoridade judiciária ou entidade policial de imediato tendo ainda na sua posse os objectos do crime, com fundamento do artigo 255.º, n.º 1 al. b) e n.º 2 e artigo 256.º, n.º 2, todos do C.P.P.

Todavia, esta é uma questão que mereceu resposta pelo legislador no Projecto de Proposta da Lei de Revisão do C.P.P. No preâmbulo do Anteprojecto lê-se, e passo a citar, «Em homenagem à celeridade processual procura-se alargar o âmbito do processo sumário (…) admite-se que a detenção tenha sido efectuada por qualquer pessoa, desde que ela haja procedido à entrega imediata do suspeito à autoridade judiciária ou à entidade policial (artigo 381.º)».
c) Pena de prisão até 3 anos, ou sendo superior a três anos o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a três anos[5].

Questão:
A pena aplicável ao crime de desobediência previsto no artigo 387.º n.º 4 do C.P.P., que por imposição legal deve ser julgado conjuntamente com os crimes que fundamentam a opção pelo processo sumário, deve ou não ser compatibilizada para o referido quantum de 3 anos?

Em resposta negativa - Ofício Circular nº27, de 23/10/1998 – PGD de Lisboa;
Em resposta afirmativa – Luís Silva Pereira, in Revista do Ministério Público n.º 77, pág. 139 e seguintes.

Também no Projecto de Proposta da Lei de Revisão do C.P.P. se verifica uma alteração na moldura penal atendível para efeitos de aplicação do processo sumário. Assim, o limite da pena (de prisão) é elevado de 3 para 5 anos.


d) Audiência no prazo de 48 horas após a detenção ou, nas situações previstas no artigo 386.º, até ao limite do trigésimo dia posterior à detenção.


Questão Frequente:
O prazo de 48 horas para sujeição do arguido a julgamento viola o direito de defesa consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa?

Entendo que este prazo de 48 horas não viola o direito de defesa do arguido consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, pois este pode sempre requerer, se entender necessário e conveniente, prazo para preparar a sua defesa, num máximo de 30 dias, nos termos do artigo 386.º n.º 1 al. b) do C.P.P.

Quanto a estes prazos, a regra geral é a constante do artigo 382.º do C.P.P. A entidade policial deve apresentar o detido ao Ministério Público imediatamente ou no mais curto prazo possível após a detenção, o qual deve formular um juízo sobre se, sendo caso de processo sumário, os prazos deste podem ser observados.
Não sendo caso de processo sumário ou sendo previsível que diligências complementares possam estender-se por mais de trinta dias, rege o disposto no artigo 382.º, n.º 3, ou seja, o processo passará a reger-se por outra forma processual. Note-se que a decisão do Ministério Público de reenviar o processo para outra forma de processo é inimpugnável. Entende-se que a aplicação de forma de processo mais solene não acarreta qualquer prejuízo para a defesa do arguido.

Pode suceder é que, tendo o Ministério Público optado pela forma de processo sumário, a audiência, por qualquer motivo, não possa ter lugar em acto seguido à detenção. Nesta hipótese, ou os prazos de processo sumário podem ser observados, ou seja, a audiência possa realizar-se nas 48 horas após a detenção ou, nas situações previstas no artigo 386.º do C.P.P., nos 30 dias subsequentes, caso em que rege o artigo 387.º, n.º 1, ou não, caso em que passará o processo a ser tramitado segundo outra forma processual, sob pena de nulidade insanável nos termos do artigo 119.º alínea f) do C.P.P.[6].

Quanto ao Estatuto Pessoal do Arguido

§ Na situação de a detenção ocorrer durante o horário de funcionamento da secretaria judicial

Se a audiência não vier a ter lugar entre as 48 horas e os 30 dias seguintes à detenção, o arguido é obrigatoriamente libertado, salvo se deva permanecer preso por outra razão (cfr. artigo 387.º, n.º 1 al. a) parte final do C.P.P.).

Se a audiência de julgamento tiver lugar dentro das 48 horas posteriores à detenção, o arguido pode permanecer preso ou ser libertado, sujeito a termo de identidade e residência ou, se for caso disso, à aplicação pelo juiz de medida de coacção ou garantia patrimonial (cfr. artigo 387.º, n.º 1 al. a) 1,ª parte e n.º 4 e artigo 382.º, n.º 4, ambos do C.P.P.).

§ Ocorrendo a detenção fora do horário de funcionamento da secretaria judicial

O arguido é sujeito a termo de identidade e residência e notificado pela entidade policial para comparecer perante o Ministério Público no primeiro dia útil seguinte, sob pena de incorrer no crime de desobediência (cfr. artigo 387.º, n.º 2 do C.P.P.).
O Ministério Público, nesse caso, se não determinar a tramitação sob outra forma processual, requer ao juiz a detenção do arguido que não compareça, quando a audiência ainda puder ter lugar nas 48 horas posteriores à detenção (cfr. artigo 387.º, n.º 3 do C.P.P.).
Caso o arguido não compareça, é lavrado auto de notícia, o qual será entregue ao Ministério Público e servirá de acusação pelo crime de desobediência, que será julgado juntamente com os outros crimes, se o processo não tiver sido reenviado para outra forma processual (cfr. artigo 387.º, n.º 4 do C.P.P.).

Note-se que só será legítimo levantar auto de notícia nos casos em que o arguido não cumpra o dever de comunicação da falta atempadamente, nos termos do artigo 117.º, n.ºs 1, 2 e 3 do C.P.P.

Antes de efectuado o auto de notícia deverá ser efectuada chamada de pública e viva voz – cfr. artigo 329.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.P.





Artigo 386.º do C.P.P.

Questão
O prazo de 30 dias previsto no artigo 381.º e 386.º, ambos do C.P.P., suspende-se em férias judiciais?

Ac. RE de 30/05/2006: o prazo de 30 dias não se suspende durante as férias judicias.
Refere Figueiredo Dias, no Projecto da Comissão de Revisão do C.P.P. que o prazo de 30 dias não é arbitrário, sendo fruto de investigações criminológicas segundo as quais depois desse período a frescura da prova perde-se definitivamente, pelo que o carácter sumário do processo, nomeadamente por causa da ausência de investigação, passa a ser inadequado. Se um tal prazo se excede mantendo-se a forma sumária do processo, dá-se lugar à prevalência absoluta de considerações de eficientismo e pragmatismo sobre a finalidade de se lograr a justiça material, o que não se coaduna com o princípio da verdade material e da investigação previsto no artigo 340.º, n.º 1 do C.P.P.
Um argumento literal enfocará, as regras dos artigos 103.º, 104.º do C.P.P. e 144.º do C.P.P. os actos processuais praticam-se nos dias úteis, ás horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judicias. O julgamento em processo sumário de arguido em liberdade não constitui excepção a esta regra, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º e do n.º 2 do artigo 104.º, ambos do C.P.P. Pelo que, de acordo com a regra da continuidade dos prazos prevista no artigo 144.º do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 104.º do C.P.P., os prazos não correm em férias judiciais e o prazo de 30 dias, previsto nos artigos 381.º e 386.º do C.P.P., também não correriam.

Questões levantadas pelo artigo 387.º, n.º 2 do C.P.P.[7]

1.ª Questão

Pode o arguido detido na sexta-feira às 23 horas e 30 minutos ser notificado nos termos do artigo 387.º n.º 2 do C.P.P., para comparecer no tribunal na segunda-feira pelas 10 horas, a fim de ser julgado em processo sumário?

Esta era uma questão muito debatida na jurisprudência, porém, encontra-se hoje solucionada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2004, de 21/4/2004, publicado in Diário da República, II série, de 12/5/2004 – “ Quando tenha havido libertação do arguido – detido em flagrante delito para ser presente a julgamento em processo sumário – por virtude de a detenção ter ocorrido fora do horário normal dos tribunais (artigo 387.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), o início da audiência deverá ocorrer no 1º dia útil seguinte àquele em que foi detido, ainda que para além das quarenta e oito horas, mantendo-se, pois, a forma de processo sumário”.

Dr. Luís Silva Pereira conclui, e passo a citar, «haverá que reportar a expressão primeiro dia útil seguinte como referindo-se ao primeiro momento de funcionamento normal da secretaria imediatamente a seguir à detenção, podendo o processo manter a forma sumária mesmo que aquele ocorra depois de decorridas as 48 horas sobre esta última»[8].

2.ª Questão

Pode um indivíduo, detido, por exemplo às duas da madrugada, ser notificado para comparecer no Tribunal, no mesmo dia, por volta das 10 horas, a fim de ser julgado em Processo Sumário?
O que devemos entender por 1.º dia útil, referido no n.º 2 do artigo 387.º do C.P.P.?

A Jurisprudência diverge:
- Ac. RE de 8/6/2004 e Ac. RP de 17/05/2006, in www.dgsi.pt: arguido deve apresentar-se nesse mesmo dia, seja dia de semana ou fim-de-semana, estando o tribunal de turno.
(Caso contrário, possibilitar-se-ia a detenção do arguido sem motivo justificado e sem apresentação e um juiz no mais curto espaço de tempo possível, nos termos conjugados dos artigos 254.º, n.º 1 al. a) e 382.º, n.º 2 do C.P.P., sendo este um direito constitucional – v.g artigo 28.º da CRP. Acresce que, atenta as finalidades do processo sumário, por dia útil dever-se-á entender dia de trabalho dos tribunais. Ora, estando os tribunais de 1.ª instância organizados em turnos, aos sábados e feridos que não sejam domingo, a secretaria judicial e o tribunal estão a trabalhar.
No Ac. Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2004, de 12/05/2004, o STJ sustenta o argumento de que o tribunal de turno poderia e deveria realizar o julgamento no prazo de 48 horas não tem cabimento. Na verdade, os tribunais de turno destinam-se exclusivamente a realizar o serviço urgente, conforme dispõe o artigo 73.º, n.º 2 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, o que não é manifestamente o julgamento de arguidos em situação de liberdade, uma vez que o C.P.P. define como actos urgentes apenas os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas – artigo 103.º, n.º 2 al. a) do mesmo diploma – Ac. Uniformização de Jurisprudência n.º 2/2004, de 21-04-2004). Esta posição foi sufragada pelo:
- Ac. RL de 3/11/2004, in www.dgsi.pt: o arguido deveria ter sido notificado para comparecer perante o Ministério Público na 2.ª feira, uma vez que o sábado não é um dia útil. O DL n.º 186-A/99, de 31 de Maio, no que aos tribunais de turno concerne, dispõe que apesar de aos sábados e dias de feriado existirem turnos para o serviço urgente, estes dias não são considerados como dias úteis (cfr. artigo 34.º, n.º 1 do citado diploma).


3.ª Questão

Como notificar o detido em flagrante delito por entidade policial pela prática de dois crimes, ambos puníveis com uma pena cujo limite máximo não excede os três anos, mas constatando-se que, somadas as penas máximas abstractamente aplicáveis, existe a possibilidade teórica de, em concurso, ser aplicada uma pena que exceda os três anos? Notificação no âmbito de processo sumário? Ou processo comum?

A opção pelo processo sumário está aqui dependente de uma decisão do Ministério Público nos termos do n.º 2 do artigo 381.º do C.P.P.
Sendo assim, na medida em que não é à entidade policial que compete decidir sobre a aplicação da forma de processo, esta não poderá libertar o detido sem uma determinação expressa do Ministério Público. Fora desse caso, a decisão correcta será admitir que o processo comum é o processo aplicável e operar a libertação do arguido nos termos gerais do artigo 261.º do C.P.P.

Também no Projecto de Proposta da Lei de Revisão do C.P.P. se verifica uma alteração nos prazos para submissão a julgamento em processo sumário. Assim, de acordo com o preâmbulo do diploma, «prevê-se ainda que a audiência de julgamento se inicie no prazo máximo de 5 dias – e não de 48 horas – quando houver interposição de um ou mais dias não úteis entre a detenção e a audiência (artigo 387.º). Não fica prejudicada, no entanto, a possibilidade de a audiência ser adiada até ao limite máximo de 30 dias para o arguido preparar a sua defesa ou o Ministério Público desenvolver diligências probatórias.


IV. Fase de julgamento em processo sumário

A) Preliminarmente

Verificados cumpridos os requisitos para submeter o arguido a julgamento em processo sumário, o Ministério Público apresenta o arguido a tribunal. O tribunal pode:
1. Realizar logo o julgamento, o que fará se considerar que estão reunidos os requisitos para a tramitação do processo na forma sumária;
2. Adiar a audiência, nos termos do artigo 386.º do C.P.P. O adiamento por um período até perfazer 30 dias após a detenção pode ter lugar:
§ A requerimento do arguido, para preparação da defesa;
O requerimento do arguido solicitando prazo para organizar a sua defesa não tem que ser fundamentado nem admite oposição, determinando, ipso facto, o adiamento, até ao limite máximo do trigésimo dia posterior à detenção.
§ Por falta de testemunhas de que não prescinda quem as indicou;
Note-se que se faltarem testemunhas de que o Ministério Público, o assistente ou o arguido não prescindam, a audiência não é adiada, sendo inquiridas as testemunhas presentes pela ordem indicada nas alíneas b) e c) do artigo 341.º, sem prejuízo da alteração que seja necessário efectuar no rol apresentado, e as declarações documentadas. Todavia, a audiência pode ser adiada, por prazo não superior a 30 dias após a detenção, se faltarem testemunhas reputadas de essenciais para a descoberta da verdade e cuja presença os intervenientes processuais não prescindam, nos termos do artigo 331.º, n.º 3 ex vi do artigo 385.º, n.º 1, ambos do C.P.P.;
§ Se o tribunal ou o Ministério Público considerarem necessária a realização de diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade.
O fundamento deste adiamento é manifesto: a celeridade do processo sumário não pode ser obtida à custa da realização da justiça que exige a prova da verdade material.
3. Reenviar o processo para a forma comum quando:
O juiz pode julgar inadmissível o julgamento em processo sumário porque:
ü Considerar necessário realizar diligências probatórias, fundamentais para a descoberta da verdade e cuja realização excederá o prazo de 30 dias após a detenção;
ü Considerar inadmissível, no caso concreto, a aplicação da forma de processo sumário.
Nestes casos, o juiz profere despacho a reenviar o processo para a forma comum, nos termos do artigo 390.º do C.P.P. Este despacho deve indicar qual o fundamento das alíneas deste artigo que o sustenta, cfr. artigo 97.º, n.º 4 do C.P.P.. A decisão de reenvio do processo para a forma comum é irrecorrível. Tal como referido supra, entende-se que a aplicação de forma de processo mais solene não acarreta qualquer prejuízo para a defesa do arguido.

A questão do reenvio do processo para a forma comum - e refiro-me ao artigo 390.º do C.P.P. -, foi objecto de alteração pelo legislador no Projecto de Proposta da Lei de Revisão do C.P.P. Assim, o reenvio que, com a alteração legislativa passa a dirigir-se a qualquer forma de processo e não apenas à comum, só é possível nos casos de inadmissibilidade do processo sumário, impossibilidade devidamente justificada de desenvolver as diligências probatórias no prazo de trinta dias ou excepcional complexidade do processo (este último era já requisito de reenvio antes da reforma operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto).

B) Julgamento

No que respeita à fase de julgamento, o processo sumário regula-se pelas disposições relativas ao julgamento em processo comum com intervenção de tribunal singular. Regra, aliás, que consta do n.º 1 do artigo 385.º do C.P.P.. Os princípios a que a tramitação deve obedecer constam, essencialmente, dos artigos 385.º, n.º 2 e 389.º do C.P.P.:
· Os actos e termos do julgamento são reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa (artigo 385.º n.º 2 do C.P.P.);
· O Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção (artigo 389.º, n.º 3 do C.P.P. e Ac. STJ de 13/01/1988). A leitura do auto é obrigatória sob pena de nulidade prevista no artigo 119.º al. b) do C.P.P.[9];
· A documentação da audiência tem de ser requerida pelas partes no início da mesma, devendo o juiz adverti-las para o efeito sob pena de nulidade – cfr. disposto no artigo 389.º n.º 2 do C.P.P. Todavia, esta é uma nulidade sanável nos termos do artigo 120.º, n.º 3 al. d) e 121.º, ambos do C.P.P. se não for arguida em acto seguido à omissão, ou seja, na audiência de julgamento[10].
A documentação dos actos praticados em audiência é feita mediante requerimento, por súmula, a fim de possibilitar que a Relação conheça da matéria de facto.
Se não for requerida a documentação da audiência, o tribunal de recurso só conhece matéria de direito (cfr. artigo 428.º, n.º 2 do C.P.P.);
· Não há lugar a exposições introdutórias previstas no artigo 339.º – cfr. artigo 389.º n.º 5 do C.P.P.;
· No caso de faltar uma ou mais testemunhas de que o arguido ou o Ministério Público não prescindam, a audiência não é adiada de imediato, procedendo-se à inquirição das testemunhas presentes, alterando-se a ordem do rol de testemunhas (artigo 386.º n.º 3 do C.P.P.);
· A intervenção de assistente e partes civis deve ser requerida oralmente no início da audiência (artigo 388.º do C.P.P.); O pedido de indemnização cível é deduzido oralmente até ao início do interrogatório do arguido (artigo 388.º do C.P.P.);
Deduzido o pedido de indemnização civil, e face às contingências do processo sumário, o juiz pode:
ü Reenviar as partes para o tribunal civil, nos termos do artigo 82.º, n.º 3 do C.P.P.;
ü Reenviar o processo para ser tramitado sob a forma comum ou abreviada, nos termos do artigo 390.º do C.P.P.;
ü Condenar no que se liquidar em execução de sentença, nos termos do artigo 82.º, n.º 1 do C.P.P.
· O arguido pode contestar oralmente a acusação e o pedido de indemnização cível (artigo 389.º, n.º 2 do C.P.P.)
· A audiência só pode ser adiada se o arguido o solicitar a fim de preparar a sua defesa ou se for necessário realizar diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, susceptíveis de serem realizadas em 30 dias (artigo 386.º do C.P.P.);
· As alegações finais não podem exceder os 30 minutos por cada sujeito processual – cfr. artigo 389.º, n.º 6 do C.P.P.;
· A sentença é proferida verbalmente e ditada para a acta – cfr. artigo 389.º, n.º 7 do C.P.P.
· Admissibilidade de recurso apenas no que concerne à sentença ou a despacho que ponha termo ao processo[11] (artigos 391.º, 399.º e 400.º, todos do C.P.P.).

V. Actos Processuais Relevantes - Formulários[12]

Ø Auto de Detenção;
Ø Despacho do Ministério Público;
Ø Despacho Judicial;
Ø Acta da audiência de julgamento.



[1] Adiante designado C.P.P.
[2] António Henriques Gaspar, «Processos Especiais», Jornadas de Processo Penal, Almedina, Coimbra, 1988, pág. 362.
[3] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume III, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 20.
[4] “ O uso do processo sumário em caso de detenção efectuada por um particular constitui nulidade insanável cominada no artigo 119.º al. f) do C.P.P.”, vide Ac. RP de 9/11/1994 e Ac. RC de 15/3/2006, in www.dgsi.pt.
[5] -“Só poderão ser julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, por uma autoridade judiciária ou entidade policial, por um ou mais crimes, cuja pena máxima abstractamente aplicável, mesmo ao concurso de infracções, não seja superior a 3 anos” – ver Ac. RP, de 8/6/88, in BMJ n.º 378, página 790.

[6] «Tendo a audiência em processo sumário sido designada para data posterior aos trinta dias após a detenção do arguido, foi empregue forma de processo especial fora dos casos previstos na lei, pelo que se cometeu uma nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º al. f) do C.P.P.», Ac. RE de 30/05/2006, in www.dgsi.pt.
[7] Sobre o fundamento legal do artigo vide Ac. RP de 10/05/2006 in www.dgsi.pt.
[8] Luís Silva Pereira, in Revista do Ministério Público nº 77, pág. 139 e seguintes.
[9] Ac. RP de 30/06/1993, in CJ, XVIII, Tomo III, pág. 260: «Em processo sumário, verifica-se a nulidade do artigo 119.º al. b) do C.P.P., se o MP, em face da participação, se limita a promover a remessa desta a juízo para julgamento, não constando da acta a leitura do auto, nos termos impostos pelo artigo 389.º, n.º 3 do mesmo Código. Tal artigo da lei processual é indissociável do princípio do acusatório consagrado no artigo 32.º, n.º 5 da CRP, que tem como implicação fundamental que ao arguido seja dado a conhecer com precisão aquilo de que é acusado, para que possa convenientemente defender-se». No mesmo sentido, Ac. RP de 13/02/1991, proc. N.º 10.001).
[10] Ac. RE de 14/3/1993, in CJ, XIV, Tomo II, pág, 292: «Em processo sumário, a omissão do aviso previsto no n.º 2 do artigo 389.º do C.P.P. corresponde a uma nulidade que fica sanada se não for logo arguida, em virtude de, nessa forma processual, só caber recurso da sentença ou do despacho que puser termo ao processo».
[11] «Em processo sumário, não há recurso para o Supremo tribunal de Justiça, ainda que de acórdão condenatório em prisão preventiva», Ac. STJ de 10/02/1988 in www.dgsi.pt.
[12] Os formulários entregues foram extraídos do manual «Processo Penal Elementar», Henriques Eiras, 4.ª Edição Actualizada, Quid Iuris, Lisboa, 2003, pág. 299 a 304.

Buscas e apreensões

(texto de Ana Cristina Castro, para as sessões de Penal II)

BUSCAS
Arts. 174º a 177º do CPP
I- Introdução
As buscas são meios de obtenção da prova, visando a recolha de informação relativa à prática de um crime.
Realizam-se em locais reservados ou não livremente acessíveis ao público, desde que sobre esse mesmo local existam indícios de que: nele se encontram objectos relacionados com a prática de um crime e susceptíveis de servir de prova no processo-crime em curso; ou nele se escondem que devem ser detidas para serem presentes à autoridade judiciária competente.
Trata-se de uma medida que, pelas suas características, pode ser potencialmente lesiva dos direitos fundamentais dos cidadãos, como a reserva da intimidade e da vida privada e familiar – art.26 n.º 1 da CRP – e a inviolabilidade do domicílio – art.34º n.º1 da CRP, o que levou a que o legislador constitucional tenha traçado os aspectos essenciais do seu regime.
O domicílio encontra protecção legal e nos arts. 82º a 88º do CC e no art. 190º do CP.
A reserva da intimidade e da vida privada é igualmente protegida, nos arts. 80º CC e 192º, 193º e 194º do CP.

II - Regime jurídico

As buscas obedecem a regimes distintos, consoante se realizem ou não em locais com função de domicílio.
Assim sendo:

A) Buscas não domiciliárias:
Ø Em geral:
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, excepto: 174º n.º4 e 251º n.º 1, em que os actos podem ser realizados pelos OPC, sem despacho prévio, mas sujeitos a posterior validação.
ü Presididas, sempre que possível, pela autoridade judiciária – 174º n.º 3, excepto nos casos previstos no art. 174º n.º 4.
ü Podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite

Ø Em escritório de advogado ou consultório médico – art. 177º n.º3:
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho judicial
ü Presidência obrigatória do juiz, sob pena de nulidade
ü Aviso prévio ao Conselho local da respectiva Ordem – art. 177º n.º3 e 268º n.º 1 al. c)
ü Podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite

Ø Em estabelecimento oficial de saúde
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho judicial
ü Presidência obrigatória do juiz
ü Aviso prévio à gestão do estabelecimento
ü Podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite

B) Buscas domiciliárias:
Ø Regime regra:
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho judicial – art. 177º n.º1 e 269º n.º 1 al. a)
ü Presidência obrigatória do juiz
ü Efectuadas, em regra, entre as 7 e as 21h - art. 177º n.º1

Ø Regime excepcional:
ü Ordenadas pelo MP ou efectuadas por OPC nos casos de:
· Terrorismo ou situações similares – 174º n.º 4 al. a) e 177º n.º2
· Consentimento do visado – art. 174º n.º4 al. b) e 177º n.º2
ü Presidência obrigatória do MP
ü Efectuadas, em regra, entre as 7 e as 21h - art. 177º n.º1
ü O controlo judicial é feito a posteriori
Fundamentos deste regime excepcional – O legislador procurou compatibilizar os bens jurídicos em confronto: por um lado, a inviolabilidade do domicílio e a realização da justiça criminal, ou até o direito à vida ou à integridade física, por outro. Neste sentido: Ac. TC n.º 7/87, “ o direito à inviolabilidade do domicílio deve compatibilizar-se com o direito à vida e à integridade física”.
Por outro lado, nos casos em que existe consentimento do visado, o mesmo acórdão refere que: “ não se verificando a entrada no domicílio contra a vontade do cidadãos, não se viola o domicílio”
Mas considerou inconstitucional o art. 177º n.º 2 na parte em que remetia para a alínea c) do n.º 2 do art. 174º, “porque nestes casos – detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão – não está em jogo qualquer valor que deva prevalecer sobre a garantia constitucional de reserva do juiz”

Nota: A alteração ao artigo 34º da CRP, operada pela Lei Constitucional de 2001:
Veio permitir a entrada no domicílio durante a noite nas situações de flagrante delito e de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo terrorismo e tráfico de pessoas, armas e de estupefacientes.

III- Questões controversas no âmbito das buscas:

A) Conceito de domicílio.
O art. 177º n.º1 qualifica como domicílio a casa habitada e as respectivas dependências.
Há situações que se colocam na prática e que são duvidosas e a jurisprudência e a doutrina têm-se dividido na definição de domicílio.
Þ Gomes Canotilho e Vital Moreira, Costa Andrade, Paulo mota Pinto e M.M. Guedes Valente incluem também no conceito de domicílio a sede das pessoas colectivas e locais de trabalho (neste ultimo caso, considerando os casos de imigrantes que trabalham e vivem no mesmo local).
Þ Já J. Martins Fonseca e João Conde Ferreira afastam a sede das pessoas colectivas e locais de trabalho do conceito de domicílio, adoptando uma concepção mais restrita.
Þ Ana Luísa Pinto coloca uma questão interessante no seu artigo. Caso do contentor.
Þ Posição do TC – Ac. n.º 452/89, DR I Série, de 22 de Julho de 1989 – Concepção ampla de domicílio: “habitação humana, (…) espaço vedado a estranhos, onde recatada e livremente se desenvolve uma série de condutas e procedimentos características da vida privada e familiar”. De acordo com esta perspectiva, as caravanas de grupos nómadas, como roulottes, tendas e auto caravanas podem ser considerados domicílio, mesmo que sejam precários, estejam em trânsito ou estacionados.
No mesmo sentido: Ac. RE de 4 Julho de 1995 (CJ Ano 20, tomo 4, pág. 283), quanto à tenda de um individuo cigano; Ac. STJ de 23 de Abril de 1992 (CJ Ano 17, Tomo 2, pág. 22), referindo-se a um quarto de hotel ou pensão;
Þ O TC tem demonstrado alguma prudência e não tem assumido uma concepção tão ampla como a defendida por alguma parte da doutrina – vide Ac. n.º 67/97, DR II Série de 2 de Dezembro de 1997, no caso apreciava-se uma busca a uma garagem: “face à natureza do espaço onde a busca teve lugar, não propriamente habitacional, naturalmente não são tão instantes os valores inerentes à teleologia da protecção da vida privada. Se o espaço domiciliário constitucionalmente protegido se caracteriza pelo resguardo da liberdade e da segurança pessoais, dir-se-á que essa protecção não teria razão de ser se se tratasse de uma área que outros usufruem igualmente”

B) Consequências da falta de autorização prévia:
v Será uma nulidade sanável?
Maia Gonçalves entende que a diligência será nula, mas trata-se de uma nulidade relativa, sanável se não for arguida pelos interessados – art. 120º e 121º do CPP
No mesmo sentido: Ac. STJ 23 de Abril de 1992, BMJ 416-536, uma vez que não consta do elenco do art. 119º do CPP.
E também Ac. STJ de 08/02/1995, entendendo que se trata de um meio de prova relativamente proibido, sanável e dependente de arguição do interessado.
v Ou uma nulidade insanável?
Teresa Beleza, Germano Marques da Silva e Ana Luísa Pinto entendem que se trata de uma nulidade insanável, pois apesar de não constar do elenco do art. 119º, o art. 118º n.º 3 prescreve que: “as disposições do presente capítulo não prejudicam as normas relativas às proibições de prova”.
Por outro lado, o art. 126º n.º 3 determina a impossibilidade de utilização das provas absolutamente proibidas, apenas podendo ser usadas nos termos do n.º 4 do mesmo normativo.
Germano Marques da Silva defende que a nulidade resultante de prova proibida é de conhecimento oficioso.
Manuel Monteiro Guedes Valente, in Revistas e Buscas entende que se não existiu autorização judiciária, nos casos em que esta é necessária, a prova será proibida, por ingerência abusiva e ilegítima na vida privada do visado, ofendendo-se a sua integridade moral – art. 32º n.º 8 da CRP e art. 126º n.º 1 e 2 do CPP.
Jurisprudência neste sentido: Ac. STJ de 5 de Junho de 1991(CJ, Ano 17, Tomo 3, pág. 34)

C) O consentimento
A questão que se discute é quem deve prestar consentimento para a realização da busca, nos casos em que este é necessário.
O consentimento surge como uma primeira forma de resolução do conflito de interesses em jogo.
Importa relembrar que o consentimento é irrelevante se se verificar alguma das situações previstas no art. 126º, nomeadamente ofensa à integridade física e moral das pessoas, casos em que a prova obtida será nula e inútil.
Abordando a questão de quem tem de dar consentimento, temos a seguinte jurisprudência:
Ø Quem tiver a disponibilidade do local onde se realiza a busca é que terá de dar consentimento – neste sentido, Ac.s STJ de 26 de Novembro de 1992 (disponível em www.dgsi.pt), de 11 de Março de 1993 (BMJ 425-425) e 8 de Fevereiro de 1995 (CJSTJ, Ano 3, Tomo 1, pág. 194).
Ø Ac. RP de 29-01-2003, disponível em www.dgsi.pt: “A validade da realização da busca domiciliária basta-se com o consentimento da pessoa afectada por era e que tenha a livre disponibilidade, quanto ao local onde a diligência é efectuada e que possa ser por ela afectado, mormente o seu quarto, não se exigindo o consentimento cumulativo de todos os outros residentes na casa.
A entrada na habitação será porém irregular se houver oposição de algum dos demais titulares, que terá que ser manifestada.”
Ø O TC considerou no acórdão n.º 507/94, o consentimento de uma só pessoa não basta para legitimar as buscas nas casas habitadas por vários e que é necessário também o consentimento do visado pela medida probatória:
“Julga inconstitucionais as normas dos artigos 174, n. 4, alinea b), 177, n. 2, e 178, n. 3, do Codigo de Processo Penal de 1987, na interpretação perfilhada na decisão recorrida, segundo a qual a busca domiciliaria em casa habitada realizada sem previa autorização judicial e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligencia, podem ser realizadas por orgão de policia criminal, desde que se verifique o consentimento de quem, não sendo visado por tais diligencias, tiver a disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada.
Pode ler-se também neste acórdão que: a inviolabilidade do domicilio radica na personalidade da pessoa humana, pelo que uma interpretação das normas impugnadas que prescinda do consentimento de quem e visado pela medida da busca domiciliaria, bastando-se com o de quem tenha a disponibilidade da habitação em causa, desconsiderou a reserva de intimidade privada do arguido, sendo por isso inconstitucional (…) A lei orgânica não pode prescindir do consentimento do visado pela medida de busca domiciliaria ainda que, porventura, se entenda que a tal consentimento se tenham de juntar outros actos de consentimento, provenientes de outros co-domiciliados.

Quanto à forma do consentimento, este tem de ser dado de forma expressa, uma vez que a lei exige que fique documentado, essa exigência não seria compatível com um conhecimento tácito.
Acresce que poderá ser dado antes como depois da diligência , desde que fique documentado – Ac. RC de 2 de Dezembro de 1992
No que concerne à forma da documentação do consentimento, entende-se que a lei não exige forma especial, basta que o mesmo fique, de qualquer forma, documentado, por exemplo através de gravação sonora – Ac. RL de 13 de Janeiro de 2000 e Ac. RP de 29-01-2003, disponível em www. dgsi.pt:
“O consentimento do visado para a realização da busca, incluindo a domiciliária, não exige qualquer específico formalismo na sua prestação, importando, apenas, que ele fique documentado por qualquer forma, ou seja, tal consentimento pode ser verbalmente prestado antes da realização da busca, desde que ulteriormente fique, por qualquer forma, documentado, como por exemplo, no auto de busca e apreensão, assinado pelo arguido, fique a constar esse consentimento”

D) Como interpretar a norma do art. 177º n.º 2, na parte em que remete para o n.º 5 do art. 174ª?

A questão é suscitada pela redacção do art. 177º n.º2 que determina a aplicação correspondente do disposto no art.174º n.º 5.
Nas buscas não domiciliárias, apenas é exigível a comunicação ao juiz e consequente validação nos casos previstos na alínea a) do n.º4 do art. 174º e não nos casos de consentimento do visado.
Nas buscas domiciliárias, face ao estatuído no art.177º n.º 2, discute-se se o regime é idêntico ou se será necessária a comunicação e validação quando haja consentimento do visado.

v O STJ afirma que só tem de se verificar a comunicação nos casos de o pressuposto da busca ser o da alínea a), mas já não no da alínea b), pois entende que o regime deve ser igual ao das buscas não domiciliárias. Neste sentido, Ac. STJ de 17 de Junho de 1998.
Mais recentemente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-07-2005, Relator Carlos Almeida, disponível em www.dgsi.pt, entendeu nesse mesmo sentido, apreciando um caso em que a busca domiciliária foi realizada durante o inquérito, pelos OPCs, mediante consentimento do visado:
“ Se um órgão de polícia criminal realizar uma busca domiciliária e essa busca for consentida pelo visado, esse meio de obtenção de prova não tem que ser imediatamente comunicado ao juiz de instrução para ele poder apreciar as condições em que decorreu, validando-o se for caso disso.”
Argumenta-se que nos casos previstos de consentimento do visado não existe qualquer violação do domicílio do visado, uma vez que as autoridades policiais não actuam contra a sua vontade – art. 34º n.º2 da CRP.
Acresce que a necessidade de controlo judicial é incomparavelmente mais intensa nos casos abrangidos pela alínea a), pela forma como são definidos os seus pressupostos.
Este acórdão explica também a evolução histórica dos preceitos em causa:
“O projecto de código de processo penal não continha, nos art. 174º e 177º nenhuma imposição como as resultantes do actual n.º5 do art. 174º e do último período do n.º 2 do artigo 177º (…) não se exigia qualquer comunicação imediata e posterior apreciação com vista à validação do acto.
Tal exigência veio a ser introduzida no texto do Código por força da Lei de autorização legislativa (Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro) que, no artigo 2° deste diploma, definiu o sentido e a extensão da autorização concedida.Os nºs 26) e 29) do n. ° 2 desse preceito estabeleciam que essa autorização tinha, no que aqui nos interessa, o seguinte sentido e extensão:26) – Admissão, quanto às buscas, de excepção à necessária autorização judicial, havendo consentimento dos visados, devidamente documentado, ou tratando-se de detenção em flagrante por crime punível com prisão, caso em que a busca constitui acto cautelar da prova subsequente à privação da liberdade;29) – Definição de um regime especial de dispensa de autorização judicial prévia para as buscas domiciliárias, revistas, apreensões e detenções fora de flagrante delito nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoa, devendo neste caso a realização da diligência ser imediatamente comunicada ao juiz instrutor e por este validada, sob pena de nulidade».
Ora, foi em função dessa exigência da Assembleia da República que veio a ser introduzido o regime de comunicação e validação referido que, como se vê da comparação do âmbito dos nºs 26) e 29) transcritos, apenas tem por objecto os casos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 174° e já não os abrangidos pela alínea b).”

Há doutrina que defende precisamente o oposto
M.M. Guedes Valente - O principal argumento é que se assim não fosse, seria dispensável a 2ªparte do n.º 2 do art. 177º, pois para os casos previstos na alínea a) já se encontrava prescrita pelo legislador essa obrigação.
Simas Santos e Leal Henriques – é necessária a comunicação ao juiz, sob pena de nulidade da busca.
Ana Luísa Pinto defende a posição do STJ, afirmando que o legislador quis tornar aplicável o n.º5 do art. 174º nos seus precisos termos. Refuta o argumento usado por M.M. Guedes Valente dizendo que o legislador poderia não querer deixar dúvidas sobre a aplicabilidade do referido n.º 5 às buscas domiciliárias.
Por outro lado, sublinha-se que o consentimento é considerado relevante pelo legislador constitucional, quando haja consentimento do visado, representando, nas palavras de COSTA ANDRADE “uma via de legitimação dos (…) meios de prova.”

E) A alteração do art. 34º da CRP.
Antes da revisão constitucional de 2001, quer o art. 34º quer o art. 177º n.º1 do CPP proibiam a realização de buscas durante a noite.
A doutrina defendia então que nos casos de consentimento e em e situações de perigo para a vida ou integridade pessoal fossem realizadas no período nocturno, ou seja, quando a sua realização se impunha para defesa de direitos fundamentais.
Este artigo foi alterado em 2001, vindo a permitir a entrada no domicílio durante a noite, nos casos de … ver artigo.
Agora existe uma incongruência entre o regime do art. 177º e o art. 34º CRP, uma vez que este artigo permite a realização de buscas domiciliárias durante o período nocturno, em caso de flagrante delito, sem autorização judicial prévia, quando o CPP nem sequer o permite durante o dia.
Ora, se a entrada durante a noite é constitucionalmente admissível, por maioria de razão a entrada durante o dia também terá de o ser. Importa, no entanto, proceder a uma adequação do regime do CPP.

IV Formalidades da busca – art. 176º do CPP

Quer a busca seja domiciliária ou não, as formalidades a observar são as prescritas neste normativo.
Assim, nas buscas com autorização prévia:
§ Antes de se iniciar a diligência, a cópia do despacho que ordenou a busca é entregue a quem tiver a disponibilidade do local em que a diligência se realiza, devendo conter a menção que este se pode fazer acompanhar por pessoa da sua confiança, que se apresente sem delongas – art. 176º n.º1 do CPP.
§ No caso dessa pessoa estar ausente, “a cópia é entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro ou a alguém que o substitua” – n.º 2 do art. 176º
Nas buscas sem autorização, não há entrega de despacho.
Os OPC devem solicitar o consentimento do visado, que não é uma formalidade mas um pressuposto de validade da diligência.

Qual o conteúdo do despacho?
A doutrina pronuncia-se no sentido que este deverá conter as razões que fundamentam a busca, nos seus contornos gerais, de modo a que o visado possa controlar a diligência e defender-se de actuações abusivas.

Outras questões:
Þ O despacho de autorização deverá conter a identificação possível do local, não sendo exigível o mesmo grau de pormenorização em todas as situações; Basta que se indique os elementos de informação indispensáveis à identificação da casa: rua e n.º de polícia, ou quaisquer outras características que a individualizem (Acórdão STJ de 21 de Outubro de 1998 e Acórdão RP de 19 de Maio de 1999, in Maia Gonçalves, CPP Anotado).
Þ Não é necessária a indicação do nome da pessoa que desfruta da moradia. Essa omissão não constitui qualquer vício (Acórdão STJ de 21 de Outubro de 1998, in Maia Gonçalves, CPP Anotado).
Þ Nos casos em que existe autorização prévia para a busca, a presença do arguido não é obrigatória, deve apenas ser-lhe comunicado que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança (Acórdão STJ de 15 de Dezembro de 1998, in Maia Gonçalves, CPP Anotado).
Também não é exigível nem a presença, nem o consentimento da pessoa visada – Acórdão TC n.º 16/97.

A omissão das formalidades supra descritas constitui uma mera irregularidade, uma vez que a lei não comina expressamente a nulidade – art. 118º n.º1 e 2 CPP.
Apenas é de apontar que constituirá nulidade no caso de implicar violação dos art. 32º n.6 CRP e art. 126º CPP.
Neste sentido: Acórdão STJ 15/07/92 e Acórdão da RL de 18-05-2006, acessível em www.dgsi.pt: “O prazo para arguir as irregularidades é de três dias, nos casos de buscas e apreensões realizadas na presença do interessado mas estando o mesmo desacompanhado de advogado que o represente no processo.”

Manuel Monteiro Guedes Valente, in Revistas e Buscas considera que solicitando o visado a presença de uma pessoa da sua confiança, o OPC nada fizer ou se opuser, considera que se trata de um método de obtenção de prova proibido – art. 126º do CPP.
Da não entrega da cópia do despacho por esquecimento ou por mero resultado de confusão resultará uma irregularidade que invalida o acto desde que arguida pelos interessados no próprio acto.

APREENSÕES
Arts. 178º a 186º CPP
I – Regime Jurídico

O art. 178º CPP:
v Podem ser apreendidos: Os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova – art. 178 nº 1 CPP
v O art. 178º n.º 3 dispõe que as apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária.
v O art.178º n.º 4 estabelece que podem ser efectuadas pelos OPCs:
• no decurso de revistas ou de buscas; ou
• quando haja urgência ou perigo na demora (medida cautelar: art. 249 nº 2-c) CPP)

Nos dois casos estão sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas (art. 178 nº 5 CPP)

A entidade competente para a validação: Ac. RL de 13/07/2005 (acessível em www.dgsi.pt):“As apreensões efectuadas no decurso de uma busca devem, nos termos do n.º 5 do artigo 178°, ser validadas pela autoridade judicial que presidir à fase em que tais actos tiverem lugar. No caso, tendo sido efectuadas no decurso do inquérito, é ao Ministério Público que compete apreciá-las e validá-las.”
O não cumprimento deste prazo gera um vício de irregularidade, que pode ser arguido pelo interessado no prazo de 3 dias a contar da notificação para qualquer termo do processo ou intervenção em algum acto nele praticado – art. 123º CPP.

A apreensão de correspondência – art. 179º CPP:

Por outro lado, a apreensão de correspondência está sujeita a regras específicas uma vez que está em causa o direito à inviolabilidade da correspondência e proibição da ingerência (arts. 34 e 26 CRP) e visa-se proteger o núcleo essencial de reserva da intimidade da vida privada e familiar (art. 26 CRP).
Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, mesmo nas estações de correio e de telecomunicações (…) quando tiver fundadas razões para crer que (requisitos cumulativos):
a) a correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa;
b) está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e
c) a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (art. 179 nº 1)

Requisitos:
Þ Depende de prévia autorização ou ordem judicial (arts. 179 nº 1 e 269 nº 1-b) CPP)
Þ Têm que se verificar os requisitos cumulativos do art. 179 nº 1 CPP
Þ O juiz é a 1ª pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida (arts. 179 nº 3 e 268 nº 1-d) CPP) e, consoante a considerar relevante ou não, assim a manda juntar aos autos ou ordena a restituição.
Þ É proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outra forma de controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento do crime (art. 179 nº 2 CPP)
Þ A correspondência que o Juiz mandar restituir não pode ser utilizada como meio de prova e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova (art. 179 nº 3 CPP).

II – Análise de algumas questões problemáticas no âmbito das apreensões:

Þ Correio electrónico:
Pedro Verdelho, in «A obtenção de prova no ambiente digital», RMP 99/117 ss. e «Apreensão de correio electrónico em processo penal», RMP 100/153 ss. diz que:
ü Mensagens (e-mails) já recebidas no computador destinatário: «São as que já chegaram ao destino e ficam alojadas no computador, sob a forma de um ficheiro, em formato digital (portanto, a comunicação electrónica já terminou)».
ü «As mensagens recebidas, ainda não abertas, deve aplicar-se o disposto no art. 179 nº 1 CPP: devem considerar-se correspondência não aberta.
ü As mensagens que já estão abertas, porventura lidas e mantidas, guardadas no computador a que se destinavam ou impressas (são como as cartas recebidas, abertas e porventura guardadas numa gaveta, pasta ou arquivo): são como meros documentos escritos que, podem, sem qualquer reserva, ser apreendidos no decurso de uma busca.»
Então:
ü Se na realização de uma busca ou um exame a um computador, o OPC que procede à mesma se aperceber da existência de mensagens de correio electrónico marcadas como não lidas, não deverá aceder ao conteúdo dessas mensagens. Deverá apresentar o computador (ou outro eventual suporte onde estiver registada a informação) ao MºPº, que o deverá apresentar ao JIC, para que seja este o primeiro a tomar conhecimento do correio.

ü Se estas regras forem respeitadas, a apreensão será válida; caso contrário, pode-se suscitar a eventual prática, pelos agentes que a efectuaram, de um crime de violação de telecomunicações do art. 194 nº 2 CP.»

ü Em sentido contrário, pronunciou-se o STJ no arresto de 20/09/2006 (acessível em www.dgsi.pt), dizendo que: “Discorda-se da conclusão daquele autor no caso de as mensagens já terem sido lidas, porque, quer as mensagens tenham sido lidas ou não pelo destinatário, o que nem sempre se torna de destrinça fácil, sobretudo se e quando algum do software de gestão de correio electrónico possibilita marcar como aberta ou não aberta uma mensagem, por vontade do seu destinatário, independentemente de ter sido ou não lida, aquele tem sempre o direito a não ver essa correspondência que lhe foi endereçada devassada por alguém, sem sua autorização, constituindo a leitura dessa correspondência intromissão absolutamente ilegítima nela, atentado ao direito à inviolabilidade da mesma, consagrado no art. 34.º, n.º 4, da CRP. (…) A mensagem (vulgo SMS) tem um específico destinatário e, enquanto arquivada no cartão do telemóvel, assiste àquele o direito a não ver o teor daquela divulgado, o que não sucedeu no caso vertente quando a PJ procedeu à leitura do cartão telemóvel sem prévia autorização judicial ou validação daquela.”
Considerou que se tratava de nulidade sanável, arguível pelo interessado nos termos do art.120º n.º 1 als. a) e c) CPP.
ü O Ac. RL de 13/10/2004 (acessível em www.dsgi.pt) também se pronunciou no sentido que o correio electrónico armazenado no computador está sujeito ao regime da apreensão de correspondência.
ü Acórdão RC de 29/03/2006 (acessível em www.dgsi.pt): “O artº. 190º do Código de Processo Penal regula a intercepção e a gravação da transmissão das conversações ou comunicações efectuadas por qualquer meio diverso do telefone, nelas não cabendo as mensagens recebidas em telemóvel e mantidas em suporte digital depois de recebidas e lidas, que não terão mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário.”

Þ Apreensões no âmbito das buscas e conhecimentos fortuitos
Como as buscas são um meio de obtenção de prova admitido para qualquer crime, consagra-se a tese da admissibilidade da apreensão e valoração de todos os conhecimentos fortuitos – COSTA ANDRADE.

Þ Apreensão de computador no âmbito de uma busca
O Acórdão da RL de 13-10-2004 apreciou a questão e pronunciou-se no sentido de que a autorização para a realização de uma busca domiciliária permite ao OPC ter conhecimento do conteúdo do disco rígido de um computador, mas não quanto ao correio electrónico que nele se encontra.
Considerou irrelevante ser a informação do disco rígido de carácter pessoal, pois isso não altera a natureza dos direitos lesados pela realização de busca domiciliária.
Diferente seria o caso de conter informação íntima, pois aí impõe-se que o Estado, mesmo no exercício do ius puniendi, respeite.

Þ Caso polémico dos diários:
Parte da doutrina e jurisprudência entende que não têm, em absoluto, valor probatório, logo, não faz sentido a apreensão destes objectos, pois não podem ser usados como meio de prova.
Ac. TC n.º 607/03 – pronunciou-se sobre esta questão, afirmando que não basta o cumprimento das regras legais de obtenção de prova para que possam ser utilizados como prova diários pessoais do arguido.
Essa utilização está dependente do conteúdo dos mesmos e de uma ponderação entre os direitos do autor e o interesse do estado na descoberta da verdade e na realização da justiça.
A jurisprudência constitucional não levanta, à partida obstáculos à apreensão de diários íntimos, no âmbito de uma busca.
A questão terá de ser decidida casuisticamente, em face das circunstâncias concretas de cada caso, ponderando, em concreto, o conteúdo dos diários, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade.

Uma nota prática:
Þ Ac. RL de 29/03/2006 : “Deve ser ordenado o levantamento da apreensão de um computador e o mesmo restituído ao seu proprietário se for possível proceder à cópia dos ficheiros informáticos que se mostrem relevantes para a investigação e que se encontrem inseridos no disco rígido do computador, logo que a tal proceda a autoridade competente por ordem do Juiz de Instrução.”

Escutas Telefónicas

(texto de Joana Leite Soares, para as sessões de Penal II - 21 de Dezembro de 2006 )

Escutas Telefónicas: Artigos 187.º a 190.º CPP




Síntese da exposição:

1. Introdução

2. Regime Jurídico

3. Os conhecimentos fortuitos

4. Proposta de revisão do CPP



1. Introdução
A utilização da escuta telefónica enquanto meio de obtenção de prova contende directamente com direitos fundamentais que a nossa CRP reconhece a todo e qualquer cidadão.
Desde logo, restringe claramente o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1 da CRP), o direito ao sigilo e à inviolabilidade das comunicações (artigo 34.º CRP) e o direito à palavra (falada).
Indirectamente, a divulgação de escutas telefónicas poderá igualmente contender com o direito à honra, bom nome e reputação das pessoas por aquelas visadas.
Assim sendo, a escuta telefónica apenas é legalmente admissível em situações em que é necessário salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), como é o caso do processo penal, expressamente previsto na lei constitucional, no que diz respeito a este meio de obtenção de prova no n.º 4 do artigo 34.º da CRP.
Tendo em conta a limitação de direitos fundamentais que o recurso a este meio de obtenção de prova ofende, sempre terá que se pautar pela observância de determinados princípios:
• Princípio da legalidade – não basta que o meio de obtenção de prova esteja previsto na lei enquanto tal, exigindo-se complementarmente que se mostrem verificados um conjunto de requisitos de que a própria lei faz depender a legitimidade da sua utilização, tendo em atenção os direitos fundamentais violados, funcionando como uma garantia do próprio ‘ius puniendi’ (artigos 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 CRP).

• Princípio da proporcionalidade – em sentido amplo – abrange a adequação, exigibilidade e necessidade, proporcionalidade em sentido restrito e também a subsidiariedade. O recurso à escuta telefónica encontra-se, desde logo, limitado pela parte final do n.º 1 do artigo 187.º – a diligência terá de ser revelar de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Se a verdade já estiver descoberta e se houver prova suficiente para acusar ou não acusar, a diligência não reveste qualquer interesse judiciário.
Cabe ao Ministério Público fazer o juízo de adequação antes de promover a escuta telefónica – que será retomado pelo juiz no despacho que vier a proferir nesta matéria. Aquele juízo de adequação significa verificar se existem os pressupostos reais e pessoais para a prossecução dos fins visados na prevenção e investigação do facto delituoso no caso concreto e não em abstracto.
A exigibilidade ou necessidade implica uma ponderação entre os direitos fundamentais violados e as finalidades do processo penal (realização da justiça e descoberta da verdade; protecção dos direitos fundamentais; restabelecimento da paz jurídica e “concordância prática”), de forma a averiguar no caso concreto este juízo valorativo de necessidade e exigibilidade de realização da escuta.
A proporcionalidade em sentido estrito significa que a solicitação ou a decisão de autorização ou de ordem da realização das escutas telefónicas emirja, como meio legal de investigação criminal que afecta, directa e indirectamente, direitos fundamentais do cidadão suspeito e do cidadão terceiro, de uma justa e proporcional ponderação entre o meio em si mesmo e os fins almejados – terá que se verificar uma proporcionalidade quanto às finalidades do processo sub judice – quer de prevenção, quer de investigação criminal – e quanto à gravidade do crime em investigação ou a investigar.
Por fim, uma última vertente do princípio da proporcionalidade (em sentido lato) é a subsidiariedade que deverá pesar na decisão de quem solicita e de quem decide pelo despacho de autorização à realização das escutas telefónicas.

• Princípio da garantia e defesa dos interesses do cidadão suspeito ou dos direitos fundamentais – que deriva desde logo das próprias finalidades do processo penal na sua vertente de protecção dos direitos fundamentais, não só no interesse do visado, mas também no interesse da comunidade de que o processo penal decorre segundo as regras do Estado de Direito (FIGUEIREDO DIAS).
• Princípio da prossecução do interesse público – prevenção criminal de modo que se viva em segurança e se exerça os direitos e liberdades sem medo do perigo e do debilitamento das normas jurídicas – reside nas finalidades do processo penal de realização da justiça e da descoberta da verdade material: por detrás da imposição de uma pena está uma finalidade de prevenção geral de integração e, portanto, uma exigência de verdade e de justiça na aplicação da sanção (FIGUEIREDO DIAS).

• Princípio da lealdade e da boa fé – os operadores judiciários não podem obter a prova mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações – artigos 32.º, n.º 8 CRP e 126.º CPP. A lealdade, como princípio de natureza essencialmente moral, deve traduzir uma maneira de ser da investigação e obtenção das provas em conformidade com o respeito dos direitos da pessoa e a dignidade da justiça (TEREZA BELEZA) – impondo aos agentes que operam a administração da justiça a obrigatoriedade de actuarem no estrito respeito pelos valores próprios da pessoa humana, como a sua dignidade, a sua integridade pessoal (física e moral) e de respeito pela realização de justiça, que não se alcança quando a priori esses agentes se socorrem de meios de obtenção de prova e de investigação que violam o respeito pela dignidade da pessoa humana.

• A “concordância prática” – no momento da decisão de solicitação ou de despacho de autorização ou ordem de realização das escutas telefónicas, no sentido de que existindo um carácter irremediavelmente antinómico e antiético, no caso concreto, das finalidades, o remédio para esta impossibilidade de harmonização integral das finalidades do processo penal, reside na tarefa de operar à concordância prática das finalidades em conflito – compressão das finalidades em conflito por forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia e o máximo conteúdo possíveis – sempre que esteja em causa a dignidade da pessoa humana do arguido ou de outrem, não se promove qualquer transacção, dando primazia absoluta à finalidade que melhor protege e garante o respeito da dignidade da pessoa humana.

Nesta medida, a ordem ou autorização para a intercepção e gravação de conversas telefónicas é da exclusiva competência do Juiz de Instrução Criminal – artigos 187.º, n.os 1 e 2 e 269.º, n.º 1, alínea c) CPP –, enquanto juiz das liberdades – como diligência portadora de uma danosidade polimórfica e pluridimensional (COSTA ANDRADE) e, consequentemente, violadora de direitos fundamentais, por imposição constitucional (artigo 32.º, n.º 4, in fine).
O requerimento para a realização de intercepção e gravação de conversações e comunicações deve ser dirigido ao JIC ou ao juiz (onde não exista TIC), requerimento que não se encontra sujeito a quaisquer formalidades de fundo (artigo 268.º, n.º 3, por força do disposto no n.º 2 do artigo 269.º CPP). Mas o MP ou a APC que requeiram a realização de escutas devem expor as razões não só de facto, como de direito que motivam a opção pelo recurso à escuta, demonstrando ao juiz que é o único meio de obtenção de prova, dentre todos aqueles elencados no CPP, adequado, necessário e de relevante interesse para a descoberta da verdade e para a prova (cfr. artigos 268.º, n.º 4, ex vi 269.º, n.º 2 CPP). Cabe ao juiz, no prazo de vinte e quatro horas, decidir pela autorização ou não autorização e, da decisão, cumpre-lhe o dever de fundamentação de facto e de direito – artigo 97.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 CPP.

2. Regime Jurídico

As escutas telefónicas estão reguladas nos artigos 187.º a 190.º do CPP.

§ Artigo 187.º
O artigo 187.º vem estabelecer os requisitos de admissibilidade das escutas telefónicas.
Desde logo, o n.º 1 do artigo 187.º começa por enunciar que à sua realização precede um despacho do juiz, nos termos do disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e no artigo 268.º, n.os 2, 3 e 4.
Por outro lado, nas alíneas do n.º 1 daquele artigo estabelece-se que a escuta telefónica só pode ser autorizada ou ordenada nos crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos a tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando;
Ou
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone.

Isto significa que a intercepção e gravação de conversas telefónicas apenas é admissível nos crimes taxativamente previstos nesta norma, por imposição constitucional, tendo sido acolhido o sistema de catálogo.
Igualmente é necessário que a escuta se revele de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, o que pressupõe, logicamente, a fundamentação segura e ponderada do despacho judicial que a ordene (artigo 97.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 CPP) – o que nos remete para a exposição introdutória.
Da mesma forma, o recurso à escuta telefónica apenas pode ser efectuado quando nenhuma outra diligência menos gravosa de aquisição probatória se revele suficiente para atingir aquele objectivo, sendo, nessa medida, um meio de obtenção de prova com carácter de subsidiariedade.
De todo o exposto, resulta que o recurso a este meio de obtenção de prova pressupõe a existência prévia de um processo crime, não podendo constituir investigação pré ou extra processual, nem se configurando como uma medida cautelar e de polícia (veja-se a circular n.º 7/92, de 27.04, da P.G.R. e o Ac. STJ, 30.03.2000 – proc. 1145/98).

O n.º 2 deste artigo prevê que a ordem ou autorização para a intercepção ou gravação de conversas telefónicas sejam concedidas ao juiz do lugar onde eventualmente se possa efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, nos crimes expressamente previstos nas suas alíneas.

Por sua vez, o n.º 3 desta norma prescreve a proibição da intercepção e gravação de conversações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime (quanto a este aspecto, o parecer n.º 91/92, de 30.03, da P.G.R., vem dizer que se privilegia o defensor em relação a tantos outros mediadores de notícias, em razão da especial relação de confiança que está em causa).
Uma questão desde logo se coloca em relação à extensão deste n.º 3 às escutas telefónicas que possam contender com as demais relações de segredo e confiança (artigo 135.º CPP), possibilidade não resolvida pelo CPP.
COSTA ANDRADE entende que os demais portadores de segredo profissional só podem ser objecto de escuta em relação a conversações que constituam objecto ou elemento de crime.
GERMANO MARQUES DA SILVA compartilha o mesmo entendimento, mas acrescenta que tal extensão de regime não é aplicável às pessoas referidas no artigo 134.º do CPP, pois entende serem diferentes as razões que justificam a proibição relativamente àquele núcleo de pessoas obrigadas a segredo profissional.
E quanto às declarações do arguido? Face ao actual CPP, GERMANO MARQUES DA SILVA considera que nada parece obstar a que tenham valor como meio de prova as gravações de declarações do arguido sobre actos criminosos, desde que se observem todas as condições e formalidades legais.
Uma breve nota relativamente às conversações entre os arguidos e os familiares. Tanto COSTA ANDRADE como GERMANO MARQUES DA SILVA não se opõem à realização de escutas nesta situação em concreto. Porém, há quem também entenda que não deva ser assim por duas ordens de razoes: por um lado, porque os familiares podem não ter conhecimento da actividade criminosa do arguido, por outro, porque aquelas pessoas sempre poderiam recusar prestar depoimento, pelo que sempre seria necessário o respectivo consentimento (artigo 134.º CPP) – salvaguardando a situação em que os parentes ou afins sejam também objecto da investigação em curso.

Esta norma não estabelece qualquer regra quanto à legitimidade para requerer a escuta, o que resulta do disposto no artigo 268.º, n.os 2 e 3:
 Ministério Público;
 Assistente;
 Arguido;
 Autoridade de polícia criminal (em caso de urgência ou de perigo na demora).

§ Artigo 188.º
O artigo 188.º do CPP vem estabelecer as regras quanto às formalidades das operações.
Deste artigo resulta que é ao juiz que compete avaliar do interesse probatório dos elementos recolhidos através das intercepções e gravações e da sua relevância para o processo, decidindo e ordenando a sua junção ou destruição, mas sempre vinculado ao dever de segredo que lhe é imposto e que se estende a todos os participantes na diligência.
O n.º 1 prescreve duas formalidades essenciais: a elaboração de auto de intercepção e gravação das conversas telefónicas (que terá que conter o tempo, modo e lugar da intercepção, a identificação do telefone a que se dirigiu e a identidade de quem procedeu à escuta – Ac. STJ de 29.10.1998; BMJ, 480, 292) e a imediata transmissão ao juiz que ordenou ou autorizou as operações das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova.
Quanto à segunda das apontadas formalidades, tem sido muito debatido na jurisprudência o que se deverá entender por imediatamente.
Foi no Acórdão do TC n.º 407/97 que pela primeira vez se suscitou a questão da constitucionalidade deste n.º 1 do artigo 188.º, embora centrada na interpretação do conceito de “imediatamente” reportado à apresentação, ao juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação, do auto de intercepção e gravação, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos. Após referências aos parâmetros constitucionais pertinentes e ao direito comparado, o Acórdão n.º 407/97 fundou o seu juízo de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 6 (actual n.º 8) do artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, “quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas”.
Assim sendo, “imediatamente” não poderá, desde logo, reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos, “imediatamente”, no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma “imediatamente” poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo.
Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar-se inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, uma interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do CPP que não imponha que o auto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
Considerou, assim, o Tribunal Constitucional que a especial danosidade da intromissão traduzida pela intercepção telefónica impunha uma intervenção substancial do juiz no decurso da mesma, através de um acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte, acompanhamento esse que comportasse a possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou, sublinhando, contudo, que o exigente critério assumido não significava “que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão maximalista”, que o Tribunal não subscreveu.
No que concerne à jurisprudência do Tribunal Constitucional, há a assinalar, para além do citado Acórdão n.º 407/97, a prolação dos Acórdãos n.os 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005 e da Decisão Sumária n.º 324/2004, todos incidindo sobre a questão da “imediatividade” da apresentação ao juiz do auto de intercepção e gravação prevista no artigo 188.º, n.º 1, do CPP (o primeiro Acórdão reportado à redacção anterior à Lei n.º 59/98, o segundo à redacção dada por esta Lei, os dois últimos quer à redacção anterior quer à posterior ao Decreto-Lei n.º 320-C/2000, e a Decisão Sumária a esta última redacção), e ainda os Acórdãos n.os 411/2002 (que julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação normativa que torna inaplicável ao prazo de arguição de nulidade respeitante a escutas telefónicas ocorrida durante o inquérito o que vem consagrado no artigo 120.º, n.º 3, alínea c), do CPP [até ao encerramento do debate instrutório] e aplicável o estabelecido no artigo 105.º do mesmo Código [dez dias a contar da notificação da acusação, terminando antes do fim do prazo para requerer a instrução]) e 198/2004 (que não julgou inconstitucional a norma do artigo 122.º, n.º 1, do CPP, entendida como autorizando, face à nulidade/invalidade de intercepções telefónicas realizadas, a utilização de outras provas, distintas das escutas e a elas subsequentes, quando tais provas se traduzam nas declarações dos próprios arguidos, designadamente quando tais declarações sejam confessórias).
Nos três primeiros Acórdãos citados (o quarto – Acórdão n.º 223/2005 – incidiu sobre uma situação de incumprimento do Acórdão n.º 379/2004), o Tribunal Constitucional reiterou o critério decisório definido no Acórdão n.º 407/97, que conduziu, nos casos em cada um desses arestos apreciados, à emissão de similares juízos de inconstitucionalidade.
No Acórdão n.º 347/2001 julgou-se inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção anterior à que foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado da anterior.
A validade da jurisprudência assim definida foi reafirmada no Acórdão n.º 528/2003, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção anterior à que foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz.
Por seu turno, o Acórdão n.º 379/2004 julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, quer na redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quer quando interpretada no sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações, quer na interpretação segundo a qual a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas.
Foi a jurisprudência delineada nos Acórdãos n.ºs 407/97, 347/2001, 528/2003, e 379/2004 que a Decisão Sumária n.º 324/2004, sem considerações complementares, invocou para julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido de que a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer seis meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas.
Da explanação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujos traços essenciais foram logo desenhados pelo Acórdão n.º 407/97, resulta que se entendeu constitucionalmente justificado que a admissibilidade da intromissão nas comunicações telefónicas fosse não só alvo de prévia autorização judicial, mas também objecto de acompanhamento judicial ao longo da sua execução. O que se exige é, pois, um “acompanhamento próximo” e um “controlo do conteúdo” das conversações, com uma dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se venham a revelar injustificadas ou desnecessárias; e (ii) submeter a um “crivo” judicial prévio a aquisição processual das provas obtidas por esse meio (cf. JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas”, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Janeiro Março 2004, pp. 50 56). Mas – repete se – o exigente critério assumido não significa “que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão maximalista”, que aquele Tribunal não subscreveu.
Mas se, ao nível da jurisprudência constitucional, elas incidiram quase exclusivamente sobre o tempo de acompanhamento judicial da execução da operação (sobre o modo desse acompanhamento apenas incidiu o citado Acórdão n.º 426/2005, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, “interpretado no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos”), já a nível da doutrina e da prática judiciária elas têm também incidido sobre os requisitos da autorização da operação, reportados ao artigo 187.º do CPP, quer na perspectiva da adequação do “catálogo” de crimes enunciado no seu n.º 2, quer no que concerne a uma clara definição das pessoas cujas conversações podem ser colocadas sob escuta, quer quanto à ausência de uma definição legal da duração das escutas. Designadamente no que respeita à execução da operação, é indefinida a forma de articulação entre órgão de polícia criminal, Ministério Público e juiz, registam-se oscilações quanto à definição do conteúdo do auto (ou dos autos) a elaborar e tem sido salientado o inconveniente da imediata destruição das gravações que o juiz reputou irrelevantes, por assim se eliminar irreversivelmente o aproveitamento de passagens que eventualmente seriam consideradas importantes quer pela acusação, quer pela defesa.
Há que fazer uma interpretação desse requisito jurisprudencial funcionalmente adequada à sua razão de ser. E os propósitos visados consistem, como se assinalou, em propiciar que seja determinada a interrupção da intercepção logo que a mesma se revele desnecessária, desadequada ou inútil, e, por outro lado, fazer depender a aquisição processual da prova assim obtida a um “crivo” judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua relevância.
O Acórdão n.º 4/2006, de 03.01.2006 (proc. n.º 665/05), em que foi relator Mário Torres, veio reafirmar o teor da jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional nesta matéria.

Um outro problema que a norma constante do artigo 188.º, n.º 1 CPP levanta concerne no facto de saber se o imediato conhecimento que deve ser dado ao juiz significa que será o órgão de polícia criminal a entregar-lhe directamente as intercepções e gravações efectuadas ou se, pelo contrário, deverá passar pelo Ministério Público que irá então propor a transcrição das conversações que se mostrem relevantes para a prova.
A jurisprudência não é unânime. No sentido de que o OPC deve remeter as intercepções telefónicas directamente ao Juiz, pronunciou-se o Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 13.10.2004, proc. n.º 5150/2005-3, em que foi relator Carlos Almeida, in www.dgsi.pt. Em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.09.2006, proc. n.º 6487/2006-5, em que foi relator Vieira Lamim, in www.dgsi.pt.

Do conhecimento o juiz ou ordena a transcrição da gravação em auto e junta-o ao processo – se os elementos recolhidos ou parte deles revestirem interesse para a prova – ou ordena, em caso contrário, a sua destruição – assim dispõe o n.º 3 do artigo 188.º. A transcrição dos autos obedece ao disposto no artigo 101.º, n.os 2 e 3 do CPP. O juiz pode ser coadjuvado por OPC e pode nomear intérprete, se tal se mostrar necessário (art. 188.º, n.º 4 CPP). Com a junção do auto de transcrição ao processo o mesmo passa a ser prova documental (Acórdão STJ, de 21.01.1998, Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.01.2000 e Ac. STJ, de 13.07.2006, in www.pgdlisboa.pt).
De notar que todos os participantes nas operações de intercepção e gravação das conversações e comunicações ficam obrigados ao dever de segredo relativamente a tudo quanto tenham tomado conhecimento (artigo 188.º, n.º 3, última parte CPP).


§ Artigo 189.º
Este artigo dispõe acerca das consequências da inobservância dos requisitos e condições a que deve obedecer a intercepção e gravação de conversações telefónicas, sendo consignada como consequência directa a nulidade, remetendo esta norma directamente para os artigos 118.º a 122.º CPP.
A lei estabelece a distinção entre nulidades sanáveis e nulidades insanáveis.
SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES entendem que a falta de ordem ou de autorização do juiz para as escutas configura uma nulidade insanável, enquanto que a inobservância de qualquer dos demais requisitos apenas constitui nulidade sanável e, assim, dependente de arguição.
Sustentam a sua posição considerando que o próprio texto constitucional suporta este entendimento, na medida em que considera nulas as provas obtidas com abusiva intromissão nas comunicações (artigo 32.º, n.º 6 CRP), ou quando salvaguarda os direitos ao sigilo e à reserva da vida privada (artigos 26.º, n.º 1 e 34.º, n.º 1), ou ainda quando proíbe a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal, sem uma ordem ou autorização do juiz (artigo 34.º, n.º 4).
O Acórdão da Relação do Porto, de 08.03.2000 veio a considerar que a escuta efectuada depois de revogada a autorização para a intercepção e gravação de conversas telefónicas é nula, tratando-se de uma nulidade insanável e, assim, não dependente de arguição.
MAIA GONÇALVES sustenta posição semelhante à acima referenciada, mas, no entanto, entende que, no caso da apreensão ou intromissão na correspondência postal ou nas telecomunicações, tratar-se-á de método proibido de prova sempre que forem efectuadas sem consentimento de quem de direito ou sem ordem da autoridade judiciária.
COSTA PIMENTA, por seu turno, entende que mesmo a falta de ordem ou autorização do juiz se trata de nulidade sanável.
COSTA ANDRADE e GERMANO MARQUES DA SILVA sustentam que se trata de proibição de prova, face ao disposto no artigo 126.º, n.º 3 que dispõe que, ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações e a nulidade tem como efeito não poder a prova ser utilizada (artigo 126.º, n.º 1). Face ao disposto na lei que comina a nulidade quanto à inobservância das condições de admissibilidade e requisitos das escutas, deve entender-se que a consequência será a proibição de prova, imposta pelo artigo 32.º, n.º 6 CRP e 126.º CPP.

§ Artigo 190.º
Esta norma vem prever a extensão do regime jurídico das escutas telefónicas às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como à intercepção das comunicações entre presentes.
O acórdão do STJ de 03.12.1997 (proc. n.º 1204/97-5.ª) veio entender que este regime não é aplicável às filmagens.
Porém e face às novas tecnologias de informação, cumpre questionar se não será possível o recurso a este meio de obtenção de prova no caso de conversas através de programas de chat na Internet, como seja o MSN Messenger ou o Sapo Messenger, ou mesmo das chamadas de voz actualmente disponíveis online.
Nem sempre estaremos a falar da palavra escrita, como acontecerá normalmente nos programas de chat, uma vez que se cada um dos computadores possuir microfone, estaremos sempre no domínio da palavra falada.
Parece-me, não obstante não ter tido conhecimento de qualquer decisão jurisdicional neste sentido, até por que tal situação poderá ainda não se ter ainda realizado, que a norma em causa pretendeu efectivamente abranger o constante evoluir das tecnologias da informação. Nesse sentido, entendo que, face à abertura que esta norma parece consagrar, não estabelecendo taxativamente os casos em que considera admissível tal extensão de regime, deverá ser extensível o regime das escutas a todas as comunicações transmitidas por quaisquer meios técnicos diferentes do telefone, para própria garantia dos direitos dos suspeitos investigados ou arguidos no processo.

3. Os conhecimentos fortuitos
Cumpre agora fazer uma breve referência à questão dos conhecimentos fortuitos. Esta situação verificar-se-á se, em resultado de uma escuta telefónica desencadeada para se obter prova relativamente a determinado crime, se vier a colher informações marginais que denunciem o conhecimento de outro crime diferente. Será que estes conhecimentos fortuitos podem servir de base à investigação do novo crime denunciado pela escuta?
Questão semelhante poderá colocar-se em relação às buscas e apreensão de correspondência.
Há que referir dois pontos da discussão: por um lado o facto dos conhecimentos fortuitos, apesar da distinção conceptual e normativa, terem pontos de conexão com o objecto do processo que, por sua vez, se inter-relaciona com o crime catálogo legitimador da escuta e, por outro, a distinção ou a separação conceptual normativa e consequente valoração dos conhecimentos fortuitos face aos conhecimentos da investigação, ou seja, aqueles que os investigadores obtêm por força da investigação em curso.
COSTA ANDRADE diferencia os conhecimentos fortuitos dos conhecimentos da investigação, que, por não se enquadrarem no âmbito dos primeiros, são admitidos como prova:
 Sempre que os factos de que se tem conhecimento na escuta estejam numa relação de concurso ideal e aparente com o crime catálogo;
 Se os factos compreenderem os delitos alternativos que comprovam de modo alternativo os factos do crime catálogo
 No âmbito dos crimes que fundamentam a autorização relativamente ao crime de associação criminosa, que constituem a finalidade ou a actividade daquela;
 Num plano de igualdade com os conhecimentos da investigação devem-se acrescentar a comparticipação (autoria e cumplicidade), bem como as diferentes formas de favorecimento pessoal, auxílio material ou receptação.

Digno de nota é o facto de que existe desde logo uma limitação ao recurso à escuta telefónica quanto a crimes a que corresponda pena de prisão inferior a três anos, pelo que se o crime a que respeitam os conhecimentos fortuitos for punível com pena de prisão inferior aos três anos, não podem aqueles ser utilizados.
COSTA ANDRADE entende que só a jurisprudência e a doutrina poderão vir dar resposta a este problema dos conhecimentos fortuitos. Mas, não obstante, sustenta o seguinte entendimento:
 Ab initio deve haver uma exigência mínima de que os conhecimentos fortuitos se reportem a um crime de catálogo – artigo 187.º CPP;
 Devem-se fazer intervir as exigências complementares de estado de necessidade investigatório;
 No caso do crime de associação criminosa se devem valorar os conhecimentos fortuitos que se relacionem com os crimes finalidade ou actividade da associação;
 Nos casos em que não se confirma a suspeita do crime de associação criminosa nem nenhum dos crimes finalidade ou actividade da associação, tendo em conta “o programa político-criminal legalmente codificado e o propósito de obviar aos perigos pertinentemente denunciados por Roxin”, deve-se apenas aceitar o conhecimento dos crimes catálogo.

De igual entendimento compartilha GERMANO MARQUES DA SILVA.

4. Proposta de revisão do CPP

O texto do anteprojecto de alteração do CPP prevê profundas alterações ao regime actual das escutas telefónicas.
A exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 423/2006 indica como principais as seguintes alterações ao regime das escutas:

Confina-se este meio de obtenção de prova à fase de inquérito e exige-se, de forma expressa, requerimento do Ministério Público e despacho fundamentado do juiz. Ao elenco de crimes contido no n.º 1 do artigo 187.º acrescentam-se a ameaça com prática de crime, o abuso e simulação de sinais de perigo e a evasão quando o arguido tiver sido condenado por algum dos crimes desse elenco. O âmbito de pessoas que podem ser sujeitas a escutas é circunscrito a suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas (neste caso, mediante o consentimento efectivo ou presumido). A autorização judicial vale por um prazo máximo e renovável de três meses. Esclarece-se que os conhecimentos fortuitos só podem valer como prova quando tiverem resultado de intercepção dirigida a pessoa e respeitante a crime constantes dos correspondentes elencos legais.
No que respeita ao procedimento, estabelece-se que o órgão de polícia criminal que efectuar a intercepção e a gravação elabora, para além do auto, um relatório sobre o conteúdo da conversação e o seu alcance para a descoberta da verdade. O órgão de polícia criminal entrega os materiais ao Ministério Público de 15 em 15 dias e este apresenta-os ao juiz no prazo máximo de 48 horas. O juiz determina a destruição imediata dos suportes manifestamente estranhos ao processo que, em alternativa, respeitarem a conversações em que não intervenham pessoas constantes do elenco legal, a matérias sujeitas a segredo profissional, de funcionário ou de Estado ou cuja revelação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias. Além disso, o juiz determina, mediante requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou garantia patrimonial.
A partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem examinar e obter cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo. Valem como prova as conversações que o Ministério Público, o arguido e o assistente juntarem, podendo o tribunal, em obediência ao princípio da investigação, proceder à audição das gravações para determinar a correcção das transcrições ou a junção aos autos de novas transcrições. As pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas podem examinar os suportes técnicos até ao encerramento da audiência. Os suportes técnicos referentes a conversações ou a gravações que não forem transcritas são guardados em envelope lacrado e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo. Os suportes que não forem destruídos são guardados após o trânsito em julgado em envelope lacrado e só podem ser utilizados na hipótese de interposição de recurso extraordinário.
O regime descrito é aplicável a quaisquer outras formas de comunicação, nos termos do artigo 189.º, esclarecendo-se agora que abrange o correio electrónico e outras formas de transmissão de dados por via telemática mesmo que se encontrem guardados em suporte digital. Exige-se também, de forma expressa, que haja despacho do juiz para obter e juntar aos autos dados sobre a localização celular ou o tráfego de comunicações, restringindo-se tal meio de prova aos crimes e pessoas referidos no âmbito do regime das escutas (artigo 189.º). Todavia, admite-se que os dados sobre a localização celular sejam obtidos, no âmbito das medidas cautelares e de polícia, para afastar um perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave. Exclusivamente nesta hipótese, os dados podem ser pedidos por qualquer autoridade judiciária ou de polícia criminal, que terá sempre de comunicar tal pedido a um juiz no prazo máximo de 48 horas