segunda-feira, abril 28, 2008

Escutas Telefónicas

(notas para powerpoint de Mafalda Rio, para a sessão de 10 de Janeiro de 2008)

I. Aspectos Constitucionais
II. Requisitos materiais
III. Âmbito subjectivo
IV. Requisitos procedimentais
V. Conhecimentos fortuitos
VI. Extensão do regime
VII. Nulidade

I. Aspectos Constitucionais
Art. 26./1, CRP – Reserva da Intimidade da Vida Privada
Art. 34.º/4, CRP- Protecção do sigilo das comunicações
“Particular sinal de genuinidade e verosimilhança”
(Gosso)
Possibilidade de atingir terceiros
C. Andrade: “Danosidade social polimórfica” – as escutas telefónicas são o
meio mais invasivo dos direitos e liberdades fundamentais das pessoas. (…)
Os estragos têm uma dimensão subjectiva e lesam muito mais bens jurídicos
que os que se queria lesar.
Põem-se em causa todas as esferas de segredo protegidas pela lei e o direito à palavra, à intimidade e o direito do arguido a não contribuir para a sua autoincriminação.
Imperativo da aplicação restritiva

II. Requisitos Materiais
a) Pendência de um processo criminal – art. 34.º/4, CRP
b) “Crime do catálogo” – art.º 187.º/1 e 2, CPP (criminalidade de gravidade
média e alta)
c) Subsidariedade:
- Indispensabilidade para a descoberta da verdade;
- Impossibilidade ou particular dificuldade de obtenção de
prova por outra via.
d) Despacho judicial fundamentado

c) Subsidariedade
Antes de Setembro 2007: “Grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova”
Hoje - Reforço do carácter subsidiário das escutas:
- Maior exigência de ponderação (necessidade, proporcionalidade, adequação)
- Suspeita fundada – não uma mera suspeita – tem que haver já um certo nível de indícios, não sendo bastante a notícia do crime
- Utilização prática subsidiária
MAS
sentido lógico-funcional e não cronológico, sob pena de por em causa a investigação!

d) Despacho judicial fundamentado**
Antes de Setembro 2007: “por despacho do juiz”
Hoje - Reforço da exigência de fundamentação –
Ora, Art.º 97.º/4 CPP – Dever geral de fundamentação
Logo, trata-se de grau de fundamentação mais densificado
Fundamentação de nível intermédio: mais do que os despachos que autorizam meios de obtenção de prova e menos do que as sentenças.
Também o despacho de não autorização deve obedecer a este requisito de fundamentação, para que possa ser sindicável.

III. Âmbito Subjectivo
Art.º 187.º/4, CPP – elenco delimitado – pessoas numa relação próxima com o
crime
a) Suspeito ou arguido
b) Intermediários: aqueles que transmitem ou recebem mensagens destinadas ou provenientes do suspeito/ arguido
- podem ter posição intermédia – circuito
- suspeitas especialmente fundadas
“independentemente da titularidade do meio de comunicação
utilizado”
Pessoas do elenco e identificadas no despacho judicial
Quid Iuris: poderá ser ouvido como intermediário o co-arguido no mesmo processo, mas em crime fora do catálogo?
c) Vítima de crime, mediante consentimento, efectivo ou presumido
ofendido - serão os familiares da vítima de rapto também vítimas para este
efeito, uma vez que são estes os contactados para efeito de resgate?
podem os escutados mudar de estatuto a partir da escuta que lhes foi feita
e, ainda assim, as escutas servirem de prova? Ou será de aplicar,
analogicamente o art. 58.º, CPP?
Campos diversos e autónomos: a escuta não se cinge a arguidos,
mas também a suspeitos que podem nunca vir a ser arguidos.

A protecção do segredo e da confiança penalmente relevantes
A. Defensor – art. 187.º/5, CPP
B. Outras pessoas vinculadas ao sigilo profissional – art. 135.º, CPP
C. Pessoas elencadas no art. 134.º, CPP

A. Defensor
- Consagração da tutela constitucional dos artigos 32.º/1 e 3, e 208.º, CRP
- A excepção só vale se os crimes de que o defensor for suspeito forem
também “crimes do catálogo”
- Não basta qualquer suspeita: “fundadas razões”
- Não é suficiente a suspeita de prática, pelo defensor, de crimes de favorecimento pessoal, receptação ou auxílio material
- Contra quem pode ser usada a prova?
Roxin, C. Andrade: só contra o defensor
André L. Leite: contra defensor e arguido.

B. Outros “portadores de esferas de segredo”
Costa Andrade: interpretação restritiva do regime das escutas telefónicas
quando estiverem em causa comunicações do arguido/suspeito e esse
círculo de pessoas, de forma a conferir-lhes uma “tutela reforçada”.
Neste caso, podem estar em causa crimes de favorecimento pessoal, receptação e auxílio material conexionados com o crime de catálogo.
André Leite: deve-se estender o art. 187.º/5, CPP a todas as situações em
relação às quais o segredo seja fundamental
Carlos Adérito Teixeira: podem ser escutados, havendo controlo do segredo
a posterior na selecção da informação para efeitos de prova. Não há proibição de produção de prova mas sim de valoração.

C. Pessoas elencadas no art. 134, CPP
A maioria da Doutrina entende que não há qualquer limitação às escutas nestes casos:
- Não há função pública reconhecida a estes indivíduos, mas apenas o interesse particular de não depor contra familiar;
- Por maioria de razão, se estas escutas não pudessem ser feitas a estas pessoas, também não poderiam ser ao arguido que tem direito ao silêncio

IV. Requisitos Procedimentais
Art. 187.º/6, CPP – autorizadas pelo prazo máximo de 3 meses, renovável por períodos iguais – sem limite de renovações…
Art.º 188.º/3, CPP – OPC leva ao MP, de 15 em 15 dias, os suportes técnicos, autos e relatórios
Art.º 188.º/4, CPP- MP leva os elementos referidos supra ao JIC, no prazo máximo de 48h
Qual o prazo do juiz? 268.º/4 e 269.º, CPP (24h.)?
Estes prazos correm em férias? 103.º/2 b) – despacho

Juiz deve ouvir as escutas?
controle judicial da escuta
A selecção da informação tem de se basear em critérios do juiz, pois que este conserva uma “imparcialidade operativa”, enquanto juiz das liberdades.
É também em nome da tutela de direitos que se estabelece o controle daquilo que é “manifestamente estranho” ao processo, com vista à sua destruição – 188.º/6, CPP.
MAS
juiz não procura a prova. Garante as liberdades.
Ac. TC 379/2004, 21 de Julho 2004, DR, II série
Ac. TC 426/2005, 5 de Dezembro 2005, DR, II série

O juiz pode fazer cessar, por sua iniciativa, uma escuta?
MP: titular do Inquérito e a selecção da prova hoje também cabe ao arguido e
ao assistente – 188.º/8,CPP
JIC: titular da escuta, pode fazer cessar, mas com fundamento na
salvaguarda de direitos e garantias.

Pode o MP nomear intérprete?
Art.º 188.º/5, CPP: confere essa prerrogativa ao juiz.
MAS, não se trata de acto estritamente jurisdicional - Art.º 92.º, CPP

Transcrição
3 momentos:
a) Para efeitos de aplicação de medida de coacção, durante a escuta, a requerimento do MP e por ordem do JIC – art. 188.º/7, CPP
b) Pelo MP, a indicar com a acusação, ou pelo assistente e pelo arguido, após o despacho de encerramento do inquérito - art. 188.º/8 e 9 a), CPP
c) Pelo tribunal, em fase posterior - art. 188.º/10, CPP

A PROVA é a TRANSCRIÇÃO
- Só as transcrições fundamentam decisões; os suportes técnicos não são
ouvidos, destinando-se a ser destruídos (ou guardados em envelope lacrado)
- JIC não pode ir além do que é pedido pelo MP
- Adquirida a transcrição pelo processo, essa prova é admissível e utilizável
em todos os actos em que se revele útil.

Destruição dos suportes técnicos
- Art.º 188.º/6: destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios “manifestamente estranhos ao processo”, determinada pelo JIC.
- Art.º 188.º/12: “destruídos após trânsito em julgado da decisão que puser
termo ao processo”.
- Art.º 188.º/13: “envelope lacrado (…) utilizados em caso de interposição de
recurso extraordinário”
Ac. TC n.º 450/2007 e n.º 451/2007, de 18/09/2007: “julgar inconstitucional,
por violação do art. 32.º,1, da CRP, a norma do art. 188.º, 3, do CPP, na
interpretação segundo a qual permite a destruição de elementos de prova
obtidos mediante intercepção de telecomunicações, que o OPC e o MP
conheceram e que são considerados irrelevantes pelo JIC, sem que o arguido
deles tenha conhecimento e sem que se possa pronunciar sobre a sua
relevância.” –Art.º 449.º e),-CPP –revisão de sentença transitada em julgado?
Qual o destino das transcrições particulares? …
Podem ser usadas para efeitos de recurso extraordinário? …

V. Conhecimentos Fortuitos
Conhecimentos fortuitos: factos obtidos através de uma escuta telefónica
legalmente efectuada que não se relacionam, nem com o crime cuja investigação determinou a realização daquela, nem com qualquer delito
baseado na mesma situação histórica.
“Lança-se a rede a um peixe e apanha-se outro” (C. Andrade)
Conhecimentos de Investigação: factos obtidos através de uma escuta
telefónica legalmente efectuada e que se relacionam com os crimes que
são directamente objecto da investigação; respeitam às várias formas de
comparticipação.

Valoração dos conhecimentos fortuitos (Doutrina):
A) Respeitantes a “crimes do catálogo”
B) Observância dos requisitos materiais e procedimentais
SENÃO, valem como noticia criminis
Ac. STJ 23/10/2002, www.dgsi.pt

HOJE, art. 187.º/7, CPP
Ressalva art. 248.º, CPP – notícia do crime:
- Pode chegar ao MP antes dos 15 dias em que é sindicada a escuta;
- Crimes fora do catálogo;
- Poder-dever do OPC;
- Aplicar-se-á o n.º2 do art. 248.º, CPP – “notícia do crime manifestamente
infundada”?
Conhecimentos fortuitos:
- Pessoa referida no n.º 4, do art. 187.º, CPP (no processo que motivou a
escuta)
- Crime do catálogo
Titulares de órgão de soberania: escuta inválida por violação da regra de
competência de quem autoriza a escuta – tem de ser o Presidente do STJ,
ainda que estes só intervenham nas conversações.

Quid Iuris se não se prova o Crime de Associação Criminosa, por não se verificarem os seus pressupostos, mas as escutas levam à prova dos crimes da associação criminosa?
Costa Andrade: Condutas NÃO podem ser valoradas – “sistema fácil de fazer escutas em relação a qualquer crime”
André L. Leite/ Jurisp. Alemã: Equiparação aos conhecimentos de investigação dada a sua relação de proximidade com o crime investigado.

VI. Extensão do regime
Art.º 189.º, CPP
N.º1: extensão às “conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital*, e à intercepção das comunicações entre presentes”.
N.º2: necessidade de autorização do JIC para a “obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular** ou de registos da realização de conversações ou comunicações.
(consagração da doutrina dominante)

Apreensão de mensagens guardadas em suporte digital:
Antes da reforma de 2007: Doutrina e Jurisprudência aplicavam à apreensão
de comunicações electrónicas em suporte digital o regime da apreensão do
correio físico (Ac. STJ 20/09/2006 www.dgsi.pt; Ac. R.Lx. 13/10/2004,
www.dgsi.pt, Ac. RC 29/03/2006, www.dgsi.pt )
Hoje:
- estende ao correio electrónico já recebido (aberto e lido) um regime sem paralelo no correio tradicional, sendo que os dois gozam da mesma protecção constitucional de sigilo de correspondência FECHADA.
- dificuldades operacionais: sempre que um OPC apreender um computador terá de o levar ao MP para que este faça intervir o JIC, pois que, eventualmente, poderá estar lá correio electrónico (morosidade na
investigação).
- impossibilidade de apreensão de correio electrónico em parte dos crimes previstos na Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/91, de 17 de
Agosto), por a moldura penal não permitir escutas telefónicas.
-Regime só se aplica a comunicações electrónicas guardadas em suporte
digital e não em qualquer outro suporte (papel, por ex.) : dois regimes diferentes para realidades com idêntica natureza.
- A extensão do 189.º/1, CPP vale também para a telecópia: se ficar
armazenada no computador é necessária a intervenção do JIC; se impressa
em papel é livremente apreendida pelo MP (!!!)
-Ficheiros informáticos anexos a mensagens electrónicas: devem ser
considerados correio electrónico enquanto fizerem parte da mensagem e já
não quando forem autonomizados.

Localização celular
a) Meio de obtenção de prova – 189.º/2, CPP –
- Despacho judicial
- Crimes do catálogo
- Elenco de pessoas do art. 187.º/4, CPP
b) Medida cautelar e de polícia – 252.º-A, CPP – destina-se
exclusivamente a acautelar a vida ou integridade física.

VII. Nulidade
Art.º 190.º CPP “sob pena de nulidade”
- Proibição de prova – nulidade no sentido constitucional – 32.º/8, CRP e
126.º/1 e 3, CPP (C. Andrade; G.M. Silva)
- Art.º 118.º/3, CPP: autonomia do regime das proibições de prova face
ao da nulidade.
– “não podendo ser utilizadas” – fim da doutrina que valorava de forma diferenciada o art.º 126.º/1 e n.º3, do CPP.
Que consequências retirar ao nível da validade da decisão baseada
numa prova proibida?
Efeito à distância, MAS,
sempre que for possível afirmar que a prova, mesmo sem a violação da proibição de prova secundária ou mediata, teria sido obtida admitir-se-á a sua valoração.

Limites à teoria dos “fruits of poisonous tree” (Supreme Court):
a) Nexo causal atenuado: forte autonomia entre as provas
b) Fonte independente: legitimação da prova por uma fonte de
informação autónoma da primeira prova, proibida
c) Descoberta inevitável: “inevitabilidade do alcance da prova por via
lícita”
Ponderação de cada caso, determinando a existência, ou não, de um nexo
de antijuridicidade entre a prova proibida e a prova subsequente.

Ac. TC. 198/2004, de 02/06/2004
“… é necessário um nexo de antijuridicidade que fundamente o efeito à distância…”
“… há certas situações em que o efeito à distância constitui uma das garantias do processo criminal, mas ao nexo naturalístico tem que se ligar um nexo de antijuridicidade…”
“… a confissão tem tal autonomia que possibilita um acesso aos factos totalmente destacável de qualquer outra forma de acesso surgida anteriormente e afectada por um valor negativo…”

Ac. STJ 07/06/2006, www.dgsi.pt
“…a projecção da invalidade não é automática; há que determinar em cada caso se existe um nexo de antijuridicidade que fundamente o efeito à distância, ou se existe na prova subsequente um tal grau de autonomia que destaque, substancialmente, o meio de prova.”
“A confissão, ou a prova testemunhal autónoma têm sido consideradas o paradigma da “chamada fonte independente.”

Regime sancionatório diferenciado?
Art.º 187.º, CPP
Norma nuclear: equilíbrio entre a boa administração da justiça e os DF’s.

Nulidade insanável
Ac. STJ de 20/12/2006, www.dgsi.pt
Ac. STJ de 21/02/2007, www.dgsi.pt
Ac. STJ de 07/03/2007, www.dgsi.pt

Art.º 188.º, CPP
Matéria procedimental - Nulidade sanável

Ac. TC. nº 407/97 de 21/05/1997, BMJ, 467 (1997), p. 199, s.: pronunciou-se pela inconstitucionalidade do art. 188.º/1, CPP, quando interpretado de forma menos exigente, por violar o art. 32.º/8, da CRP.

Ac. STJ de 20/12/2006, www.dgsi.pt
“Os procedimentos para realização das intercepções e gravações telefónicas estabelecidos no art. 188.º, após ordem ou autorização judicial para o efeito, constituem formalidades processuais cuja não observância não contende com a validade e a fidedignidade daquele meio de prova, razão pela qual, como este Supremo vem entendendo, à violação dos procedimentos previstos naquele normativo é aplicável o regime das nulidades sanáveis previsto no
art. 120.º, do CPP.”

Ac. STJ de 21/02/2007, www.dgsi.pt
“As regras de produção da prova têm assim a tendência oposta à das proibições de prova. Do que ali se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições de prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo. Já o que define a proibição de prova é a prescrição de um limite à descoberta da verdade. É esta distinção que terá de estar subjacente a qualquer análise do regime legal das escutas telefónicas não confundindo as patologias que colidem com étimos e princípios inultrapassáveis, pois que integram o cerne dos direitos individuais com inscrição constitucional, com aquelas que se traduzem em mera irregularidade produzida no contexto amplo de um meio de prova que foi autorizado. Quando o que está em causa é a forma como foram efectuadas as intercepções telefónicas produzidas no âmbito do meio de prova autorizado e perfeitamente definido carece de qualquer fundamento, sendo despropositada, a referência a uma prova proibida.”

Ac. STJ de 07/03/2007, www.dgsi.pt
“Na cominação estabelecida no art. 189.º do CPP, que fala genericamente em nulidade para infracções às regras prescritas nos arts. 187º e 188º do CPP, há que distinguir entre pressupostos substanciais de admissão das escutas com previsão no art. 187º CPP, e condições processuais da sua aquisição, enunciadas no predito art. 188º, para o efeito de assinalar ao vício que atinja os primeiros a nulidade absoluta e à infracção às segundas a nulidade relativa, sanável, sujeita a invocação até ao momento temporal previsto no art. 120º, n.º 3, al. c), do CPP, dependente de arguição do interessado na sua observância.”

Ampliação dos casos de revisão de sentença - Art. 449.º, n.º 1, al. e), do CPP
“1- A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126;”

Circular da PGR n.º 7/92
1.ª A Constituição da República Portuguesa reconhece em regra aos cidadãos o direito à palavra e à comunicação que constitui lógico corolário do direito à liberdade individual (artigo 26.º, n.º 4);
2.ª - Só a necessidade social da administração da justiça penal justifica a compressão, nos termos da lei, do direito dos cidadãos à palavra e à comunicação (artigos 34.º, n.º 4);
3.ª - O procedimento de intercepção telefónica ou similar consubstancia-se na captação de uma comunicação entre pessoas diversas do interceptor por meio de um processo mecânico, sem conhecimento de, pelo menos, um dos interlocutores;
4.ª - A obtenção de provas relevantes para o processo penal através de escuta telefónica ou similar é susceptível de afectar não só o estatuto processual do arguido ou do suspeito como também o direito individual à comunicação através da expressão verbal de quem nada tem a ver com a motivação da escuta, incluindo situações cobertas pelo segredo legal;
5.ª - Daí que, na limitação do referido direito deva estar sempre presente o princípio da menor intervenção possível, de que são corolários aqueloutros da necessidade, adequação, e da proporcionalidade entre as necessidades de administração da justiça penal e a danosidade própria da ingerência nas telecomunicações;
6.ª - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas ou similares só deve ser ordenada ou autorizada pelo juiz sob o seguinte condicionalismo:
- estarem em causa crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a três anos, ou relativos ao tráfico de estupefacientes, a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas, ao contrabando, ou de injúrias, ameaças,
coacção ou de intromissão na vida privada quando cometidos através de telefone;
- revelar grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (artigo 187.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
7.ª - O processo penal comum inicia-se com abertura da fase de inquérito, cujo objecto se consubstancia nas diligências tendentes a investigar a existência de infracções criminais, determinar os seus agentes e respectivas responsabilidades e a descobrir e recolher as provas com vista à decisão do Ministério Público sobre o exercício ou não da acção penal (artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal);
8.ª - A fase processual de inquérito tem de iniciar-se logo que haja aquisição da notícia da existência de uma infracção criminal idónea à formulação de um juízo objectivo de suspeita sobre a sua verificação;

Circular da PGR n.º 14/92
1ª - Da intercepção e gravação das comunicações telefónicas ou similares é lavrado um auto (artigo 188.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - CPP);
2ª - O referido auto deve inserir a menção do despacho judicial que ordenou ou autorizou a intercepção, a identidade da pessoa que a ela procedeu, a identificação do telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção, bem como o conteúdo da gravação necessário à decisão judicial sobre o que deverá ou não constar do processo penal respectivo;
3ª - A transcrição do conteúdo da gravação a que se refere a alínea anterior deverá abranger a integralidade dos elementos da comunicação telefónica ou similar interceptada que a entidade responsável pelas operações considere de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes previstos no artigo 187.º, n.º 1, do CPP;
4ª - O conteúdo da gravação, que àquela entidade se revelar destituído de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes referidos na conclusão anterior, deverá ser mencionado naquele auto, tão só de modo genérico com a mera referência à sua natureza ou tema, sob a égide do respeito do direito à intimidade da vida privada dos cidadãos;
5ª - Lavrado o referido auto, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica ou similar (artigo 188.º, n.º 1, do CPP);
6ª - O juiz, por despacho, ordenará a junção ao processo dos elementos relevantes para a prova e a destruição dos irrelevantes, incluindo a desmagnetização das "cassetes" ou bandas magnéticas (artigo 188.º, n.º 2, do CPP);
7ª - O juiz, se o entender necessário à prolação da decisão referida na conclusão segunda, poderá ordenar a transcrição mais ampla ou integral da parte objecto da menção referida na conclusão 4ª;
8ª - Os participantes nas operações de intercepção, gravação, transcrição e eliminação de elementos recolhidos ficam vinculados ao dever de sigilo quanto àquilo de que em tais diligências tomaram conhecimento (artigo 188.º, n.º 2, do CPP);
9ª - As "cassetes" ou as bandas magnéticas cujo conteúdo seja inserido nos autos devem a estes ser apensas ou, se isso se tornar impossível, guardadas depois de seladas, numeradas e identificadas com o processo respectivo (artigos 10.º, nºs 1 e 2, do Código Civil, e 101.º, n.º 3, do CPP);
10ª - O arguido, o assistente e as pessoas escutadas podem examinar o referido auto a fim de controlarem a conformidade dos elementos recolhidos e objecto de aquisição processual com os registos de som respectivos, e desses elementos constantes do auto obterem cópias (artigo 188.º, n.º 3, do CPP);

Circular da PGR n.º 13/94
1a. - O serviço móvel terrestre é um serviço de telecomunicações complementar móvel, caracterizado por permitir o estabelecimento de comunicações endereçadas e bidirecionais entre equipamentos terminais de índole não fixa essencialmente destinados a utilização terrestre ou entre estes e terminais dos serviços fixos (artigo 2.º do Regulamento de Exploração do Serviço de Telecomunicações Complementares - Serviço Móvel Terrestre -, aprovado pela Portaria n.º 240/91, de 23 de Março);
2a. - A lei tutela a inviolabilidade do sigilo das telecomunicações de uso público (artigos 34, nºs. 1 e 4, da Constituição, 182.º, n.º 2, e 434.º, n.º 1 alíneas c), d) e e), do Código Penal, e 15.º, n.º 2, da Lei n.º 88/89, de 11 de Setembro);
3a. - Incumbe aos responsáveis do serviço móvel terrestre de telecomunicações assegurar e fazer respeitar, nos termos da lei, aquele sigilo (alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º do referido Regulamento);
4a. - A garantia do sigilo das telecomunicações abrange não só o conteúdo das comunicações propriamente ditas como também a identificação dos respectivos interlocutores, designadamente através de listagens de facturação;
5a. - Não são objecto de sigilo das telecomunicações os elementos relativos aos utentes do serviço móvel terrestre de telecomunicações, nomeadamente o número do telemóvel e o nome do respectivo titular, que constem das respectivas listas de assinantes;
6a. - Os números dos telemóveis e os nomes dos seus titulares que não constem de listas de assinantes, por estes haverem optado pelo sistema de confidencialidade, são abrangidos pelo sigilo das telecomunicações;
7a. - Inscreve-se na competência das autoridades judiciárias e dos órgãos de polícia criminal, no quadro do exercício das respectivas funções, conforme os casos, a requisição das informações a que se alude nas conclusões 4a. a 6a.;
8a. - A requisição referida na conclusão anterior pressupõe, por parte das entidades requisitantes, um prévio juízo da necessidade dos elementos pedidos para a investigação em curso;
9a. - As entidades requisitantes devem comunicar às empresas de telecomunicações a informação que as habilite a formular um juízo de ponderação dos valores e interesses em presença;
10a. - As entidades requisitadas satisfarão ou não a requisição consoante tenham concluído, face ao peso relativo das representações valorativas, pela prevalência do dever de colaboração com a administração da justiça ou do dever de sigilo;
11a. - Havendo escusa e suscitando-se fundadas dúvidas sobre a sua legitimidade, a autoridade judiciária perante a qual o respectivo incidente se tenha suscitado averiguará sobre tal legitimidade e, concluindo pela ilegitimidade, ordenará ou requererá ao tribunal que ordene a prestação das informações;
12a. - No caso de haver segredo a salvaguardar, poderá o tribunal superior àquele em que o incidente for suscitado, sob intervenção do juiz, oficiosamente ou a requerimento, decidir a prestação das referidas informações com a quebra do sigilo, verificados que sejam os pressupostos previstos no artigo 185.º do Código Penal."

Circular nº 15/94
Os artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal fixam o regime jurídico da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas,
estabelecendo, sob pena de nulidade, um conjunto articulado de requisitos e
condições materiais e formais.
Nos termos do n.º 3 do artigo 187.º, é proibida a intercepção e a gravação de
conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime.
Por seu turno, o artigo 81.º do Estatuto da Ordem dos Advogados obriga o
advogado a segredo profissional e define os respectivos regime e conteúdo.
A harmonização destes regimes é susceptível de ocasionar dificuldades a nível da tutela do segredo profissional.
Com efeito, pode ocorrer que, na execução de escutas telefónicas, ordenadas ou autorizadas contra outrem, sejam acidentalmente recolhidas e posteriormente juntas aos autos conversações de advogados produzidas em função própria do seu munus profissional.
Nestes casos, deverão os Senhores Magistrados e Agentes do Ministério Público promover o desentranhamento e destruição dos registos das conversações.

Circular da PGR n.º 07/2002
1 - A mais recente jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa à intercepção e gravação de conversações telefónicas no âmbito de processos criminais, expressa no Acórdão nº 347/2001, publicado no Diário da República nº 260, II Série, de 9 de Novembro de 2001, justifica uma reflexão sobre a
observância das regras processuais respeitantes ao processamento e controle desse meio de prova.
2 - O regime de admissibilidade das intercepções e gravações telefónicas e o cumprimento das formalidades de tais operações devem ser rigorosamente observados, seja pelo facto de se tratar de um meio de prova que colide com direitos constitucionalmente protegidos, seja como forma de obviar a que,
tendo havido ingerência no domínio da privacidade das comunicações, se percam meios de prova muitas vezes essenciais à comprovação dos indícios que estiveram subjacentes à decisão de admissão das escutas.
3 - As regras atinentes à autorização e processamento das intercepções e gravações de comunicações telefónicas encontram-se expressamente previstas na lei processual penal, não devendo olvidar-se, a propósito, e na generalidade, a doutrina dos Pareceres do Conselho Consultivo nºs 92/91 e 92/91-complementar, tornada obrigatória para todos os Magistrados e Agentes do Ministério Público através, respectivamente, das Circulares nºs 7/92, de 27 de Abril de 1992 e 14/92, de 19 de Novembro de 1992.
4- Tendo por finalidades evitar a existência de largos períodos de falta de controlo judicial às escutas, e permitir uma efectiva ponderação e fundamentação da decisão de manutenção, prorrogação ou cessação
das intercepções, ao abrigo do artigo 12º, nº 2, alínea b), do Estatuto do Ministério Público, recomendo aos Senhores Magistrados e Agentes do Ministério Público que, no exercício das suas funções de direcção do
inquérito, zelem pela observância dos pressupostos de que a lei processual penal faz depender a obtenção e validade de tal meio de prova.