Proibições de Prova
(texto de Sandra Duarte Lobo)
Quando se fala num tema tão vasto e tão complexo quanto as proibições de prova é inevitável chamar à colação o Prof. Costa Andrade e a sua obra “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, onde o referido autor escreve que, “Em nome de uma «exigência de superioridade ética» do Estado, das suas «mãos limpas» na veste de promotor da justiça penal, a violação da proibição de provas– que significaria o «encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime» – é hoje uma questão de actual e premente abordagem, uma vez que, sob a égide de uma justiça penal eficaz, se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para um «clima de moral panic», um «estado de necessidade de investigação”.
As proibições de prova são, assim, autênticos limites à descoberta da verdade material, sendo certo que a gravidade do crime a perseguir não será, por si só e enquanto tal, razão bastante para legitimar a danosidade social da violação das proibições de prova.
Nos termos do artº 126º, nº 1 do CPP, que repete o artº32º - 8, CRP, são inadmissíveis e, por isso, nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
A proibição correspondente a estes métodos constitui, não só uma proibição de produção como, também, uma proibição de valoração.
São sujeitos passivos dos métodos proibidos de prova, não só o arguido e as testemunhas, mas também o assistente, partes civis, o perito ou o intérprete.
Os sujeitos activos não são apenas os agentes do Estado, mas também qualquer particular.
O nº2, do artº126º esclarece o que se deve entender por métodos de prova ofensivos da integridade física ou moral das pessoas, que a lei proíbe, ainda que consentidos pelo visado.
Fá-lo de uma forma não taxativa, pois, em tal categoria, de acordo com o programa constitucional, em que avulta o respeito pela dignidade da pessoa (art.1º, CRP), devem ser incluídos todos os métodos que interferem com a liberdade da declaração ou depoimento, por efeito de perturbação da liberdade de vontade ou de decisão ou da capacidade de memória ou de avaliação, e que, por isso mesmo, nem com consentimento do sujeito se salvam da proscrição absoluta enquanto meios de prova.
A nova redacção do nº3, do art.126º do CPP, resultante da reforma processual de 2007, destinou-se a tornar claro que as proibições de prova relativas às intromissões não consentidas na vida privada, domicílio, correspondência ou telecomunicações, têm a mesma força e efeito que as previstas nos nº1 e 2, do mesmo artigo; a ausência, no antigo nº3, do segmento “não podendo ser utilizadas”, que sempre constou do nº1, e que a reforma acrescentou ao dito nº3, tornou claro e definitivo o que, para mim, já se encontrava no espírito da lei.
Passemos então a análise de alguns casos concretos sobre a presente temática.
Assim, quanto à prova obtida mediante tortura indica-se, a título de exemplo, alguns casos julgados no TEDH, que considerou nulas:
-as provas obtidas mediante a agressão sexual da detida (Aydin vs Turquia)
-mediante pancadas nas plantas dos pés (salman vs Turquia)
-insultos e privação do sono por vários dias (bati e outros vs Turquia)
-mediante a detenção em local que não respeita a higiene básica, sem assistência médica do detido doente ou a prática de alimentação forçada (nevmerzhitz vs Ucrânia)
Por outro lado, são exemplos de prova obtida mediante ofensa à integridade física e mental:
- a administração de narcóticos e desinibidores, como o álcool;
- o recurso à hipnose;
-o uso do polígrafo;
- as técnicas de manutenção de stress no detido, tais como a manutenção de pé durante horas, o encapuçamento e a privação de alimentação ou de bebida (Irlanda vs Reino Unido).
O recurso a meios enganosos, inclui a mentira ardilosa sobre elementos do processo relevantes para a situação processual do arguido, como por ex, a mentira sobre a existência de uma confissão de um co-arguido ou de um depoimento comprometedor de uma testemunha.
A prova obtida mediante ameaça de desvantagem legalmente inadmissível ou, em sentido positivo, a promessa de vantagem legalmente inadmissível, inclui, por ex., a obtida mediante promessa relativa à qualificação jurídica do crime ou à determinação da medida concreta da pena e, designadamente, a promessa feita pelo tribunal de uma determinada pena concreta se o arguido confessar ou desistir de um determinado requerimento de prova. Mas não inclui a prova obtida mediante a ameaça das consequências legais da acção do interveniente processual, nem a prova obtida mediante a ameaça do exercício pela autoridade de poderes processuais, por ex, o confronto do arguido com as testemunhas.
Nos casos previstos no artigo 126º nº 3 do CPP, contrariamente aos previstos no nº 2, se o consentimento do titular dos direitos afectados for válido, jamais se poderá falar nulidade de prova, designadamente, por intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas comunicações.
É o que acontece, nos casos das mensagens voluntariamente gravadas num voice mail alheio (cfr. Ac RP de 17/12/1997, Ac RE de 4/12/2001 e de 05/02/2003). Nesses casos, como referiu Costa Andrade, a fls. 251 da obra já citada, a gravação consentida (ou a sua utilização) configura uma forma paradigmática de exclusão do ilícito típico, não por força de qualquer justificação de lesão do bem jurídico, mas pela exclusão da tipicidade, por ausência de lesão do bem jurídico.
Porém, o consentimento, para além de abranger as situações em que o direito lesado é livremente disponível, pressupõe a efectiva intervenção do respectivo titular e não da pessoa que tiver disponibilidade sobre ele - nesse sentido, o AC T. Constitucional nº 507/94 (de 14 de Julho de 1994) julgou inconstitucional a interpretação segundo a qual a busca domiciliária em casa habitada e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligência podem ser realizadas por órgão de polícia criminal, desde que se verifique o consentimento de quem, não sendo visado por tais diligências, tiver a disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada.
Na parte inicial do nº 3 do artigo 126º faz-se uma ressalva para os casos previstos na lei.
Assim, não são meios proibidos de prova as buscas domiciliárias, as apreensões de correspondência, as escutas telefónicas, o registo de voz e imagem, o tratamento de dados pessoais para fins de investigação policial, a quebra do dever de segredo profissional, desde que respeitados os pressupostos muito rigoroso da lei processual penal, de cariz materialmente constitucional, que, salvo raras excepções, estão sujeitos, desde logo sujeitos a reserva de juiz.
Questões novas que estão a ser debatidas na jurisprudência:
-ARE de 07/10/2008, processo 2005/08-1
Não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito (e pelo tempo tido por necessário pelo órgão de polícia criminal encarregue do mesmo).
-ARL de 15/07/2008- SMS
A mensagem recebida em telemóvel, atenta a natureza e finalidade do aparelho, é de presumir que uma vez recebida foi lida pelo seu destinatário.
Deste modo, na sua essência, a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
Tratando-se de meros documentos escritos, estas mensagens não gozam de aplicação do regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 29-03-2006, relatado pelo Exm.º Desembargador Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt,)pelo que a leitura de tais sms não carece de ser ordenada ou autorizada pelo JIC, não sendo de aplicar o regime das escutas.
- Em sentido CONTRÁRIO, AC STJ de 20/09/2006- constitui nulidade relativa a ausência de autorização judicial, para a leitura do SMs, quer tenham sido ou não lidos pelo respectivo destinatário.
Outros meios proibidos de prova que estão dispersos pelo CPP:
- casos de omissão ou de violação do dever de informação ou advertência do suspeito ou arguido: 58/5 (formalidades da constituição como arguido), 141/4/a), 343/1 (informação sobre os direitos do arguido, designadamente o direito ao silencio)
- 134 (ausência de informação sobre a possibilidade de recusa de depoimento), 147/7 (violação das formalidades do reconhecimento de pessoas)
- proibição de prova relacionada com o principio da imediação. 129/1 (depoimento indirecto), 130 (vozes públicas e convicções pessoais), 355 (leitura de declarações prévias ao julgamento).
Conclusão
Não há dúvida que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal, tem valor constitucional
Porém, só a verdade material, obtida de forma processualmente válida, interessa ao Estado de Direito.
Quando se fala num tema tão vasto e tão complexo quanto as proibições de prova é inevitável chamar à colação o Prof. Costa Andrade e a sua obra “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, onde o referido autor escreve que, “Em nome de uma «exigência de superioridade ética» do Estado, das suas «mãos limpas» na veste de promotor da justiça penal, a violação da proibição de provas– que significaria o «encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime» – é hoje uma questão de actual e premente abordagem, uma vez que, sob a égide de uma justiça penal eficaz, se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para um «clima de moral panic», um «estado de necessidade de investigação”.
As proibições de prova são, assim, autênticos limites à descoberta da verdade material, sendo certo que a gravidade do crime a perseguir não será, por si só e enquanto tal, razão bastante para legitimar a danosidade social da violação das proibições de prova.
Nos termos do artº 126º, nº 1 do CPP, que repete o artº32º - 8, CRP, são inadmissíveis e, por isso, nulas as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
A proibição correspondente a estes métodos constitui, não só uma proibição de produção como, também, uma proibição de valoração.
São sujeitos passivos dos métodos proibidos de prova, não só o arguido e as testemunhas, mas também o assistente, partes civis, o perito ou o intérprete.
Os sujeitos activos não são apenas os agentes do Estado, mas também qualquer particular.
O nº2, do artº126º esclarece o que se deve entender por métodos de prova ofensivos da integridade física ou moral das pessoas, que a lei proíbe, ainda que consentidos pelo visado.
Fá-lo de uma forma não taxativa, pois, em tal categoria, de acordo com o programa constitucional, em que avulta o respeito pela dignidade da pessoa (art.1º, CRP), devem ser incluídos todos os métodos que interferem com a liberdade da declaração ou depoimento, por efeito de perturbação da liberdade de vontade ou de decisão ou da capacidade de memória ou de avaliação, e que, por isso mesmo, nem com consentimento do sujeito se salvam da proscrição absoluta enquanto meios de prova.
A nova redacção do nº3, do art.126º do CPP, resultante da reforma processual de 2007, destinou-se a tornar claro que as proibições de prova relativas às intromissões não consentidas na vida privada, domicílio, correspondência ou telecomunicações, têm a mesma força e efeito que as previstas nos nº1 e 2, do mesmo artigo; a ausência, no antigo nº3, do segmento “não podendo ser utilizadas”, que sempre constou do nº1, e que a reforma acrescentou ao dito nº3, tornou claro e definitivo o que, para mim, já se encontrava no espírito da lei.
Passemos então a análise de alguns casos concretos sobre a presente temática.
Assim, quanto à prova obtida mediante tortura indica-se, a título de exemplo, alguns casos julgados no TEDH, que considerou nulas:
-as provas obtidas mediante a agressão sexual da detida (Aydin vs Turquia)
-mediante pancadas nas plantas dos pés (salman vs Turquia)
-insultos e privação do sono por vários dias (bati e outros vs Turquia)
-mediante a detenção em local que não respeita a higiene básica, sem assistência médica do detido doente ou a prática de alimentação forçada (nevmerzhitz vs Ucrânia)
Por outro lado, são exemplos de prova obtida mediante ofensa à integridade física e mental:
- a administração de narcóticos e desinibidores, como o álcool;
- o recurso à hipnose;
-o uso do polígrafo;
- as técnicas de manutenção de stress no detido, tais como a manutenção de pé durante horas, o encapuçamento e a privação de alimentação ou de bebida (Irlanda vs Reino Unido).
O recurso a meios enganosos, inclui a mentira ardilosa sobre elementos do processo relevantes para a situação processual do arguido, como por ex, a mentira sobre a existência de uma confissão de um co-arguido ou de um depoimento comprometedor de uma testemunha.
A prova obtida mediante ameaça de desvantagem legalmente inadmissível ou, em sentido positivo, a promessa de vantagem legalmente inadmissível, inclui, por ex., a obtida mediante promessa relativa à qualificação jurídica do crime ou à determinação da medida concreta da pena e, designadamente, a promessa feita pelo tribunal de uma determinada pena concreta se o arguido confessar ou desistir de um determinado requerimento de prova. Mas não inclui a prova obtida mediante a ameaça das consequências legais da acção do interveniente processual, nem a prova obtida mediante a ameaça do exercício pela autoridade de poderes processuais, por ex, o confronto do arguido com as testemunhas.
Nos casos previstos no artigo 126º nº 3 do CPP, contrariamente aos previstos no nº 2, se o consentimento do titular dos direitos afectados for válido, jamais se poderá falar nulidade de prova, designadamente, por intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas comunicações.
É o que acontece, nos casos das mensagens voluntariamente gravadas num voice mail alheio (cfr. Ac RP de 17/12/1997, Ac RE de 4/12/2001 e de 05/02/2003). Nesses casos, como referiu Costa Andrade, a fls. 251 da obra já citada, a gravação consentida (ou a sua utilização) configura uma forma paradigmática de exclusão do ilícito típico, não por força de qualquer justificação de lesão do bem jurídico, mas pela exclusão da tipicidade, por ausência de lesão do bem jurídico.
Porém, o consentimento, para além de abranger as situações em que o direito lesado é livremente disponível, pressupõe a efectiva intervenção do respectivo titular e não da pessoa que tiver disponibilidade sobre ele - nesse sentido, o AC T. Constitucional nº 507/94 (de 14 de Julho de 1994) julgou inconstitucional a interpretação segundo a qual a busca domiciliária em casa habitada e as subsequentes apreensões efectuadas durante aquela diligência podem ser realizadas por órgão de polícia criminal, desde que se verifique o consentimento de quem, não sendo visado por tais diligências, tiver a disponibilidade do lugar de habitação em que a busca seja efectuada.
Na parte inicial do nº 3 do artigo 126º faz-se uma ressalva para os casos previstos na lei.
Assim, não são meios proibidos de prova as buscas domiciliárias, as apreensões de correspondência, as escutas telefónicas, o registo de voz e imagem, o tratamento de dados pessoais para fins de investigação policial, a quebra do dever de segredo profissional, desde que respeitados os pressupostos muito rigoroso da lei processual penal, de cariz materialmente constitucional, que, salvo raras excepções, estão sujeitos, desde logo sujeitos a reserva de juiz.
Questões novas que estão a ser debatidas na jurisprudência:
-ARE de 07/10/2008, processo 2005/08-1
Não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito (e pelo tempo tido por necessário pelo órgão de polícia criminal encarregue do mesmo).
-ARL de 15/07/2008- SMS
A mensagem recebida em telemóvel, atenta a natureza e finalidade do aparelho, é de presumir que uma vez recebida foi lida pelo seu destinatário.
Deste modo, na sua essência, a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
Tratando-se de meros documentos escritos, estas mensagens não gozam de aplicação do regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 29-03-2006, relatado pelo Exm.º Desembargador Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt,)pelo que a leitura de tais sms não carece de ser ordenada ou autorizada pelo JIC, não sendo de aplicar o regime das escutas.
- Em sentido CONTRÁRIO, AC STJ de 20/09/2006- constitui nulidade relativa a ausência de autorização judicial, para a leitura do SMs, quer tenham sido ou não lidos pelo respectivo destinatário.
Outros meios proibidos de prova que estão dispersos pelo CPP:
- casos de omissão ou de violação do dever de informação ou advertência do suspeito ou arguido: 58/5 (formalidades da constituição como arguido), 141/4/a), 343/1 (informação sobre os direitos do arguido, designadamente o direito ao silencio)
- 134 (ausência de informação sobre a possibilidade de recusa de depoimento), 147/7 (violação das formalidades do reconhecimento de pessoas)
- proibição de prova relacionada com o principio da imediação. 129/1 (depoimento indirecto), 130 (vozes públicas e convicções pessoais), 355 (leitura de declarações prévias ao julgamento).
Conclusão
Não há dúvida que o princípio da investigação ou da verdade material, sem prejuízo da estrutura acusatória do processo penal, tem valor constitucional
Porém, só a verdade material, obtida de forma processualmente válida, interessa ao Estado de Direito.