terça-feira, março 27, 2007

Escutas Telefónicas

(texto de Joana Leite Soares, para as sessões de Penal II - 21 de Dezembro de 2006 )

Escutas Telefónicas: Artigos 187.º a 190.º CPP




Síntese da exposição:

1. Introdução

2. Regime Jurídico

3. Os conhecimentos fortuitos

4. Proposta de revisão do CPP



1. Introdução
A utilização da escuta telefónica enquanto meio de obtenção de prova contende directamente com direitos fundamentais que a nossa CRP reconhece a todo e qualquer cidadão.
Desde logo, restringe claramente o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1 da CRP), o direito ao sigilo e à inviolabilidade das comunicações (artigo 34.º CRP) e o direito à palavra (falada).
Indirectamente, a divulgação de escutas telefónicas poderá igualmente contender com o direito à honra, bom nome e reputação das pessoas por aquelas visadas.
Assim sendo, a escuta telefónica apenas é legalmente admissível em situações em que é necessário salvaguardar outros direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2 da CRP), como é o caso do processo penal, expressamente previsto na lei constitucional, no que diz respeito a este meio de obtenção de prova no n.º 4 do artigo 34.º da CRP.
Tendo em conta a limitação de direitos fundamentais que o recurso a este meio de obtenção de prova ofende, sempre terá que se pautar pela observância de determinados princípios:
• Princípio da legalidade – não basta que o meio de obtenção de prova esteja previsto na lei enquanto tal, exigindo-se complementarmente que se mostrem verificados um conjunto de requisitos de que a própria lei faz depender a legitimidade da sua utilização, tendo em atenção os direitos fundamentais violados, funcionando como uma garantia do próprio ‘ius puniendi’ (artigos 18.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 CRP).

• Princípio da proporcionalidade – em sentido amplo – abrange a adequação, exigibilidade e necessidade, proporcionalidade em sentido restrito e também a subsidiariedade. O recurso à escuta telefónica encontra-se, desde logo, limitado pela parte final do n.º 1 do artigo 187.º – a diligência terá de ser revelar de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. Se a verdade já estiver descoberta e se houver prova suficiente para acusar ou não acusar, a diligência não reveste qualquer interesse judiciário.
Cabe ao Ministério Público fazer o juízo de adequação antes de promover a escuta telefónica – que será retomado pelo juiz no despacho que vier a proferir nesta matéria. Aquele juízo de adequação significa verificar se existem os pressupostos reais e pessoais para a prossecução dos fins visados na prevenção e investigação do facto delituoso no caso concreto e não em abstracto.
A exigibilidade ou necessidade implica uma ponderação entre os direitos fundamentais violados e as finalidades do processo penal (realização da justiça e descoberta da verdade; protecção dos direitos fundamentais; restabelecimento da paz jurídica e “concordância prática”), de forma a averiguar no caso concreto este juízo valorativo de necessidade e exigibilidade de realização da escuta.
A proporcionalidade em sentido estrito significa que a solicitação ou a decisão de autorização ou de ordem da realização das escutas telefónicas emirja, como meio legal de investigação criminal que afecta, directa e indirectamente, direitos fundamentais do cidadão suspeito e do cidadão terceiro, de uma justa e proporcional ponderação entre o meio em si mesmo e os fins almejados – terá que se verificar uma proporcionalidade quanto às finalidades do processo sub judice – quer de prevenção, quer de investigação criminal – e quanto à gravidade do crime em investigação ou a investigar.
Por fim, uma última vertente do princípio da proporcionalidade (em sentido lato) é a subsidiariedade que deverá pesar na decisão de quem solicita e de quem decide pelo despacho de autorização à realização das escutas telefónicas.

• Princípio da garantia e defesa dos interesses do cidadão suspeito ou dos direitos fundamentais – que deriva desde logo das próprias finalidades do processo penal na sua vertente de protecção dos direitos fundamentais, não só no interesse do visado, mas também no interesse da comunidade de que o processo penal decorre segundo as regras do Estado de Direito (FIGUEIREDO DIAS).
• Princípio da prossecução do interesse público – prevenção criminal de modo que se viva em segurança e se exerça os direitos e liberdades sem medo do perigo e do debilitamento das normas jurídicas – reside nas finalidades do processo penal de realização da justiça e da descoberta da verdade material: por detrás da imposição de uma pena está uma finalidade de prevenção geral de integração e, portanto, uma exigência de verdade e de justiça na aplicação da sanção (FIGUEIREDO DIAS).

• Princípio da lealdade e da boa fé – os operadores judiciários não podem obter a prova mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações – artigos 32.º, n.º 8 CRP e 126.º CPP. A lealdade, como princípio de natureza essencialmente moral, deve traduzir uma maneira de ser da investigação e obtenção das provas em conformidade com o respeito dos direitos da pessoa e a dignidade da justiça (TEREZA BELEZA) – impondo aos agentes que operam a administração da justiça a obrigatoriedade de actuarem no estrito respeito pelos valores próprios da pessoa humana, como a sua dignidade, a sua integridade pessoal (física e moral) e de respeito pela realização de justiça, que não se alcança quando a priori esses agentes se socorrem de meios de obtenção de prova e de investigação que violam o respeito pela dignidade da pessoa humana.

• A “concordância prática” – no momento da decisão de solicitação ou de despacho de autorização ou ordem de realização das escutas telefónicas, no sentido de que existindo um carácter irremediavelmente antinómico e antiético, no caso concreto, das finalidades, o remédio para esta impossibilidade de harmonização integral das finalidades do processo penal, reside na tarefa de operar à concordância prática das finalidades em conflito – compressão das finalidades em conflito por forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia e o máximo conteúdo possíveis – sempre que esteja em causa a dignidade da pessoa humana do arguido ou de outrem, não se promove qualquer transacção, dando primazia absoluta à finalidade que melhor protege e garante o respeito da dignidade da pessoa humana.

Nesta medida, a ordem ou autorização para a intercepção e gravação de conversas telefónicas é da exclusiva competência do Juiz de Instrução Criminal – artigos 187.º, n.os 1 e 2 e 269.º, n.º 1, alínea c) CPP –, enquanto juiz das liberdades – como diligência portadora de uma danosidade polimórfica e pluridimensional (COSTA ANDRADE) e, consequentemente, violadora de direitos fundamentais, por imposição constitucional (artigo 32.º, n.º 4, in fine).
O requerimento para a realização de intercepção e gravação de conversações e comunicações deve ser dirigido ao JIC ou ao juiz (onde não exista TIC), requerimento que não se encontra sujeito a quaisquer formalidades de fundo (artigo 268.º, n.º 3, por força do disposto no n.º 2 do artigo 269.º CPP). Mas o MP ou a APC que requeiram a realização de escutas devem expor as razões não só de facto, como de direito que motivam a opção pelo recurso à escuta, demonstrando ao juiz que é o único meio de obtenção de prova, dentre todos aqueles elencados no CPP, adequado, necessário e de relevante interesse para a descoberta da verdade e para a prova (cfr. artigos 268.º, n.º 4, ex vi 269.º, n.º 2 CPP). Cabe ao juiz, no prazo de vinte e quatro horas, decidir pela autorização ou não autorização e, da decisão, cumpre-lhe o dever de fundamentação de facto e de direito – artigo 97.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 CPP.

2. Regime Jurídico

As escutas telefónicas estão reguladas nos artigos 187.º a 190.º do CPP.

§ Artigo 187.º
O artigo 187.º vem estabelecer os requisitos de admissibilidade das escutas telefónicas.
Desde logo, o n.º 1 do artigo 187.º começa por enunciar que à sua realização precede um despacho do juiz, nos termos do disposto no artigo 269.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 e no artigo 268.º, n.os 2, 3 e 4.
Por outro lado, nas alíneas do n.º 1 daquele artigo estabelece-se que a escuta telefónica só pode ser autorizada ou ordenada nos crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos a tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando;
Ou
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone.

Isto significa que a intercepção e gravação de conversas telefónicas apenas é admissível nos crimes taxativamente previstos nesta norma, por imposição constitucional, tendo sido acolhido o sistema de catálogo.
Igualmente é necessário que a escuta se revele de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, o que pressupõe, logicamente, a fundamentação segura e ponderada do despacho judicial que a ordene (artigo 97.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 CPP) – o que nos remete para a exposição introdutória.
Da mesma forma, o recurso à escuta telefónica apenas pode ser efectuado quando nenhuma outra diligência menos gravosa de aquisição probatória se revele suficiente para atingir aquele objectivo, sendo, nessa medida, um meio de obtenção de prova com carácter de subsidiariedade.
De todo o exposto, resulta que o recurso a este meio de obtenção de prova pressupõe a existência prévia de um processo crime, não podendo constituir investigação pré ou extra processual, nem se configurando como uma medida cautelar e de polícia (veja-se a circular n.º 7/92, de 27.04, da P.G.R. e o Ac. STJ, 30.03.2000 – proc. 1145/98).

O n.º 2 deste artigo prevê que a ordem ou autorização para a intercepção ou gravação de conversas telefónicas sejam concedidas ao juiz do lugar onde eventualmente se possa efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, nos crimes expressamente previstos nas suas alíneas.

Por sua vez, o n.º 3 desta norma prescreve a proibição da intercepção e gravação de conversações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime (quanto a este aspecto, o parecer n.º 91/92, de 30.03, da P.G.R., vem dizer que se privilegia o defensor em relação a tantos outros mediadores de notícias, em razão da especial relação de confiança que está em causa).
Uma questão desde logo se coloca em relação à extensão deste n.º 3 às escutas telefónicas que possam contender com as demais relações de segredo e confiança (artigo 135.º CPP), possibilidade não resolvida pelo CPP.
COSTA ANDRADE entende que os demais portadores de segredo profissional só podem ser objecto de escuta em relação a conversações que constituam objecto ou elemento de crime.
GERMANO MARQUES DA SILVA compartilha o mesmo entendimento, mas acrescenta que tal extensão de regime não é aplicável às pessoas referidas no artigo 134.º do CPP, pois entende serem diferentes as razões que justificam a proibição relativamente àquele núcleo de pessoas obrigadas a segredo profissional.
E quanto às declarações do arguido? Face ao actual CPP, GERMANO MARQUES DA SILVA considera que nada parece obstar a que tenham valor como meio de prova as gravações de declarações do arguido sobre actos criminosos, desde que se observem todas as condições e formalidades legais.
Uma breve nota relativamente às conversações entre os arguidos e os familiares. Tanto COSTA ANDRADE como GERMANO MARQUES DA SILVA não se opõem à realização de escutas nesta situação em concreto. Porém, há quem também entenda que não deva ser assim por duas ordens de razoes: por um lado, porque os familiares podem não ter conhecimento da actividade criminosa do arguido, por outro, porque aquelas pessoas sempre poderiam recusar prestar depoimento, pelo que sempre seria necessário o respectivo consentimento (artigo 134.º CPP) – salvaguardando a situação em que os parentes ou afins sejam também objecto da investigação em curso.

Esta norma não estabelece qualquer regra quanto à legitimidade para requerer a escuta, o que resulta do disposto no artigo 268.º, n.os 2 e 3:
 Ministério Público;
 Assistente;
 Arguido;
 Autoridade de polícia criminal (em caso de urgência ou de perigo na demora).

§ Artigo 188.º
O artigo 188.º do CPP vem estabelecer as regras quanto às formalidades das operações.
Deste artigo resulta que é ao juiz que compete avaliar do interesse probatório dos elementos recolhidos através das intercepções e gravações e da sua relevância para o processo, decidindo e ordenando a sua junção ou destruição, mas sempre vinculado ao dever de segredo que lhe é imposto e que se estende a todos os participantes na diligência.
O n.º 1 prescreve duas formalidades essenciais: a elaboração de auto de intercepção e gravação das conversas telefónicas (que terá que conter o tempo, modo e lugar da intercepção, a identificação do telefone a que se dirigiu e a identidade de quem procedeu à escuta – Ac. STJ de 29.10.1998; BMJ, 480, 292) e a imediata transmissão ao juiz que ordenou ou autorizou as operações das passagens das gravações ou elementos análogos considerados relevantes para a prova.
Quanto à segunda das apontadas formalidades, tem sido muito debatido na jurisprudência o que se deverá entender por imediatamente.
Foi no Acórdão do TC n.º 407/97 que pela primeira vez se suscitou a questão da constitucionalidade deste n.º 1 do artigo 188.º, embora centrada na interpretação do conceito de “imediatamente” reportado à apresentação, ao juiz que tiver ordenado ou autorizado a operação, do auto de intercepção e gravação, juntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos. Após referências aos parâmetros constitucionais pertinentes e ao direito comparado, o Acórdão n.º 407/97 fundou o seu juízo de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 6 (actual n.º 8) do artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, “quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas”.
Assim sendo, “imediatamente” não poderá, desde logo, reportar-se apenas ao momento em que as transcrições se mostrarem feitas (pois ficaria aberto o caminho à existência de largos períodos de falta de controlo judicial à escuta sempre que a transcrição se atrasasse). Em qualquer dos casos, “imediatamente”, no contexto normativo em que se insere, terá de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem. De forma alguma “imediatamente” poderá significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodos de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo.
Em qualquer caso, tendo em vista os interesses acautelados pela exigência de conhecimento imediato pelo juiz, deve considerar-se inconstitucional, por violação do n.º 6 do artigo 32.º da Constituição, uma interpretação do n.º 1 do artigo 188.º do CPP que não imponha que o auto de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempadamente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto de escutas posteriormente efectuadas, sobre a manutenção ou alteração da decisão que ordenou as escutas.
Considerou, assim, o Tribunal Constitucional que a especial danosidade da intromissão traduzida pela intercepção telefónica impunha uma intervenção substancial do juiz no decurso da mesma, através de um acompanhamento contínuo e próximo temporal e materialmente da fonte, acompanhamento esse que comportasse a possibilidade real de, em função do decurso da escuta, ser mantida ou alterada a decisão que a determinou, sublinhando, contudo, que o exigente critério assumido não significava “que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão maximalista”, que o Tribunal não subscreveu.
No que concerne à jurisprudência do Tribunal Constitucional, há a assinalar, para além do citado Acórdão n.º 407/97, a prolação dos Acórdãos n.os 347/2001, 528/2003, 379/2004 e 223/2005 e da Decisão Sumária n.º 324/2004, todos incidindo sobre a questão da “imediatividade” da apresentação ao juiz do auto de intercepção e gravação prevista no artigo 188.º, n.º 1, do CPP (o primeiro Acórdão reportado à redacção anterior à Lei n.º 59/98, o segundo à redacção dada por esta Lei, os dois últimos quer à redacção anterior quer à posterior ao Decreto-Lei n.º 320-C/2000, e a Decisão Sumária a esta última redacção), e ainda os Acórdãos n.os 411/2002 (que julgou inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação normativa que torna inaplicável ao prazo de arguição de nulidade respeitante a escutas telefónicas ocorrida durante o inquérito o que vem consagrado no artigo 120.º, n.º 3, alínea c), do CPP [até ao encerramento do debate instrutório] e aplicável o estabelecido no artigo 105.º do mesmo Código [dez dias a contar da notificação da acusação, terminando antes do fim do prazo para requerer a instrução]) e 198/2004 (que não julgou inconstitucional a norma do artigo 122.º, n.º 1, do CPP, entendida como autorizando, face à nulidade/invalidade de intercepções telefónicas realizadas, a utilização de outras provas, distintas das escutas e a elas subsequentes, quando tais provas se traduzam nas declarações dos próprios arguidos, designadamente quando tais declarações sejam confessórias).
Nos três primeiros Acórdãos citados (o quarto – Acórdão n.º 223/2005 – incidiu sobre uma situação de incumprimento do Acórdão n.º 379/2004), o Tribunal Constitucional reiterou o critério decisório definido no Acórdão n.º 407/97, que conduziu, nos casos em cada um desses arestos apreciados, à emissão de similares juízos de inconstitucionalidade.
No Acórdão n.º 347/2001 julgou-se inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º n.º 8, 34.º, n.os 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção anterior à que foi dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz e que, autorizada a intercepção e gravação por determinado período, seja concedida autorização para a sua continuação sem que o juiz tome conhecimento do resultado da anterior.
A validade da jurisprudência assim definida foi reafirmada no Acórdão n.º 528/2003, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 34.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, na redacção anterior à que foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações e comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhecimento do juiz.
Por seu turno, o Acórdão n.º 379/2004 julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do artigo 188.º, n.º 1, do CPP, quer na redacção anterior quer na posterior à que foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quer quando interpretada no sentido de uma intercepção telefónica, inicialmente autorizada por 60 dias, poder continuar a processar-se, sendo prorrogada por novos períodos, ainda que de menor duração, sem que previamente o juiz de instrução tome conhecimento do conteúdo das conversações, quer na interpretação segundo a qual a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer mais de três meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas.
Foi a jurisprudência delineada nos Acórdãos n.ºs 407/97, 347/2001, 528/2003, e 379/2004 que a Decisão Sumária n.º 324/2004, sem considerações complementares, invocou para julgar inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8, 43.º, n.ºs 1 e 4, e 18.º, n.º 2, da CRP, a norma constante do n.º 1 do artigo 188.º do CPP, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro, quando interpretada no sentido de que a primeira audição, pelo juiz de instrução criminal, das gravações efectuadas pode ocorrer seis meses após o início da intercepção e gravação das comunicações telefónicas.
Da explanação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujos traços essenciais foram logo desenhados pelo Acórdão n.º 407/97, resulta que se entendeu constitucionalmente justificado que a admissibilidade da intromissão nas comunicações telefónicas fosse não só alvo de prévia autorização judicial, mas também objecto de acompanhamento judicial ao longo da sua execução. O que se exige é, pois, um “acompanhamento próximo” e um “controlo do conteúdo” das conversações, com uma dupla finalidade: (i) fazer cessar, tão depressa quanto possível, escutas que se venham a revelar injustificadas ou desnecessárias; e (ii) submeter a um “crivo” judicial prévio a aquisição processual das provas obtidas por esse meio (cf. JOSÉ MANUEL DAMIÃO DA CUNHA, “A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas”, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Janeiro Março 2004, pp. 50 56). Mas – repete se – o exigente critério assumido não significa “que toda a operação de escuta tenha de ser materialmente realizada pelo juiz”, posição que corresponderia a uma “visão maximalista”, que aquele Tribunal não subscreveu.
Mas se, ao nível da jurisprudência constitucional, elas incidiram quase exclusivamente sobre o tempo de acompanhamento judicial da execução da operação (sobre o modo desse acompanhamento apenas incidiu o citado Acórdão n.º 426/2005, que não julgou inconstitucional a norma do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, “interpretado no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, determinada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de textos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Polícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos”), já a nível da doutrina e da prática judiciária elas têm também incidido sobre os requisitos da autorização da operação, reportados ao artigo 187.º do CPP, quer na perspectiva da adequação do “catálogo” de crimes enunciado no seu n.º 2, quer no que concerne a uma clara definição das pessoas cujas conversações podem ser colocadas sob escuta, quer quanto à ausência de uma definição legal da duração das escutas. Designadamente no que respeita à execução da operação, é indefinida a forma de articulação entre órgão de polícia criminal, Ministério Público e juiz, registam-se oscilações quanto à definição do conteúdo do auto (ou dos autos) a elaborar e tem sido salientado o inconveniente da imediata destruição das gravações que o juiz reputou irrelevantes, por assim se eliminar irreversivelmente o aproveitamento de passagens que eventualmente seriam consideradas importantes quer pela acusação, quer pela defesa.
Há que fazer uma interpretação desse requisito jurisprudencial funcionalmente adequada à sua razão de ser. E os propósitos visados consistem, como se assinalou, em propiciar que seja determinada a interrupção da intercepção logo que a mesma se revele desnecessária, desadequada ou inútil, e, por outro lado, fazer depender a aquisição processual da prova assim obtida a um “crivo” judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua relevância.
O Acórdão n.º 4/2006, de 03.01.2006 (proc. n.º 665/05), em que foi relator Mário Torres, veio reafirmar o teor da jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional nesta matéria.

Um outro problema que a norma constante do artigo 188.º, n.º 1 CPP levanta concerne no facto de saber se o imediato conhecimento que deve ser dado ao juiz significa que será o órgão de polícia criminal a entregar-lhe directamente as intercepções e gravações efectuadas ou se, pelo contrário, deverá passar pelo Ministério Público que irá então propor a transcrição das conversações que se mostrem relevantes para a prova.
A jurisprudência não é unânime. No sentido de que o OPC deve remeter as intercepções telefónicas directamente ao Juiz, pronunciou-se o Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 13.10.2004, proc. n.º 5150/2005-3, em que foi relator Carlos Almeida, in www.dgsi.pt. Em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.09.2006, proc. n.º 6487/2006-5, em que foi relator Vieira Lamim, in www.dgsi.pt.

Do conhecimento o juiz ou ordena a transcrição da gravação em auto e junta-o ao processo – se os elementos recolhidos ou parte deles revestirem interesse para a prova – ou ordena, em caso contrário, a sua destruição – assim dispõe o n.º 3 do artigo 188.º. A transcrição dos autos obedece ao disposto no artigo 101.º, n.os 2 e 3 do CPP. O juiz pode ser coadjuvado por OPC e pode nomear intérprete, se tal se mostrar necessário (art. 188.º, n.º 4 CPP). Com a junção do auto de transcrição ao processo o mesmo passa a ser prova documental (Acórdão STJ, de 21.01.1998, Acórdão da Relação de Lisboa, de 12.01.2000 e Ac. STJ, de 13.07.2006, in www.pgdlisboa.pt).
De notar que todos os participantes nas operações de intercepção e gravação das conversações e comunicações ficam obrigados ao dever de segredo relativamente a tudo quanto tenham tomado conhecimento (artigo 188.º, n.º 3, última parte CPP).


§ Artigo 189.º
Este artigo dispõe acerca das consequências da inobservância dos requisitos e condições a que deve obedecer a intercepção e gravação de conversações telefónicas, sendo consignada como consequência directa a nulidade, remetendo esta norma directamente para os artigos 118.º a 122.º CPP.
A lei estabelece a distinção entre nulidades sanáveis e nulidades insanáveis.
SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES entendem que a falta de ordem ou de autorização do juiz para as escutas configura uma nulidade insanável, enquanto que a inobservância de qualquer dos demais requisitos apenas constitui nulidade sanável e, assim, dependente de arguição.
Sustentam a sua posição considerando que o próprio texto constitucional suporta este entendimento, na medida em que considera nulas as provas obtidas com abusiva intromissão nas comunicações (artigo 32.º, n.º 6 CRP), ou quando salvaguarda os direitos ao sigilo e à reserva da vida privada (artigos 26.º, n.º 1 e 34.º, n.º 1), ou ainda quando proíbe a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal, sem uma ordem ou autorização do juiz (artigo 34.º, n.º 4).
O Acórdão da Relação do Porto, de 08.03.2000 veio a considerar que a escuta efectuada depois de revogada a autorização para a intercepção e gravação de conversas telefónicas é nula, tratando-se de uma nulidade insanável e, assim, não dependente de arguição.
MAIA GONÇALVES sustenta posição semelhante à acima referenciada, mas, no entanto, entende que, no caso da apreensão ou intromissão na correspondência postal ou nas telecomunicações, tratar-se-á de método proibido de prova sempre que forem efectuadas sem consentimento de quem de direito ou sem ordem da autoridade judiciária.
COSTA PIMENTA, por seu turno, entende que mesmo a falta de ordem ou autorização do juiz se trata de nulidade sanável.
COSTA ANDRADE e GERMANO MARQUES DA SILVA sustentam que se trata de proibição de prova, face ao disposto no artigo 126.º, n.º 3 que dispõe que, ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão nas telecomunicações e a nulidade tem como efeito não poder a prova ser utilizada (artigo 126.º, n.º 1). Face ao disposto na lei que comina a nulidade quanto à inobservância das condições de admissibilidade e requisitos das escutas, deve entender-se que a consequência será a proibição de prova, imposta pelo artigo 32.º, n.º 6 CRP e 126.º CPP.

§ Artigo 190.º
Esta norma vem prever a extensão do regime jurídico das escutas telefónicas às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como à intercepção das comunicações entre presentes.
O acórdão do STJ de 03.12.1997 (proc. n.º 1204/97-5.ª) veio entender que este regime não é aplicável às filmagens.
Porém e face às novas tecnologias de informação, cumpre questionar se não será possível o recurso a este meio de obtenção de prova no caso de conversas através de programas de chat na Internet, como seja o MSN Messenger ou o Sapo Messenger, ou mesmo das chamadas de voz actualmente disponíveis online.
Nem sempre estaremos a falar da palavra escrita, como acontecerá normalmente nos programas de chat, uma vez que se cada um dos computadores possuir microfone, estaremos sempre no domínio da palavra falada.
Parece-me, não obstante não ter tido conhecimento de qualquer decisão jurisdicional neste sentido, até por que tal situação poderá ainda não se ter ainda realizado, que a norma em causa pretendeu efectivamente abranger o constante evoluir das tecnologias da informação. Nesse sentido, entendo que, face à abertura que esta norma parece consagrar, não estabelecendo taxativamente os casos em que considera admissível tal extensão de regime, deverá ser extensível o regime das escutas a todas as comunicações transmitidas por quaisquer meios técnicos diferentes do telefone, para própria garantia dos direitos dos suspeitos investigados ou arguidos no processo.

3. Os conhecimentos fortuitos
Cumpre agora fazer uma breve referência à questão dos conhecimentos fortuitos. Esta situação verificar-se-á se, em resultado de uma escuta telefónica desencadeada para se obter prova relativamente a determinado crime, se vier a colher informações marginais que denunciem o conhecimento de outro crime diferente. Será que estes conhecimentos fortuitos podem servir de base à investigação do novo crime denunciado pela escuta?
Questão semelhante poderá colocar-se em relação às buscas e apreensão de correspondência.
Há que referir dois pontos da discussão: por um lado o facto dos conhecimentos fortuitos, apesar da distinção conceptual e normativa, terem pontos de conexão com o objecto do processo que, por sua vez, se inter-relaciona com o crime catálogo legitimador da escuta e, por outro, a distinção ou a separação conceptual normativa e consequente valoração dos conhecimentos fortuitos face aos conhecimentos da investigação, ou seja, aqueles que os investigadores obtêm por força da investigação em curso.
COSTA ANDRADE diferencia os conhecimentos fortuitos dos conhecimentos da investigação, que, por não se enquadrarem no âmbito dos primeiros, são admitidos como prova:
 Sempre que os factos de que se tem conhecimento na escuta estejam numa relação de concurso ideal e aparente com o crime catálogo;
 Se os factos compreenderem os delitos alternativos que comprovam de modo alternativo os factos do crime catálogo
 No âmbito dos crimes que fundamentam a autorização relativamente ao crime de associação criminosa, que constituem a finalidade ou a actividade daquela;
 Num plano de igualdade com os conhecimentos da investigação devem-se acrescentar a comparticipação (autoria e cumplicidade), bem como as diferentes formas de favorecimento pessoal, auxílio material ou receptação.

Digno de nota é o facto de que existe desde logo uma limitação ao recurso à escuta telefónica quanto a crimes a que corresponda pena de prisão inferior a três anos, pelo que se o crime a que respeitam os conhecimentos fortuitos for punível com pena de prisão inferior aos três anos, não podem aqueles ser utilizados.
COSTA ANDRADE entende que só a jurisprudência e a doutrina poderão vir dar resposta a este problema dos conhecimentos fortuitos. Mas, não obstante, sustenta o seguinte entendimento:
 Ab initio deve haver uma exigência mínima de que os conhecimentos fortuitos se reportem a um crime de catálogo – artigo 187.º CPP;
 Devem-se fazer intervir as exigências complementares de estado de necessidade investigatório;
 No caso do crime de associação criminosa se devem valorar os conhecimentos fortuitos que se relacionem com os crimes finalidade ou actividade da associação;
 Nos casos em que não se confirma a suspeita do crime de associação criminosa nem nenhum dos crimes finalidade ou actividade da associação, tendo em conta “o programa político-criminal legalmente codificado e o propósito de obviar aos perigos pertinentemente denunciados por Roxin”, deve-se apenas aceitar o conhecimento dos crimes catálogo.

De igual entendimento compartilha GERMANO MARQUES DA SILVA.

4. Proposta de revisão do CPP

O texto do anteprojecto de alteração do CPP prevê profundas alterações ao regime actual das escutas telefónicas.
A exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 423/2006 indica como principais as seguintes alterações ao regime das escutas:

Confina-se este meio de obtenção de prova à fase de inquérito e exige-se, de forma expressa, requerimento do Ministério Público e despacho fundamentado do juiz. Ao elenco de crimes contido no n.º 1 do artigo 187.º acrescentam-se a ameaça com prática de crime, o abuso e simulação de sinais de perigo e a evasão quando o arguido tiver sido condenado por algum dos crimes desse elenco. O âmbito de pessoas que podem ser sujeitas a escutas é circunscrito a suspeitos, arguidos, intermediários e vítimas (neste caso, mediante o consentimento efectivo ou presumido). A autorização judicial vale por um prazo máximo e renovável de três meses. Esclarece-se que os conhecimentos fortuitos só podem valer como prova quando tiverem resultado de intercepção dirigida a pessoa e respeitante a crime constantes dos correspondentes elencos legais.
No que respeita ao procedimento, estabelece-se que o órgão de polícia criminal que efectuar a intercepção e a gravação elabora, para além do auto, um relatório sobre o conteúdo da conversação e o seu alcance para a descoberta da verdade. O órgão de polícia criminal entrega os materiais ao Ministério Público de 15 em 15 dias e este apresenta-os ao juiz no prazo máximo de 48 horas. O juiz determina a destruição imediata dos suportes manifestamente estranhos ao processo que, em alternativa, respeitarem a conversações em que não intervenham pessoas constantes do elenco legal, a matérias sujeitas a segredo profissional, de funcionário ou de Estado ou cuja revelação possa afectar gravemente direitos, liberdades e garantias. Além disso, o juiz determina, mediante requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou garantia patrimonial.
A partir do encerramento do inquérito, o assistente e o arguido podem examinar e obter cópia das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo. Valem como prova as conversações que o Ministério Público, o arguido e o assistente juntarem, podendo o tribunal, em obediência ao princípio da investigação, proceder à audição das gravações para determinar a correcção das transcrições ou a junção aos autos de novas transcrições. As pessoas cujas conversações ou comunicações tiverem sido escutadas e transcritas podem examinar os suportes técnicos até ao encerramento da audiência. Os suportes técnicos referentes a conversações ou a gravações que não forem transcritas são guardados em envelope lacrado e destruídos após o trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo. Os suportes que não forem destruídos são guardados após o trânsito em julgado em envelope lacrado e só podem ser utilizados na hipótese de interposição de recurso extraordinário.
O regime descrito é aplicável a quaisquer outras formas de comunicação, nos termos do artigo 189.º, esclarecendo-se agora que abrange o correio electrónico e outras formas de transmissão de dados por via telemática mesmo que se encontrem guardados em suporte digital. Exige-se também, de forma expressa, que haja despacho do juiz para obter e juntar aos autos dados sobre a localização celular ou o tráfego de comunicações, restringindo-se tal meio de prova aos crimes e pessoas referidos no âmbito do regime das escutas (artigo 189.º). Todavia, admite-se que os dados sobre a localização celular sejam obtidos, no âmbito das medidas cautelares e de polícia, para afastar um perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave. Exclusivamente nesta hipótese, os dados podem ser pedidos por qualquer autoridade judiciária ou de polícia criminal, que terá sempre de comunicar tal pedido a um juiz no prazo máximo de 48 horas