terça-feira, março 27, 2007

Buscas e apreensões

(texto de Ana Cristina Castro, para as sessões de Penal II)

BUSCAS
Arts. 174º a 177º do CPP
I- Introdução
As buscas são meios de obtenção da prova, visando a recolha de informação relativa à prática de um crime.
Realizam-se em locais reservados ou não livremente acessíveis ao público, desde que sobre esse mesmo local existam indícios de que: nele se encontram objectos relacionados com a prática de um crime e susceptíveis de servir de prova no processo-crime em curso; ou nele se escondem que devem ser detidas para serem presentes à autoridade judiciária competente.
Trata-se de uma medida que, pelas suas características, pode ser potencialmente lesiva dos direitos fundamentais dos cidadãos, como a reserva da intimidade e da vida privada e familiar – art.26 n.º 1 da CRP – e a inviolabilidade do domicílio – art.34º n.º1 da CRP, o que levou a que o legislador constitucional tenha traçado os aspectos essenciais do seu regime.
O domicílio encontra protecção legal e nos arts. 82º a 88º do CC e no art. 190º do CP.
A reserva da intimidade e da vida privada é igualmente protegida, nos arts. 80º CC e 192º, 193º e 194º do CP.

II - Regime jurídico

As buscas obedecem a regimes distintos, consoante se realizem ou não em locais com função de domicílio.
Assim sendo:

A) Buscas não domiciliárias:
Ø Em geral:
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, excepto: 174º n.º4 e 251º n.º 1, em que os actos podem ser realizados pelos OPC, sem despacho prévio, mas sujeitos a posterior validação.
ü Presididas, sempre que possível, pela autoridade judiciária – 174º n.º 3, excepto nos casos previstos no art. 174º n.º 4.
ü Podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite

Ø Em escritório de advogado ou consultório médico – art. 177º n.º3:
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho judicial
ü Presidência obrigatória do juiz, sob pena de nulidade
ü Aviso prévio ao Conselho local da respectiva Ordem – art. 177º n.º3 e 268º n.º 1 al. c)
ü Podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite

Ø Em estabelecimento oficial de saúde
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho judicial
ü Presidência obrigatória do juiz
ü Aviso prévio à gestão do estabelecimento
ü Podem ser realizadas a qualquer hora do dia e da noite

B) Buscas domiciliárias:
Ø Regime regra:
ü Autorizadas ou ordenadas por despacho judicial – art. 177º n.º1 e 269º n.º 1 al. a)
ü Presidência obrigatória do juiz
ü Efectuadas, em regra, entre as 7 e as 21h - art. 177º n.º1

Ø Regime excepcional:
ü Ordenadas pelo MP ou efectuadas por OPC nos casos de:
· Terrorismo ou situações similares – 174º n.º 4 al. a) e 177º n.º2
· Consentimento do visado – art. 174º n.º4 al. b) e 177º n.º2
ü Presidência obrigatória do MP
ü Efectuadas, em regra, entre as 7 e as 21h - art. 177º n.º1
ü O controlo judicial é feito a posteriori
Fundamentos deste regime excepcional – O legislador procurou compatibilizar os bens jurídicos em confronto: por um lado, a inviolabilidade do domicílio e a realização da justiça criminal, ou até o direito à vida ou à integridade física, por outro. Neste sentido: Ac. TC n.º 7/87, “ o direito à inviolabilidade do domicílio deve compatibilizar-se com o direito à vida e à integridade física”.
Por outro lado, nos casos em que existe consentimento do visado, o mesmo acórdão refere que: “ não se verificando a entrada no domicílio contra a vontade do cidadãos, não se viola o domicílio”
Mas considerou inconstitucional o art. 177º n.º 2 na parte em que remetia para a alínea c) do n.º 2 do art. 174º, “porque nestes casos – detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão – não está em jogo qualquer valor que deva prevalecer sobre a garantia constitucional de reserva do juiz”

Nota: A alteração ao artigo 34º da CRP, operada pela Lei Constitucional de 2001:
Veio permitir a entrada no domicílio durante a noite nas situações de flagrante delito e de criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, incluindo terrorismo e tráfico de pessoas, armas e de estupefacientes.

III- Questões controversas no âmbito das buscas:

A) Conceito de domicílio.
O art. 177º n.º1 qualifica como domicílio a casa habitada e as respectivas dependências.
Há situações que se colocam na prática e que são duvidosas e a jurisprudência e a doutrina têm-se dividido na definição de domicílio.
Þ Gomes Canotilho e Vital Moreira, Costa Andrade, Paulo mota Pinto e M.M. Guedes Valente incluem também no conceito de domicílio a sede das pessoas colectivas e locais de trabalho (neste ultimo caso, considerando os casos de imigrantes que trabalham e vivem no mesmo local).
Þ Já J. Martins Fonseca e João Conde Ferreira afastam a sede das pessoas colectivas e locais de trabalho do conceito de domicílio, adoptando uma concepção mais restrita.
Þ Ana Luísa Pinto coloca uma questão interessante no seu artigo. Caso do contentor.
Þ Posição do TC – Ac. n.º 452/89, DR I Série, de 22 de Julho de 1989 – Concepção ampla de domicílio: “habitação humana, (…) espaço vedado a estranhos, onde recatada e livremente se desenvolve uma série de condutas e procedimentos características da vida privada e familiar”. De acordo com esta perspectiva, as caravanas de grupos nómadas, como roulottes, tendas e auto caravanas podem ser considerados domicílio, mesmo que sejam precários, estejam em trânsito ou estacionados.
No mesmo sentido: Ac. RE de 4 Julho de 1995 (CJ Ano 20, tomo 4, pág. 283), quanto à tenda de um individuo cigano; Ac. STJ de 23 de Abril de 1992 (CJ Ano 17, Tomo 2, pág. 22), referindo-se a um quarto de hotel ou pensão;
Þ O TC tem demonstrado alguma prudência e não tem assumido uma concepção tão ampla como a defendida por alguma parte da doutrina – vide Ac. n.º 67/97, DR II Série de 2 de Dezembro de 1997, no caso apreciava-se uma busca a uma garagem: “face à natureza do espaço onde a busca teve lugar, não propriamente habitacional, naturalmente não são tão instantes os valores inerentes à teleologia da protecção da vida privada. Se o espaço domiciliário constitucionalmente protegido se caracteriza pelo resguardo da liberdade e da segurança pessoais, dir-se-á que essa protecção não teria razão de ser se se tratasse de uma área que outros usufruem igualmente”

B) Consequências da falta de autorização prévia:
v Será uma nulidade sanável?
Maia Gonçalves entende que a diligência será nula, mas trata-se de uma nulidade relativa, sanável se não for arguida pelos interessados – art. 120º e 121º do CPP
No mesmo sentido: Ac. STJ 23 de Abril de 1992, BMJ 416-536, uma vez que não consta do elenco do art. 119º do CPP.
E também Ac. STJ de 08/02/1995, entendendo que se trata de um meio de prova relativamente proibido, sanável e dependente de arguição do interessado.
v Ou uma nulidade insanável?
Teresa Beleza, Germano Marques da Silva e Ana Luísa Pinto entendem que se trata de uma nulidade insanável, pois apesar de não constar do elenco do art. 119º, o art. 118º n.º 3 prescreve que: “as disposições do presente capítulo não prejudicam as normas relativas às proibições de prova”.
Por outro lado, o art. 126º n.º 3 determina a impossibilidade de utilização das provas absolutamente proibidas, apenas podendo ser usadas nos termos do n.º 4 do mesmo normativo.
Germano Marques da Silva defende que a nulidade resultante de prova proibida é de conhecimento oficioso.
Manuel Monteiro Guedes Valente, in Revistas e Buscas entende que se não existiu autorização judiciária, nos casos em que esta é necessária, a prova será proibida, por ingerência abusiva e ilegítima na vida privada do visado, ofendendo-se a sua integridade moral – art. 32º n.º 8 da CRP e art. 126º n.º 1 e 2 do CPP.
Jurisprudência neste sentido: Ac. STJ de 5 de Junho de 1991(CJ, Ano 17, Tomo 3, pág. 34)

C) O consentimento
A questão que se discute é quem deve prestar consentimento para a realização da busca, nos casos em que este é necessário.
O consentimento surge como uma primeira forma de resolução do conflito de interesses em jogo.
Importa relembrar que o consentimento é irrelevante se se verificar alguma das situações previstas no art. 126º, nomeadamente ofensa à integridade física e moral das pessoas, casos em que a prova obtida será nula e inútil.
Abordando a questão de quem tem de dar consentimento, temos a seguinte jurisprudência:
Ø Quem tiver a disponibilidade do local onde se realiza a busca é que terá de dar consentimento – neste sentido, Ac.s STJ de 26 de Novembro de 1992 (disponível em www.dgsi.pt), de 11 de Março de 1993 (BMJ 425-425) e 8 de Fevereiro de 1995 (CJSTJ, Ano 3, Tomo 1, pág. 194).
Ø Ac. RP de 29-01-2003, disponível em www.dgsi.pt: “A validade da realização da busca domiciliária basta-se com o consentimento da pessoa afectada por era e que tenha a livre disponibilidade, quanto ao local onde a diligência é efectuada e que possa ser por ela afectado, mormente o seu quarto, não se exigindo o consentimento cumulativo de todos os outros residentes na casa.
A entrada na habitação será porém irregular se houver oposição de algum dos demais titulares, que terá que ser manifestada.”
Ø O TC considerou no acórdão n.º 507/94, o consentimento de uma só pessoa não basta para legitimar as buscas nas casas habitadas por vários e que é necessário também o consentimento do visado pela medida probatória:
“Julga inconstitucionais as normas dos artigos 174, n. 4, alinea b), 177, n. 2, e 178, n. 3, do Codigo de Processo Penal de 1987, na interpretação perfilhada na decisão recorrida, segundo a qual a busca domiciliaria em casa habitada realizada sem previa autorização judicial e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligencia, podem ser realizadas por orgão de policia criminal, desde que se verifique o consentimento de quem, não sendo visado por tais diligencias, tiver a disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada.
Pode ler-se também neste acórdão que: a inviolabilidade do domicilio radica na personalidade da pessoa humana, pelo que uma interpretação das normas impugnadas que prescinda do consentimento de quem e visado pela medida da busca domiciliaria, bastando-se com o de quem tenha a disponibilidade da habitação em causa, desconsiderou a reserva de intimidade privada do arguido, sendo por isso inconstitucional (…) A lei orgânica não pode prescindir do consentimento do visado pela medida de busca domiciliaria ainda que, porventura, se entenda que a tal consentimento se tenham de juntar outros actos de consentimento, provenientes de outros co-domiciliados.

Quanto à forma do consentimento, este tem de ser dado de forma expressa, uma vez que a lei exige que fique documentado, essa exigência não seria compatível com um conhecimento tácito.
Acresce que poderá ser dado antes como depois da diligência , desde que fique documentado – Ac. RC de 2 de Dezembro de 1992
No que concerne à forma da documentação do consentimento, entende-se que a lei não exige forma especial, basta que o mesmo fique, de qualquer forma, documentado, por exemplo através de gravação sonora – Ac. RL de 13 de Janeiro de 2000 e Ac. RP de 29-01-2003, disponível em www. dgsi.pt:
“O consentimento do visado para a realização da busca, incluindo a domiciliária, não exige qualquer específico formalismo na sua prestação, importando, apenas, que ele fique documentado por qualquer forma, ou seja, tal consentimento pode ser verbalmente prestado antes da realização da busca, desde que ulteriormente fique, por qualquer forma, documentado, como por exemplo, no auto de busca e apreensão, assinado pelo arguido, fique a constar esse consentimento”

D) Como interpretar a norma do art. 177º n.º 2, na parte em que remete para o n.º 5 do art. 174ª?

A questão é suscitada pela redacção do art. 177º n.º2 que determina a aplicação correspondente do disposto no art.174º n.º 5.
Nas buscas não domiciliárias, apenas é exigível a comunicação ao juiz e consequente validação nos casos previstos na alínea a) do n.º4 do art. 174º e não nos casos de consentimento do visado.
Nas buscas domiciliárias, face ao estatuído no art.177º n.º 2, discute-se se o regime é idêntico ou se será necessária a comunicação e validação quando haja consentimento do visado.

v O STJ afirma que só tem de se verificar a comunicação nos casos de o pressuposto da busca ser o da alínea a), mas já não no da alínea b), pois entende que o regime deve ser igual ao das buscas não domiciliárias. Neste sentido, Ac. STJ de 17 de Junho de 1998.
Mais recentemente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-07-2005, Relator Carlos Almeida, disponível em www.dgsi.pt, entendeu nesse mesmo sentido, apreciando um caso em que a busca domiciliária foi realizada durante o inquérito, pelos OPCs, mediante consentimento do visado:
“ Se um órgão de polícia criminal realizar uma busca domiciliária e essa busca for consentida pelo visado, esse meio de obtenção de prova não tem que ser imediatamente comunicado ao juiz de instrução para ele poder apreciar as condições em que decorreu, validando-o se for caso disso.”
Argumenta-se que nos casos previstos de consentimento do visado não existe qualquer violação do domicílio do visado, uma vez que as autoridades policiais não actuam contra a sua vontade – art. 34º n.º2 da CRP.
Acresce que a necessidade de controlo judicial é incomparavelmente mais intensa nos casos abrangidos pela alínea a), pela forma como são definidos os seus pressupostos.
Este acórdão explica também a evolução histórica dos preceitos em causa:
“O projecto de código de processo penal não continha, nos art. 174º e 177º nenhuma imposição como as resultantes do actual n.º5 do art. 174º e do último período do n.º 2 do artigo 177º (…) não se exigia qualquer comunicação imediata e posterior apreciação com vista à validação do acto.
Tal exigência veio a ser introduzida no texto do Código por força da Lei de autorização legislativa (Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro) que, no artigo 2° deste diploma, definiu o sentido e a extensão da autorização concedida.Os nºs 26) e 29) do n. ° 2 desse preceito estabeleciam que essa autorização tinha, no que aqui nos interessa, o seguinte sentido e extensão:26) – Admissão, quanto às buscas, de excepção à necessária autorização judicial, havendo consentimento dos visados, devidamente documentado, ou tratando-se de detenção em flagrante por crime punível com prisão, caso em que a busca constitui acto cautelar da prova subsequente à privação da liberdade;29) – Definição de um regime especial de dispensa de autorização judicial prévia para as buscas domiciliárias, revistas, apreensões e detenções fora de flagrante delito nos casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoa, devendo neste caso a realização da diligência ser imediatamente comunicada ao juiz instrutor e por este validada, sob pena de nulidade».
Ora, foi em função dessa exigência da Assembleia da República que veio a ser introduzido o regime de comunicação e validação referido que, como se vê da comparação do âmbito dos nºs 26) e 29) transcritos, apenas tem por objecto os casos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 174° e já não os abrangidos pela alínea b).”

Há doutrina que defende precisamente o oposto
M.M. Guedes Valente - O principal argumento é que se assim não fosse, seria dispensável a 2ªparte do n.º 2 do art. 177º, pois para os casos previstos na alínea a) já se encontrava prescrita pelo legislador essa obrigação.
Simas Santos e Leal Henriques – é necessária a comunicação ao juiz, sob pena de nulidade da busca.
Ana Luísa Pinto defende a posição do STJ, afirmando que o legislador quis tornar aplicável o n.º5 do art. 174º nos seus precisos termos. Refuta o argumento usado por M.M. Guedes Valente dizendo que o legislador poderia não querer deixar dúvidas sobre a aplicabilidade do referido n.º 5 às buscas domiciliárias.
Por outro lado, sublinha-se que o consentimento é considerado relevante pelo legislador constitucional, quando haja consentimento do visado, representando, nas palavras de COSTA ANDRADE “uma via de legitimação dos (…) meios de prova.”

E) A alteração do art. 34º da CRP.
Antes da revisão constitucional de 2001, quer o art. 34º quer o art. 177º n.º1 do CPP proibiam a realização de buscas durante a noite.
A doutrina defendia então que nos casos de consentimento e em e situações de perigo para a vida ou integridade pessoal fossem realizadas no período nocturno, ou seja, quando a sua realização se impunha para defesa de direitos fundamentais.
Este artigo foi alterado em 2001, vindo a permitir a entrada no domicílio durante a noite, nos casos de … ver artigo.
Agora existe uma incongruência entre o regime do art. 177º e o art. 34º CRP, uma vez que este artigo permite a realização de buscas domiciliárias durante o período nocturno, em caso de flagrante delito, sem autorização judicial prévia, quando o CPP nem sequer o permite durante o dia.
Ora, se a entrada durante a noite é constitucionalmente admissível, por maioria de razão a entrada durante o dia também terá de o ser. Importa, no entanto, proceder a uma adequação do regime do CPP.

IV Formalidades da busca – art. 176º do CPP

Quer a busca seja domiciliária ou não, as formalidades a observar são as prescritas neste normativo.
Assim, nas buscas com autorização prévia:
§ Antes de se iniciar a diligência, a cópia do despacho que ordenou a busca é entregue a quem tiver a disponibilidade do local em que a diligência se realiza, devendo conter a menção que este se pode fazer acompanhar por pessoa da sua confiança, que se apresente sem delongas – art. 176º n.º1 do CPP.
§ No caso dessa pessoa estar ausente, “a cópia é entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro ou a alguém que o substitua” – n.º 2 do art. 176º
Nas buscas sem autorização, não há entrega de despacho.
Os OPC devem solicitar o consentimento do visado, que não é uma formalidade mas um pressuposto de validade da diligência.

Qual o conteúdo do despacho?
A doutrina pronuncia-se no sentido que este deverá conter as razões que fundamentam a busca, nos seus contornos gerais, de modo a que o visado possa controlar a diligência e defender-se de actuações abusivas.

Outras questões:
Þ O despacho de autorização deverá conter a identificação possível do local, não sendo exigível o mesmo grau de pormenorização em todas as situações; Basta que se indique os elementos de informação indispensáveis à identificação da casa: rua e n.º de polícia, ou quaisquer outras características que a individualizem (Acórdão STJ de 21 de Outubro de 1998 e Acórdão RP de 19 de Maio de 1999, in Maia Gonçalves, CPP Anotado).
Þ Não é necessária a indicação do nome da pessoa que desfruta da moradia. Essa omissão não constitui qualquer vício (Acórdão STJ de 21 de Outubro de 1998, in Maia Gonçalves, CPP Anotado).
Þ Nos casos em que existe autorização prévia para a busca, a presença do arguido não é obrigatória, deve apenas ser-lhe comunicado que pode assistir à diligência e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança (Acórdão STJ de 15 de Dezembro de 1998, in Maia Gonçalves, CPP Anotado).
Também não é exigível nem a presença, nem o consentimento da pessoa visada – Acórdão TC n.º 16/97.

A omissão das formalidades supra descritas constitui uma mera irregularidade, uma vez que a lei não comina expressamente a nulidade – art. 118º n.º1 e 2 CPP.
Apenas é de apontar que constituirá nulidade no caso de implicar violação dos art. 32º n.6 CRP e art. 126º CPP.
Neste sentido: Acórdão STJ 15/07/92 e Acórdão da RL de 18-05-2006, acessível em www.dgsi.pt: “O prazo para arguir as irregularidades é de três dias, nos casos de buscas e apreensões realizadas na presença do interessado mas estando o mesmo desacompanhado de advogado que o represente no processo.”

Manuel Monteiro Guedes Valente, in Revistas e Buscas considera que solicitando o visado a presença de uma pessoa da sua confiança, o OPC nada fizer ou se opuser, considera que se trata de um método de obtenção de prova proibido – art. 126º do CPP.
Da não entrega da cópia do despacho por esquecimento ou por mero resultado de confusão resultará uma irregularidade que invalida o acto desde que arguida pelos interessados no próprio acto.

APREENSÕES
Arts. 178º a 186º CPP
I – Regime Jurídico

O art. 178º CPP:
v Podem ser apreendidos: Os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, os que constituírem o seu produto, lucro, preço ou recompensa, e bem assim todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova – art. 178 nº 1 CPP
v O art. 178º n.º 3 dispõe que as apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária.
v O art.178º n.º 4 estabelece que podem ser efectuadas pelos OPCs:
• no decurso de revistas ou de buscas; ou
• quando haja urgência ou perigo na demora (medida cautelar: art. 249 nº 2-c) CPP)

Nos dois casos estão sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas (art. 178 nº 5 CPP)

A entidade competente para a validação: Ac. RL de 13/07/2005 (acessível em www.dgsi.pt):“As apreensões efectuadas no decurso de uma busca devem, nos termos do n.º 5 do artigo 178°, ser validadas pela autoridade judicial que presidir à fase em que tais actos tiverem lugar. No caso, tendo sido efectuadas no decurso do inquérito, é ao Ministério Público que compete apreciá-las e validá-las.”
O não cumprimento deste prazo gera um vício de irregularidade, que pode ser arguido pelo interessado no prazo de 3 dias a contar da notificação para qualquer termo do processo ou intervenção em algum acto nele praticado – art. 123º CPP.

A apreensão de correspondência – art. 179º CPP:

Por outro lado, a apreensão de correspondência está sujeita a regras específicas uma vez que está em causa o direito à inviolabilidade da correspondência e proibição da ingerência (arts. 34 e 26 CRP) e visa-se proteger o núcleo essencial de reserva da intimidade da vida privada e familiar (art. 26 CRP).
Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, mesmo nas estações de correio e de telecomunicações (…) quando tiver fundadas razões para crer que (requisitos cumulativos):
a) a correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa;
b) está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e
c) a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (art. 179 nº 1)

Requisitos:
Þ Depende de prévia autorização ou ordem judicial (arts. 179 nº 1 e 269 nº 1-b) CPP)
Þ Têm que se verificar os requisitos cumulativos do art. 179 nº 1 CPP
Þ O juiz é a 1ª pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida (arts. 179 nº 3 e 268 nº 1-d) CPP) e, consoante a considerar relevante ou não, assim a manda juntar aos autos ou ordena a restituição.
Þ É proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outra forma de controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento do crime (art. 179 nº 2 CPP)
Þ A correspondência que o Juiz mandar restituir não pode ser utilizada como meio de prova e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova (art. 179 nº 3 CPP).

II – Análise de algumas questões problemáticas no âmbito das apreensões:

Þ Correio electrónico:
Pedro Verdelho, in «A obtenção de prova no ambiente digital», RMP 99/117 ss. e «Apreensão de correio electrónico em processo penal», RMP 100/153 ss. diz que:
ü Mensagens (e-mails) já recebidas no computador destinatário: «São as que já chegaram ao destino e ficam alojadas no computador, sob a forma de um ficheiro, em formato digital (portanto, a comunicação electrónica já terminou)».
ü «As mensagens recebidas, ainda não abertas, deve aplicar-se o disposto no art. 179 nº 1 CPP: devem considerar-se correspondência não aberta.
ü As mensagens que já estão abertas, porventura lidas e mantidas, guardadas no computador a que se destinavam ou impressas (são como as cartas recebidas, abertas e porventura guardadas numa gaveta, pasta ou arquivo): são como meros documentos escritos que, podem, sem qualquer reserva, ser apreendidos no decurso de uma busca.»
Então:
ü Se na realização de uma busca ou um exame a um computador, o OPC que procede à mesma se aperceber da existência de mensagens de correio electrónico marcadas como não lidas, não deverá aceder ao conteúdo dessas mensagens. Deverá apresentar o computador (ou outro eventual suporte onde estiver registada a informação) ao MºPº, que o deverá apresentar ao JIC, para que seja este o primeiro a tomar conhecimento do correio.

ü Se estas regras forem respeitadas, a apreensão será válida; caso contrário, pode-se suscitar a eventual prática, pelos agentes que a efectuaram, de um crime de violação de telecomunicações do art. 194 nº 2 CP.»

ü Em sentido contrário, pronunciou-se o STJ no arresto de 20/09/2006 (acessível em www.dgsi.pt), dizendo que: “Discorda-se da conclusão daquele autor no caso de as mensagens já terem sido lidas, porque, quer as mensagens tenham sido lidas ou não pelo destinatário, o que nem sempre se torna de destrinça fácil, sobretudo se e quando algum do software de gestão de correio electrónico possibilita marcar como aberta ou não aberta uma mensagem, por vontade do seu destinatário, independentemente de ter sido ou não lida, aquele tem sempre o direito a não ver essa correspondência que lhe foi endereçada devassada por alguém, sem sua autorização, constituindo a leitura dessa correspondência intromissão absolutamente ilegítima nela, atentado ao direito à inviolabilidade da mesma, consagrado no art. 34.º, n.º 4, da CRP. (…) A mensagem (vulgo SMS) tem um específico destinatário e, enquanto arquivada no cartão do telemóvel, assiste àquele o direito a não ver o teor daquela divulgado, o que não sucedeu no caso vertente quando a PJ procedeu à leitura do cartão telemóvel sem prévia autorização judicial ou validação daquela.”
Considerou que se tratava de nulidade sanável, arguível pelo interessado nos termos do art.120º n.º 1 als. a) e c) CPP.
ü O Ac. RL de 13/10/2004 (acessível em www.dsgi.pt) também se pronunciou no sentido que o correio electrónico armazenado no computador está sujeito ao regime da apreensão de correspondência.
ü Acórdão RC de 29/03/2006 (acessível em www.dgsi.pt): “O artº. 190º do Código de Processo Penal regula a intercepção e a gravação da transmissão das conversações ou comunicações efectuadas por qualquer meio diverso do telefone, nelas não cabendo as mensagens recebidas em telemóvel e mantidas em suporte digital depois de recebidas e lidas, que não terão mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário.”

Þ Apreensões no âmbito das buscas e conhecimentos fortuitos
Como as buscas são um meio de obtenção de prova admitido para qualquer crime, consagra-se a tese da admissibilidade da apreensão e valoração de todos os conhecimentos fortuitos – COSTA ANDRADE.

Þ Apreensão de computador no âmbito de uma busca
O Acórdão da RL de 13-10-2004 apreciou a questão e pronunciou-se no sentido de que a autorização para a realização de uma busca domiciliária permite ao OPC ter conhecimento do conteúdo do disco rígido de um computador, mas não quanto ao correio electrónico que nele se encontra.
Considerou irrelevante ser a informação do disco rígido de carácter pessoal, pois isso não altera a natureza dos direitos lesados pela realização de busca domiciliária.
Diferente seria o caso de conter informação íntima, pois aí impõe-se que o Estado, mesmo no exercício do ius puniendi, respeite.

Þ Caso polémico dos diários:
Parte da doutrina e jurisprudência entende que não têm, em absoluto, valor probatório, logo, não faz sentido a apreensão destes objectos, pois não podem ser usados como meio de prova.
Ac. TC n.º 607/03 – pronunciou-se sobre esta questão, afirmando que não basta o cumprimento das regras legais de obtenção de prova para que possam ser utilizados como prova diários pessoais do arguido.
Essa utilização está dependente do conteúdo dos mesmos e de uma ponderação entre os direitos do autor e o interesse do estado na descoberta da verdade e na realização da justiça.
A jurisprudência constitucional não levanta, à partida obstáculos à apreensão de diários íntimos, no âmbito de uma busca.
A questão terá de ser decidida casuisticamente, em face das circunstâncias concretas de cada caso, ponderando, em concreto, o conteúdo dos diários, à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade.

Uma nota prática:
Þ Ac. RL de 29/03/2006 : “Deve ser ordenado o levantamento da apreensão de um computador e o mesmo restituído ao seu proprietário se for possível proceder à cópia dos ficheiros informáticos que se mostrem relevantes para a investigação e que se encontrem inseridos no disco rígido do computador, logo que a tal proceda a autoridade competente por ordem do Juiz de Instrução.”