quarta-feira, agosto 16, 2006

Crimes contra a honra e reserva da vida privada

(texto da autoria de Diogo Alves, datado de Dezembro de 2006 - este texto não foi revisto pelo autor)

Crimes contra a Honra

Espécies: 1. Difamação (art.º 180.º);
2. Injúria (art.º 181.º);
3. Calúnia (art.º 183.º);
4. Ofensa a Memória de Pessoa Falecida (art.º 185.º);
5. Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço (art.º 187.º);
6. Conhecimento Público de Sentença Condenatória (art.º 189.º).


· art.º 180.º: Difamação

SCHOPENHAUER: “A honra, objectivamente, é a opinião dos outros sobre o nosso valor e, subjectivamente, o nosso medo dessa opinião”.

A opinião dos outros sobre o nosso valor – a opinião pública – é, no fundo, o modo de uma integração nas sociedades. Compreende-se, por isso, que qualquer atentado à honra acabe por ser sentido no mais íntimo da pessoa. Noutros termos: o bem “honra” é um verdadeiro bem de personalidade, ainda quando o Direito atente, para poder proteger o próprio interior, às realidades sociais perceptíveis.

Definição: atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerram em si uma reprovação ético-social, isto é que sejam ofensivas da reputação do visado.

Comportamento lesivos da consideração e da honra de alguém:

- Honra: essência da pessoa humana: reconduz-se à probidade, rectidão, lealdade, carácter, etc.;
- Consideração: património do bom-nome, de crédito de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da vida, sendo como que o aspecto exterior da honra.

Duas formas de execução:
Imputação de um facto ofensivo;
Formação de um juízo de valor;


Imputar significa atribuir um facto, apresentá-lo como correcto ou verdadeiro, segundo a convicção ou perspectiva do imputante, que assim se identifica com o respectivo conteúdo. Atribuir a alguém a prática de determinado facto, que lhe ofende a reputação ou o bom – nome.
Formulação de um juízo de valor será toda a afirmação que encerra uma apreciação pessoal negativa sobre o carácter da pessoa acerca da qual se subscreve tal juízo.
É uma distinção funcional. Não pode ser feita de forma semântica, mas pelo contexto em que ela é proferida:

Ex: A. diz que B. é um vigarista, porque aceitou um suborno. Imputação de um facto.
A. diz que B. é ladrão porque não marcou um penalty. Juízo de valor.
Juízo de valor feito num contexto fáctico é imputação de facto.
«A é um sanguinário assassino» ou «A teria, com certeza, lugar assegurado, em qualquer campo de concentração». Não estamos perante a imputação de um facto, mas sim perante a formulação de um juízo.

Exemplos mais complexos: B depois de competente e legítimo processo, foi condenado por furto. C apelida B de ladrão; D é reconhecido e tido por todos como uma personalidade de péssimo carácter, agressivo e maldoso; D bate desalmadamente em E; Perante aquele espectáculo, F limita-se a dizer que tal monstruosidade só podia vir de um bárbaro, de uma besta e de um troglodita do jaez de D. Terão C e D expressados juízos de valor?
Tudo depende da óptica com que se empregar na apreensão da realidade. È um facto que B praticou um furto, logo em linguagem comum ele é um ladrão. É uma decorrência lógico-factual do acto de furtar. Mas será mesmo assim? Não haverá na expressão “ladrão” uma valoração que ultrapassa o juízo de realidade?

No domínio da intenção o legislador exige o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, isto é, o chamado dolo específico?
Orientação do Tribunais: hoje já não é exigível que haja a especial intenção, o propósito de ofender, sendo bastante a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2000, de 5/07/2000, publicado no BMJ n. 499, Processo n.º 833/98: considera que não é necessária a verificação de uma especial intenção ou propósito de ofender (o animus diffamandi).

Na doutrina: Nelson Hungria. Define o dolo específico do crime contra a honra como sendo a consciência e vontade de ofender a honra alheia.


A. Distinção com a injúria:

No código de 1886 estes institutos estavam construídos da seguinte forma: difamação constituía a imputação de um facto; a injúria a formulação de um juízo de valor.

No C. Penal actual ambas figuras podem consistir em imputações de facto ou formulação de juízos, a diferença está no facto delas serem produzidas na presença (relação bipolar) ou na ausência da vítima (relação triangular).

No entanto, a diferença entre imputação de factos e juízos de valor continua a ser importante. As causas de justificação só funcionam quando há imputação de factos (180.º n.º2).

Na difamação, ao contrário do que acontece na injúria, o agente dirige-se a terceiro. Sendo da essência da difamação que o ofensa seja levada a terceiros, só se pode falar em lesão do bem jurídico da honra e consideração quando a imputação correspondente chegue ao seu conhecimento, ou seja, haverá uma imputação indirecta.
No caso da difamação com publicidade, ou através dos meios de comunicação social, a responsabilidade é agravada, nos termos do art.º 183.º nº1 e 2.

A difamação é um ilícito mais grave, porque na injúria a vitima não está ausente e pode defender-se, neutralizando ou diminuindo o efeito da ofensa.

Ex: debate televisivo. Vitima está a assistir em casa. Há difamação ou injúria?
Autor dirige-se a terceiros e não à vítima. Se a vitima estiver no debate há injúria.

Está em causa a possibilidade de defesa nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar: igualdade de armas


B. Causas de Justificação

Art.º 180. n.º2: causa de justificação especiais. Servem para resolver conflitos de interesse, tal como as causas de justificação gerais que têm plena aplicação neste tipo de crimes (n.º3, art.º 180.º).
Os interesses em jogo são a honra, os interesses legítimos (independentemente de serem públicos ou privados), a intimidade da vida privada e verdade nas relações sociais.

Como se disse, a diferença entre imputação de factos e juízos de valor continua a ser importante. As causas de justificação só funcionam quando há imputação de factos (180.º n.º2).

Casos de impunibilidade da conduta nos termos do n.2, do art.º180.º:

1. A imputação vise realizar interesses legítimos.




Interesse legitima público ou privado legalmente protegido, ou seja, todos os interesses privados que possam ser objecto de legitima defesa.

Para C. Valdágua, para a realização de um interesse privado deve exigir-se uma relação de proximidade. Proximidade entre o autor e o titular do interesse.
É necessário que esse interesse seja pelo menos de valor idêntico à honra, mas nunca inferior. Para C. Valdágua terá de ser um interesse superior à honra. Sendo certo que um interesse de ordem patrimonial, em princípio tem valor inferior à honra.

Questão do exercício do dever de informar: o fim ou intenção que preside à actividade informativa é fundamental. Deve haver da parte de quem informa o “animus” de realizar a função pública inerente ao direito de informar. De qualquer forma, a imputação de factos ofensivos da honra deve ser feita, mesmo nos casos de exercício legítimo do direito de informar, de forma construtiva e consciente, com contenção e moderação, só devendo assumir forma contundente caso tal se revele indispensável.
Ora, a prova da verdade tem de ser perspectivada à luz do direito de informação que na crónica se encerra. Exige-se tão-só o conjunto de regras derivadas das leges artis, das regras de cuidado que cada grupo homogéneo cultiva e simultaneamente lhe dá coesão.
O que não pode valer é a exaltação da subjectividade como critério último e definidor do cumprimento daquele dever de informação. Ora, se se chega à conclusão de que a imputação desonrosa não cumpre um interesse legítimo, nos termos assinalados, não há lugar para qualquer produção de prova em ordem a demonstrar a verdade desses factos.
Mas o legislador português foi ainda mais longe na tutela da função pública da imprensa: foi ao ponto de admitir a possibilidade de justificação mesmo em situações em que não se logre fazer a prova da verdade. Tal justificação pode ocorrer no caso do agente ter fundamentos sérios para, em boa fé, reputar os factos como verdadeiros.
Não se poderá exigir o rigor necessário para proferir uma sentença, ou acusação, o que poderia inviabilizar o próprio direito à informação. Temos é de partir sempre da ideia de risco permitido.
Assim, a boa-fé não pode significar uma pura convicção subjectiva por parte do jornalista na veracidade dos factos, antes tem de assentar numa das regras de cuidado. Isto é: a boa fé está dependente do respeito das regras de cuidado inerentes à actividade de imprensa e que impõe publicação da notícia (averiguação das fontes, no adiamento da publicação caso a versão mais provável ainda não seja suficientemente forte, etc.).




2. Se fizer prova da verdade dos factos ou houver fundamento sério para os reputar verdadeiros;

Convicção de actuar com boa fé. Constitui uma causa de justificação de risco permitido, tal como no caso de consentimento presumido. Neste caso a actuação não é ilícita.
Intimidade da vida privada é protegida de forma absoluta.
Acórdão do STJ de 9 de Abril de 2003 considera que o direito á intimidade da vida privada compreende a reserva da vida familiar, sexual e da saúde, podendo compreender outros tipos de intimidade.


Sendo, portanto, regra a irrelevância dos motivos determinantes, importa saber que cariz assumem os chamados “animi”. Isto é: haverá circunstâncias que excluam, de per si, o propósito injurioso ou difamatório, como sejam os tradicionalmente conhecidos animus jocandi, animus consulendi, animus corrigendi, animus narrandi e animus defendendi?

No animus jocandi o objectivo do agente não é ofender a honra de alguém, antes brincar ou gracejar.
E quando isso resultar das circunstâncias do facto, é manifesto que a conduta do agente perde aptidão ofensiva. Pode-se gracejar, mas não se deve ridicularizar, sob pena de se poder passar a fronteira da legalidade.
Há animus corrigendi quando se patenteia o propósito de repreender.
No animus consulendi o fim do agente é aconselhar, advertir ou informar, por iniciativa própria ou a solicitação alheia.
No animus narrandi desenha-se a intenção de relatar a terceiro o que se viu, sentiu, desde que se não ultrapasse a fidelidade da transmissão. passará a ser punível o acto que reflicta, por tendencioso, propósito de atingir a honra alheia.
animus defendendi quando o que está em causa é a própria defesa do agente e não a vontade de ofender quem quer que seja.
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/2000, de 5/07/2000, publicado no BMJ n. 499, Processo n.º 833/98: considera que não é necessária a verificação de uma especial intenção ou propósito de ofender (o animus diffamandi).


Protege-se a verdade nas relações sociais (Eduardo Correia).
A nossa lei consagra a admissibilidade da prova da verdade da imputação como regra. As excepções a essa regra são as seguintes:

art.° 180°, n.° 3 — Quanto à imputação de factos relativos à intimidade da vida privada e familiar;
Art. 181°, n.° 2 — Quanto à simples imputação de factos no crime de injúria (que não de juízos de valor).


Se houver ofensas à honra e o facto disser respeito à intimidade da vida privada não há causa da justificação. Neste caso o conflito de interesses é resolvido pelo lado da vítima.

Tentativa não é punível: conjugação do art.º 180.º com o n.º1 do art.º 23.º.


A) A questão da hierarquia de valores conjugada com a Exceptio Veritatis. Problema das árvores de Natal com o nome dos caloteiros nas mercearias e pastelarias. Há crime de Difamação?
Há a divulgação um facto, que é verdadeiro. Será este o meio adequado à defesa dos interesses do comerciante? Não. Devem recorrer aos meios normais de resolução dos conflitos. Por isso deverá entender-se que, apesar da imputação do facto ser verdadeira há crime de difamação.

B) Lei-quadro de politica criminal e as soluções de oportunidade neste tipo de crimes (considerados como bagatelas jurídicas) que quando chegam à fase de inquérito muitos vezes é proferido despacho de não pronuncia? Não será isto uma solução de oportunidade? (“cigano tendeiro; alarve, vende artigos de qualidade duvidosa”, etc.)

C) Acórdão do STJ de 9 de Abril de 2002, Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII (2002), Tomo II. Ameaça de partir os cornos. È um crime subsumível ao art.º 153.º CP, ou é um crime contra a honra?


art.º 181.º: Injúria

É feito na presença da vítima. Imputação directa, na forma mais simples e comum, isto é, na presença da vitima.

Ex.: A, num comício, sabendo que B estava a assistir, dirige-lhe palavras ofensivas da sua honra.
Por intermédio de videoconferência C, em Lisboa, insulta B, no Porto.

Silva Dias sustenta que o carácter directo da imputação deve ser apreciado em função de uma presença activa, ou seja, com a possibilidade de réplica imediata. Tem de ser uma presença activa, ou seja, haver possibilidade de defesa nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar. Igualdade de armas.

Faria Costa: não pode ser sempre assim. A ideia de presença activa não responde a todos os casos de injúria: casos em que o ofendido sofre de uma patologia mental e não tem capacidade de resposta.


Problema do contexto sócio cultural:

No entanto, coisa bem diversa é a observação da utilização quotidiana de uma linguagem desbragada — por exemplo, no seio da família ou só entre os cônjuges —, e depois vir defender-se que a palavra ou as palavras obscenas, milhares de vezes anteriormente empregadas, foram ofensivas da honra de quem delas foi objecto. Se as empregou durante anos a fio uma linguagem sustentada em bordões sugestivos de obscenidades e se aceitou, também durante esse tempo, recebendo sempre no diálogo a mesma carga de ofensividade, é evidente que não pode em um determinado e posterior momento vir invocar o facto de ser injuriado. Faria Costa.

Quanto ao tipo subjectivo aplica-se o que foi referido quando se analisou a crime de difamação, trata-se de um crime essencialmente doloso, a que basta, para uma plena imputação subjectiva, mesmo o mero dolo eventual.

Causas de Justificação: o nº2 do art.º 181.º remete em bloco para a específica regulamentação do crime de difamação.

A injúria de pessoa ou grupo de pessoa por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião, praticada em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social constitui crime de discriminação racial (n.º2/b, art.º 240.º)


Art.º 182.º: Norma de equiparação
Correspondência entre a ofensas produzidas oralmente ás feitas por escrito, gestos ou imagens. Alarga as margens de punibilidade dos tipos legais de difamação e de injúria.


Art.º 183.º: publicidade e calúnia

N.º1 al. a) agravação pela facto da ofensa ter sido praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação ou se o crime tiver sido cometido através da comunicação social.
Em primeiro lugar, os meios ou circunstâncias que aumentam o efeito propulsor ou de ressonância da injúria ou difamação, não se confundem com os meios de comunicação social. Este tem uma agravação específica no n.º2 deste artigo. Comunicação social pressupõe uma estrutura organizacional, por mínima que seja, ex. jornais, revistas, tv, rádio.
EX: Graffiti desonroso escrito no metro ou num autocarro.

N.º1, al. b) Calúnia. Forma mais perversa dos crimes contra a honra, porque o agente mesmo sabendo da falsidade, avança com a imputação dos factos. È a assunção da lógica malsã que se estriba no slogan “menti, menti mas alguma coisa há-de ficar”.
Elemento determinante para que se esteja perante uma calúnia: reconhecimento de que o agente sabia da falsidade das suas afirmações fácticas.

Determinação do que é falso: afirmação que nos seus pontos essenciais se mostre falsa. Exageros e inexactidões insignificantes sobre a realidade não essencial não são suficientes para integrar a falsidade.

Circunscrição subjectiva do conhecimento do agente: conhecimento sobre a falsidade dos factos, daquilo que se imputa a outrem, não permite conceber uma situação de dolo eventual (Lenckner: conhecimento positivo sobre a inverdade).


Art.º 184.º: Agravação


Art.º 185.º: Ofensa a Memória de Pessoa Falecida
Bem jurídico: memória – pedaço de nós espiritualmente ligado à nossa existência e que é capaz de ser, depois da morte, ainda pertinente na definição do presente.
Não basta que haja ofensa, é necessário que ela seja grave. Se o não for não há preenchimento do crime.
Casos de investigação jornalística, histórica e cientifica.

Ex: C diz que D era um pedante amado por ninguém e odiado por todos, um sofrível, e por isso sem génio e talento, escritor, pode estar a ofender a memória de D, mas não o atinge na sua parte nuclear.
E, que deixou um património espiritual de intelectual probo e rigoroso em toda a sua investigação, é considerado por F um despudorado plagiador, e que fez a sua carreira universitária baseada no trabalho de terceiros. F está a destruir o núcleo essencial da memória de E.



Tipo subjectivo: dolo em qualquer da forma do art.º 14.º

Causas de justificação:
N.º2: al. a): remissão para as causas de justificação do art.º 182.º/2.
Não é assim tão simples. Ex. Conflito entre o valor que a memória de alguém representa e o não menos importante valor que se consubstancia no direito à investigação histórica.

N.º3: condição objectiva de não punibilidade. É estabelecido um período de nojo de 50 anos.
Sociedades modernas: aceleração histórica. Prazo desajustado à realidade actual.

Artigo 186.º: Dispensa de Pena.
Franja inferior da relevância punitiva.


Artigo 187.º: Ofensa a Pessoa Colectiva, Organismo ou Serviço
Bem Jurídico é heterogéneo: credibilidade, prestígio e confiança.
Tipo objectivo: afirmação ou propalação de factos inveridicos. É necessário também que, de um ponto de vista objectivo, aqueles precisos factos se mostrem capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança da pessoa colectiva.

Tipo subjectivo: basta que o agente actue com dolo eventual.

Artigo 188.º: Procedimento Criminal

Legislador considerou que, em princípio, todos os crimes previstos neste capítulo são crimes particulares, isto é, dependem de acusação particular.
Excepção: Artigo 184.º, quando há agravação;
Artigo 187.º, quando o ofendido exerça autoridade pública.
Nestes casos é suficiente a queixa, ou seja, estamos no domínio dos crimes semi-públicos.


Artigo 189.º: Conhecimento Público de Sentença

Tal conhecimento pode ser dado desde que:
-Haja uma condenação
-Essa condenação respeite a crime de difamação, de injúria (ou equiparado), de ofensa a memõria de pessoa falecida ou de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço;
-Tem se de tratar de delito cometido com publicidade ou caluniosamente.

O conhecimento público é dado:

-Por decisão do tribunal;
-A requerimento (do titular do direito de queixa);
-à custa do delinquente;
-nos termos em que a lei fixar.




Crimes contra a Reserva da Vida Privada



Artigo 190.º Violação de Domicilio

Bem jurídico: privacidade/intimidade. Que é protegida face a agressões qualificadas pela exigência de violação de uma esfera pessoal espacialmente limitada e fisicamente assegurada: a habitação.
O n.º2 introduz um novo e distinto bem jurídico: paz e sossego. Neste caso exige-se uma específica intenção, delito e tendência. Ex.: telefonar para a habitação.

Tipo Objectivo: objecto da acção é a habitação. Espaço fisicamente fechado efectivamente reservado ao alojamento de uma ou várias pessoas. Excluem-se os jardins, pátios e espaços abertos, que cabem no âmbito do art.º 191.º.
Crime duradouro.
Habitação está normalmente associada à casa, mas não se identifica necessariamente com ela.
Acórdão do STJ de 16 de Maio de 1990: alarga o conceito de habitação a tendas de campismo, roulotes, barco, ou quarto de hotel. Espaço onde alguém desenvolve a sua vivência ainda que temporariamente.

Portador do Bem Jurídico:
Costa Andrade: é aquele que tem o domínio e disposição do espaço, seja qual for o fundamento jurídico: um direito real, relação obrigacional ou uma situação de direito público.
Acórdão do STJ de 2-6-93: quarto de hóspede seja ele de um hotel, de uma pensão, de uma residencial ou de uma simples casa particular, enquanto hóspede da casa constitui sua habitação.

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de Novembro de 1993: marido que vive separado da mulher à mais de um ano comete ou não crime de violação de domicílio. Bem jurídico protegido é a privacidade e não a propriedade. Se já ali não mora e entra sem consentimento comete um crime de violação de domicílio.

Quem pode dar consentimento:
Acórdão do STJ de 23 de Março de 1994: podem dar consentimento os filhos, os hóspedes e os empregados. Rapariga de 13 anos que levava os amigos para sua casa não há violação de domicílio.
Costa Andrade: o consentimento só será válido se for exigível que os contitulares suportem essa presença.


N.º3: conjunto de circunstâncias que qualificam o crime.
Conceito de noite.
CPP aplica um critério horário, das 21h às 7h. Estão em causa necessidades de investigação.
Costa Andrade: critério meteorológico: escuro como facilitador do crime.
Ausência de luz solar. Esta circunstância rouba a possibilidade de defesa ou de uma defesa eficaz. Pedra de toque será a diminuição das garantias defesa do ofendido.
Lugar ermo: habitação implantada de forma isolada. Lugar privado de socorro.

Concurso aparente coma ameaça ou coação e com o furto qualificado do n.º1 al. f) e n.2 al e) do art.º 202.º


Artigo 191.º: introdução em Lugar Vedado ao Público

Demais espaços reservados e não livremente acessíveis ao público.

Bem jurídico: inviolabilidade de um conjunto heterogéneo de espaços. Assim temos a privacidade (pátios, jardins, ou espaços vedados anexos à habitação) e racionalidade económica e a eficácia burocrático -administrativa dos espaços em causa (empreses publicas, serviços de transporte), e variável (escritório de advogado - segredo profissional -, estabelecimento comercial – eficácia e racionalidade do funcionamento do estabelecimento).

Tipo objectivo: objecto da acção tem de assumir a forma de um espaço fisicamente limitado, em termos de a entrada arbitrária só ser possível ultrapassando uma barreira física.
Pode ser um muro, uma parede, arame farpado, uma paliçada, etc.

Acção típica compreende duas modalidades de conduta: a introdução e a permanência.


Artigo 192.º: Devassa da Vida Privada


Preocupação recente da comunidade jurídica. Foram as transformações sócio-culturais, cientifico-tecnológicas e jurídicas desde meados do séc. XX, que puseram a descoberto a necessidade e urgência de assegurar uma eficaz tutela jurídica à privacidade.
Bem Jurídico: privacidade/intimidade. Tem uma estrutura axiológico-normativa de uma liberdade fundamental. É a liberdade que assiste a cada pessoa de decidir quem e em que termos pode tomar conhecimento ou ter acesso a espaços, eventos ou vivências pertinentes à respectiva área de reserva.
Direito à intimidade da vida privada, na qual se inclui a reserva da vida familiar, da vida sexual e, em certos casos da saúde.

Conceito de esfera de privacidade.: consiste no último reduto do Right to be alone, ou na última e inviolável área nuclear da liberdade pessoal, segundo o Tribunal Constitucional Alemão.
Ac. TC 459/93: leva á esfera da intimidade práticas susceptíveis de enquadrar ilícito criminal em domínios como a corrupção.
A esfera de intimidade é reconhecida a todas as pessoas, independentemente do seu estatuto de figuras públicas ou pessoas da história do seu tempo (elites da vida politica, cultural, económica, desportiva). Trata-se de uma esfera inviolável, e como tal, subtraído ao princípio da ponderação de interesses (princípio da proporcionalidade) e em particular à prossecução de interesses legítimos. (Ex: caso das fotos que provam a infidelidade conjugal?).
Ela constitui também uma barreira à exceptio veritatis ou à prova da verdade dos factos, regra geral admissível.
Impossibilidade de definir um universo de eventos ou vivências invariável. Esfera da privacidade/intimidade não é um espaço estanque face ao domínio da publicidade.

Relatividade histórico-cultural da privacidade: oscilação das fronteiras entre o privado e o publico ao ritmo das transformações civilizacionais.
Relevância de determinados matérias num certo período histórico.
Quando tais eventos ou factos contendem com o interesse comunitário, eles deixam de pertencer à privacidade, constituindo objectos legítimos de devassa e discussão públicas.
Relatividade e variabilidade deste direito. Está ligado à pessoa do portador concreto do bem jurídico, à sua conduta e circunstâncias.
A este propósito há quem fale do custo da notoriedade e direito à curiosidade relativamente a pessoas de grande notoriedade.
Exclusão da esfera de privacidade: quem vive alimentando e alimentando-se do sensacionalismo. Ex: figura pública que todos os dias procura espantar e chocar com as notícias sobre as suas aventuras sentimentais.

Objecto Típico: danosidade social que assume a forma de um delito de indiscrição. Permite explicar que a causa de exclusão dos crimes contra a honra não funcione.
Tem de haver uma lesão efectiva.
Conduta típica está desdobrada em quatro áreas (as das al. a/b/c/d).

Tipo subjectivo: intenção de devassar a vida privada: dolo específico.
C. Andrade tem dúvidas.

Imprensa: Costa Andrade: media podem cultivar legitimamente o sensacionalismo e o escândalo para aumento das tiragens, desde que o faça sem afrontar as normas penais. EX.: Caso das fotos de C. Ronaldo vestido de mulher?

N.º2: al. d é uma causa de justificação.



Artigo 193.º: Devassa por meio de informática

Acautelar os riscos decorrentes da utilização das novas tecnologias, com as largas possibilidades que oferecem de devassa da intimidade pessoal de cada um através da informática.
Art.º 35.º CRP: protecção do património pessoal do cidadão.
Trata-se de garantir a interdição absoluta do tratamento informático de um conjunto de dados pessoais que a CRP afirma como insindicáveis e da total e plena disponibilidade da pessoa a que se reporta.
É um bem jurídico supra-individual.

Objecto de Ilícito:
Art.º 193.º contém um conjunto de elementos típicos cujo preenchimento está previsto na Lei de Protecção de dados pessoais (L. 67/98, de 26 de Outubro).
Conceito de “ficheiro automático”: art.º 2.º, d)
Conceito de “dados individualmente identificáveis”: conjunto de informações relativas a uma concreta pessoa singular identificada ou identificável (art.º 2.º/a).
Qualquer conduta que através da qual se tenha acesso a conteúdos de dados pessoais. Pode ser tanto aquele que, por si, cria um daqueles ficheiros automatizados, como aquele que mantém um ficheiro daquele tipo, mesmo que o não tenha criado, ou ainda o que o utiliza, tendo acedido a ele por qualquer forma.
Aquelas condutas têm de dirigir-se ao acesso a um ficheiro automatizado cujo conteúdo é constituído por dados individualmente identificáveis respeitantes a determinadas matérias.

Conjunto de conteúdos declarados absolutamente interditos:
Convicções Politicas;
Convicções religiosas;
Convicções Filosóficas;
Filiação Partidária ou sindical;
Vida Privada;
Proveniência étnica.

Tipo Subjectivo: tipo legal supõe o dolo, bastando o dolo eventual.

L. 109/91, de 17 de Agosto: Criminalidade informática.

Crime tem natureza pública.

Artigo 194.º: Violação de Correspondência ou de telecomunicações
Bem jurídico: privacidade (em sentido formal – Costa Andrade). É indiferente o conteúdo das missivas ou telecomunicações, não se exigindo que versem sobre coisas privadas ou íntimas;
E nem sempre se exige a tomada de conhecimento do conteúdo, como sucede quando o legislador censura a simples abertura da carta, encomenda ou escrito fechado, mesmo sem acesso ao conteúdo, contentando-se com a punição da ultrapassagem de uma barreira física e o tabu que ela representa.
Para efeitos de incriminação, a carta considera-se entregue ao destinatário a partir do momento em que ela entra na esfera de disponibilidade fáctica.

Objecto da acção: carta, encomenda ou escrito fechado (n.º1) e as telecomunicações (n.º2). Não se incluem nesta disposição, ao contrário do CP Alemão, as fotografias, desenhos ou outras reproduções de imagem.
O pensamento corporizado na escrita terá de ter uma dimensão individual, isto é, uma referência a uma personalidade concreta.

Para constituírem objecto típico da infracção os escritos têm de estar fechados (especial relevo nas cartas). É precisamente este facto que define a fronteira da tutela penal do sigilo da correspondência e dos escritos em geral.

Questão: haverá crime de devassa feita por um dos cônjuges em relação à correspondência dirigida ao outro?

Tipo subjectivo: dolo em qualquer das suas modalidades.

N.º2: “sem consentimento, se intrometer no conteúdo de telecomunicações ou dele tomar conhecimento”.
Costa Andrade: terá de passar por acções que impliquem o recurso a meio técnicos de captação, audição e registo. Está pensado para a s comunicações telefónicas.
Coloca alguns problemas:
E as mensagens de correio electrónico? São comunicações electrónicas. Porventura serão também telecomunicações no âmbito da antiga legislação (L. 91/97, de 1 de Agosto). Porém só serão comunicações electrónicas (e também telecomunicações) enquanto existir comunicação, ou seja, enquanto estiverem em trânsito (como numa comunicação telefónica). Podia levar a concluir-se que, após o recebimento no computador das mensagens nunca poderia haver a intromissão nas telecomunicações deste n.º2.
Será um documento informático um escrito, uma vez que o tipo legal se destina a proteger encomenda, carta ou qualquer outro escrito, para efeitos do n.º1? Corporização escrita de pensamentos. Porém o legislador não o quis incluir na categoria de escritos. Não é claro que o legislador os quisesse incluir. O que já fez no CPP art.º 190.º.
Considerando que cabe no conceito de qualquer outro escrito, poder ser considerado para efeitos do art.º 194.º como fechado? Pela letra da lei não. Legislador quis incluir outras formas de correspondência, que não o e-mail.

Art.º 34.º CRP. Inviolabilidade da correspondência.
Abertura de e-mail não é crime, tendo em conta o estatuído no art.º 194.º. contradição entre os interesses protegidos pelo direito penal e as limitações impostas à investigação criminal. Incongruência do sistema.



Artigo 195.º: Violação de Segredo
A violação de segredo tem uma função específica. Enquanto que no art.º192.º se assegura a esfera privada contra as acções de intromissão e devassas vindas de fora (espionagem – Costa Andrade), este artigo protege-a contra a traição.
É punida independentemente de qualquer perigo ou dano patrimonial, figurando como um crime de dano cuja danosidade social se concretiza e esgota na acção de devassa.

Bem Jurídico: Controvérsia suscitada quanto ao bem jurídico: interesse comunitário da confiança na descrição e reserva de determinados grupos profissionais ou a esfera privada do individuo – Costa Andrade.
Tal qual refere o artigo, a ordem jurídica protege o segredo. Segredo é o facto ou tema particular de cada um que se deseja esconder ou ocultar, isto é, que se deseja manter afastado do conhecimento de um círculo restrito de pessoas.
Segredo circunscreve-se a factos ou temas concretos e verdadeiros (nunca a ideias ou, opiniões ou juízos), apenas conhecidos de um universo restrito de pessoas.
O conhecimento do segredo tem de resultar exclusivamente do exercício da actividade profissional do obrigado (estado, oficio, emprego, profissão ou arte), constituindo estes, pois, os confidentes necessários, ou seja, os que estão colocados em especial posição para recolher segredos, quer pela sua qualidade, quer pelo seu mister.

Tipo objectivo: revelar segredo alheio.
Tipo subjectivo: dolo em qualquer forma.

Crime semi-público.



Artigo 196.º: Aproveitamento indevido de segredo
Aproveitar-se de um segredo é obter o seu conhecimento, dele colhendo benefícios e sem que haja posterior revelação do mesmo. Mas esse aproveitamento só é criminalmente censurável se dele resultar um prejuízo concreto para outra pessoa ou para o Estado.
Bem jurídico protegido, ao contrário do art.º195.º que tem carácter pessoal, assume aqui uma natureza patrimonial.
Objecto da acção: segredo específico (relativo a actividade comercial, industrial, profissional ou artística alheia), que envolva vantagens económicas que possam beneficiar o agente pela via da sua actividade profissional.
Crime só é punível a título de dolo. Será bastante o dolo eventual.

Artigo 197.º: Agravação

Agravação da pena base relativamente aos crimes tipificados nos art.º190.º a 195.º, dependente dos requisitos expressos neste artigo (ver artigo).

Artigo 198.º: Queixa

Estamos perante crimes semi – públicos. Excepção – art.º 193.º: crime público.

A referência a queixa ou participação tem por sentido o distinguir entre a entidade a quem compete levar o feito ao MP para que este dê inicio ao procedimento criminal.
“Queixa” quando a iniciativa incide sobre entidades privadas e “Participação” quando incide sobre entidades públicas.