terça-feira, março 27, 2007

As invalidades processuais

(texto de Rosa Inês Rodrigues de Figueiredo, para as sessões de Penal II)

1. Conceito de Invalidade
1.1 – Razão de existência
A matéria das invalidades tem berço constitucional, seja por ser decorrência de um processo penal com todas as garantias de defesa seja como sanção para a violação de princípios constitucionais, com interesse no processo penal.
Apenas a actividade humana é susceptível de ser qualificada como válida ou inválida, só ela pode ser catalogada segundo critérios de justiça e injustiça que, para além de estabelecerem um modelo ideal, pugnam pela sua observância.

1.2 – Conceito
O conceito de validade apela, em termos técnico jurídicos, a um juízo de valor positivo pois que significa que dado acto se encontra conforme ao respectivo esquema ou modelo legal.
Por seu turno o conceito de invalidade assume um conteúdo negativo, isto é, significa uma não conformidade entre o acto praticado e o seu paradigma normativo. Tais actos processuais, por força de tais desconformidades, são contrários à ordem jurídica e por ela censurados.
A invalidade é uma forma de qualificar a actividade processual penal que exprime as desconformidades entre os actos praticados e as respectivas disposições legais.
Importa referir que a invalidade é um conceito unitário. Apenas existe um grau de invalidade. O acto integra a sua fattispecie e é válido ou não integra e é inválido. Todavia isto não quer significar, como não significa, que exista uniformidade nas suas consequências. Pelo contrário o tratamento varia consoante a gravidade e natureza da violação.

Em conclusão, um acto apenas pode ser válido ou inválido.

Afirmar que um acto isolado ou que o próprio processo no seu todo é válido implica que o rumo proposto foi observado. Inversamente, dizer que aqueles são inválidos significa que os trâmites estabelecidos foram violados. E essa violação pode ter decorrido da:
à prática de um acto proibido por lei;
à prática de um acto permitido ou mesmo imposto por lei mas desta vez sem a observância das respectivas formalidades;
à omissão de um acto previsto na lei ( quanto a este cumpre referir que um acto, ou mesmo uma série concreta de actos que nunca chegaram a ser realizados, não pode ser válido nem inválido, excepto quando a sua prática estiver prevista na lei como obrigatória).

Em suma: o legislador comina a inobservância do formalismo processual com a invalidade.

2- A invalidade e a ineficácia
O binómio validade/invalidade não coincide, necessariamente, com o binómio eficácia/ineficácia.
Com efeito existem actos processuais penais válidos e que são ineficazes e actos processuais inválidos mas eficazes.
O Dr. João Conde Correia apresenta o exemplo de uma sentença condenatória válida mas que pode não ter qualquer eficácia nos casos em que a mesma não pode ser executada por ser desconhecido o paradeiro do arguido. Já em termos de um acto inválido mas eficaz surge-nos, o mesmo autor, com o exemplo duma acusação cuja invalidade, por não ser imediatamente detectada, poder levar à aplicação de uma medida de coacção.

Uma vez verificada a desconformidade entre o acto praticado e a respectiva norma jurídica, concluindo-se pela sua invalidade, o intérprete terá de indagar o mecanismo de supressão dos efeitos produzidos. O que pode levar à sua real destruição mas também à verificação da sua consolidação na sequência de uma causa de sanação. A superveniência de outro evento previsto na lei torna o acto inatacável e conduz à estabilização dos efeitos que tenha produzido.



3 – A inadmissibilidade
A inadmissibilidade respeita à não admissão de determinado acto na sequência processual e essa inadmissibilidade também vem prevista na lei pois que esta dispõe taxativamente quais os actos admissíveis, isto é, quais os actos da sequência legal.
Já a invalidade se traduz na violação ou inobservância das disposições da lei sobre o processo.
Actos existem que, embora sendo admissíveis em geral o não são em concreto em virtude de terem violado as formalidades legais.

4 – As Nulidades
4.1 – Suas Espécies
Consubstanciam, as nulidades, o fenómeno mais importante da invalidade processual.
O art. 118º n.º 1 do C.P.P., sob a epígrafe “princípio da legalidade” consagra o sistema de nulidades taxativas, isto é, o principio da tipicidade.
Há duas formas de funcionamento da nulidade, as nulidades correspondentes a vícios que podem ser sanados no decurso do processo – as nulidades sanáveis, com previsão expressa no art. 120º do C.P.P – e as nulidades correspondentes a vícios que só podem ser sanados com a formação do caso julgado – nulidades absolutas ou insanáveis, expressamente consagradas no art. 119º do C.P.P.
No âmbito das nulidades o pensamento legislativo foi orientado por uma ideia de restrição das nulidades, sendo a sua enumeração taxativa.
Decorre do art. 119º do C.P.P. que o elenco das nulidades absolutas tem natureza taxativa, apenas constituindo esta modalidade de nulidade as que se encontrem elencadas no preceito ou as que, espalhadas no Código ou demais leis do processo penal, tiverem a cominação expressa de nulidade insanável. Vejam-se, a este propósito, os casos dos artigos 321º n.º 1 e 30º n.º 1, ambos do C.P.P.

Já Simas Santos e Leal Henriques consideram que as nulidades absolutas se dividem em gerais e especiais. As gerais são as que se encontram indicadas no corpo do art. 119º do C.P.P. e as especiais as que se encontram mencionadas em outros dispositivos legais.

As nulidades absolutas ou insanáveis são de conhecimento oficioso e podem, bem ainda, ser arguidas por qualquer interessado independentemente do estado do processo desde que o façam até ao trânsito em julgado da decisão, ou seja, podem fazê-lo a todo o tempo.
Isto significa, então, que não é necessária a arguição pelos interessados e que, terminado o procedimento, não mais é possível proceder à declaração de nulidade, ou seja, uma vez transitada em julgado a decisão final ficam sem possibilidade de serem conhecidas.

Pelo exposto consideramos que a designação legal de nulidade insanável não é correcta pois que traz ínsita a orientação que a mesma, em caso algum, não é passível de ser sanada, sendo que efectivamente o poderá ser em qualquer fase do procedimento apenas enquanto a decisão final não transitar em julgado.
Assim, afigura-se-nos mais correcta, porque mais próxima do seu regime legal, a designação de nulidade absoluta.

Regra geral as nulidades sanáveis no decurso do processo carecem de ser arguidas por um dos interessados durante um determinado período de tempo.
Define a doutrina o “interessado” como aquele a quem a lei confere legitimidade para arguir a nulidade do acto todo, isto é, o participante processual que possa legitimamente tirar proveito da prática do acto sem que ele enferme de nulidade.
O elenco das nulidades sanáveis constante do art. 120º do C.P.P. é taxativo pois que para além das aí expressamente contempladas ou noutras disposições legais, o legislador não considerou outras.

Quanto ao momento da sua arguição há que distinguir os casos em que os vícios ocorreram num processo em que foi usada a forma de processo comum do uso das formas de processo especial.

Sempre que estejamos perante uma forma de processo especial as nulidades devem ser arguidas logo no início da audiência.
Quando na forma de processo comum há que distinguir várias hipóteses, assim:
 nulidade de acto a que o interessado assista à enquanto o acto decorrer (art. 120º n.º 3 al. a) do C.P.P) – entende José da Costa Pimenta que o deverá ser antes que a realização do acto seja dada como finda até porque esta alínea assume carácter preventivo relativamente à prática do acto nulo e aos seus efeitos sobre os actos sucessivos;
 nulidade resultante da falta de comparência (quando exigível) do assistente e das partes civis, em consequência de ausência de notificação à até 5 dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência (art. 120º n.º 3 al. b) do C.P.P);
 nulidades respeitantes a inquérito à até 5 dias após notificação do despacho que o tiver encerrado (120º n.º 3 al. c) do C.P.P.);
 nulidades respeitantes à instrução à até ao encerramento do debate instrutório (120º n.º 3 al. c) do C.P.P.);
 nas demais situações em que não haja a previsão de um prazo especial para a arguição das nulidades relativas vale o prazo geral de 10 dias do art. 105º do C.P.P. Entende o Prof. Germano Marques da Silva que este prazo se deve iniciar a partir da data de notificação para qualquer termo posterior do processo ou da intervenção em algum acto nele praticado, estribando a sua posição numa aplicação analógica da disposição que rege relativamente às irregularidades.
Saliente-se, no entanto, que sempre que estejamos perante uma nulidade de acto a que o interessado assista vale a regra geral do art. 120º n.º 3 al. a) do C.P.P.


4.2 – A Sanação das nulidades – art. 121º do C.P.P.
A Conservação dos actos imperfeitos

♦ Quais os casos e circunstâncias em que um acto jurídico inválido ainda pode ser aproveitado?
O legislador constituiu, em matéria de invalidades processuais, um sistema responsabilizador onde os sujeitos processuais são convidados a participar na marcha processual arguindo as nulidades e onde as possibilidades de sanação das mesmas vão aumentando à medida que o processo espreita o seu terminus.

Há três grupos de situações em que a ordem jurídica tolera os defeitos de acto processual inválido, acabando por aceitar os seus efeitos.

► Primeiro Grupo: casos em que o vício não é arguido nem declarado no momento expressamente previsto na lei – vide art. 120º n.º 3 als. a) a d) do C.P.P. –. Ultrapassados os prazos de arguição daquelas fica precludida a possibilidade de invocar a infracção cometida e os efeitos produzidos pelo acto processual imperfeito sofrem uma modificação, passando de precários a definitivos. Este regime é uma clara manifestação do princípio da conservação dos actos imperfeitos mas também se destina a evitar que o interessado em vez de arguir de imediato a nulidade guarde essa possibilidade para utilizar em momento que lhe pareça mais oportuno.
Neste elenco de casos situa-se a formação do caso julgado.

► Segundo grupo: quando o participante processual interessado “se tiver prevalecido da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia” (art. 121º n.º 1 al. c) do C.P.P.), isto é, nos casos em que o acto processual, apesar do vício que o afecta, realizar os objectivos definidos pelo legislador em abstracto e queridos pelo agente naquele caso concreto.

► Terceiro grupo: abarca todas as situações em que o vício é eliminado por uma conduta posterior, conduta esta que vem substituir o requisito cuja falha ou deficiência deu lugar à nulidade. Nestas situações, diferentemente do que sucede nos outros dois grupos de casos, exige-se uma manifestação de vontade do interessado, dirigida para a remoção sucessiva do vício. Tal pode acontecer quer pela renúncia expressa à sua arguição, quer pela aceitação expressa dos efeitos do acto anulável (art. 121º n.º 1 als. a) e b) do C.P.P.).

Os vícios são susceptíveis de serem sanados:

· Quanto às nulidades sanáveis – pela verificação de uma causa de sanação stricto sensu; v.g:. comparência dos interessados que sana a falta ou o vício da notificação para determinado acto processual;
· Quanto às nulidades absolutas – pelo trânsito em julgado da decisão final – resta, contudo, lembrar que esta possibilidade, de aproveitar um acto ferido de nulidade absoluta é muito reduzida.

Causa de sanação stricto sensu à abrange os casos em que o vício é apagado por uma actividade sucessiva do interessado, com carácter substitutivo. A nova actividade vem juntar-se ao acto inválido de modo a substituir o elemento cuja ausência motivou a nulidade integrando uma nova realidade, sendo que a esta nova realidade se atribuem os mesmos efeitos que o acto nulo teria produzido não fora ser inválido.
A sanação stricto sensu consiste na sobrevivência do acto, condicionada pela remoção sucessiva do vício que o afecta.

Causa de sanação em sentido amplo ou conservação dos actos inválidos à abarca todos os casos em que o ordenamento jurídico tolera o contraste entre a norma e o acto concreto tornando-se este inatacável e estável nas suas consequências prático-jurídicas. Esta pressupõe a mera consolidação das consequências do acto imperfeito.

Assim, será causa de sanação das nulidades relativas – art. 121º do C.P.P –:

► quando em causa nulidades resultantes da falta ou vício de notificação ou de convocação para acto processual à a comparência do interessado ou a renúncia expressa a esse comparecimento ( note-se que a simples comparência ao acto com vista a arguir a nulidade não é causa de sanação desta – art. 121º n.º 3 do CPP);
► quanto às demais nulidades à sanam-se mediante:
♦ renúncia expressa à sua arguição pelos interessados;
♦ aceitação expressa dos efeitos do acto anulável;
♦ aproveitamento da faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia – v.g. art. 134º do C.P.P., nos casos em que não se procede à advertência e mesmo assim se as pessoas aí indicadas se recusarem a prestar depoimento a nulidade considera-se sanada.
► Resta lembrar que qualquer uma destas formas de sanação deve ser feita antes de decorrido o prazo a que alude o art. 120º n.º 3 do C.P.P. pois que as mesmas se consideram sanadas se não forem arguidas nos prazos legais de arguição das mesmas.

♦ Quais os efeitos dos actos nulos no período compreendido entre a sua prática e a declaração de nulidade ou a ocorrência de causas de sanação?

A lei regulamenta os hiatos temporais entre a prática de acto processual imperfeito e a declaração judicial da sua nulidade ou sanação, isto é regulamentar aqueles que ainda assim podem ser aproveitados.

A conservação dos actos imperfeitos consiste em reconhecer-lhes capacidade para provocar os efeitos correspondentes aos actos válidos, mediante a sua coligação com outros factores que lhe sucedem, que vêm suprir ou tornar irrelevantes as deficiências cometidas.

Fundamento do aproveitamento jurídico dos actos processuais penais imperfeitos após a sua declaração de nulidade: razões de segurança e de economia processual.

O vício cometido tornar-se-á inatacável se não for declarado até à ocorrência de uma causa de sanação ou à formação do caso julgado. A partir destes momentos o acto tem eficácia como aqueles que, desde o início são perfeitos. Ao invés, se a imperfeição for decretada dentro daqueles limites – até à ocorrência de uma causa de sanação ou à formação do caso julgado – o acto é destruído e os efeitos que, eventualmente, tenha produzido são apagados.

A solução legal passa por atribuir ao acto imperfeito efeitos jurídicos semelhantes aos que produziria se não estivesse viciado. Também os actos imperfeitos são susceptíveis de criar, modificar ou extinguir a relação jurídica processual. Sucede que a eficácia de um acto imperfeito é sempre provisória, podendo tornar-se definitiva, mas também ser destruída.
Enquanto não forem destruídos ou convalidados os actos imperfeitos integram uma fattispecie autónoma, que se caracteriza pela precariedade dos seus efeitos.
Ocorrendo uma causa de sanação os efeitos precários tornam-se definitivos atribuindo-se-lhes os efeitos que são atribuídos aos ab initio válidos.
Se o acto for declarado nulo são eliminados com eficácia ex tunc, como se nunca tivessem acontecido, eliminando, destarte, todos os efeitos precários que tenham sido produzidos.

4.3 – Efeitos da Declaração de Nulidade – art. 122º do CPP
O efeito à distância
Com a declaração de nulidade e mesmo da inexistência jurídica o juiz estabelece a ligação entre o plano jurídico, onde se move a invalidade, e o plano real onde se vai verificar a ineficácia dos actos processuais inválidos.
Só a declaração de nulidade destrói os efeitos que o acto inválido tenha, eventualmente, produzido. O acto imperfeito, com a declaração de nulidade, torna-se também ineficaz.
Conforme refere o Dr. João Conde Correia a declaração de nulidade limita-se a verificar a desconformidade entre a actividade empreendida num dado acto processual e o seu modelo legal e a destruir os efeitos jurídicos já produzidos ou a evitar a sua produção. Na esteira do seu pensamento a declaração de nulidade não produz nenhuma invalidade pois que ele já o era desde a sua génese.
O juiz vai é declarar a ineficácia do acto, assim, vê nas nulidades formas de tornar ineficazes os actos inválidos.
A declaração de nulidade torna aquele acto desconforme ineficaz bem como todos aqueles que dele dependerem e que tenham sido contaminados com a invalidade definitivamente ineficazes.

O art. 122º n.º 1 do C.P.P. consagra o conceito de invalidade derivada/efeito à distância e assenta na negação da extensão automática da invalidade a todos os actos contemporâneos ou posteriores de alguma forma conexionados com o acto inválido. Todavia reconhece-se que os actos inválidos têm inequívoca influência sobre o procedimento podendo contaminá-lo. Ou seja, procede-se à anulação do acto viciado e aqueles que dele dependem.
Essencial é compreendermos que em causa não está uma dependência cronológica mas, e outrossim, uma dependência real ou efectiva. Deve haver um nexo funcional entre o acto inválido e a actividade sucessiva por forma a que a validade de um seja imprescindível à validade do outro.
Os actos que constituam elementos necessários ao desenvolvimento do processo comunicam a invalidade que os afecte aos restantes – por força do referido nexo de dependência necessária existente entre eles – pelo que o remédio consistirá no retorno do processo ao ponto onde foi praticado o acto inválido.
Dúvidas não restam que o legislador procurou circunscrever os efeitos da declaração de nulidade, estendendo a invalidade apenas aos actos dependentes daquele em que foi julgado nulo e determinando a sua renovação e aproveitamento, sempre que estes ainda sejam possíveis e necessários.

Em decorrência da declaração da nulidade cometida no processo quer o acto em que a mesma ocorreu quer os que com ela se encontram conexos – dele dependentes ou afectados – ficam inválidos.

Com a declaração de nulidade deve dizer-se quais os actos que sofrem este efeito, aquela produz a destruição dos actos imperfeitos pelo que se torna imperiosa a sua à renovação, a menos que a mesma não seja possível nem necessária e deve ainda proceder-se ao aproveitamento dos actos que podem ser subtraídos ao efeito da nulidade, isto pressupondo a hipótese de no caso estes existirem.
O comando do art. 122º n.º 3 do C.P.P. insere-se no principio da economia processual.
A renovação surge como o único remédio para a inexistência e para as nulidades – absolutas e relativas não sanadas – sendo necessária sempre que se tratar de uma acção da qual depende o ulterior andamento do processo – ex.: actos correspondentes aos seus momentos fundamentais, sem os quais ele não pode prosseguir (sem acusação, pronuncia ou sentença).
Na opinião do Prof. Germano Marques da Silva a renovação só será necessária quando os efeitos derivados do acto não tenham sido produzidos doutro modo ou o desenvolvimento do procedimento não tenha evidenciado a sua inutilidade, a renovação só será possível quando subsistam ainda os elementos materiais ou os pressupostos de facto para a repetição do acto. Muitas vezes a repetição do acto implica a regressão na marcha do procedimento ao estádio em que o acto nulo foi praticado.
Outras vezes já não é possível (porque expirou o prazo peremptório para a prática do acto ou pela alteração das condições naturais e humanas, imprescindíveis para aquela) ou necessária (por terem sido alcançados os elementos que este devia fornecer ou por ter sido demonstrada a sua inutilidade) a renovação.

Relevante para aferir da (des)necessidade ou (im)possibilidade de renovar o acto nulo são os elementos contidos no processo no momento em que o juiz detecta e declara a invalidade.


♦ O 122º n.º 3 do C.P.P. restringe a competência de declaração de nulidade ao juiz?

Defendem os Drs. Maia Gonçalves, Souto Moura e Costa Pimenta que a declaração de nulidade que afecte acto processual durante o inquérito deve ser feita pelo Ministério Público, excepto os casos em que nos situemos no âmbito da exclusiva competência do juiz de instrução criminal, e assim sucede em virtude de ser aquela autoridade judiciária o dominus do inquérito competindo-lhe, portanto, praticar todos os actos que não forem de jurisdição. Assim propugnam tais autores a interpretação extensiva do inciso pertinente, no sentido de aí se considerar abrangida a autoridade judiciária.
Entendimento diverso têm o Dr. João Conde Correia e o Prof. Germano Marques da Silva pois que entendem que apenas pode o juiz declarar a nulidade de um acto processual.
O Ac. R.E. 2/07/1996 sufragou esta última posição aduzindo argumentos no sentido de que a decisão proferida pelo MP não assume força de caso julgado e não é possível recorrer-se das suas decisões. Segundo o Dr. João Conde Correia estamos perante uma função materialmente judicial e, por isso, reservada ao juiz.

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Sucede que, e não obstante o regime ora tratado a propósito das nulidades, mormente o principio da taxatividade das nulidades, a verdade é que tem surgido doutrina, mormente internacional e entre nós o Dr. Rodrigo Santiago, que defende que o art. 118º n.º 1 do C.P.P. apenas se refere às disposições da lei do processo penal em sentido estrito, não contemplando situações que configuram a violação de preceitos constitucionais.
Após lembram o art. 18º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa que prevê que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias fundamentais são directamente aplicáveis vinculando entidades públicas e privadas.
Neste entendimento, sempre que em causa esteja um acto que contenda com os ditos direitos fundamentais então o mesmo será nulo, por força directa do art. 18º da C.R.P., pese embora o facto do mesmo se não encontrar cominado na lei enquanto tal.
Este segmento da doutrina entende que a ordem jurídica não pode estabelecer a eliminação das disposições legais contrárias às regras constitucionais e deixar incólumes os actos processuais violadores das disposições legais que acolhem ou concretizam disposições constitucionais.
Sustentam esta posição e argumentam que o fundamento desta nulidade, que não vem cominada enquanto tal em nenhum preceito legal, é a norma constitucional violada. Acresce, dizem, que o principio da taxatividade das nulidades não funciona como óbice à posição sufragada pois que entendem que os preceitos constitucionais visam assegurar o exercício de certos direitos e que estes estão excluídos do regime da taxatividade formulado pelo Código de Processo Penal. Assim, sustentam que é possível que a nulidade subsista mesmo na ausência de previsão legal sempre que em causa esteja a violação de direitos fundamentais (v.g. direitos de defesa, liberdade pessoal, domiciliária, de correspondência).

Em meu entendimento esta posição vai manifestamente contra o espírito e intenção do art. 118º n.º 1 do C.P.P. porque é manifesto que o legislador exige que a nulidade esteja expressamente prevista na lei.

5 – Irregularidades – arts. 118º n. 2 e 123º, ambos do C.P.P.

Como defende o Dr. Gil Moreira dos Santos a figura da irregularidade tem carácter “aparentemente residual” pois que engloba “a generalidade das situações em que haja violação, por acção ou omissão, da legalidade na prática de um acto processual”.
Nesta categoria cabem quaisquer vícios de que enfermem os actos processuais e que a lei não taxa de nulidade.
Estamos perante irregularidade sempre que estejamos perante um vício formal do acto processual que não produza nulidade.
Assim, e nesta matéria, não rege o disposto no art. 120º do C.P.P. pois que o mesmo é específico das nulidades.
As irregularidades são vistas como vícios de menor gravidade quando confrontadas perante as nulidades.
Por esta razão optou o legislador por consagrar nesta parte o máximo aproveitamento possível dos actos processuais imperfeitos.
O acto irregular, como o acto nulo, produz os efeitos típicos do acto perfeito enquanto a irregularidade não for declarada.

Assim, para que a irregularidade determine a invalidade do acto a que se refere, e dos termos subsequentes que possa afectar, deve ser arguida pelos interessados:

 no próprio acto se a esta tiverem assistido;
 nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tivessem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.

Nos casos em que a irregularidade possa afectar o valor do acto praticado – estaremos perante uma irregularidade não inócua – então o seu conhecimento pode ser:

 oficioso (com vista ao cumprimento do princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais, podem ser, então, reparadas oficiosamente e a todo o tempo. Isto significa que mesmo antes do fim do prazo de arguição de uma irregularidade pode esta ser oficiosamente reparada);
 no momento em que dela se tomar conhecimento, afigurando-se como limite o efeito do caso julgado.
Nos casos em que a irregularidade não for arguida nos prazos acima indicados então o acto produzirá todos os efeitos jurídicos como se perfeito fosse.

♦ Tem o Ministério Público competência para proceder à reparação oficiosa das irregularidades ocorridas em sede de inquérito?

O art. 123º n.º 2 do C.P.P. não prevê expressamente a situação pelo que se entende que o Ministério Público é a entidade competente para, em sede de inquérito, proceder à reparação oficiosa de irregularidades. Com efeito é o MP o dominus do inquérito a ele lhe competindo exclusivamente a prática dos actos que não pertençam à competência do juiz de instrução criminal.
Neste sentido veja-se o sumário do AC. da Relação de Coimbra de 7 de Fevereiro de 1996, publicado in CJ, XXI, tomo 1, pág. 51, “em sede de inquérito, a reparação oficiosa de irregularidades processuais, como actividade preventiva, compete unicamente ao MP.”

6 – A Inexistência

O legislador português não se pronunciou relativamente à sua admissibilidade ou inadmissibilidade. Posto isto a figura da inexistência dos actos jurídicos tem origem doutrinal e jurisprudencial.
A opção pela taxatividade das nulidades, plasmada no art. 118º n.º 1 do C.P.P., constituiu terreno fértil ao desenvolvimento doutrinal e jurisprudencial da figura da inexistência.
Na verdade, não pode o sistema sancionar as imperfeições mais leves e deixar sem tutela os defeitos mais graves.
São assim razões de justiça que impõem que, não obstante a falta da sua previsão legal, o vício seja diagnosticado, os seus efeitos destruídos e reposta a legalidade processual.
Nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva “A função da categoria da inexistência é precisamente a de ultrapassar a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado: a inexistência é insanável.”
Nestes casos não estamos sequer perante actos imperfeitos. Na verdade a anomalia é tal que o acto nem sequer é comparável com o seu esquema normativo. O acto é inidóneo para a produção de quaisquer efeitos jurídicos não os devendo, em caso algum, produzir. E tal acto é inidóneo por lhe faltar um dos seus elementos constitutivos, sem os quais o acto não existe enquanto tal.

♦ Mas existe margem no nosso sistema processual penal para a existência da inexistência jurídica quando confrontados com o regime das nulidades absolutas?

Os actos nulos apenas podem ser anulados até ao trânsito em julgado da decisão final. Todavia existem anomalias processuais que, pela sua especial gravidade, pelo seu imenso potencial de agressão aos direitos liberdades e garantias fundamentais, devem ser insanáveis e obstar à formação do caso julgado, pelo que o único remédio admissível será a sua destruição, independentemente do trânsito em julgado pois que o acto não pode subsistir e as suas consequências têm de ser erradicadas da ordem jurídica.
Assim a generalidade dos autores entende que os vícios que constituem inexistência são insanáveis, impedindo a formação do caso julgado, podendo ser arguidos e declarados a todo o tempo, mesmo após a sua ocorrência.
A inexistência jurídica tem autonomia dogmática mas deve ser um recurso excepcional, que apenas deve ser usado em situações extremas, ou seja, apenas em casos de gravidade superior aqueles que se encontram previstos na lei como causas de nulidade.
Nos sistemas de numerus clausus acresce uma razão suplementar para a validade teórica desta figura e que se traduz na redução das nulidades aos casos previstos na lei e a impossibilidade de aplicar analogicamente as normas dos outros ramos do ordenamento jurídico aos casos omissos.
Por isto se afirma que a inexistência jurídica do acto tem de ser demarcada em função das nulidades, na medida em que os vícios que geram a inexistência hão-de ser mais graves que aqueles que determinam a nulidade, mais do que vícios do acto é o próprio acto que falta por carecer de elementos essenciais à sua consideração como acto de processo.

José Manuel Damião da Cunha considera que esta figura jurídica não tem relevância pois que se falta ao acto a sua essência de acto processual então ele está fora do processo, não existindo para o processo.
Para a generalidade da doutrina o acto inexistente não produz quaisquer efeitos jurídicos não podendo, por isso, originar o caso julgado.
Assim, sustentam que a inexistência não carece, sequer, de ser declarada. Maia Gonçalves refere, no entanto, que, e à cautela, sempre se verá utilidade na declaração do vício da inexistência, devendo a mesma ser efectuada pelo juiz que detém o exercício da jurisdição.

A este propósito cumpre lembrar que o Dr. João Conde Correia salienta o problema de parecer haver uma contradição insanável na admissão de que um acto processual que deva ser declarado inválido possa ter produzido efeitos práticos e até jurídicos. Mas a verdade, na esteira do pensamento do referido autor, é que estes factos inexistentes por norma são factos da vida real pelo que são susceptíveis de criar efeitos práticos e até jurídicos. Sucede que neste caso, não obstante a produção de tais efeitos, os mesmos não merecem a tutela do direito podendo ser destruídos a todo o tempo mediante a utilização de um mecanismo que consiste em declarar a sua inexistência.

7 – O artigo 118º n.º 3 do Código de Processo Penal

O que quis o legislador português consagrar no art. 118º n.º 3 do C.P.P. quando preceitua que “as disposições do presente capítulo não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova” ?

As proibições de prova surgem como um limite à descoberta da verdade material porquanto vale nesta matéria o princípio basilar de que aquela não pode ser alcançada a qualquer custo. Com efeito a actividade de recolha de material probatório encontra uma barreira, intransponível dizemos nós, nos direitos fundamentais os quais são concretizadores da ideia da dignidade da pessoa humana.
Temos, em matéria de proibições de prova, proibições absolutas e proibições relativas.

O artigo atrás indicado traça a fronteira entre nulidades do acto processual e proibições de prova.
Afigura-se, contudo, extremamente complicada a tarefa de identificar os casos de prova proibida, subtraídos ao regime geral das nulidades.
Assume particular importância nesta matéria de proibições de prova a previsão constitucional.

Do ponto de vista constitucional são nulas todas as provas ilegais, abusivas, ou que restrinjam de forma inadmissível e intolerável os direitos, liberdades e garantias fundamentais e, como tal, atentem contra a dignidade da pessoa humana ou contra a sua integridade moral.
É a C.R.P. que remete para o legislador ordinário a conformação normativa das proibições de prova nos domínios da reserva da vida privada e da inviolabilidade da correspondência e das telecomunicações.
Com efeito o art. 32º n.º 1 da C.R.P preceitua que “ o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
Já o n.º 8 do art. 32º do mesmo diploma legal dispõe que “são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
Pese embora esta previsão – art. 32º n.º 8 da C.R.P. – o mesmo diploma legal remete para o legislador ordinário a tarefa de concretizar as situações em que essa obtenção é admissível e o art. 34º n.º 4 da C.R.P. proíbe “toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.”
Analisada a lei ordinária verifica-se que a mesma oferece muitos casos de provas proibidas.

A este propósito considera a generalidade da doutrina que há um uso indevido do termo “nulidade” em termos de legislação ordinária sufragando que as mais das vezes terá o legislador pretendido falar em “proibições de prova”.
Souto Moura defende que “tanto a Constituição como Código dizem que são nulas as provas, e não os actos processuais em que elas foram produzidas e é exactamente por isso que o art. 118º n.º 3 do Código de Processo Penal se viu obrigado a ressalvar. Esta «nulidade» é evidentemente um termo usado fora de qualquer sentido técnico. Prova «nula» é sinónimo de prova de valor nulo.”
Também João Conde Correia entende como Souto Moura pois que classifica o uso do termo “nulidade” na legislação ordinária no âmbito da matéria atinente às proibições de prova como o uso de um termo sem o seu sentido técnico, e que o excessivo uso do mesmo se fica a dever à terminologia constitucional.

Cumpre proceder à articulação entre o regime das proibições de prova e o regime das nulidades, isto é, saber se a nulidade das provas obtidas por métodos proibidos de prova é diferente da prevista no art. 118º do C.P.P.

Relativamente às nulidades de provas proibidas é bom de ver que o problema, por força da matriz constitucional nesta parte orientadora, apenas se coloca relativamente às que apenas vêm cominadas como “nulidade” já o mesmo não se pondo quando é o próprio legislador que a qualifica de “nulidade insanável”
O problema coloca-se, a título de exemplo, nas nulidades previstas no art. 179º n.º 2, 189º e 343º n.º 4 todos do C.P.P.

Não é unívoca a posição doutrinal, nem jurisprudencial, nesta matéria.
Vejamos, então, algumas das posições assumidas na matéria.

♦ Dr. Costa Pimenta à O seu pensamento inicia-se com a leitura ao texto constitucional, mormente o art. 32º n.º 8 da C.R.P.
à Defende que a nulidade prevista no inciso constitucional ora referido e a do art. 126º do C.P.P. é distinta da prevista no art. 118º do C.P.P.
à A violação do art. 126º do C.P.P. traduz-se na figura da inexistência jurídica.
à O art. 122º implica a repetição do acto inválido enquanto que uma prova proibida jamais poderá ser repetida.

♦ Dr. Costa Andrade à O seu pensamento inicia-se com a leitura ao texto constitucional, mormente o art. 32º n.º 8 da C.R.P.
à O art. 118º n.º 3 do C.P.P. consagra a autonomia técnica das proibições de prova;
à As proibições de prova não são manifestações típicas da nulidade do art. 118º do C.P.P.
à A violação do art. 126º do C.P.P. consubstancia a assunção de efeitos próprios e que se traduzem na não utilização das provas assim obtidas.

♦ Dr. Francisco Costa Oliveira:

à O seu pensamento inicia-se com a leitura ao texto
constitucional, mormente o art. 32º n.º 8 da C.R.P.
à A nulidade prevista no art. 126º do C.P.P. é uma nulidade atípica, pelo que não vale, nesta matéria o regime previsto no art. 118º e ss. do C.P.P.
à Nestas a sanação nunca é possível, nem por efeito do caso julgado.


♦ Dr. Manuel Meireis à O seu pensamento inicia-se com a leitura ao texto
constitucional, mormente o art. 32º n.º 8 da C.R.P.
à A violação do art. 126º do C.P.P. é uma nulidade atípica/sui generis sendo que o seu mecanismo de funcionamento é similar ao das nulidades insanáveis, delas se distinguindo por força do art. 126º n.º 4 do C.P.P.
à Nestas a sanação nunca é possível, nem por efeito do caso julgado.

♦ Dr. Paulo Sousa Mendes:
à A violação do 126º do C.P.P. consubstancia uma nulidade sui generis/nulidade atípica.
à Tais nulidades podem ser atacadas excepcionalmente após o trânsito em julgado da decisão, nas hipóteses em que apenas venham a ser descobertas nesse momento, usando, para tanto, a revisão de sentença transitada em julgado, prevista no art. 449º n.º 1 al. d) do C.P.P., aplicada analogicamente – art. 4º do C.P.P. – ao caso, por os meios de prova usados estarem gravemente viciados traduzindo-se a verdade assim obtida na injustiça da condenação.
à Os actos cuja invalidade resulta da violação de meras formalidades da prova seguem o regime das nulidades dependentes de arguição – art. 120º n.º 1 do C.P.P. – contanto que a nulidade seja cominada nas disposições legais em causa (v.g., art. 134º n.º 2 do C.P.P.)

♦ Dr.a Teresa Beleza à O seu pensamento inicia-se com a leitura ao texto
constitucional, mormente o art. 32º n.º 8 da C.R.P.
à O 118º n.º 3 consagra autonomia técnica das proibições de prova.
à A violação do 126º do C.P.P. devia traduzir-se na sua “impossibilidade de utilização” pois que a prova assim obtida não pode ser utilizada para qualquer fim salvo nos casos previstos no art. 126º n.º 4 do C.P.P.

♦ Dr. Germano Marques da Silva :

à O seu pensamento inicia-se com a leitura do texto constitucional, mormente o art. 32º n.º 8 da C.R.P.
à Autonomia técnica das proibições de prova, pois que este regime não se há-de reconduzir exclusivamente ao regime das nulidades do art. 118º do C.P.P.
à Não obstante a assinalada distinção propugna que a violação do art. 126º do C.P.P. segue o regime das nulidades insanáveis, pelo que é de conhecimento oficioso até decisão final, convalidando-se com o trânsito em julgado da decisão.


♦ Dr. João Conde Correia à O seu pensamento inicia-se com a leitura do texto constitucional, mormente o art. 32º n.º 8 da C.R.P.
à Autonomia técnica das proibições de prova.
à A violação de prova proibida – art. 126º do C.P.P. – traduz-se na proibição da valoração de prova (o que se distancia do regime do art. 118º e ss. do C.P.P.).
à A obtenção de prova permitida mas lograda sem a observância das respectivas formalidades legais traduz-se na violação de meras formalidades pelo que, nesta parte, vale o regime do art. 118º do C.P.P., podendo ser um caso de inexistência, nulidade absoluta ou relativa.
à Defende a impossibilidade de sanação de proibições de prova pois que tal entendimento colide, abertamente, com as disposições constitucionais.


♦ Nosso entendimento:
Sigo de perto a posição sufragada pelo Dr. João Conde Correia e Dr. Paulo de Sousa Mendes.
Segundo João Conde Correia sempre que o titular dos direitos afectados consinta e esse consentimento seja válido – apenas nos casos consignados no art. 126º n.º 3 do C.P.P. – jamais se poderá falar em abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Vejam-se, a este propósito, os arts. 18º n.º 2, 2ª parte, 26º n.º 2 e 34º n.º 2 e 4, todos da C.R.P., os quais permitem a restrição dos direitos fundamentais.
Há que distinguir o caso de violação de uma proibição de prova da proibição da violação das formalidades previstas para a obtenção de provas admissíveis. Neste sentido o Dr. João Conde Correia e Dr. Paulo de Sousa Mendes.

Vem plasmado, além do mais, no Ac. TC n.º 429/95, de 6 de Julho de 1995, diz-se “as nulidades a que se referem os artigos 118º e 123º do Código de Processo Penal reportam-se apenas a vícios formais, isto é, à inobservância das prescrições legais estabelecidas para a prática dos actos processuais.”
Assim, em causa está a violação dos pressupostos formais previstos para a prática de um acto lícito, ou no domínio restrito da prova, a preterição de formalidades previstas para a produção e valoração de dada prova.

Neste sentido o Ac. da Relação de Coimbra de 19/12/2001, que propugna a diferenciação das “proibições de prova e regras de produção de prova”.
Veja-se, ainda, o Ac. STJ de 02/02/2005 que defendeu que “não assume a mesma gravidade a utilização de um meio proibido de prova, por ilegal intromissão nas telecomunicações, pelo que o vício não pode deixar de ser considerado a nulidade absoluta e a preterição de formalidades legais na recolha das escutas telefónicas validamente autorizadas, destinadas a documentar a operação e a salvaguardar o sigilo relativamente a elementos que não devem ser utilizados no processo.”
É o TC no seu Ac. n.º 192/2001, de 8 de Maio de 2001 que entende que “ a par das proibições de prova … e atento o primado da descoberta material, assume especial relevo a figura da invalidade, concebida como a principal sanção da inobservância das pertinentes disposições processuais… e que tais nulidades formais são substancialmente diversas das nulidades enumeradas no art. 32º n.º 8 da C.R.P.”

Assim parece admitir-se a existência de provas proibidas e de provas admissíveis logradas com violação das formalidades previstas para a sua obtenção.

♦ As nulidades supra referidas e mais concretamente dos artigos. 179º n.º 2, 189º e 343º n.º 4, todas do C.P.P.:

Quanto à situação do art. 179º n.º 2 do C.P.P. deve entender-se que a mesma é uma nulidade insanável pois que a mesma é uma decorrência do art. 32º n.º 8 da C.R.P. consubstanciando um caso de prova proibida nos termos do art. 126º n.º 3 do C.P.P.
Quanto à nulidade do 189º do CPP há que considerar que a violação dos seus requisitos, previstos no art. 187º, contende com o art. 32º n.º 8 da C.R.P., consubstanciando, igualmente, um caso de prova proibida nos termos do art. 126º n.º 3 do C.P.P. Já a violação das formalidades previstas no art. 189º, por serem meras formalidades, consubstanciam a nulidade típica, sanável do art. 120º n.º 3 al. c) do C.P.P.
A omissão das formalidades previstas no art. 343º n.º 4 do C.P.P. pode contender com o direito de defesa e principio do contraditório que ao arguido assiste e viola, claramente, o art. 32º n.º 1 da C.R.P.
Dispõe tal norma que a sua violação consubstanciará nulidade. Nada mais consta do artigo pelo que parece que nos situamos perante uma nulidade sanável. Sucede que este entendimento tem sido contestado por alguma doutrina pois que o mesmo, na posição daqueles, é susceptível de violar o direito de defesa do arguido.
Assim, autores há que entendem que nestes casos se deve aplicar directamente a Constituição pelo que nos situaríamos no âmbito das nulidades que não podem ser utilizadas.
Sucede que não podemos ignorar que a predita omissão ocorreu aquando da audiência de discussão de julgamento, que o arguido se encontra representado por defensor e que todos os interessados na sua arguição se encontram presentes, pelo que teremos de concluir estarmos perante uma nulidade sanável, a arguir nos termos do art. 120º n.º 3 al. a) do C.P.P., ou seja, até ao termo da audiência.

Em conclusão:
O art. 118º n.º 3 do Código de Processo Penal consagra expressamente a autonomia técnica das proibições de prova.
Entendimento diverso permitiria que as nulidades decorrentes das proibições de prova se reconduzissem ao regime geral das nulidades, sanáveis e insanáveis, pelo que, aceitando tal entendimento teríamos de concluir pela natureza sanável daquelas por força da lei não cominar as nulidades do art. 126º do C.P.P. como nulidades insanáveis. Uma posição como a ora sufragada, e como bem resulta do já exposto, é incongruente com o espírito constitucional, pois que o art. 32º n.º 8 da C.R.P. proíbe a valoração destas provas nulas.

(Nota: Resta, ainda, tratar especificamente as nulidades previstas no art. 126º n.º 1 e 3 do C.P.P. na perspectiva do desvalor ético jurídico das proibições de prova. Contudo, não curei de tratar tal segmento da matéria pois que a mesma será abordada no âmbito dos métodos proibidos de prova.)


Bibliografia consultada:

- Andrade, Manuel da Costa, “Sobre as proibições de prova em processo penal”;
-Beleza, Teresa Pizarro, “«Tão amigos que nós éramos»: o valor probatório do depoimento de co-arguido no processo penal português”, in RMP, 74, (1998);
- Correia, João Conde, “Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais”, Studia Iuridica, 44;
- Correia, João Conde, “A distinção entre prova proibida por violação dos direitos fundamentais e prova nula numa perspectiva essencialmente jurisprudencial”, in RCEJ, n.º 4, 1º semestre 2006;
- Ferreira, Marques, “Meios de Prova”, in JDPP, 1997;
- Gonçalves, Manuel Maia, “Meios de Prova”, in JDPP, 1997;
- Gonçalves, Manuel Maia, “Código de Processo Penal – anotado e comentado”;
- Mendes, Paulo de Sousa, “As proibições de prova no processo penal”, AAVV, JDPP, Coimbra, Almedina (2004);
- Moura, Souto, “Inexistência e nulidades absolutas em processo penal”, in Textos do CEJ, I (1990-91);
- Patronilho, Sílvia Raquel, “O regime da nulidade das provas em processo penal”, FDUL, Setembro de 2003;
- Pimenta, Costa, “Código de Processo Penal anotado”;
- Santos, Simas e Leal Henriques, “Código de Processo Penal anotado”, Vol. I;- Silva, Germano Marques da Silva “Curso de Processo Penal”, Vol. II.