sexta-feira, abril 13, 2007

Apreensões

(texto de Cláudia G.T. de Melo Graça, para a sessão de 21 de Novembro de 2006)

A matéria das apreensões encontra-se regulada nos art.º178 a 186 do CPP.
Genericamente dir-se-á que podem ser sujeitos a apreensão todos os objectos em conexão com um determinado crime, que sejam susceptíveis de servir de prova. Tais objectos, ficam junto ao processo, ou à guarda de funcionário ou depositário. Regulando o Art.º 185 o regime dos objectos perecíveis, perigosos ou deterioráveis.

A apreensão de correspondência e a efectuada em escritório de advogado, consultório médico e instituição bancária são também objecto de regulação autónoma nos Artº 179,180 e 181 do CPP.

Ainda como nota introdutória, refere-se o facto do Art.º 183 admitir a passagem de certidão ou cópia dos documentos apreendidos. Neste particular, cumpre salientar que é entendimento jurisprudencial que a esta norma não se aplicam as regras do CCJ , logo não são tributadas as cópias ou certidões, na medida em que tais peças mais não são que a decorrência da apreensão efectuada não devendo o detentor já sacrificado no seu direito por se encontrar privado do original, ter ainda que suportar o encargo da cópia. ( Ac. R.L. 29-09-2004 relator: Carlos Almeida).

Passam-se agora a abordar algumas questões particulares do regime:

1ª Pode entender-se que há validação tácita da apreensão, quando se fundamentam os indícios para aplicação de medida de coação, nessa mesma apreensão?

Exemplo: um cidadão é detido em flagrante pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e em consequência dessa detenção é lhe apreendida uma quantidade de produto. É apresentado ao JIC para 1º Interrogatório que lhe aplica a prisão preventiva fundamentando os indícios no produto apreendido, mas sem nunca validar expressamente a apreensão.

Estabelece o Artº178/3 que as apreensões são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho da autoridade judiciária, sendo que quando levadas a cabo por OPC no âmbito das medidas cautelares de polícia devem ser validadas no prazo máximo de 72h.
O Art.º 141 estabelece um prazo de 48h para apresentação do detido ao JIC.

A Jurisprudência responde a esta questão ( Ac.RC 29-03-2006 e Ac. TC 410/2001 de 02-09-2001) entendendo que não tem que existir uma validação expressa. Ao ser utilizado como fundamento para a aplicação da medida de coação, pressupõe-se que o JIC teve que fazer um juízo critico sobre a apreensão, validando-a tacitamente.
Quanto à hipotética violação do direito de defesa do arguido, entende o TC:
“Com efeito, garantia para o arguido é a exigência de que um apreensão feita por um OPC seja validada, num prazo curto, por uma autoridade judiciária, verificando-se tal validação - que naturalmente implica que essa mesma autoridade aprecie a regularidade e a validação da apreensão - é do ponto de vista das garantias de defesa irrelevante que a mesma tenha tradução numa declaração expressa ou que apenas se revele implicitamente.”

Não se consegue acompanhar esta posição, porquanto:
® A função fiscalizadora e de garante da legalidade do JIC no inquérito tem carácter pontual e pré-determinado
®Porque não se faz igual raciocínio para a validação da detenção?
®Contra censo com o que tem vindo a ser posição do TC quanto ás garantias do arguido durante o 1º interrogatório e projecto de alteração do CPP

2º A apreensão como meio de obtenção e conservação de prova pressupõe a prévia análise do documento apreendido com vista a averiguar a susceptibilidade do mesmo servir os propósitos probatórios da investigação, não devendo ser considerado meio de investigação criminal?

Ou seja, deve haver um critério prévio de selecção e se sim, a realizar pelo JIC ou pelo M.P? e que relação deve ser estabelecida entre apreensões, objecto do processo e investigação.

Deve ter-se presente o princípio da estrutura acusatória do processo, as finalidades do inquérito e a intervenção ocasional do JIC nesta fase do processo.
Daqui resulta que a recolha e selecção da prova cabe ao M.P. sendo a intervenção do JIC reduzida ao controlo da legalidade dessa actividade em momentos pré-determinados.
Quanto ao facto das apreensões não poderem ser utilizadas como meio de investigação, de salientar é o facto do objecto do processo só se fixar com a acusação, pelo que só com esta se fixa o objecto da prova. O que pressupõe que a pertinência da apreensão é determinada pelo M.P. segundo critérios dominados pela investigação.

3º No que concerne à assistência pelo JIC à diligência da apreensão, questionou-se no Ac. RL 18-05-2006 se:

· O Art.º 180 ao remeter para o regime das buscas, estabelece que o JIC tem de presidir pessoalmente às apreensões que se levem a cabo em escritório de advogados ou consultório médico. Por seu turno, o Art.º 181/1 não faz tal remissão, estabelecendo apenas que “ o juiz procede à apreensão”

Deve entender-se este diferente tratamento linguístico como vontade de diferenciar, na prática, as duas situações?
Cabe então saber o que subjaz à necessidade da presença do JIC nestas situações para tentar verificar se entre elas alguma diferença existe.
E parece que não.

O Art.º 268/1c) quando determina os actos a praticar exclusivamente pelo JIC durante o inquérito não distingue as situações do Art.º180 das do Art.º181 e entende-se que nem o poderia fazer pois na base dos dois preceitos está uma garantia comum.
E isto independentemente de se considerar o bem jurídico protegido pelo segredo profissional como supra-individual institucional ou com valor pessoal-individual, pois se neste último se protege a esfera privada do individuo, no primeiro releva o interesse comunitário da confiança na discrição e reserva de determinados grupos profissionais, como condição do seu desempenho eficaz, entendendo-as como instituições fundamentais da organização comunitária.

De referir é também que a presença do JIC na diligência deve ser continua, desde o seu inicio até ao seu terminus, não se devendo ausentar ainda que as operações em curso tenham carácter meramente técnico, não sujeito ao seu controle, como seja a cópia de ficheiros, previamente determinados, de um computador.

4º E falando e em novas tecnologias, cumpre articular o regime das apreensões estabelecido no CPP com as novas realidades.

Num primeiro plano, discutiu-se se podiam os OPC´s ter acesso à informação contida num computador no decurso de uma busca e apreende-la, ou se tal conhecimento lhes estava vedado por se tratar de informação pessoal.
Do direito ao domicílio enquanto espaço de privacidade e intimidade decorre a necessidade de ordenação pelo JIC de buscas domiciliárias.
Ao ordenar a busca e consequentes apreensões, está implícita a autorização para o OPC que a leve a cabo tomar conhecimento de todos os objectos que se relacionem com o crime e neste ponto com o conteúdo do disco rígido do computador que ai se encontre. Pois os documentos que ai se encontram mais não o são, ainda que em suporte diferente do papel.

A única excepção que cumpre fazer é quanto ao correio electrónico, devendo neste ponto esclarecer qual o regime aplicável: apreensões ou escutas telefónicas?

O Art.º190 tem a sua tónica nas comunicações em curso. Isto é, não se aplica a qualquer comunicação, apenas aquelas que estão a decorrer. Ora, também as comunicações por via electrónica (e o mesmo se diga para as SMS), podem ser determinadas num lapso de tempo. Começam quando entram na rede e acabam quando saiem da rede. E só neste hiato se pode falar em comunicação e intercepção para efeito do Artº190, e sua aplicação ao correio electrónico e SMS.

Desta forma, fora desta situação, está-se sempre perante o regime das apreensões, uma vez que as mensagens recebidas ficam gravadas no receptor devendo ter o mesmo tratamento da correspondência escrita recebida pelo destinatário.

Determinado que está o regime geral, deve distinguir-se a mensagem aberta da não aberta, pois só esta última goza da protecção da reserva da correspondência estabelecida no Art.º179. já que, como se disse as primeiras reconduzem-se à categoria de meros documentos escritos, só que arquivados em formato digital.

Consequentemente, no que as mensagens não abertas respeita, não estando o JIC a presidir à diligência, não podem os OPC´s conhecer do conteúdo das mensagens, devendo o computador ou o telemóvel ser entregue ao JIC para que em cumprimento do Art.º178 este seja o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo e a decidir da sua junção ou não aos autos.

Juntos aos autos o conteúdo das apreensões, estas valem como prova documental, não sendo necessária a sua leitura durante a audiência de julgamento para que se tenha como produzida.

O projecto de revisão, na nova redacção a dar ao Art.º189 vem criar algumas dúvidas sob a interpretação supra, na medida em que se refere “ mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital”. A exposição de motivos não adianta qualquer explicação limitando-se a reproduzir o normativo e referindo que o regime é aplicável a novas formas de comunicação. Então, ou o conceito de comunicação tem que ser redefinido, ou por guardadas tem que se entender algo diferente do manter intacto depois de conhecido ou apenas recebido.

5º questão chamada frequentemente à colação quando de trata de apreensões é a sua articulação com o sigilo profissional e bancário. Porém o inquérito não é a fase processual em que tal questão tenha que se enfatizar.

Com efeito, devem distinguir-se dois momentos. O da apreensão da prova e o da revelação da prova.

E no que ao sigilo respeita, é no momento da revelação, e não no da apreensão, que se terão que ponderar e equacionar os direitos em conflito, nomeadamente saber se a realização da justiça penal é por sí só, interesse legitimo bastante para justificar a imposição da quebra de segredo.

Questão semelhante se pode colocar com a apreensão de documentos de terceiros e a sua tutela do direito à privacidade. Também aqui, no momento da revelação deverão ser equacionados e compatibilizados os vários interesses em concreto.
Relativamente aos terceiros, saliente-se que não tem que haver qualquer fundamentação no auto de apreensão, justificando a apreensão nem a relação ou não este com a investigação.

6º Por fim, esta problemática da revelação do segredo e do conteúdo que pode ou não ser conhecido no âmbito das novas tecnologias, leva a questionar se cometerão ou não os OPC´s o crime previsto no Art.º194 C.P.( Violação de correspondência ou de telecomunicações), quando não forem cumpridas as regras estabelecidas.

Directamente, não se encontram preenchidos os elementos constitutivos do tipo, e apenas através de uma interpretação actualista e pouco sistémica do preceito se pode considerar incluído em “escrito fechado” o SMS ou o e-mail, ou que aceder ao telemóvel ou ao computador constitua “um procedimento que estabeleça um obstáculo físico à tomada de conhecimento e que só seja ultrapassável à custa de uma actividade física que pode ou não implicar uma ruptura material”, conduta exigida ao agente para que se preencha o tipo.

Parece que o legislador não quer incluir na norma as novas formas de comunicação, facto a que não é alheio, senão seja-se a nova redacção proposta para o Art.º190 CP, nela se incluindo o telemóvel, justificada na exposição de motivos pelo facto de “ a conduta ter dignidade punitiva idêntica à do telefonema para a habitação e o uso generalizado de telemóvel justifica o alargamento do tipo.”

Não podendo alcançar os insondáveis desígnios do Legislador, atreve-se a supor que esperará este por legislar em bloco a matéria relativa ás novas tecnologias, nomeadamente com a transposição das normas constantes da Convenção do Cibercrime já assinada por Portugal.
Referindo-se quanto a este aspecto, e em jeito de notas finais que a Convenção estabelece novas formas de apreensão em ambiente digital que solucionariam algumas dificuldades práticas nesta matéria.
De referir também que em matéria de cooperação judiciária deve ser tomado em conta a Convenção Europeia de Auxilio Judiciário, que prevê a realização de apreensões, bem assim como diferentes acordos de auxilio mutuo bilaterais (nomeadamente com os PALOP e Canadá), na sua maioria relacionados com o combate ao tráfico de estupefacientes e em que são também previstas a realização de apreensões.