quarta-feira, agosto 16, 2006

Escutas telefónicas

(texto da autoria de Nuno Negrão, datado de Novembro de 2005 - este texto não foi revisto pelo autor)

São essencialmente um meio muito enérgico de obtenção ou aquisição de prova, o que, correspectivamente impõe limites de necessidade e proporcionalidade no seu uso.
Não deixando, contudo, de ser um instrumento legítimo de investigação e intervenção legal e, como tal, emanação ou figura também do próprio Estado de Direito, resulta desde logo da Lei Fundamental, na letra do seu Art 34º que é proibida toda a ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, ressalvando os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.
Mas neste mesmo artigo se não deixa de tomar posição forte contra ingerências, erigindo a direito fundamental no nº1 a inviolabilidade dos meios de comunicação privada, sendo que a excepção, as normas legais que permitem a realização de intercepções nas comunicações deverão, à luz do texto constitucional, ser lidas com interpretação pouco mais que restritiva.
Assim o impõe o Art 18º n2 da mesma sede: apenas quando a própria Constituição o preveja pode a Lei comprimir Direitos Fundamentais, na exacta medida do necessário à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Esta será a ponderação que permanentemente preside ( pelo menos idealmente ) à consideração e uso das escutas telefónicas que, não deixam, mesmo assim, de ser um meio lesivo de desígnios Fundamentais. O que desaconselha a ligeireza.
Desde logo, são um meio subsidiário e, nessa medida excepcional, de ajuda à criação da verdade processual: o seu valor imediato surge enquanto base de investigação, lugar de prova, conquanto dirigem a atenção à recolha de elementos probatórios, revelando para além do tempo e do lugar o modo como os factos se verificam. Nesta acepção, são um meio posterior ou subsequente, embora não o pareçam.
Isto assim é porque apenas poderão ser autorizadas ou ordenadas escutas telefónicas se:
Após a recolha probatória “normal” ou comum, ou por prognose probatória, se possam revelar de grande interesse para a descoberta da verdade material. Ou mesmo por nenhuma das outras diligências probatórias propiciar esse desiderato.
O que não se pode, sob pena de leviandade, confundir com a dificuldade ou superior custo das outras diligências, pois não se pagam esses custos a expensas ou à custa da limitação do exercício de direitos fundamentais. Ser infrutífero ou incomportável são conceitos distintos. E esta mesma cautela aconselha o parecer da nº 91/92 de 30 de Março da P.G.R..
A realização de escutas telefónicas visa a descoberta da verdade quanto a factos denunciados, isto é: pressupõe a abertura prévia de inquérito sem o qual não podem ser, ou de outra sorte, no qual são autorizadas. Não se revestem, portanto, de carácter pré-processual, preventivo ou premonitório, de antecipação – porque são a excepção - àquilo de que deverão ser complemento: a prova e, insiste-se apenas quando se revelarem de grande interesse para a descoberta da verdade material.
Tempo então de delimitar o campo “temático” de aplicação das escutas telefónicas. Desde logo o requisito material legal: os crimes de catálogo, isto é: os taxativamente vertidos no Art. 187º nº1, ou seja: apenas quando estejam em causa crimes:
Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
Relativos ao tráfico de estupefacientes;
Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
De contrabando; ou
De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz ou do sossego, quando cometidos através de telefone;
cumulado com o requisito já enunciado da idoneidade a servir a descoberta da verdade material. Dir-se-á que deverá mesmo ultrapassar um outro requisito de índole algo íntima ou reservada: deverá ultrapassar o simples estado de fé, apresentar-se como efectivamente valiosa à acção penal, equilibrando o seu pontencial probatório com o potencial lesivo com que não deixa de se revestir.
Daí que apenas o juiz de instrução criminal – o juiz das liberdades - as possa ordenar ou autorizar, como decorre do Art. 269º nº1 c), 17º e 187º, todos, do Código de Processo Penal, por despacho, segura e ponderadamente, fundamentado nos termos do Art. 97º nº1 e 4 b) da mesma sede.
Ordenará e autorizará a intercepção durante a fase de inquérito a requerimento do Ministério Público, da autoridade de polícia criminal em caso de urgência ou de perigo na demora, do assistente e mesmo do arguido, cfr. Art. 269º nº 1 c) e 2, com referência ao nº 2 do Art. 268º.
Também, assim o fazendo, se de admitir, na fase de instrução, logicamente, no âmbito do seus poderes inquisitórios e de acordo com o princípio da investigação – Art. 288º nº4 e 289º - .
Na fase de julgamento, será o juiz do julgamento que determinará a sua realização se, por hipótese, surgir. ( 323º )
Saliente-se que, nos termos do nº2 do Art. 187º, a ordem ou autorização poderá ser solicitada ao juiz do lugar onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica – outro juiz que não o naturalmente competente, o do processo – quando se tratem dos crimes que ofendam, de modo geral, bens jurídicos eminentemente públicos.
De sorte negativa, surge a proibição material de escuta o intercepção de conversas entre o arguido e o seu defensor – nº 3 Art. 187º - excepto quando constituam objecto ou elemento de crime mas, não qualquer crime! Leia-se o nº3 com o nº1!!! Costa Andrade reputa também a salvaguarda, quanto a escutas, das demais “relações de segredo e confiança”, sendo que os portadores do segredo profissional só poderão ser alvo de escuta em relação a conversações nos mesmos termos que aquelas entre arguido e defensor.
Germano Marques da Silva, por seu turno, concretiza esta ideia da defesa do segredo profissional, relativamente às pessoas enumeradas no Art. 135º do CPP.
Formalmente, os aspectos relativos às escutas telefónicas circunscrevem-se à:
Exigência de inquérito, Art. 262º nº2 cpc, na medida em que os cidadãos escutados são aqueles contra quem hajam sido denunciados factos que constituam crime assentes em suspeita alicerlçada – sem míngua de indícios – da sua prática. E a não abertura de inquérito, que ocorre com o despacho de abertura, gera nulidade insanável, com os seus efeitos impeditivos, nos termos do Art. 119º b); diferentemente o reputou o Ac. da Relação do Porto de 19-06-91, Cj XVI, 3, pág 277, quando se disse que “iniciando-se o processo criminal com a denúncia ou queixa do crime, a não abertura de inquérito constitui, no caso, mera irregularidade, susceptível apenas de importar responsabilidade disciplinar para o Ministério Público” e no âmbito de “averiguações sumárias” por parte da autoridade policial admitiu que pudesse esta requerer ao MP a realização de escutas, a requerer ao Juiz de Instrução, mesmo previamente à promoção do inquérito.
Por isso e, em súmula, ao caso cabe, atender às conclusões do Parecer 91/92 de 30 de Março, veiculadas pela Circular da P.G.R. 7/92 de 27 de Abril:
1.ª - A Constituição da República Portuguesa reconhece em regra aos cidadãos o direito à palavra e à comunicação que constitui lógico corolário do direito à liberdade individual (artigo 26.º, n.º 4);
2.ª - Só a necessidade social da administração da justiça penal justifica a compressão, nos termos da lei, do direito dos cidadãos à palavra e à comunicação (artigos 34.º, n.º 4);
3.ª - O procedimento de intercepção telefónica ou similar consubstancia-se na captação de uma comunicação entre pessoas diversas do interceptor por meio de um processo mecânico, sem conhecimento de, pelo menos, um dos interlocutores;
4.ª - A obtenção de provas relevantes para o processo penal através de escuta telefónica ou similar é susceptível de afectar não só o estatuto processual do arguido ou do suspeito como também o direito individual à comunicação através da expressão verbal de quem nada tem a ver com a motivação da escuta, incluindo situações cobertas pelo segredo legal;
5.ª - Daí que, na limitação do referido direito deva estar sempre presente o princípio da menor intervenção possível, de que são corolários aqueloutros da necessidade, adequação, e da proporcionalidade entre as necessidades de administração da justiça penal e a danosidade própria da ingerência nas telecomunicações;
6.ª - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas ou similares só deve ser ordenada ou autorizada pelo juiz sob o seguinte condicionalismo:
- estarem em causa crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos, ou relativos ao tráfico de estupefacientes, a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas, ao contrabando, ou de injúrias, ameaças, coacção ou de intromissão na vida privada quando cometidos através de telefone;
- revelar grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
7.ª - O processo penal comum inicia-se com abertura da fase de inquérito, cujo objecto se consubstancia nas diligências tendentes a investigar a existência de infracções criminais, determinar os seus agentes e respectivas responsabilidades e a descobrir e recolher as provas com vista à decisão do Ministério Público sobre o exercício ou não da acção penal (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
8.ª - A fase processual de inquérito tem de iniciar-se logo que haja aquisição da notícia da existência de uma infracção criminal idónea à formulação de um juízo objectivo de suspeita sobre a sua verificação;
9.ª - A obtenção de prova por meio de escutas telefónicas ou similares só é susceptível de ser judicialmente autorizada a partir do início da fase processual de inquérito nos termos da conclusão anterior."
No que concerne às formalidades das operações, rege o Art. 188º e, aqui dir-se-á temerariamente que a figura das escutas perde o atavio.
Da intercepção e gravações de comunicações telefónicas deve ser lavrado auto, o qual deve ser imediatamente levado ao conhecimento do Juiz que houver ordenado ou autorizado as operações e acompanhado com as fitas gravadas ou elementos análogos – hoje em dia, o CD – e com a indicação das passagens respectivas relevantes para a prova, sem prejuízo do órgão de polícia criminal que proceder à investigação – por norma o mesmo que executa a intercepção – se inteirar previamente do conteúdo da comunicação interceptada a fim de poder praticar os actos cautelare necessários e urgentes para assegurar os meios de prova – nº 2 art. 188º : quer isto dizer que, a prova será algo mais que a intercepção em si.
Daqui, o juiz de duas uma:
Ou considera os elementos recolhidos – inteirando-se do conteúdo da intercepção – ou alguns deles, relevantes para a prova e ordena a sua transcrição em auto e fá-lo juntar ao processo;
Ou não os considera relevante para a prova, ordenando a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
Da singeleza escrita deste artigo, derivam os confrontos de razões que tornam as escutas telefónicas em tudo, menos, pacíficas.
A começar pelo termo imediatamente:
Ora tido como devendo ser entendido no sentido de “no tempo mais rápido possível” – também influenciado por meios humanos – vaticinando-se que o seu desrespeito possa, eventualmente (!), dar lugar a um pedido de acelaração ou a procedimento disciplinar, mas nunca a uma nulidade. Ac. Rel Lisboa de 16-08-96, Cj, ano XXI, tomo IV, pág. 156.
Ora interpretado constitucionalmente, no sentido de a expressão “imediatamente” ter de pressupor um efectivo acompanhamento e controlo da escuta pelo Juiz que a tiver ordenado, enquanto as operações em que esta se materializa decorrerem e, de forma alguma, “imediatamente” poder significar a inexistência, documentada nos autos, desse acompanhamento e controlo ou a existência de largos períodods de tempo em que essa actividade do juiz não resulte do processo, e tal acompanhamento faz-se, precisamente, com a informação ao Juiz, por parte da Polícia Judiciária e do Ministério Público, dos resultados de tais escutas, bem como da necessidade, ou não, da sua manutenção, com os consequentes pedidos de prorrogação do prazo para as intercepções e gravações, em caso afirmativo.
O que importa é que o Juiz acompanhe de perto e controle a colheita e o conteúdo do material gravado, como surte do teor do Ac. do Trib. Const. nº 407/97, de 97.05.21, BMJ 467-199: o Acórdão fundou o seu juízo de inconstitucionalidade, por viola­ção do disposto no n.º 6 (actual n.º 8) do artigo 32.º da CRP, da norma do n.º 1 do artigo 188.º do CPP “quando interpretado em termos de não impor que o auto da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao conhe­cimento do juiz, de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, ou de alguns deles, e bem assim, também atempada­mente, a decidir, antes da junção ao processo de novo auto da mesma espécie, sobre a ma­nutenção ou altera­ção da decisão que ordenou as escutas”

Recentemente, a pretexto de não curar do termo “imediatamente”, esta concretização de acompanhamento foi posta em crise, em aresto do Tribunal Constitucional, de 25 de Agosto de 2005 (proc. 487/05, 2.ª Secção, Relator: Cons. Mário Torres) - cfr. texto integral no site do TC – que decidiu «não julgar inconstitucional a norma do ar­tigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que são válidas as provas obtidas por escutas telefónicas cuja transcrição foi, em parte, deter­minada pelo juiz de instrução, não com base em prévia audição pessoal das mesmas, mas por leitura de tex­tos contendo a sua reprodução, que lhe foram espontaneamente apresentados pela Po­lícia Judiciária, acompanhados das fitas gravadas ou elementos análogos».
Diz ainda: "Em rigor, a selecção dos elementos a transcrever é necessariamente uma primeira selecção, dotada de provisoriedade, podendo vir a ser reduzida ou ampliada. Assiste, na verdade, ao arguido, ao assistente e às pessoas escutadas o direito de examinarem o auto de transcrição e exigir a retificação dos erros de transcrição detectados ou de identificação das vozes gravadas. (...) A aceitação (....) torna puramente formal a pretensa irregularidade, que de modo algum pode ser considerada como pondo em risco os valores prosseguidos."
Ou seja: o conhecimento prévio do conteúdo das intercepções por parte do órgão de polícia criminal que procede à investigação, passa a regra, aproveitando não apenas a assegurar os meios de prova em acto cautelar e urgente mas também, aproveitando à conformação processual do inquérito que, parece, a decide. Relembro a advertência à interpertação não mais que restritiva das normas legais acerca das escutas determinada pelo Art. 18º nº2 da Constituição! A decisão de junção é jurisdicional, carrega um juízo de ponderação de garantias constitucionais que sempre tem de ser feito! E a admitir-se esta prática, sagra-se o costume em parte contra , noutra praeter, legem (!) que se calhar não se basta com o controlo posterior por banda do arguido... Não se esqueça a proibição de inversão do ónus da prova...
O auto de intercepção trata‑se, nos termos da lei, de um instrumento de registo presencial de actos processuais no respectivo circunstancialismo de tempo, modo e lugar, com vocação para produzir fé pública.
A fim de determinar a relevância ou irrelevância do conteúdo das gra­vações para a prova dos factos penalmente ilícitos que são objecto do processo, tem o juiz, naturalmente, de o conhecer.
O conhecimento do conteúdo das gravações pelo juiz implica necessa­riamente a prévia realização das operações de audição das comunica­ções tele­fónicas interceptadas só após o que a transcrição é ordenada, atento o Art. 101º do CPP.
Nos termos do artigo 189.°, todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.° e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade. As nulidades insanáveis são as que, taxativamente, são definidas nas alíneas a) a f) do artigo 119.º, além das que como tal forem cominadas em ou­tras disposições legais.
Ante o silêncio legal acerca da caracterização da nulidade, enquanto tal, no artigo que ora se considera, é entendimento pacífico que seja a falta de autorização judicial nulidade insanável, aconselhada na lei constitucional, porque obtida com abusiva intromissão nas comunicações; Germano Marques da Silva, discute-a mesmo em sede de proibição de prova, nos termos do Art. 126º.
No que concerne à apresentação ao Juiz e à transcrição, às formalidades das operações, já o entendimento não é unívoco, ora se considerando que se cuida de nulidades sanáveis e, por isso, dependentes de arguição por mera falha de procedimento, ora se consignando que os resultados das intercepções telefónicas, para serem valorados como meio de prova, carecem da indicação no auto de transcrição das escutas que o Juiz tenha procedido à escolha de todo o material probatório transcrito e resultante dessas escutas, e consequentemente a ter ordenado: que revelem o acompanhamento e controle por parte do garante das Liberdades.
Aceitar que as peças referentes às escutas omitam ou não denotem o controlo efectivo por parte do Juiz de Instrução, não aquilitando da sua idoneidade, da sua necessidade ou mesmo da sua cessação ou manutenção, representa restrição de direitos liberdades e garantias que não se compadece com a letra do Art 18º da Lei Fundamental. Exactamente aqueles ( direitos ) cuja salvaguarda se exige ( nesse mesmo artigo 18º ) aquando da autorização da intercepção. Para valer por todo o tempo em que decorra a diligência!
Por compressão pontual e não fatal exaurimento! E onde a Lei não distingue... Porquê alterar nesta altura o critério? Esquecendo o quadro em que a intercepção foi autorizada? Há-de ser o mesmo! E se assim é, pouco importará discutir a modalidade deste vício...
Uma explicação possível para isto, será aquela que reconhece que a garantia que o Juiz de Instrução encabeça, encontrará o correspectivo esvaziamento da competência do Ministério Público enquanto dominus do inquérito, que pode inclusivamente ver ordenada a destruição de elementos que, não tidos por relevantes pelo JIC, o são! no contexto de outras diligências de inquérito. Fazendo-se perigar, com esta garantia, a descoberta da verdade material que incumbe ao Tribunal!
Só que a abstenção de proceder a esta selecção não se apresenta melhor prática, acarreta desconfiança perniciosa ao trabalho da Justiça: (a nós que sabemos, náo nos preocupa), mas aos olhos dos cidadãos pode parecer que os trechos que beneficiassem o arguido ( ou seja: a verdade! ) pudessem também eles vir a ser deixados de apreciar e a verdade processual ser a verdade parcial da Polícia! Ideia que o próprio 188º inculca... Haverá de ser matéria a rever... Mas que exige cautela.

Ponto diverso se prende com a temática do conhecimento fortuito. Dos factos não previstos ou indiciados aquando da autorização da escuta e que constituam crime ou mesmo o conhecimento de novos autores.
Desde logo, são notícia de crime. Nada impede, que deles se dê conhecimento e que se promova inquérito, contanto cuidar-se de crime pelo qual o MP possa proceder. O que não pode, pelo menos geralmente, é ser usado como prova! Não deixando, contudo, de ser base de investigação.
Se cair no âmbito de factos pelos quais fosse possível obter autorização para realiazação de escutas, já o seu valor probatório será de admitir. Cfr Ac Stj de 23 de Outubro de 2002, atentos os requisitos legais! Podendo-se, eventualmente, discutir da exigibilidade de conexão de processos...
As consequências ocorrerão a jusante, a par do valor que as escutas ditas regulares representam. Entramos então na real valia das escutas...
Disse já, serem complementares. Acrescento que são parcelares! E insubstituíveis! Não raras vezes o que fazem é elucidar o modo de execução dos factos criminosos: nomeadamente dando conta do grau de organização dos seus agentes, da extensão com que operam, do método, de aspectos que, se por si só não justificam a pena, influem sobremaneira na sua medida.
As escutas não permitem afirmar a realidade de cada uma das concretas ocorrências que indiciam, para além daquelas que eventualmente deêm origem a operações que culminem com a apreensão de objectos ou com a detenção de pessoas, mas que não deixam de indiciar que durante o lapso de tempo considerado na exposição dos factos provados se concretizaram factos semelhantes e anteriores, revelando o modo de habitualidade, que se vem a confirmar, a título de exemplo, com a ponderação de rendimentos que injustificadamente os arguidos possuam, pensando nos casos de narco-trafico.
Não são as escutas extrapolação e inversão da apreensão do real: não se parte das escutas para os factos. Ilustram-se os factos com as escutas: a realidade surge desenhada – os factos – às escutas caberia a tarefa de pintá-los. De lhes dar forma diversa... De lhes apurar, por exemplo, um padrão!
E isto apenas é possível por um príncípio basilar que ordena a administração e valoração das provas no tribunal perante o qual são produzidas: está ele no Art. 127º livre apreciação da prova, livre convicção do julgador!
A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica.
A livre convicção não significa liberdade não motivada de valoração, mas constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores.
( Convicção ) operada no contexto do princípio da lealdade, tradutor da maneira de ser da investigação e da obtenção da prova que deve passar para o julgamento.
E neste se exige verdadeira fundamentação, porque retirados do seu contexto, ou apenas singularmente observados, quase nenhum elemento de prova constitui suficiente comprovação da actividade ilícita pela qual se responsabiliza o arguido.
Pergunta-se então como se submete a escuta à imediação e ai contraditório?
O julgamento implica a obrigação de examinar e atender, em harmonia com a lei, a todas as provas existentes no processo, sem necessidade da sua leitura pública, apenas exigível para os depoimentos ou declarações dos intervenientes reduzidos a escrito.
As reproduções fonográficas, se não forem ilícitas, são consideradas documentos e valem como prova (v. artigos 164, n. 1 e 167, n. 1 do Código de Processo Penal). Diz-se mesmo no Ac Rel Lisboa de 12-01.2000, CJ ano XXV, tomo I pág 135, que “ o auto de transcrição, uma vez incorporado no processo, constitui prova documental... sendo deste modo manifesto que não é essencial a sua leitura ou exame em audiência para valer como meio de prova”.
Mas as escutas têm o valor probatório que têm: são documento particular, apócrifo, cuja imputação da autoria pode ser posta em crise ( não se esqueça o ónus da prova ) que sofrem o confronto com outros meios de prova produzidos na audiência de julgamento, que não obstante provarem o que foi dito e transcrito, não provam a verdade dos dizeres... O argumento é precisamente o mesmo que expendeu o Ac. STJ de 18-02-98 acerca do valor de documento autêntico que não prova a veracidade das afirmações nele constantes. Será bom de ver, que então o meio da abalar o documento resultante das escutas não será fazê-lo por via de declarar no notário que o escutado era mentira!
Impugnando a autoria ou identidade dos escutados, é possível requerer perícia, no sentido de obter identificação positiva das vozes.
Quanto ao conteúdo dos autos, uma vez mais a interpretação que seja feita do documento é regida pela livre apreciação do julgador mas, uma vez posta em crise a sua veracidade, o confronto com os códigos e com a verdadeira significação das palavras, há que ser discutida e especialmente fundamentada a leitura que se faz do documento, não apenas por se exigir que se dissesse “são roupas, senhor, e a cocaína, por milagre, se transformasse ... em calças de ganga!”. Porque às vezes, podemos mesmo andar enganados... ( caso Pacheco: logística, preparar a viagem para vir buscar triângulos... )
Ficam os códigos mais significativos, sendo certo que o futuro e a imaginação se encarregarão de nos arranjar outros, quem sabe, mais inventivos...
"Rodas", "Jantes", "Botões", "Rodinhas", "Moranguinhos", "Mini-Dics", "CDs", vulgarmente conhecidas por ‘Pastilhas de Ecstasy’, constituem o produto estupefaciente designado por MDMA;
"Chapéus", "Chapeleiros" e "Olhos de Águia", vulgarmente conhecidas por ‘Selos’, “Papelada”, “Ácidos” e “Acidez”, constituem o produto estupefaciente designado por LSD;
"Chocolate" designa Haxixe;
"Sabonetes", também designado por "Peças", representa 250 gramas de Haxixe, sendo o preço normalmente de 250€;
"Pólen" constitui uma forma mais apurada de haxixe, de melhor qualidade, com o qual se costuma fazer ‘bolotas’;
"Balas", "Bitolas", "Bolas", "Bolinhas", "Azeitonas", "Caganitas", "Bolotas", "Bolotazinha" ou "Bolotita", que é uma qualidade mais apurada de haxixe, o qual é moldado em forma de bolotas e que normalmente provém de Países do Norte de África; metade de uma ‘bolota’ de haxixe equivalia à quantia de € 10; e uma "bolota" de haxixe tinha o preço de € 25;
"Línguas" constituem pedaços de bolotas de haxixe cortado em forma de língua;
"O", "Meia Clara", "Branca" e "Branca de Neve", “calças brancas” designa cocaína;
"Tanho" e "Castanha", “calças castanhas” designa heroína.
"Kapas de Chamonite...", quilogramas de Haxixe, "Petrom" que significa preço, "Guita" que significa dinheiro.