segunda-feira, abril 28, 2008

Reconstituição do Facto

(notas para powerpoint de Sara Cruz, para a sessão de 14 de Janeiro de 2008)

Introdução
A Reconstituição do facto: Art.150 do C.P.P.
No CPP de 1929 não previa qualquer meio de prova correspondente à reconstituição do facto prevista no artigo 150.º C.P.P.;
Semelhança com a inspecção judicial, meio de prova em processo civil, prevista no artigo 612.º do CPC;
O C.P.P. restringe a reconstituição do facto a situações em que o simples exame ou inspecção de vestígios deixados pelo crime e demais indícios sejam insuficientes ou não tenham sido tempestivamente recolhidos artigo 171.º n.º 1 do CPP.

Artigo 150 do CPP
O que é a reconstituição do facto?
“Consiste na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo.

(art. 150º, nº 1, 2ª parte CPP)
Vale como meio de prova sobre os factos a que se refere;
Demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios de prova, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» artigo 127º do CPP;
Não impõe nem depende da intervenção do arguido, nem a exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição;
Não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, artigo 126º do CPP.

Artigo 150 do CPP
Jurisprudência exemplificativa:
O Tribunal da Relação de Lisboa no AC. de 08-02-2007, qualificou como reconstituição do facto uma diligência designada por "Auto de reconhecimento de local" efectuada pela P.J., tendo atendido ao conteúdo e à substância da diligência para a valorar e não ao seu nomen juris.
Ac.Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Fevereiro de 2007, Proc. nº.849/2007-9, in www.dgsi.pt.

Requisitos
Necessidade
Quando é que se pode recorrer a este meio de prova?
“Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição.” - Art. 150º, nº 1, 1ª parte CPP
Quando os outros indícios, sejam insuficientes ou não tenham sido tempestivamente recolhidos (art. 171º CPP);
Necessidade da sua reconstituição, de forma a que seja possível inferir a forma como terá ocorrido o facto;
Para dissipar dúvidas acerca da possibilidade do facto ter ocorrido de certa maneira.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16/ 11 /2005, in
www.dgsi.pt, coloca-se a propósito da reconstituição do facto o problema da sua necessidade e relevância.

Factos
Que factos podem ser objecto deste meio de prova?
O próprio facto típico;
Uma parte do facto típico;
Um dos elementos ou circunstâncias do facto típico;
Para comprovar se uma testemunha poderia ter observado um dado facto em certas circunstâncias de tempo e lugar
Importa é que seja relevante para a prova.

Finalidade
“Quando houver necessidade de determinar se um facto poderia ter ocorrido de certa forma, é admissível a sua reconstituição.” - Art. 150º, nº 1, 1ª parte CPP)
A representação de uma versão hipotética do facto para confirmar ou infirmar a sua veracidade ou possibilidade;
A comprovação de um facto histórico.
“…não apurar se o autor do disparo letal foi o arguido - o que, pela natureza da reconstituição e pela lógica das coisas a reconstituição não pode determinar. Mas antes e apenas, como resulta do teor da lei, se o facto (disparo, no caso) “poderia ter ocorrido de certa forma”. Ou nas “condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido”. A reconstituição do facto não tem assim por finalidade apurar a existência do facto em si, mas se “podia ter ocorrido de determinada forma…”
Ac. Relação de Coimbra de 16/11/2005 Proc. 1793/05, in www.dgsi.pt

Falibilidade
Será este meio de prova falível?
Quanto mais fiel for a reconstituição maior será o grau de certeza do resultado que se pretende conseguir;
Sendo certo que este meio de prova revestirá sempre grandes dificuldades, sobretudo em termos de uma correcta interpretação dos factos;
Daí que para uma boa fundamentação da convicção do tribunal que recorre a este meio de prova, seja conveniente que a reconstituição não seja avaliada só por si, mas corroborada por outros meios de prova, que mostrem a compatibilidade da reconstituição com essas provas e destas com aquela.
Ac STJ de 20/04/2006 Proc. n.º 06P363 in www.dgsi.pt. e Prof. Germano Marques da Silva
“pode ser designado perito para execução de operações determinadas.” (art. 150º, nº 2, in fine CPP)

Formalidades
Competência
Quem pode ordenar a reconstituição do facto?
O art. 150º, nº 2, 1ª parte CPP apenas refere que o despacho que ordenar a reconstituição do facto deve conter uma indicação sucinta do seu objecto, do dia, hora e local em que ocorrerão as diligências e da forma da sua efectivação”;
Nada referindo sobre a entidade que o emana;
Poderá ser ordenada na fase de inquérito por Autoridade de polícia criminal da P.J. (artigos 11 e 11-A do DL 275-A/2000 de 09-11) ou tal competência é exclusiva do MP?
MP para decidir sobre a dedução da acusação;
Juiz de instrução, tendo em vista decidir sobre a pronúncia ou não pronúncia;
Juiz de julgamento, para decidir sobre a matéria de facto.

Competência
Jurisprudência exemplificativa:
“… conforme dispõe o artigo 249 n.º 1 e 2 al.b) do CPP, cabe ainda aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar actos cautelares necessários e urgentes para assegurar meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.”
Ac do STJ de 22-04-2004 proc. 04P902, www.dgsi.pt .

“A diligência foi efectuado pela Polícia Judiciária a quem competia a investigação específica/reservada deste tipo de crimes ( vd. art.º 5.º n.º 2 alínea o) do DecLei 275-A / 2000 de 9 de Novembro).Não se vislumbra qualquer nulidade no modo como tal prova foi recolhida e o que resulta dos autos e do depoimento do agente da P.J..”
No acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 08-02-2007 in www.dgsi.pt.

Também se pronunciou neste sentido o Ac STJ de 14 Junho.2006 in Proc.1574 in www.dgsi.pt .

Despacho que ordena a reconstituição do facto:
Jurisprudência exemplificativa:
“…a falta desse despacho não afecta o valor da reconstituição como meio de
prova, por lhe ser exterior.”
“A ausência de despacho a determinar a reconstituição preencherá um vício estritamente processual, vício que, não estando previsto como nulidade, só pode, nos termos do artº 118º, nºs 1 e 2, do referido código, constituir irregularidade. Por isso, para ser conhecida, tinha de ser arguida perante o tribunal de 1ª instância no prazo referido no nº 1 desse artº 123º. Nunca em sede de recurso. Recurso só poderia haver da decisão que apreciasse a arguição da irregularidade. Assim, não se tendo seguido esse caminho, o vício,
a ter existido, sanou-se.”
Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12/12/2007 Proc. 0714692 in www.dgsi.pt.

Documentação da Diligência
Da reconstituição do facto deve ser lavrado um auto, pois esse é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais (art.99º CPP);
O auto pode ser parcialmente substituído ou completado por documentação audio-visual ou por outra adequada, como a fotográfica, tal como resulta do artigo 150º, nº 2 CPP;

Falta de assinatura do auto
A falta de uma assinatura é, nestas condições, inócua.
Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12/12/2007 Proc. 0714692 in www.dgsi.pt.

Publicidade
“A publicidade da diligência deve, na medida do possível, ser evitada.” (art.150º, nº 3 CPP);
Critério de proporcionalidade e adequação na medida em que é necessário que este acto decorra com serenidade, privacidade e com total liberdade de movimentos por parte dos OPCs e outros intervenientes.

Defensor e Arguido
O facto de o arguido ter estado assistido por defensor nomeado e não por mandatário, que ainda não constituíra, é totalmente irrelevante em termos de valor da diligência como meio de prova.
Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12/12/2007 Proc. 0714692 in www.dgsi.pt.

Assistência de defensor:
Constituição formal como arguido do suspeito que participa na reconstituição:
Regra geral
• Caso a pessoa ainda não tivesse sido constituída arguida, mas já o devesse ter sido por imposição legal (arts. 58º, nº 1 e 59º, nº 1 CPP)
• As declarações, escritas ou não, prestadas por ela, informalmente, não podem ser utilizadas como prova contra ela (art. 58º, nº 4 CPP).

Defensor e Arguido
Constituição formal como arguido do suspeito que participa na reconstituição:
No acórdão do STJ de 22-04-2004 (Proc. 04P902 www.dgsi.pt), suscitou-se a
questão da valoração de declarações alegadamente confessórias de um suspeito que ainda não tinha sido constituído arguido durante a reconstituição do facto.
Resolve a questão admitindo a valoração dos depoimentos defendendo que quando as mesmas tiveram lugar ainda não existia uma fundada suspeita sobre o arguido.

A reconstituição do facto
QUESTÕES

Declarações do Arguido
Durante a reconstituição do facto e o seu silêncio na audiência:
O direito ao silêncio na audiência de julgamento (artigo art. 343º, nº 1 CPP):
artigo 357 n.º 1 b) do CPP
artigo 356 n.º 7 ex vi artigo 357 n.º 2 . do CPP.
reconstituição do facto tem de obtida de forma legal e válida;
valoração dentro dos limites legalmente estabelecidos (livre convicção criada
com base na análise dos indícios, segundo as regras da experiência).

O auto de reconstituição:
um registo objectivo é observado por quem lá esteja presente (nomeadamente, OPC, MP, defensor do arguido), não será valorado de forma isolada, mas em conjunto com outros elementos conjugados com ele.

Declarações do Arguido
Jurisprudência Exemplificativa:
“Com efeito, indicou o local onde a acção se desenvolveu, levando ali os investigadores; mostrou, por gestos, como apontou a pistola na direcção da cabeça da vítima e a distância a que se encontrava desta, que, no acto de reconstituição, se encontrava substituída por outra pessoa; exemplificou como, com a ajuda de outra pessoa, que identificou, transportou a vítima para um automóvel; e indicou, percorrendo-o com os inspectores da Polícia Judiciária.”
Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12/12/2007 Proc. 0714692 in www.dgsi.pt.

“A reconstituição constitui prova autónoma, que contém contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio (...). A verbalização que suporta o acto de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de «declarações», pois o discurso ou «declarações» produzidos não têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto”.
Ac STJ de 20/04/2006, nº SJ200604200003635, in www.dgsi.pt.

“A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição. As declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido”.
Ac. STJ de 05/01/2005, Proc. n.º 3276/04 da 3ª secção, in www.dgsi.pt.

Declarações do Arguido
Durante a reconstituição do facto e o seu silêncio na audiência:
A reconstituição é, assim, um meio de prova a que se não aplicam as limitações impostas às declarações do arguido.
só não será admissível se não tiver sido validamente adquirido, isto é, se na
reconstituição tiver sido utilizado tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da
integridade física ou moral (artigo 126 CPP);
autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado;
Nada impede que o julgador possa valorar, como meio de prova, a reconstituição

Há Jurisprudência que entende que só poderão ser valorados os factos que
resultem da reconstituição, mas já não o que disse o arguido durante a mesma.
Ac. STJ de 11/07/2001, CJ – STJ (2001), Tomo III, p. 166 ss, seguido pelo Ac. 03/10/2002, Proc. nº 02P804, in www.dgsi.pt e o Ac. RC de 15/12/2004, CJ (2004), Tomo V, p. 53
Só poderão ser valorados os factos que resultem da reconstituição, e as declarações do arguido indispensáveis à compreensão da reconstituição;
Tudo o que o arguido tenha adiantado e que esteja para além do âmbito intrínseco da diligência, designadamente porque lhe foi perguntado, excede o âmbito probatório do meio de prova em causa não podendo ser valorado.

Testemunho dos OPC
Artº 356º, nº 7, do CPP:
A reconstituição do facto está claramente fora do âmbito da norma em referência, até porque, como se viu, não se confunde com as declarações que para ela tenham contribuído.

Testemunho dos OPC
Se o arguido se remeteu ao silêncio na audiência:
A testemunha C………., inspector da Polícia Judiciária, foi ouvida na audiência, mas, como se vê da fundamentação da decisão recorrida, apenas sobre o auto de reconstituição. Mais esclareceu que fizeram a reportagem fotográfica junta aos autos, quer no referido acampamento, quer no local onde o arguido terá deixado o corpo da vítima, e tudo por indicação do arguido. O depoimento desta testemunha foi devidamente conjugado com o auto de reconstituição dos factos junto aos autos, e foi atendido na parte em que deu conta daquilo que presenciou aquando da realização na fase de inquérito da referida reconstituição”.
Ac. do Tribunal da Relação de Porto, de 12 /12/2007, in www.dgsi.pt.

Testemunho dos OPC
Os OPC depõem não sobre quaisquer declarações do arguido que por eles tivessem sido recebidas, mas antes sobre o resultado da sua percepção directa, colhida durante a realização do respectivo auto,
AC. 15/05/2002 Proc n.º 207/02-05 e AC. STJ de 22-04-2004 Proc. 04P902 in
www.dgsi.pt .

Conclusão
1. Não se trata de depoimento indirecto, sujeito ao regime do artigo 129ª
CPP, nem de depoimento abrangido pela proibição do artigo 356º, nº 7
CPP.
2. Tais depoimentos não versam sobre autos de leitura proibida, uma vez que
não se tratam de “declarações de arguido”.

Testemunho dos OPC
Conversas Informais:
As conversas informais, de arguido não podem ser valoradas em sede probatória.
AC STJ de 30/10/2002 Proc. n.º 2804/02-5, in www.dgsi.pt
No entanto, há quem defenda a sua admissibilidade ainda que o arguido opte
pelo direito ao silêncio nas situações em que as declarações do arguido foram produzidas fora do processo, invocando que só não é permitida a inquirição sobre declarações do arguido prestadas em auto processual perante OPC.

Co-arguido
Situação do co-arguido que não interveio na diligência e remeteu-se ao silêncio na audiência:
Esta questão colocou-se no acórdão do STJ de 20/04/2006, Proc.06P363 in
www.dgsi.pt (acórdão da mãe da criança Joana)
a reconstituição tem um valor probatório por si próprio, não só contra o arguido que colaborou na diligência, como também contra o coarguido que não colaborou na reconstituição.
É defendida uma outra posição no acórdão referido que está no voto de
vencido do Sr. Juiz Conselheiro Santos Carvalho:
a única prova que permitiu estabelecer os acontecimentos que levaram à morte da menor CC é a das reconstituições dos factos, realizadas no decurso do inquérito com a colaboração do arguido AA, mas sem a presença da arguida BB.
A reconstituição é assimilada, na parte que incrimina o co-arguido, para o efeito de se lhe aplicar uma exigência acrescida de prova;
Fragilidade do meio de prova;
não deve ser considerado suficiente para sustentar uma condenação, salvo se houver corroboração por outras provas
A valoração das reconstituições sem corroboração quanto à arguida BB é ilegal e inconstitucional e devia ter conduzido à sua absolvição pelo crime de homicídio.das reconstituições resulta a intenção de agredir e não se produziu qualquer outra prova útil.