segunda-feira, abril 28, 2008

Do reconhecimento de Pessoas e Coisas

(notas para powerpoint de Ana Figueiredo, para a sessão de 4 de Dezembro de 2007)

Da prova por reconhecimento

· O reconhecimento de pessoas é um dos meios de prova previstos no C.P.P, e quanto ao procedimento a que deve obedecer dispõe o art. 147º n.º 1, 2 e 3 do C.P.P.

· Do que se trata é de reconhecer no arguido o responsável pelo crime que lhe é imputado. E, pese embora, o reconhecimento seja considerado como um dos meios de prova mais problemáticos e de resultados menos fiáveis, atribuiu-se à informação probatória que ele fornece uma elevada eficácia de convencimento. De facto, a existência de um reconhecimento positivo é um dos meios de prova que mais influencia o tribunal no sentido de afirmar a culpabilidade da pessoa assim identificada.

· Assim, bem se compreende a importâncias das regras procedimentais previstas pela nossa lei para a realização de reconhecimento de pessoas em processo penal com vista a minorar os perigos ínsitos em todo o reconhecimento da identidade. Ora, os requisitos constantes do art.147º mais não são do que a concretização dessas exigências, assumindo-se como condições de validade do próprio reconhecimento.

· Do respeito pelo rigor imposto à respectiva disciplina resultará o valor da diligência como meio de prova, sempre a apreciar livremente pelo tribunal

Para além disso, “embora submetido ao principio da livre apreciação, o auto de reconhecimento da identidade do arguido tende a merecer na prática judiciária um valor probatório reforçado funcionando quase como uma presunção de culpabilidade do suspeito pelo menos na fase indiciária.” – Ac.TC 408/89, in Ac Trib.Const. 13º, T.II pg. 1147 e ss.

Acresce, como refere Medina de Seiça (Legalidade da prova e reconhecimentos “atipicos” em processo penal…, in Liber Disciplorum para Jorge de Figueiredo Dias) que em face desta sua “elevada eficácia de convencimento” ou de “ intensa eficácia persuasiva” ele pode assumir na concreta valoração do provatório disponível um peso determinante do juízo penal.
Mais sustenta este autor que os critérios procedimentais previstos para a realização do reconhecimento não podem deixar de ser vistos como “standards mínimos de validade da informação obtida que, embora não eliminem as limitações inerentes a esse tipo de acto, permitem, de todo o modo, reduzi-las a patamares considerados aceitáveis”.
O art. 147º do CPP fixa o procedimento a adoptar quando haja necessidade de se proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa.
Do respeito pelo rigor imposto à respectiva disciplina resultará o valor da diligência como meio de prova, sempre a apreciar livremente pelo tribunal.

Art. 147º n.º 1 - No processo de reconhecimento começa por se pedir à pessoa que descreva o individuo a reconhecer, com indicação de todos os pormenores de que se recorda, nomeadamente idade, sexo, raça, estatura, cor dos olhos e cabelos , deformidades, forma do nariz, etc. Esta preliminar descrição pode servir diversas funções:
- verificar se a pessoa que o sujeito descreve corresponde ao identificando;
- avaliar a capacidade perceptiva e de memorização de quem faz a descrição;
- fixar os parâmetros físicos para a escolha das pessoas que devem entrar na cena cognitiva.
A descrição preventiva da pessoa a reconhecer, efectuada pelo sujeito activo visa um certo controlo da credibilidade do reconhecimento e, consequentemente, da sua efectiva atendibilidade.

De seguida é perguntado ao sujeito activo se já tinha visto a pessoa descrita antes e em que condições, bem como outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação – cautelas dirigidas sobretudo a detectar a formação e sobreposição de imagens intermédias que podem comprometer a validade da identificação e avaliar a personalidade do sujeito activo.

Art. 147º n.º 2 - E se depois das diligências supra referidas a identificação não for cabal, afasta-se o sujeito activo e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar.
Estas pessoas que são chamadas para completar o ambiente cénico exigido, é feita a partir por semelhança com o identificando e não com a imagem visual descrita pelo sujeito activo do reconhecimento.

A este propósito escreveu-se no acórdão do STJ de 15.03.2007, in, www.dgsi.pt:
“… para além de se poder dizer que a “semelhança” nem sempre é objectivável, também nem sempre são possíveis as condições necessárias para a obter. E, por isso, a alegada ausência de semelhança dos indivíduos sujeitos ao reconhecimento não torna nula a prova obtida, de resto só existente quando se usam os meios proibidos de prova enunciados no art.º 126.º do C.P.P, antes acarreta uma maior fragilidade na livre apreciação que o julgador deve fazer das provas obtidas, nos termos do art.º 127º do C.P.P, a ponto de poder nem ter qualquer valor (art,147º, n.º4)”

Por último procede-se à identificação: escolhidos os figurantes, a pessoa a identificar é colocada ao lado deles devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento.

“Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece alguns dos presentes e, em caso afirmativo qual.”

De referir que todo este cuidado demonstra a importância processual deste meio de prova, estruturado, também sistematicamente, como um meio autónomo e material de prova que não se confunde com a prova testemunhal

· Art. 147º n.º3 - “ Se houver razão para crer que a pessoa chamada a fazer a identificação pode ser intimidade ou perturbada pela efectivação do reconhecimento e este não tiver lugar em audiência, deve o mesmo efectuar-se, se possível, sem que aquela pessoa seja vista pelo identificado.”

Isto visa evitar a perturbação ou inibição da pessoa chamada fazer a identificação nomeadamente por receio de eventuais represálias de que venha a ser objecto no futuro ou vingança.
Como resulta deste preceito, só a possibilidade de reconhecimento oculto se encontra afastada da audiência. Todas as outras regras aplicam-se aos reconhecimentos efectuados em audiência.

Art. 147º
“…
4. As pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no n.º 2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto.
5. O reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do n.º2.
6. As fotografias, filmes ou gravações que se refiram apenas a pessoas que não tiverem sido reconhecidas podem ser juntas ao auto, mediante o respectivo consentimento. “

O reconhecimento fotográfico não é, verdadeiramente, um meio de prova, mas antes uma técnica inicial de investigação, válida para identificar o possível agente do crime e que só pode valer como meio de prova nos casos em que for seguido de reconhecimento presencial efectuado nos termos do n.º 2. Esta situação suscita, desde logo, o problema das garantias que deve rodear a prática de tal identificação. Assim, deve entender-se não ser de admitir que se mostre uma única fotografia do suspeito, antes esta deve ser exibida em conjunto com uma ampla variedade de outras fotos de pessoas de características similares. Isto para assegurar a atendibilidade do resultado e impedir que o reconhecimento seja fruto de sugestões ou de convencimentos pré formados.

Art. 147º n.º 7
“ O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova seja qual for a fase do processo em que ocorrer.”

Veio por termo à controvérsia existente na jurisprudência e na doutrina e que se prendia com a questão de saber se as formalidades a que deve obedecer o reconhecimento nas fases do inquerido e da instrução se deveriam ou não aplicar a um reconhecimento efectuado na audiência de julgamento.
Hoje a questão está resolvida, na medida em que o n.º7 refere expressamente “ seja qual for a fase do processo”.

Nota:
Embora o art. 147º do C.P.P. se refira ao reconhecimento de pessoas ou coisas, não esgota o leque de objectos susceptíveis de reconhecimento nem a fonte de percepção. Parece que nada obsta a que o reconhecimento incida sobre qualquer percepção sensorial reconhecível: cheiros, sons e quaisquer outros fenómenos captáveis pelos sentidos, uma vez que a lei não o proíbe e as normas do art. 147º a 149º não visam permitir a prova por reconhecimento mas apenas disciplinar o modo de proceder ao reconhecimento das pessoas e coisas.

Art. 148º - “Reconhecimento de objectos”

Remete para o procedimento a observar quanto ao reconhecimento de pessoas previsto no art. 147º.

Art. 149º - “ Pluralidade de reconhecimentos”

1 – Activos – Hipótese em a pessoa que efectua reconhecimento deve fazê-lo em relação a vários indivíduos ou objectos.
2- Passivos – Reconhecimento por várias pessoas do mesmo individuo ou do mesmo objecto.
É correspondentemente aplicado o que se referiu a propósito dos art. 147º e 148º.

Questões mais controversas:

1 – Saber qual a validade de um reconhecimento efectuado na sequência da declaração de invalidade de um anterior reconhecimento relativo ao mesmo arguido, por inobservância das formalidades legais prescritas no art. 147º?

Parece que a cominação legal constante do n.º 7 (anterior n.º4) do artigo 147º do C.P.P. só se aplica ao respectivo acto processual, pelo que a invalidade do primeiro reconhecimento não obsta à ponderação do valor provatório do segundo.
Esta questão foi tratada pelo TC no Ac. 199/2004. E nele se escreveu,
“… antecedido de um reconhecimento inválido, um reconhecimento regular não beneficiará já de todas as condições de genuinidade do acto, sendo igualmente possível que um eventual erro cometido no primeiro reconhecimento se converta numa realidade psicológica para quem procedeu e esse reconhecimento.
Mas será aí que, tal como se entendeu no acórdão recorrido, pode funcionar a livre convicção do julgador na apreciação da prova, tendo em conta não só o resultado do reconhecimento em causa como todo o material provatório que lhe é presente em julgamento, já que é em julgamento que o arguido tem todas as possibilidades de exercer o contraditório perante esse material, visando, designadamente, instalar, no mínimo, a dúvida sobre os reconhecimentos (válidos) efectuados.”

2 – Saber se é obrigatória a presença de defensor no acto de reconhecimento?

Esta questão foi já tratada no Ac. da RP de 15.12.2006 in www.dgsi.pt e nele se escreveu:
“ O art.147º do C.P. Penal não impõe que na realização dos autos de reconhecimento os arguidos tenham de ser assistidos por um defensor, não cominando a não observância das formalidades nele previstas como nulidade, mas tão só a sua não valoração como meio de prova.
Também não se trata de uma situação em que a lei exige a presença do defensor do arguido não constituindo, por isso, a nulidade a que alude a al. c) do art. 119º do C.P.P.

1 Comments:

Blogger Aécio Mota said...

E quanto às espécies? Reconhecimento mediato, imediato, indireto, direto, etc? Não vi nada sobre as espécies de reconhecimento classificadas pela doutrina no texto.

A fotografia, inclusive, é tida como meio processual de prova de reconhecimento indireto.

25 agosto, 2011 17:45  

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