domingo, março 25, 2007

Interrogatório do arguido

(texto de Susana Matos Rocha, para a sessão de 13 de Novembro de 2006)

O AUJ n.º 1/2006, de 23.11.05, DR, I-A, de 02/01/06 veio esclarecer qual a consequência da não realização de interrogatório sempre que corra inquérito contra pessoa determinada e seja possível a sua notificação: é obrigatório interrogá-la como arguido, sob pena de nulidade nos termos previstos da al. d) do n.º 2 do art. 120.º CPP – portanto dependente de arguição.
O AUJ acrescenta ainda, na sua fundamentação, que o interrogatório do arguido é o instrumento adequado para, a todo o tempo assegurar ao arguido a possibilidade de tomar posição sobre o material probatório que contra ele possa ser feito valer e, facultar-lhe uma relação de imediação quanto aos meios de prova e à entidade que procede à sua recolha.

QUANDO E PERANTE QUE ENTIDADE TEM LUGAR?
Art. 143.º do CPP - 1.º Interrogatório não judicial de arguido detido
Efectuado pelo MP, quando o detido não for interrogado pelo JIC em acto seguido à detenção. Findo o interrogatório, o MP pode:
- Libertar o detido; ou
- Diligencia a sua apresentação ao JIC.

Art. 141.º do CPP - 1.º Interrogatório judicial de arguido detido
A finalidade da intervenção do JIC, neste 1.º Interrogatório, ultrapassa a apreciação da legalidade da detenção efectuada e a consideração das respectivas “causas” no momento em que ela se efectivou. Pois reside também na aplicação de uma mc (excepção feita ao TIR), caso em que a decisão tem a ver com um juízo de prognose sobre a necessidade da mesma.
O prazo de 48h estabelecido neste normativo e na CRP no art. 28.º, n.º 1, visa impor um prazo máximo de detenção administrativa, designadamente policial, pelo que nesse prazo, deverá ser o detido entregue à custódia de um J. (o J. como garante dos direitos fundamentais do arguido). Nem a CRP, nem a lei concretizam um prazo determinado para o JIC ouvir e julgar da validade da detenção, porque a duração desse acto depende do caso concreto. Deverá isso sim, ocorrer no mais breve lapso de tempo – art. 143.º, n.º 2, al. a) CPP. O TEUDH tem aceitado que a obrigação de apresentar uma pessoa a um magistrado não implica o direito a ser ouvida num prazo determinado, mas no que se mostre mais breve (vide AC. TC n.º 135/2005).
Repare-se que no anteprojecto da revisão do CPP a brevidade deste lapso de tempo é acentuado no texto do n.º 1 do art. 141.º com o termo “logo”.

Art. 144.º do CPP – Outros Interrogatórios
Os interrogatórios subsequentes de arguido preso e os interrogatórios de arguido em liberdade são feitos:
- em sede de inquérito pelo MP ou por opc no qual o MP tenha delegado a sua realização.
- em sede de instrução e em julgamento pelo JIC

Qual o formalismo?
Os interrogatórios referidos nos artigos 143.º e 144.º do CPP, obedecem em tudo quanto for aplicável, ao formalismo desenhado para o 1.º interrogatório judicial de arguido detido (vide n.º1 do art. 144.º, in fine e n.º 2 do art. 143.º).

MEIO DE DEFESA OU MEIO DE PROVA?
As declarações do arguido em interrogatório constituem predominantemente um meio de defesa. Pelo que o arguido deve ser perguntado sobre todos os elementos de facto relevantes para a decisão de modo a lhe dar oportunidade de defesa, podendo o mesmo pronunciar-se, refutar, reagir, juntar prova, requerer a realização de diligências ou de produção de outras provas, tendo inclusivamente acesso às provas existentes.
É no entanto um meio de defesa condicionado às comunicações e perguntas do magistrado. Isto porque o arguido em regra só conhece os factos que lhe são imputados e os indícios da sua responsabilidade mediante a comunicação e as perguntas que lhe são feitas no acto do interrogatório.
O Ac. TC n.º 607/2003 de 5 de Dezembro de 2003, julgou inconstitucional, por violação do disposto nos arts. 28.º, n.º1 e 32.º, n.º 1 da CRP, a interpretação extraída da conjugação dos arts. 141.º, n.º 4 e 194.º, n.º 3 CPP, segundo a qual, no decurso de interrogatório de arguido detido, a exposição dos factos que lhe são imputados e dos motivos da detenção se basta com a indicação genérica ao arguido das infracções penais de que é acusado, da identidade das vítimas como alunas de determinada instituição, estando o T. dispensado de maior pormenorização quando o arguido confrontado com aquela exposição negue globalmente os factos, e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concretização.
No anteprojecto da revisão do CPP, n.º 4 do art. 141.º apela-se precisamente a uma grande pormenorização na exposição ao arguido dos factos que lhe são imputados, bem como dos meios de prova carreados até ao momento para o processo, sempre a sua comunicação não ponha em risco a investigação, não dificultar a descoberta da verdade, nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.

Qualquer dos interrogatórios tem de ser revestido de todas as garantias devidas ao arguido como sujeito do processo.
É todavia evidente que também qualquer dos interrogatórios feitos a arguido visa contribuir para o esclarecimento da verdade material.

Poderão então legitimamente reputarem-se como meio de prova as declarações prestadas nesse acto?

Só por si não. E isto porque o reconhecimento da autoria dos factos imputados, em sede de inquérito, inexistindo qualquer outro elemento probatório não constitui indiciação suficiente para sustentar uma acusação. Uma confissão em inquérito não se transmite ao julgamento, pois remetendo-se o arguido ao silêncio ou apresentando nova versão dos factos aquela confissão perde força jurídica. Acresce que em sede de audiência de discussão e julgamento se o arguido prestar declarações e reconhecer a autoria dos factos que lhe são imputados, a consequência prevista é a “dispensa da prova ainda a produzir”.
Podemos assim concluir que o arguido não é sujeito de prova.

DEPOIMENTO INDIRECTO VS DECLARAÇÕES DO ARGUIDO - 129.º CPP
A regra (as excepções constam do próprio art.) é que só se a “fonte”, a pessoa a quem a testemunha de referência ouviu dizer, depor poderá ser atendido este meio de prova, pois de outra forma inviabiliza-se o contraditório, na medida em que só ela pode ser contraditada (neste sentido Costa Andrade, segundo o qual não se realizando o depoimento da “testemunha-fonte” se verifica uma verdadeira proibição de prova).

Poderá ser o arguido esta “testemunha-fonte”?

A letra do preceito fala em “pessoa determinada”, pelo que não se restringido à categoria processual testemunha, poderia integrar-se naquele conceito o arguido.
Assim não parece e por uma simples razão: a posição processual do arguido é incompatível com a qualidade de testemunha, na mesma pessoa e no mesmo processo, como decorre da análise dos arts. 61.º, n.º1, al.c), 140.º, n.º 3 e 343.º, n.º 1 em confronto com as normas do arts. 131.º, n.º 1 e 2, als. b), c), d) e 145.º, n.º 2.
Relativamente ao mesmo crime no mesmo processo, nunca o arguido pode ser simultaneamente testemunha (contra si mesmo ou contra outros arguidos).
Ora, se assim é no processo em que é arguido, também ao nível do depoimento indirecto não será admissível ficcionar a sua qualidade de testemunha.
Acresce que o arguido não tem nem o dever de prestar declarações, nem de colaborar com o tribunal para a descoberta da verdade. Não presta juramento e a falsidade das suas declarações sobre os factos não tem consequências penais. E isto porque o arguido não é objecto de prova.
Não deve a acusação contar com a colaboração do arguido no sentido de se auto-incriminar.

Estes depoimentos deverão isso sim serem admitidos e valorados com outro fundamento que não o art. 129.º CPP. Pois não admitir no âmbito da produção de prova o que o arguido disse em momento anterior ao crime, durante a sua execução ou em momento posterior dificilmente se atinge a verdade dos factos em elementos vários como o dolo.
Assim em relação à admissibilidade do testemunho de ouvir-dizer ao arguido como meio de prova podemos convocar a disposição do art. 125.º sobre a legalidade/liberdade de prova, pois não parece que o mesmo resulte proibido uma vez que a norma de condicionamento legal é inaplicável e situar a sua valoração no âmbito da livre apreciação da prova (art. 127.º CPP).
E não se diga que admitir este meio de prova, remetendo-se ao silêncio o arguido verifica-se uma violação do Pr. Do Contraditório, pois sendo ele a fonte da informação originária a ele cabe o risco (favorável e desfavorável) da opção pelo silêncio.


Chamo ainda à colação duas Circulares da PGR:

a Circular n.º 01/2003, de 29/04, que determina que sempre que o MP, no decurso do inquérito, formule um juízo de necessidade de constituir como arguido, ou de interrogar nessa qualidade deputado da AR, deve solicitar ao JIC a apresentação do pedido a que se reporta o n.º 5 do art. 11.º do Estatuto dos Deputados (pedido de levantamento da imunidade parlamentar), ao Senhor Presidente da AR, com indicação do tipo legal de crime em causa, bem como a moldura penal correspondente.

a Circular n.º 10/95 de 11/07, que determina que a constituição de arguido ou a prática de qualquer acto processual em que tenha de estar presente titular de órgão de soberania não podem ser delegados em OPC’S.