segunda-feira, abril 16, 2007

O inquérito: sua finalidade e âmbito; a direcção do inquérito pelo Ministério Público.

(texto de Ana Luísa Ribeiro, para a sessão de 16 de Outubro de 2006)

O inquérito realiza-se sob a titularidade e direcção do MP, e constitui a fase normal de preparar a decisão de acusação ou não acusação.
O inquérito está a cargo do MP, coadjuvado pelos OPC’s, actuando estes sob a sua directa orientação e na sua dependência funcional (cfr. arts. 56º 263º CPP) e tem por finalidade essencial investigar a notícia do crime e proceder a determinações inerentes à decisão de acusação ou não acusação, compreendendo o conjunto das diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e respectivas responsabilidades bem como recolher todas as provas indispensáveis àquela decisão (cfr. art. 262º CPP).
Fase processual em que o MP detém a quase exclusividade de acesso ao processo, o inquérito é secreto (cfr. art. 86º/1CPP) e o segredo de justiça vincula todos os participantes processuais, bem como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o processo e conhecimento de elementos ele pertencentes de forma a proteger a investigação.
O processo penal português tem estrutura acusatória mitigada com o princípio da investigação, e está subordinado ao princípio do contraditório. Vigora ao longo do processo também o princípio da igualdade de armas, todavia, de forma muito ténue, senão mesmo inexistente na fase do inquérito.

A actuação do MP rege-se por critérios de estrita objectividade, assim e durante a fase de inquérito deve investigar em todos os sentidos procurando a verdade e não acusação, ao MP importa condenar os culpados e absolver os inocentes.
A Lei confere amplos poderes ao MP, desde logo a CRP no seu art. 219º estabelece que ao MP compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.
De igual modo, a Lei Orgânica do Ministério Público estabelece no art. 3º/1 b) que compete ao MP exercer a acção penal; f) que lhe compete dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades; l) que lhe compete fiscalizar os órgãos de polícia criminal. O CPP vem atribuir ao MP a exclusividade da titularidade da acção penal; nenhuma outra entidade, além do MP, pode promover e dar andamento ao processo penal, regra estabelecida pelo art. 48º, com as excepções taxativamente previstas dos arts. 49º a 52º.
Laborinho Lúcio, Jornadas de Direito Processual Penal: “A conduta do MP deve ser orientada unicamente pelos fins da descoberta da verdade e da realização da justiça e, portanto, pela observância estrita de um dever de objectividade.”
Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Processual Penal: “o MP não é interessado na condenação mas unicamente na obtenção de uma decisão justa: nesta medida, ele compartilha com o juiz num dever de intervenção estritamente objectiva. (…) Do início até ao fim do processo a vocação do MP não é a de parte, mas a de entidade unicamente interessada na descoberta da verdade e realização do direito.”
Relativamente ao inquérito, a maior fonte de divergências prende-se com a atribuição da competência ao MP para a sua direcção (cfr. art. 263º CPP). Uma vez que a CRP prevê no art. 32º/4 que «toda a instrução é da competência de um juiz» e sendo o inquérito considerado como autêntica fase de instrução, surgiu a questão da constitucionalidade da atribuição ao MP da competência para a sua direcção, o TC já se pronunciou em Ac. 31/01/90 (- ver sumário).
O MP é assim denominado na doutrina como dominus da fase processual do inquérito, contudo, a sua actividade de exercer a acção penal poderá sair comprometida nalgumas situações.

­ O assistente:
Limitação ao exercício da acção penal é a figura do assistente. Mormente quanto aos crimes particulares, casos em que o MP está limitado no exercício da acção penal. Apesar de o assistente ser caracterizado, na lei processual, como coadjutor do MP, nos crimes particulares pode assistir-se a uma “privatização” da promoção da acção penal, uma vez que o MP se limita a notificar o assistente para deduzir acusação. A primeira e última palavra, nestes crimes, fica a cargo do assistente, podendo o MP, apenas acompanhar a acusação.
Nestes casos, e principalmente, quando o MP decide não acompanhar a acusação particular, deveria a fase de instrução ser obrigatória, de modo a que o juiz de instrução aferisse dos indícios suficientes?

­ A constituição de arguido:
A constituição de arguido pode ser efectuada por OPC – e não apenas pelo MP, ainda que para tal não seja necessário a existência de quaisquer indícios. Sempre se dirá que a constituição de arguido confere um estatuto processual que é condição de exercício de vários direitos, contudo, é também a condição de aplicação das medidas de coacção e garantia patrimonial, e não pode deixar de se considerar que é uma posição processual com conotação negativa.
Deve o MP estar arredado de tal procedimento, como defensor da legalidade democrática, tanto mais que não são sequer exigidos quaisquer indícios para que tal constituição se verifique?

­ Delegações genéricas de competências nos OPC’s:
A lei processual prevê e admite as delegações genéricas de competências do MP nos OPC’s, excluindo apenas os depoimentos ajuramentados, ordens de perícia, assistência a exames ofensivos do pudor e autorizações a certas revistas ou buscas.
Os OPC’s podem conduzir um inquérito à revelia do MP com base nas delegações genéricas de competência?
Importa articular a autonomia táctica dos OPC’s, a sua dependência funcional do MP e a condução estratégica do inquérito também a cargo do MP.
O inquérito, realizado sob a titularidade e a direcção do MP, é a fase normal de preparar a decisão de acusação ou de não acusação, contudo daqui não pode extrair-se a ideia de que a investigação criminal deve ser directa e materialmente realizada pelo MP. No dizer da circular da PGR n.º 8/87, emitida no seguimento da entrada em vigor do actual CPP, “a investigação criminal exige o domínio de técnicas, o conhecimento de varáveis estratégicas e a disponibilidade de recursos logísticos que são geralmente atributo dos órgãos de polícia criminal. E, como magistratura, o MP não é nem deve ser um corpo de polícia. A titularidade inquérito deve ser entendida como o poder de dispor material e juridicamente da investigação, no sentido de:
a) Emitir directivas, ordens e instruções quanto ao modo como deve ser realizada;
b) Acompanhar e fiscalizar os vários actos;
c) Delegar ou solicitar a realização de diligências;
d) Presidir ou assistir a certos actos ou autorizar a sua realização;
e) Avocar, a todo o tempo, o inquérito;No dizer do art. 56º CPP, os órgãos de polícia criminal actuam sob a directa orientação do MP e na sua dependência funcional, com vista a efectivar os objectivos do inquérito – Ver Ac. Rel. Porto 12/02/1997, não considera nulos os actos de instrução do processo crime feitos pelas polícias por delegação do MP.