segunda-feira, abril 28, 2008

Processo Sumário

Questões suscitadas com a entrada em vigor da Lei nº48/2007, de 29 de Agosto.

(texto de Paulo Lima para apresentação na sessão de Direito Penal II em 16 de Outubro de 2007)

Nota introdutória:

No trabalho que se segue não irei fazer uma descrição exaustiva sobre o regime do processo sumário, previsto nos artigos 381º a 391º do Código de Processo Penal. E não o irei fazer por dois motivos.
Em primeiro lugar porque todos tiveram oportunidade de ler os artigos mencionados e por outro lado porque me parece que nesta fase (decorrido pouco mais de um mês sobre a entrada em vigor da Lei nº48/2007, de 29 de Agosto que procedeu à revisão ao Código de Processo Penal) importará sobretudo debater algumas questões e suscitar alguns problemas surgidos com a entrada em vigor, no dia 15 de Setembro de 2007, da 18º alteração ao Código de Processo Penal).

A primeira questão prende-se com o facto de na actual previsão do art.381º do Código de Processo Penal constar a possibilidade de serem julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito…quando a detenção tiver sido efectuada por outra pessoa (entenda-se que não faça parte de uma qualquer entidade judiciária ou policial) e, num prazo que não exceda duas horas, o detido tenha sido entregue a uma qualquer autoridade judiciária ou entidade policial, tendo esta redigido auto sumário da entrega.
Saliente-se que na anterior redacção do art.381º apenas se admitia o julgamento em processo sumário quando à detenção tivesse procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial.
Não obstante tal redacção era já entendimento de alguns que nos casos em que o arguido tivesse sido detido por um particular e entregue num curto espaço de tempo à entidade policial, encontrando-se ainda na posse de objectos ou apresentando sinais evidentes que mostrassem ter acabado de cometer o crime, era admissível o julgamento em processo sumário, pois que não obstante a detenção inicial não ter sido efectuada por entidade policial, quando esta procedia à detenção ainda se estava perante uma situação de flagrante delito, nos termos do disposto no art.256º, nº3 do Código de Processo Penal (anterior redacção).
Parece-me que era uma solução pouco defensável, sendo agora a discussão irrelevante com a alteração operada ao art.381º do Código de Processo Penal.
Questão discutível é agora, em meu entender, a bondade de tal alteração.
Com efeito, como refere Germano Marques da Silva “o julgamento em processo sumário assenta na ideia de maior facilidade da prova, uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito, tendo o crime sido presenciado por uma autoridade judiciária ou entidade policial, o que não sucede do mesmo modo quando a pessoa que procedeu à detenção é um qualquer do povo, frequentemente interessado na detenção” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume III, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 20).
Por outra parte, o processo sumário surgiu na nossa ordem jurídica como um instrumento processual tendente a dar uma resposta imediata e célere aos casos de pequena e média criminalidade em que ocorreu uma detenção em flagrante delito quando não se mostra necessária uma fase processual de investigação preliminar em virtude da existência de uma evidência de provas do crime e de quem foi o seu autor.
Só no caso da existência de provas evidentes do crime e de quem foi o seu agente se mostra acertada a utilização da forma de processo sumário, pois só esses casos serão compatíveis com a realização de um processo célere (note-se que nos termos do disposto no art.387º, nº2, al.b) do Código de Processo Penal o início da audiência pode ser adiado até ao limite de trinta dias, se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa ou se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, circunstância que estava prevista também no anterior art.386º, nº1, als. a) e b)) sem colocar em causa o direito constitucionalmente protegido a um processo justo, que não coloque em causa a possibilidade de preparação da defesa do arguido.
Note-se que os casos mais frequentes de sujeição de arguidos a processo sumário antes de 15 de Setembro de 2007 prendiam-se com a prática de crimes de desobediência, injúria à entidade policial, condução em estado de embriaguez, condução sem habilitação legal, pequenos furtos em super mercados e infracções à lei da caça, crimes cuja prova da sua prática, ou não, é relativamente fácil, potenciada com o facto de a detenção ser necessariamente feita por uma autoridade judiciária ou por uma entidade policial.
É de realçar neste ponto que quando qualquer órgão de polícia criminal ou entidade policial presenciam a prática de um crime levanta auto de notícia, nos termos do disposto no art.243º do Código de Processo Penal, sendo que os elementos que compõem aquelas entidades se presumem isentos e objectivos, qualidades potenciadas pelas funções que desempenham.
Mas tal afirmação apenas fará sentido, segundo cremos, nos casos em que seja um elemento daquelas entidades a presenciar o crime.
Quid iuris, no caso em que um indivíduo se apresenta perante uma entidade policial levando consigo outro indivíduo afirmando que procedeu à sua detenção alguns minutos antes em virtude de o mesmo ter ofendido corporalmente um terceiro indivíduo e que pretende, por isso, entregá-lo à entidade policial? Imagine-se até que é o próprio ofendido quem vai entregar o seu agressor!?
Segundo creio à entidade policial não restará outra solução que não seja a de redigir um auto sumário de entrega e diligenciar pela apresentação imediata, ou no mais curto espaço de tempo possível, ao Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento.
Num caso como o apresentado atrevo-me a dizer que o Mistério Público terá necessariamente que usar da faculdade concedida pelo art.382º, nº2 do Código de Processo Penal, procedendo a interrogatório sumário do arguido, após o que ponderará sobre se será caso de apresentação do arguido para julgamento em processo sumário.
E muitas vezes chegará à conclusão de que tal apresentação não é viável.
Refira-se que em casos como o aludido dificilmente se conseguirá vislumbrar a existência de provas inequívocas da prática do crime, sobretudo do modo como o mesmo foi executado.
Não raras vezes estaremos perante um caso de ofensas à integridade física recíprocas, sendo que num caso como o relatado poderemos estar a permitir que o “agressor mais forte” detenha o seu adversário e o conduza à entidade policial, sendo depois o mesmo apresentado ao Ministério Público que, depois de o interrogar sumariamente, se o entender por conveniente, decidirá sobre a sua apresentação ao Juiz para realização de julgamento em Processo Sumário.
Confrontado com um caso como o apresentado o Ministério Público terá que apreciar cuidadosamente se estão reunidas todas as condições para apresentar o arguido a fim de ser julgado em processo sumário. Não só porque frequentemente as provas não serão evidentes e inequívocas (veja-se desde logo o interesse que a pessoa que procedeu à detenção pode ter na sujeição do detido a julgamento por ser, por exemplo, a pessoa ofendida) como porque nestes casos dificilmente a acusação conseguirá recolher no prazo de trinta dias – prazo máximo pelo qual pode adiar-se a audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no art.387º, nº2, al.b) do Código de Processo Penal – todos os elementos de prova necessários à sustentação da acusação (assim sucederá no caso frequente de ser necessária a realização de exame médico ou de sanidade ao ofendido que na melhor das hipóteses, não será junto aos autos antes de decorridos trinta dias).
Em conclusão parece-me que a solução adoptada pelo legislador nesta matéria não foi feliz.
E se a estatística referente ao ano de 2005 (disponível na página da Internet da Procuradoria Geral da República) mostra que dos 20080 processos sumários julgados nesse ano 19212, ou seja 95,67%, terminaram com condenação estou certo que essa percentagem de condenações irá sofrer uma drástica redução em face do novo figurino desenhado para o processo sumário.
É que o julgamento em processo sumário assenta na ideia de maior facilidade de prova, compreensível à luz da anterior redacção do Código de Processo Penal em que se exigia que o arguido fosse detido em flagrante delito tendo o crime sido presenciado por uma autoridade judiciária ou entidade policial, entidades essas que se presumem “isentas” e sem qualquer interesse na condenação.
Poderá falar-se agora nessa facilidade de prova quando a pessoa que procedeu à detenção do agente é um qualquer indivíduo que na maior parte dos casos será um interessado na detenção e até na condenação do arguido (veja-se por exemplo o caso dos seguranças existente em qualquer espaço comercial, de um amigo do ofendido e até do próprio ofendido)?
Não podemos olvidar que o processo sumário surgiu no nosso ordenamento jurídico-penal como um instrumento necessário para dar uma resposta célere aos casos de pequena e média gravidade em que ocorreu uma detenção em flagrante delito quando não se mostra necessária uma fase processual de investigação (ou seja, em que se prescinde da fase de inquérito em virtude das provas evidentes da prática do crime de quem foi o seu autor).
Será tal desiderato compatível com a permissão da detenção do agente por parte de um qualquer indivíduo que poderá até ser interessado no julgamento e na condenação do arguido?
Parece-me que não.
E talvez adivinhando as dificuldades que na prática vão surgir o legislador (re)introduziu a possibilidade do reenvio dos autos para outra forma de processo “quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime” (cfr. al. c) do art.390º do Código de Processo Penal).
Refira-se que na redacção anterior à reforma de 1998 previa-se a referida possibilidade de reenvio para outra forma de processo, tendo sido retirada do Código de Processo Penal pela revisão introduzida pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto.
Não estaremos perante um regresso (injustificado?) ao passado pelo facto de o legislador estar já a antecipar as mais que certas dificuldades, nomeadamente de prova, que advirão como consequência da alteração efectuada ao nº1 do art.381º do Código de Processo Penal?

Libertação do arguido e sua apresentação ao Ministério Público.
Detenção fora do horário normal de funcionamento da secretaria judicial

Nota prévia: o horário de funcionamento das secretarias judiciais encontra-se regulado no art.122º da LOFTJ, que estabelece que no seu nº1 que “as secretarias funcionam, nos dias úteis, das 9 às 12 horas e trinta minutos e das 12 horas e trinta minutos às 17 horas”, adiantando o nº4 que “as secretarias funcionam igualmente aos Sábados e feriados que não recaiam em Domingo, quando seja necessário assegurar serviço urgente, em especial o previsto no Código de Processo Penal e na Organização Tutelar de Menores”.

Dispõe o actual art.382º do Código de Processo Penal (norma semelhante à existente antes da revisão ora operada) que “a autoridade judiciária, se não for o Ministério Público, ou a entidade policial que tiverem procedido à detenção ou a quem tenha sido efectuada a entrega do detido, apresentam-no, imediatamente ou no mais curto espaço de tempo possível, ao Ministério Público junto do tribunal competente para o julgamento”.
Após, o Ministério Público apresenta o detido imediatamente (depois de o interrogar sumariamente se o julgar conveniente) ou no mais curto espaço de tempo possível ao Tribunal competente para o julgamento (art.382º, nº2 do C.P. Penal) ou, se tiver razões para crer que a audiência de julgamento não se pode realizar no prazo de quarenta e oito horas após a detenção, liberta imediatamente o arguido, sujeitando-o, se for caso disso, a termo de identidade e residência, ou apresenta-o ao juiz para efeitos de aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial.

E se a audiência não puder ter lugar imediatamente após a detenção em virtude de esta ter ocorrido fora do horário de funcionamento normal da secretaria?

Previa-se no anterior art.387º nº2 do Código de Processo Penal que nessas situações a entidade policial que tivesse procedido à detenção sujeitava o arguido a termo de identidade e residência, procedia à sua libertação e notificava-o para comparecer perante o Ministério Público no primeiro dia útil seguinte à hora que lhe fosse designada, sob pena de, faltando, incorrer na prática do crime de desobediência.
Deixando para já de fora a análise à alteração que respeita ao facto de se ter excluído a consagração da cominação da prática do crime de desobediência nos casos de falta de comparência do arguido, pois mais à frente faremos um tratamento autónomo de tal questão, centremo-nos agora nos procedimentos a adoptar nos casos em que existe impossibilidade de proceder a julgamento em acto seguido à detenção.
Refira-se que o actual art.385º não prevê que o arguido seja notificado para comparecer perante o Ministério Público no primeiro dia útil seguinte à sua detenção para eventual julgamento em processo sumário em virtude da detenção ocorrer fora do horário normal de funcionamento da secretaria judicial.
Qual então o procedimento de um órgão de polícia criminal que efectue uma detenção depois das 17h00m de uma Sexta-Feira?
Liberta o arguido, notificando-o para comparecer no primeiro dia útil seguinte com as advertências previstas nas als. a) e b) do art.385º do C.P. Penal? Ou o julgamento ocorrerá no Sábado, sendo que na primeira hipótese estará ultrapassado o prazo de 48h00m previsto no art.387º nº1 como sendo aquele em que se deve dar início à audiência de julgamento em processo sumário?
Tal questão sempre foi muito debatida na doutrina e na jurisprudência, tendo a mesma sido resolvida com a publicação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº2/2004 de 21 de Abril, publicado no Diário da Republica, II Série, de 12/05/2004 onde se conclui que “quando tenha havido libertação do arguido – detido em flagrante delito para ser presente a julgamento em processo sumário – por virtude de a detenção ter ocorrido fora do horário normal dos tribunais (art.387º, nº2 do Código de Processo Penal), o início da audiência deverá ocorrer no 1º dia útil seguinte àquele em que foi detido, ainda que para além das quarenta e oito horas, mantendo-se, pois, a forma de processo sumário”.
Assim, à luz da anterior redacção do Código de Processo Penal e face à posição adoptada no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência dúvidas não restavam de que o arguido detido depois das 17h00m de uma Sexta-feira deveria ser apresentado ao magistrado do Ministério Público na segunda feira seguinte no caso de se tratar de um dia útil.
Mas será que face às alterações operadas pela Lei nº48/2007, de 29 de Agosto, tal solução será ainda defensável?
Creio que não em face do que agora dispõe o art.103º do Código de Processo Penal.
Com efeito dispõe o nº1 daquele normativo que os actos processuais se praticam nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais, sendo que a al.c) do nº2 daquele normativo exceptua daquela regra os actos relativos a processos sumários e abreviados.
Todavia tal solução, aparentemente evidente poderá ser questionável, nomeadamente em face do que dispõe agora o art.387º, nº2, al.a) do Código de Processo Penal, o qual não tendo qualquer correspondência com a lei anterior, dispõe que o início da audiência em processo sumário pode ser adiado “até ao limite do 5º dia posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias úteis no prazo previsto no número anterior (início da audiência no prazo máximo de quarenta e oito horas)”.
Será que relacionando tal dispositivo legal com o art.382º, nº1 do Código de Processo Penal não chegaremos à conclusão de que os julgamentos em processo sumário não deverão realizar-se aos Sábados?
Com efeito dispõe o art.382º, nº1 in fine que o detido será apresentado ao Ministério Público junto do Tribunal competente para o julgamento. Contudo, o tribunal competente para o julgamento na Sexta-Feira pode não ser o Tribunal competente no Sábado, sendo que certamente voltará a ser o tribunal competente na Segunda-Feira seguinte.
Parece assim resultar do disposto no art.387º, nº2, al.a) do C.P. Penal que o legislador teve em consideração aquela questão, nomeadamente as dificuldades existentes em muitas zonas do país onde existe uma distância de muitos quilómetros entre o tribunal territorialmente competente na Sexta-Feira e o tribunal (de turno) competente no Sábado, extraindo-se assim a ideia de que em regra a audiência de julgamento em processo sumário deverá ocorrer no tribunal normalmente competente e não no tribunal de turno, consagrando o art.385º nº1 do C.P. Penal uma excepção a esta regra na medida em que os arguidos podem ficar detidos se o órgão de polícia criminal tiver razões para crer que eles não se apresentarão espontaneamente e, nesse caso, estando detidos, serão necessariamente apresentados ao Ministério Público que estiver de serviço no Sábado no tribunal de turno.
Creio que esta posição não é correcta na medida em que o art.103º nº2 al.c) é claro quando excepciona da regra de que os actos processuais se praticam nos dias úteis os actos relativos a processos sumários.
Mas a ter tal ideia por assente uma dúvida legítima se coloca: qual a lógica do preceituado no art.387º nº2, al.a) do C.P. Penal?

E se o arguido tiver sido detido às 7h00m de um qualquer dia útil?

Dispõe o art.385º do Código de Processo Penal que se a apresentação não tiver lugar em acto seguido à detenção, o arguido só continua detido se houver razões para crer que o mesmo se não apresentará espontaneamente perante a autoridade judiciária no prazo que lhe for fixado, estabelecendo o nº2 do mesmo normativo legal que em qualquer caso o arguido será libertado quando se concluir que não poderá ser apresentado a juiz no prazo de quarenta e oito horas.
Assim, tendo a detenção ocorrido às 7h00m de um qualquer dia útil da semana e não tendo o órgão de polícia criminal razões para crer que o arguido se não apresentará espontaneamente perante a autoridade judiciária no prazo que lhe for fixado, parece que em face do disposto no aludido art.385º do Código de Processo Penal outra solução não restará que não seja a libertação do arguido com a realização de notificação para comparência perante a autoridade judiciária com a advertência constante do art.385º nº3, al.a) – advertência de que caso não compareça, a audiência de julgamento em processo sumário se realizará sem a sua presença, sendo nesse caso representado por defensor.
Contudo esta solução que numa primeira análise parece incontroversa parece-nos não ser de adoptar.
Com efeito, na actual redacção do Código de Processo Penal permite-se que qualquer indivíduo proceda à detenção em flagrante delito de um arguido desde que no prazo de duas horas seguido à detenção proceda à entrega do detido a uma qualquer entidade judiciária ou policial – art.381º, nº1, als. a) e b).
Assim, coloquemos a hipótese de às 7h00m de uma Segunda-feira um qualquer indivíduo ter procedido à detenção em flagrante delito do agente de um crime.
Nessa hipótese a pessoa que procedeu à detenção dispõe do prazo de duas horas, ou seja, até às 09h00m, para proceder à entrega do detido a uma autoridade judiciária ou a uma entidade policial, sendo que, nessa ocasião, a entidade policial – caso o detido lhe tenha sido entregue – procederá à apresentação do detido ao Ministério Público de imediato pelo facto de que quando recebeu o detido estar já dentro do horário de funcionamento normal da secretaria judicial.
Mas assim sendo permite-se que a pessoa que procedeu à detenção do agente do crime o mantenha detido durante duas horas.
Ora, se tal é permitido a um qualquer indivíduo por que não conceder tal faculdade a um órgão de polícia criminal?
Parece-me irrazoável que assim se não entenda.
Como tal se a entidade policial proceder à detenção em flagrante delito às 7h00m de um qualquer dia útil poderá, segundo creio, manter a detenção do arguido até às 9h00m, altura em que o apresentará ao Ministério Público.
Mas será tal solução ainda defensável se essa mesma detenção efectuada pela entidade policial tiver decorrido às 04h00m ou às 05h00m?

Substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que procedeu à detenção

Dispõe o art.389º nº2 do Código de Processo Penal, respeitante à tramitação do julgamento em processo sumário, que “o Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção”.
Tal disposição sempre suscitou na doutrina e na jurisprudência discussão acesa quanto ao seu âmbito de aplicação.
A respeito de tal matéria são defendidas, em síntese, as seguintes posições:
a) não constando da acta de audiência que o Ministério Público apresentou uma acusação escrita ou oral, ou que pediu a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia que procedeu à detenção, existe nulidade insanável nos termos do disposto no art.119º, al.b) do Código de Processo Penal, uma vez que existiria falta de promoção do processo pelo Ministério Público;
b) existindo auto de notícia tem que se entender que, ao requerer o julgamento em processo sumário, o Ministério Público remeteu implicitamente para aquele auto, cuja leitura o juiz terá de fazer necessariamente, inexistindo assim qualquer violação do disposto no art. 389º, nº3;
c) não havendo acusação, a omissão da leitura do auto de notícia constitui mera irregularidade, que deve ser arguida no acto.
d) existindo auto de notícia e tendo o Ministério Público requerido o julgamento com base nele e se o juiz procedeu em tais condições ao julgamento é porque aceitou a entrega do auto de notícia como dedução da acusação e deverá ser com base nele que fará a exposição sucinta sobre o objecto do processo. A falta desta exposição é que constituirá irregularidade nos termos do art. 123º.
Não discutindo agora a bondade de qualquer das soluções apresentadas afigura-se-me que estará inviabilizada, com as alterações introduzidas pela Lei nº48/2007, a possibilidade de o Ministério Público requerer a substituição da acusação pela leitura do “auto de notícia da autoridade que tiver procedido à detenção” (cfr. art.389º, nº2) nos casos em que a detenção tiver sido operada por um qualquer cidadão.
Na verdade tal possibilidade está pensada para os casos em que um (alguns) elemento(s) de um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciaram a prática do ilícito criminal.
Nessa hipótese a entidade policial elaborará um auto de notícia com os elementos constantes no art.243º, nº1, als.a), b) e c), o qual deverá ser remetido ao Ministério Público (cfr. art.243º, nº3 do C. P. Penal que estabelece na sua actual redacção que o prazo para envio do auto de notícia o Ministério Público não pode exceder 10 dias).
Sendo um caso de apresentação do arguido a julgamento em processo sumário fará todo o sentido que o Ministério Público substitua a acusação da pela leitura do auto de notícia elaborada pela entidade policial.
Lembre-se que num caso como o sugerido os elementos da entidade policial - que se prevêem sérios, isentos, objectivos e sem qualquer interesse na causa – presenciaram eles próprios a prática de um crime, vindo agora relatar todas as circunstâncias em que tal prática ocorreu.
E se à detenção em flagrante delito tiver procedido um qualquer cidadão (recorde-se o exemplo inicialmente apresentado: o próprio ofendido ou um seu amigo) que posteriormente efectua a entrega do mesmo à entidade policial?
Nesse caso prevê o nº2 do art.381º, nº1 do Código de Processo Penal que a entidade policial deverá redigir um auto sumário de entrega.
Ora, será esse auto sumário de entrega susceptível de ser lido pelo juiz no início da audiência de julgamento em processo sumário, assim substituindo a acusação que competia ao Ministério Público?
Creio que não.
Com efeito, o auto sumário de entrega efectuado pela entidade policial conterá os motivos e os factos da detenção apresentados pelo indivíduo que a efectuou e que se adivinharão imprecisas e “tendenciosas” em virtude de aquele ser, na maioria das vezes, um interessado na acusação e até na condenação do arguido.
Pelo exposto nesses casos o Ministério Público terá obrigatoriamente, segundo creio, que realizar uma acusação, não a podendo substituir pela leitura do auto de notícia elaborado pela entidade policial, devendo o legislador ter previsto e consagrado essa solução no art.389º do Código de Processo Penal.

Documentação das declarações prestadas oralmente na audiência de processo sumário

Estabelece o actual art.363º do Código de Processo Penal que “as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade”.
Tal norma é inovadora face ao que dispunha o anterior art.363º do C.P. Penal que estabelecia que “as declarações prestadas oralmente em audiência são documentadas na acta quando o tribunal puder dispor de meios estenotípicos, ou estenográficos, ou de outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas, bem como nos casos em que a lei expressamente o impuser”, dispondo o art.364º do mesmo diploma legal que “as declarações prestadas oralmente em audiência que decorrer perante tribunal singular são documentadas na acta, salvo se, até ao início das declarações do arguido previstas no art.343º, o Ministério Público, o defensor ou o advogado do assistente declararem unanimemente para a acta que prescindem da documentação”.
Ou seja, nos julgamentos realizados perante Tribunal Singular admitia-se a exclusão da gravação da prova se nisso estivessem de acordo todos os intervenientes processuais.
Atentas as alterações introduzidas aos referidos normativos pela Lei nº48/2007 de 29 de Agosto parece numa primeira leitura não resultarem dúvidas de que as declarações prestadas oralmente em audiência de processo sumário deverão ser obrigatoriamente documentadas em cumprimento do disposto no actual art.363º do Código de Processo Penal.
Mas a perfilharmos este entendimento como compreender o art.389º nº3 do C. P. Penal?
Refere tal preceito (cuja previsão constava do anterior nº4 do mesmo art.389º) que “se tiver sido requerida documentação dos actos de audiência, a acusação, a contestação, o pedido de indemnização e a sua contestação, quando verbalmente apresentados, são registados na acta”.
Quer isto dizer que no processo sumário não há documentação, a não ser que seja requerida?
Uma posição defensável será aquela que sustenta que sendo o processo sumário um processo especial, orientado pela simplicidade e celeridade, o legislador impôs-lhe uma tramitação diferente daquela que vigora para o processo comum e, por isso, contempla a possibilidade de não haver documentação da audiência efectuada em processo sumário, salvo se requerida.
Mas sustentando esta tese sempre terá que afirmar-se que o legislador se “esqueceu” de fazer uma ressalva no art.363º do Código de Processo Penal, devendo constar em tal preceito a excepção de que as declarações prestadas oralmente na audiência realizada em processo sumário só serão documentadas se assim for requerido.
Outra posição defensável, e com a qual concordo, será aquela que conclui que a manutenção do anterior art.389º nº4 (actual art.389º, nº3) se deve a um lapso do legislador.
Na anterior redacção do Código de Processo Penal previa-se a possibilidade de ser prescindida a documentação das declarações quanto ao processo comum singular, sendo a regra, portanto da documentação (anterior art.364º, nº1 do C. P. Penal) e de ser requerida essa mesma documentação relativamente às declarações prestadas em audiência de processo sumário (art.389º nº2) e em audiência de processo abreviado (art.391º-E, nº2).
Sucede que a três referidas normas foram eliminadas do actual texto legal, no qual não se prevê qualquer situação em que se possa prescindir da documentação das declarações orais prestadas em audiência. Assim, conjugando a manifesta imperatividade da norma do art.363º com a supressão das referidas excepções (arts.364º, nº1, 389º, nº2 e 391º E, nº2) e com a remissão genérica do regime do processo sumário para as regras relativas ao julgamento por tribunal singular não pode deixar de concluir-se que no julgamento sob a forma de processo sumário deverá ser sempre documentada a prova produzida oralmente em audiência, sob pena de nulidade.

Descriminalização do crime de desobediência nos casos previstos no art.387º, nº2 do Código de Processo Penal (redacção anterior à Lei nº48/2007 de 29 de Agosto)

Uma das questões mais complexas e que certamente irá ser muito debatida nos próximos tempos na doutrina e na jurisprudência prende-se com a supressão do art.387º nº2 na parte em que se previa que a entidade policial que tivesse procedido à detenção de um arguido fora do horário normal de funcionamento da secretaria judicial procedia à sua libertação, notificando-o para comparecer perante o Ministério Público no 1º dia útil seguinte, à hora que lhe fosse designada, sob pena de, faltando, incorrer na prática de um crime de desobediência.
Com a entrada em vigor da Lei nº48/2007, de 29 de Agosto, deixou, pois, de estar prevista a possibilidade/obrigação da entidade policial notificar o arguido de que deverá comparecer na audiência de julgamento na data designada, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
Estamos em presença de uma verdadeira sucessão de leis penais no tempo, que há que suprir com recurso às normas plasmadas no Código Penal.
Com efeito, pese embora o art. 387.º n.º 2 se tratar de uma norma inserida no Código de Processo Penal, não estamos verdadeiramente em presença de uma norma processual penal, para os efeitos ínsitos no art. 5º, n º 1 do Código de Processo Penal, segundo o qual “a lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo dos actos realizados na vigência da lei anterior”.
Na verdade, entendemos, como Germano Marques da Silva, que estamos perante uma norma penal material pois: “se a lei tem efeitos sobre a penalidade concreta aplicável ao arguido, ela deve ser considerada de natureza material, ainda que o seja também de natureza processual, ou seja, de natureza mista penal-processual” (in Curso de Direito Penal Português, Vol. I, p. 289).

Uma lei tem um início e um termo de vigência formal, mas a sua eficácia normativa pode estender-se para aquém (retroactividade) e para além (ultra-actividade) da sua vigência formal.
A proibição da aplicação retroactiva da lei penal significa que a pena é determinada pela lei que vigora no tempo do delito (tempus delicti - artigo 3º do C. Penal).
Assim o impõe o princípio da legalidade e o princípio nullum crimen sine lege, aos quais o princípio da irretroactividade da lei penal está directamente ligado, visto que ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão (artigo 29º, nº1, da Constituição da República Portuguesa).
O princípio da não retroactividade da lei penal implica:
a) que lei nova não possa considerar como crime factos passados, nem aplicar a crimes anteriores penas mais graves;
b) que com a despenalização efectuada por lei nova deixem de ser considerados crimes os factos anteriormente qualificados como tal, ou que passem a ser menos severamente penalizados se a lei posterior o sancionar com pena mais grave.
De facto, o artigo 2º do Código Penal distingue duas situações, consoante a nova lei descriminaliza a conduta ou, pelo contrário, se se limita a atenuar a correspondente sanção. Aplica-se o artigo 2º nº 2: a) nos casos de “total” descriminalização; ou b) nos casos em que a lei nova continua a punir o comportamento, mas com base num fundamento não coincidente com o que subjazia ao direito anterior - ou seja, quando a sua qualificação como crime tenha em vista a tutela de outro bem jurídico. Aplica-se o artigo 2º nº 4 se a lei nova, continuando a proteger o mesmo bem jurídico, se limita, por exemplo, a converter um crime de perigo (concreto ou abstracto) num crime de dano. Nesta hipótese, a respeito das condutas perpetradas na vigência do direito anterior, que se apresentam subsumíveis na lei actual, não se verifica qualquer descriminalização.
A regra comporta, todavia, uma excepção: o caso de um diploma posterior contemplar uma disciplina mais favorável ao arguido. Um tal regime logrou, inclusive, consagração expressa no artigo 29º, nº 4 (in fine), da CRP. E isto porque se entende que, se o legislador, a uma nova (e, presume-se, melhor) ponderação das coisas, chegou à conclusão de que a regulamentação de certo sector se bastava com uma disciplina menos severa, deixa de justificar-se, à luz de qualquer dos fins normalmente atribuídos às reacções criminais, a aplicação do direito anterior.

Importa agora determinar se, no caso em apreço, estamos perante uma lei descriminalizadora, nos termos do artigo 2º, n º 2 do Código Penal, ou simplesmente uma lei que altera a responsabilidade penal subsistente, tendo em conta o disposto no artigo 2º, n º 4 do Código Penal e no artigo 29º, n º 4 da Constituição da República Portuguesa.
Conforme estabelece o art. 2.º n.º 4 do C. Penal (e art. 29.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa), “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente…”.
Como bem refere Américo Taipa de Carvalho: “Os pressupostos da sucessão de leis penais stricto sensu e, consequentemente da aplicação da lei penal mais favorável são os seguintes: a) sucessão de leis penais; b) aplicabilidade, ao facto concreto, quer da lei vigente no momento da prática do facto (“tempus delicti”) quer da lei sucessiva; c) que quando entra em vigor a lei penal nova, a situação jurídico-penal criada na vigência da lei penal anterior pela infracção não se tenha esgotado plenamente, isto é, que não se tenha extinguido toda a responsabilidade penal; d) que a lei nova não extinguindo embora a situação jurídico-penal existente à data da sua entrada em vigor, altere os termos da responsabilidade penal imputada ao agente do facto pela lei penal antiga, agravando-a ou atenuando-a” (in, Sucessão de Leis Penais, 2ª Edição Revista, Coimbra Editora, 1997, p. 113/114).
O “regime” de que se fala no art. 2.º n.º 4 do C. Penal, de acordo com a jurisprudência maioritária, é o conjunto de normas que, num dado momento temporal, se encontra em vigor, e que por isso deve ser aplicado em bloco.
Em sentido oposto, defende Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª. edição revista, Coimbra Editora, 1997, págs. 192 e segs.:“a) a generalidade da doutrina e da jurisprudência tem optado pela “ponderação unitária”. Mas tal não significa que assim tenha de ser. Vou, precisamente, indicar as razões que me levam a considerar como mais defensável, politico- -criminalmente, a “ponderação diferenciada”. Antes de contestar a teoria dominante, esclareçamos o que se entende por “ponderação unitária” ou “global” e por “ponderação diferenciada ou discriminada” das leis em confronto. A primeira significa que é a lei na sua totalidade, na globalidade das suas disposições, que deve ser aplicada; a “ponderação diferenciada” considerada a complexidade de cada uma das leis e a relativa autonomia de cada uma das disposições, defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições de cada lei, podendo portanto acabar por se aplicar ao caso sub judice disposições de ambas as leis (...) Creio que a solução razoável, politico--criminalmente, não pode deixar de ser a de aplicar as disposições penais mais favoráveis da lei antiga e da lei nova; na verdade, só a “ponderação diferenciada” dos vários aspectos ou dimensões da responsabilidade penal - pena principal, pena acessória, efeito penal da condenação, condição de procedibilidade - impede resultados indesejáveis, sob o decisivo ponto de vista politico-criminal.(...)”.

Diferentemente, nos casos de despenalização/descriminalização não há uma sucessão de leis penais, uma vez que, o facto jurídico-penalmente relevante perante a lei antiga deixou de o ser perante a lei nova.
Tal lei nova terá, pois, que eliminar o facto (anteriormente) ilícito do número de infracções, assim se revelando uma radical alteração, por parte do legislador, no que concerne à reputação juridico-penalmente relevante de um determinado comportamento.

No caso em apreço, com a entrada em vigor da lei nova, a não comparência em Tribunal, após notificação realizada por entidade policial, a fim de ser submetido a julgamento em processo sumário, com a advertência de que faltando incorre num crime de desobediência, deixou de existir.
Ora, pese embora o tipo de ilícito previsto no artigo 348º, n º 1 al. a) do Código Penal não ter sofrido qualquer alteração, o certo é que a concreta situação prevista no artigo 387º, n º 2 do Código de Processo Penal, que, uma vez verificada, possibilitava a subsunção da situação àquele normativo, desapareceu.
A lei nova deixou de qualificar como crime a situação que, ao abrigo da lei antiga, se encontrava estatuída no artigo 387º, n º 2 do Código de Processo Penal.

O que fazer então aos casos em que o arguido foi condenado em face da lei existente anterior à entrada em vigor da Lei nº48/2007 de 29 de Agosto, supondo (pois que tal também poderá ser discutível) que a partir da entrada em vigor da referida Lei deixa de ser possível punir um arguido pela prática do crime de desobediência em virtude de ter faltado à audiência em processo sumário?
Questão que se levanta neste ponto prende-se com o facto de saber se estamos, conforme supra referido, perante um caso de descriminalização de tal conduta.
Numa primeira abordagem parece óbvio que a resposta não pode deixar de ser pela afirmativa.
Com efeito, atenta a nova redacção do Código de Processo Penal parece que o delito em causa foi suprimido do ordenamento em virtude de se ter retirado a consequência que anteriormente existia para a falta de um arguido à audiência de processo sumário para a qual tivesse sido regularmente notificado: prática do crime de desobediência.
Em face do exposto outra solução não poderá extrair-se que não seja a de que o comportamento anterior – falta do arguido a audiência de processo sumário para a qual se encontrasse regularmente notificado – deixou de ser punível, pelo que aplicando-se o art.2º, nº2 do Código Penal cessam todos os efeitos da condenação anterior, ainda que tenha transitado em julgado.
Mas será assim?
Não poderá sustentar-se que aquilo que se previa na anterior redacção do art.387º, nº2 do C. P. Penal era a obrigatoriedade de as entidades policiais fazerem uma cominação a qual era elemento integrador de um tipo legal de crime, sendo que no caso de não ter sido efectuada a referida cominação não existiria a prática do aludido crime de desobediência?
Ou seja, não terá sido intenção do legislador remeter para as entidades policiais a responsabilidade de usarem ou não da cominação do crime de desobediência em caso de não comparência à audiência em processo sumário?
Concretizando: não será ainda possível a realização de tal cominação ao abrigo do disposto no art.348º, nº1, al.b) do Código Penal, entendendo-se para tanto que o crime de desobediência resultante do não respeito pela cominação efectuada pela autoridade policial tinha origem não em disposição legal mas no carácter legítimo da ordem dirigida pela autoridade policial?
Não podemos esquecer que a cominação do crime de desobediência feita por entidade policial não é só possível quando esteja prevista a possibilidade ou obrigatoriedade dessa cominação.
Prescreve o art.348º, nº1 do Código Penal que “quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias se:
a) uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples, ou
b) na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.
Nos dois casos previstos no art.348º, nº1 do Código Penal deparamo-nos com um dever qualificado de obediência na medida em que o seu não cumprimento traz consigo uma sanção criminal, sendo que no caso da situação prevista na al.a) a norma de conduta é feita por lei geral e abstracta, anterior à prática do facto, ao passo que na hipótese da al.b) a norma de conduta penalmente relevante resulta de um acto de vontade da autoridade ou do funcionário, contemporâneo à actuação do agente.
Como bem refere Cristina Líbano Monteiro no caso previsto na al.b) “depende do o agente administrativo a elevação do dever infringido à dignidade penal. A mesma conduta, em idênticas circunstâncias, constituirá ou não acto criminalmente punível consoante o critério, a vontade, o estado de espírito, a rigidez ou a flexibilidade temperamental, ou até a lembrança do concreto “ditador” da ordem ou do mandato” (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, pág.351).
Considerando o normativo em análise parece ser defensável que a al.b) do art.348º do Código Penal é suficientemente abrangente de modo a poder nela incluir-se a cominação da prática do crime de desobediência efectuada pela entidade policial ao arguido que terá que se apresentar em audiência de discussão e julgamento, não obstante a inexistência de norma legal que actualmente preveja tal cominação.
Sem prejuízo de argumentação que possa ser avançada no sentido de defender a tese de que ainda é possível, em face das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei nº48/2007 de 29 de Agosto, a realização pelos órgãos de polícia criminal da cominação da prática do crime de desobediência em caso de não comparência à audiência de julgamento em processo sumário, parece-me que o legislador pretendeu subtrair a possibilidade das entidades policiais efectuarem tal cominação, a qual não poderá considerar-se legítima em face do actual texto legal.
Com efeito, parece que a não comparência do arguido à audiência de julgamento tem agora outra consequência: realização do julgamento na ausência do arguido (acrescida da eventual condenação do arguido em multa processual em virtude de falta de comparência injustificada).
Para tanto dispõe agora o art.385º nº3 al.a) do Código de Processo Penal que, em caso de libertação, o órgão de polícia criminal sujeita o arguido a termo de identidade e residência e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público para ser submetido a audiência de julgamento em processo sumário, advertindo-o de que esta se realizará, mesmo que ele não compareça, sendo nesse caso representado por defensor.
Assim, do não comparecimento do arguido a julgamento apenas uma consequência processual advirá: julgamento na ausência.
Já a anterior cominação da prática do crime de desobediência em caso de não comparência a julgamento me parecia desprovida de algum sentido.
Na verdade, só no âmbito do processo sumário estava prevista tal possibilidade.
Em caso de submissão do arguido a julgamento no âmbito da forma de processo comum dispunha o art.333º nº1 do Código de Processo Penal (norma cuja redacção se mantém após as alterações introduzidas pela Lei nº48/2007, de 29 de Agosto) que: “se o arguido regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência, o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência e a audiência só é adiada se o Tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência”.
A notificação ao arguido do dia designado para a realização da audiência de discussão e julgamento era realizada (tal como na actual versão do Código de Processo Penal) nos termos dos arts.313º, nº3 e 113º do Código de Processo Penal, sendo que em nenhum dos mencionados preceitos, ou em qualquer outro da lei processual penal, se previa/prevê a cominação ao arguido da prática de um crime de desobediência em caso de não comparência em audiência de discussão e julgamento.
Atento o exposto, caso o arguido faltasse à audiência de julgamento realizada em processo comum estaria, nos termos do disposto no art.116º do Código de Processo Penal, sujeito à condenação em multa processual em caso de tal falta ser injustificada, podendo o juiz emitir mandados de detenção para assegurar a sua presença no caso de a reputar como indispensável à descoberta da verdade material ou ainda a audiência decorrer na sua ausência, no caso de, encontrando-se devidamente notificado, não ter comparecido e não se considerar a sua presença como necessária.
Certo é que o arguido que não comparecesse a julgamento jamais cometeria um crime de desobediência por tal facto.
Cremos que nenhuma especialidade do processo sumário exigia a punição do arguido pela prática de um crime de desobediência em caso de, tendo sido libertado por ter sido detido fora do horário de funcionamento normal da secretaria, não comparência na audiência de discussão e julgamento.
Em sentido oposto, poderíamos também afirmar que a verdade é que o processo sumário, é, em essência, uma forma de processo absolutamente distinta do processo comum, quer porque a prova se circunscreve à apresentada em audiência, porque se prescindiu da fase de inquérito, pela simplicidade da prova, assim se baseando, muitas vezes, nas declarações do arguido, quer porque o arguido será apresentado em Tribunal em consequência de detenção em flagrante delito.

Chegados aqui, urge pois procurar deslindar o problema que subjaz à supressão do art. 387.º n.º 2 do C. P. Penal.
Nesta matéria, há que referir que nos parece que foi efectivamente intenção do legislador obviar à circunstância de se encontrar previsto, para a presença do arguido em julgamento, dois regimes distintos, conforme a forma de processo adoptada, ferido com, afinal, a punição mais grave do ordenamento jurídico – a prática de um crime - cuja mobilização, sabemos, deve obedecer ao princípio da ultima ratio.
Nesta medida, visando o legislador suprimir do ordenamento jurídico a possibilidade de o arguido incorrer na prática de um crime de desobediência em virtude de falta de comparência na audiência de discussão e julgamento, tendemos a concluir que estamos perante uma verdadeira descriminalização de tal conduta, aplicando-se o regime previsto no art. 2.º n.º 2 do C. Penal.

Em conclusão, há que referir que:
- por um lado, devem cessar todos os efeitos penais relativamente a condenações pela prática do crime de desobediência por falta de comparência, em processo sumário, na audiência de julgamento, em consequência da cominação verificada nos termos do anterior art. 387.º n.º 2 do C. P. Penal, ainda que transitada em julgado a sentença; e
- por outro lado, há que considerar que, actualmente, a cominação realizada pela entidade policial, de que o arguido incorre na prática do crime de desobediência no caso de não comparência na data designada para a audiência de julgamento em processo sumário, está ferida de ilegitimidade, pelo que não se preenche o tipo de ilícito objectivo ínsito no art. 348.º n.º 1 al. b) do C. Penal, e nenhuma consequência advirá ao arguido por tal falta, que não seja a realização da audiência na sua ausência.

O Reconhecimento em Processo Penal

Texto de Maximiano Vale

Nota Introdutória

A importância do “reconhecimento” no âmbito do processo penal tem sido uma constatação a que nem a doutrina nem a jurisprudência se têm furtado. Com efeito, com A.M.CAPPITA, podemos dizer, desde já, que “o acto recognitivo é fisiologicamente dotado de intensa eficácia persuasiva”, na medida em que, como se afirmou no Ac. TC nº408/89 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol., Tomo II, págs. 1147 e segs.), constitui “uma quase presunção de culpabilidade do suspeito, pelo menos numa fase indiciária”.
Na verdade, podemos com segurança afirmar que “um reconhecimento positivo é um dos meios de prova que mais influencia os tribunais no sentido de afirmar a culpabilidade da pessoa assim identificada” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2004, proc. nº 2691/2004-3, in www.dgsi.pt).
Posto isto, procederemos de seguida à análise do regime do “reconhecimento” em processo penal, dividindo essa análise em três partes fundamentais, a saber: I) o reconhecimento de pessoas; II) o reconhecimento de objectos; III) a pluralidade de reconhecimentos.

I – O Reconhecimento de Pessoas

O reconhecimento de pessoas concretiza-se, essencialmente através da sinalização de elementos de identificativos individualizantes da pessoa a identificar. Sem qualquer preocupação de exaustividade, podemos dizer que são especialmente relevantes para a identificação de pessoas os seguintes elementos: rosto, sexo, idade, raça, porte, modo de andar, deformidades, altura, vestuário, cabelo, tatuagens ou a voz.
Fazendo o contraponto com a nossa legislação processual penal podemos distinguir, dentro do âmbito do reconhecimento de pessoas, entre:
1) reconhecimento físico ou pessoal
1.1) em inquérito/instrução
1.2)em audiência de julgamento
2) reconhecimento fotográfico e videográfico
3) reconhecimento vocal

É com base nesta categorização que a nossa análise se desenvolverá.

1.1) O Reconhecimento Físico/Pessoal em Inquérito e Instrução

Sobre esta matéria versa o artigo 147º CPP. De acordo com o disposto naquela norma, o acto de reconhecimento passará por duas fases essenciais.
Numa primeira fase, a que alude o nº1 do referido artigo 147º CPP, proceder-se-á a um controlo de credibilidade, no âmbito do qual o identificante procederá a uma descrição pormenorizada do sujeito a identificar, elucidando, nomeada e mormente o OPC que dirija o acto, de todas as características físicas e outras de que se recorde. Para além desta descrição, o identificante deverá esclarecer qual a sua relação com o sujeito a identificar, referindo, por exemplo, se já conhecia o sujeito a identificar anteriormente aos factos pelos quais aquele tem a correr (ou ainda não) processo penal contra si; bem como indicar outras circunstâncias que considere relevantes para o sucesso do acto recognitivo.
Caso, todavia, esta primeira descrição não seja cabal, isto é, suficientemente elucidativa e geradora de um reconhecimento positivo, deverá proceder-se em conformidade com o disposto no nº2 do artigo 147º CPP. Nessa medida, afastar-se-á o identificante, chamando duas pessoas com as maiores semelhanças possíveis (inclusive de vestuário), que se colocarão lado a lado com o sujeito a identificar. Com estes cuidados pretende-se a criação de um ambiente cénico adequado potenciador de uma neutralidade psíquica do identificante e evitando o seu prévio sugestionamento no acto de identificação. Neste particular, deixe-se nota para o especial cuidado que deverá presidir à escolha dos figurantes, na medida em que, não raro, são conhecidos insólitos actos de reconhecimento de suspeitos ladeados de agentes fardados ou indivíduos de raça diversa, geradores de óbvia invalidade do acto recognitivo.
Posto isto, diga-se que o acto de reconhecimento deve ser sempre reduzido a auto (cf. Artigo 99º CPP). Todavia, tem vindo a ser posta em causa a forma como os mesmos são redigidos, tendo em conta a importância probatória de que necessariamente são dotados para a fase seguinte: a fase de julgamento.
Com efeito, concordamos com JOÃO HENRIQUE GOMES DE SOUSA (in O reconhecimento de pessoas no projecto do Código de Processo Penal, Julgar nº1, 2007) quando afirma que “O juiz de julgamento na maioria dos reconhecimentos (...) apenas dispõe de um auto que afirma que o arguido foi (ou não) identificado pelo ofendido ou testemunha”. Na verdade, sendo a redacção da grande maioria dos autos de reconhecimento de uma “confrangedora formalidade asséptica”, “pede-se (e espera-se) (…) do juiz de julgamento, um “acto de fé”.
De forma a obviar a estas críticas, previu o legislador no nº4 do artigo 147º (redacção da Lei nº48/2007, de 29 de Agosto) que “as pessoas que intervierem no processo de reconhecimento previsto no nº2 são, se nisso consentirem, fotografadas, sendo as fotografias juntas ao auto”.
A exigência do consentimento dos intervenientes tem como fundamento óbvio a preservação da respectiva identidade e imagem.
Assim sendo, a ausência daquele consentimento obstaculiza a possibilidade, uma vez mais, de um controlo efectivo pelo juiz de julgamento de um acto de reconhecimento feito na fase de inquérito ou instrução que poderá ser decisivo para o desfecho do processo.
Com efeito, é de saudar a possibilidade de junção das fotografias ao auto, porém, neste particular, alguns autores entendem que o legislador não foi tão longe como poderia/deveria ter ido, pois que, no seu entender “seria fácil obviar à violação da privacidade dos intervenientes pela aposição de uma TIRA OCULAR impeditiva da identificação dos intervenientes, mas que permitiria ao juiz de julgamento um controle adequado do acto de reconhecimento e uma mais fundada apreciação da prova” (cf. neste sentido JOÃO HENRIQUE GOMES DE SOUSA, O reconhecimento de pessoas no projecto do Código de Processo Penal, Julgar nº1, 2007).

1.2) O Reconhecimento Físico/Pessoal em Audiência de Julgamento

A questão fundamental que se coloca quanto ao reconhecimento em sede de audiência de julgamento é a de saber se se aplicam, também aí, as regras gerais relativas ao reconhecimento, tal como previstas no artigo 147º CPP.
A tendência jurisprudencial anterior à Reforma de 2007 era esmagadora no sentido de entender que “os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicam à instrução e inquérito e não à audiência de julgamento” (cf. Acórdãos do STJ de 01-02-96 CJ IV-I-198; de 11-05-2000, BMJ 497-293; de 2-10-96, BMJ 460-534; Acórdão da Relação de Évora de 07-12-2004, proc. 25/03-1; Acórdão da Relação de Lisboa de 11-02-2004, proc. 928/2004-3; Acórdão da Relação de Coimbra de 06-12-2006, proc. 146/05.9GCVIS.C1; Acórdão da Relação de Guimarães de 31-05-2004, proc. 2415/03-1; Acórdão da Relação do Porto de 22-01-2003, proc. 0240877; in www.dgsi.pt).
Todavia, apesar deste entendimento maioritário, a jurisprudência foi-se dividindo quanto à natureza dos reconhecimentos em audiência de julgamento.
Assim sendo, parte da jurisprudência ia no sentido de considerar que este tipo de reconhecimentos consubstanciaria prova atípica, a qual seria admissível nos termos do disposto no artigo 125º CPP (“são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”), devendo ser valorada nos termos do preceituado no artigo 127º CPP (livre apreciação da prova), cuja interpretação no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem a observância de NENHUMA das regras definidas pelo CPP foi julgada inconstitucional por Acórdão nº137/2001, processo nº778/00 do Tribunal Constitucional; ao passo que outra parte considerável jurisprudência entendia que o reconhecimento em audiência de julgamento corresponde ao relato de uma testemunha que não tem valor processual autónomo do depoimento prestado, sem que tal consideração prejudique os direitos do arguido, na medida em, na audiência de julgamento, vigora em toda a sua plenitude o Princípio do Contraditório. Assim sendo, e considerando o reconhecimento em audiência de julgamento como prova testemunhal, devia o referido “reconhecimento” ser livremente apreciado, nos termos do artigo 127º CPP (cf. neste sentido de que “o reconhecimento de um arguido na audiência de julgamento é prova testemunhal e não prova por reconhecimento” os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº425/2005, proc. 425/05; do STJ de 06-09-2006, proc. nº06P1392; da Relação do Porto de 19-01-2000, proc. nº 9940498 e de 07-11-2007, proc. 0713492).
Com a Reforma de 2007, todavia, a redacção actual do nº7 do artigo 147º prescreve que “o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.
Constata-se, portanto, que independentemente das dúvidas quanto à natureza do reconhecimento pessoal em audiência de julgamento, veio o legislador consagrar uma posição diametralmente oposta à anteriormente defendida pela esmagadora maioria da jurisprudência que defendia a inaplicabilidade das regras do artigo 147º do CPP à audiência de julgamento.
A questão que legitimamente se coloca, desde logo, é a de saber até que ponto será exequível aplicar as regras do reconhecimento previstas no artigo 147º do CPP à audiência de julgamento em que há um inevitável contacto directo entre ofendidos e arguidos, não apenas na própria sala de audiências como nos corredores do tribunal ou no simples acto de chamada para o processo realizada pelo funcionário judicial. Em todo o caso, mesmo que se considere possível, com as devidas adaptações, o cumprimento em audiência de julgamento das regras do artigo 147º, sempre ficará necessariamente excluída a possibilidade de ocultação do identificante a que alude o nº 4 do aludido preceito legal.

*Seis questões sobre o Reconhecimento Físico/Pessoal*

1 – Qual a consequência da ausência das formalidades legais do acto de reconhecimento?
Nos termos do disposto no nº7 do artigo 147º do CPP “o reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”.
A ausência de valor como meio de prova tem sido entendida, não obstante, de formas díspares.
Assim sendo, parte da doutrina entende que se estará aqui perante uma proibição de prova, geradora de uma nulidade que impede a sua utilização, salvo consentimento da pessoa visada (cf. artigo 126º nº3; neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, anotação 22 ao artigo 147º, UCP, 2007, págs. 420 e 421).
Todavia, foi também entendido (cf. por todos o Acórdão da Relação do Porto de 19-01-2000, proc. 9940498, in www.dgsi.pt) que “O reconhecimento feito pelo arguido sem o cumprimento do art. 147º constitui inexistência e não nulidade; é como se o acto não se tivesse realizado”.

2 – Qual a validade do reconhecimento efectuado na sequência da declaração de nulidade de um anterior reconhecimento relativo ao mesmo arguido?
O nº4 (hoje nº7) do artigo 147º refere-se a nulidade do MEIO DE PROVA e não nulidade do reconhecimento. Ora, uma vez declarado nulo o reconhecimento pode usar-se novamente este meio de prova? A esta questão veio dar resposta o Acórdão do Tribunal Constitucional nº199/2004, proc. nº 900/03, o qual não aceita a tese de que o reconhecimento nulo invalide todo e qualquer reconhecimento subsequente, embora reconheça que o primeiro reconhecimento inválido pode afectar a genuinidade do 2º (NB: no caso em apreço foi o próprio arguido a requerer o segundo reconhecimento).

3 – É necessária a assistência por defensor no acto de reconhecimento?
Tal possibilidade constou da proposta de Lei de Revisão do CPP de 25-06-2004, todavia foi, posteriormente, abandonada na redacção final.
Assim sendo, vigora em pleno o disposto no artigo 64º CPP, sendo que “o art. 147º CPP não impõe que na realização de tal diligência [reconhecimento] os arguidos tenham de ser assistidos por defensor” (cf. Acórdão da Relação do Porto de 15-02-2006, proc. nº0514155, in www.dgsi.pt).
Apesar de, face à letra da lei, não ser, efectivamente, obrigatória a presença de defensor ao acto de reconhecimento, a verdade é que é de inegável importância a presença do mesmo no referido acto em ordem ao controlo do cumprimento das formalidades legais, com possíveis consequências directas nas fases processuais posteriores.

4 – A quem compete a realização do acto de reconhecimento?
A proposta Revisão do CPP previa a atribuição de competência exclusiva às autoridades judiciárias para presidir à realização do reconhecimento, porém tal proposta não foi consagrada na redacção final, nomeadamente por motivos de racionalização e optimização dos recursos disponíveis, mantendo-se, a possibilidade de delegação da competência para a prática do acto por parte do Ministério Público nos órgãos de polícia criminal.

5 – É admissível a realização de reconhecimentos compulsivos?
A questão que aqui se coloca é a de saber se é admissível a realização de um acto de reconhecimento contra a vontade ou sem o consentimento do visado. Na verdade, parece que o visado sempre manterá, nesta sede, intacto, o seu direito à liberdade e, em última instância, à não “auto-incriminação”.
Assim sendo, parece que não poderá ser compulsivamente sujeito a um acto de reconhecimento e que este se inviabilizará com a referida recusa, sem prejuízo de tal recusa ser livremente apreciada pelo julgador sempre tal recusa seja expressamente mencionada no auto.

6 – Qual a consequência da inviabilização do reconhecimento pelo arguido?
O arguido pode inviabilizar o acto de reconhecimento ou a sua genuinidade se, por exemplo, tiver comportamentos que ostensivamente levem o identificante a indicá-lo como agente de determinado crime.
Assim sendo, parece que o mais correcto será, no mesmo sentido da resposta dada à anterior questão, fazendo constar no auto uma descrição do comportamento do visado/arguido que o juiz livremente apreciará em sede de julgamento.

2 – O reconhecimento fotográfico ou videográfico

No que a este aspecto concerne, anteriormente à Reforma de 2007, verificavam-se duas tendências fundamentais.
Com efeito, parte da jurisprudência entendia que o reconhecimento fotográfico seria um mero ponto de partida para a investigação, mas em si mesmo sem valor probatório e, portanto, nulo, devendo ser seguido de um reconhecimento pessoal (cf. neste sentido, Acórdão do STJ de 15-03-2007, proc. 07P659, in www.dgsi.pt).
Ao lado desta tendência, uma segunda via jurisprudencial, minoritária, ia no sentido de considerar que o reconhecimento fotográfico seria prova pré-constituída ou meio de prova inominada (artigo 125º CPP) devendo, como tal, ser analisada nos termos dos artigos 356º a) e 355º do CPP (cf. neste sentido, Acórdão da Relação de Évora de 12-12-2006, proc. 2264/06-1, in www.dgsi.pt).
Com a nova redacção dada ao artigo 147º do CPP por força da Reforma de 2007, corroborou-se aquele que já vinha sendo o entendimento do STJ. Com efeito, prescreve hoje o nº5 do artigo 147º que “o reconhecimento por fotografia, filme ou gravação realizado no âmbito da investigação criminal só pode valer como meio de prova quando for seguido de reconhecimento efectuado nos termos do nº2”.
Todavia, as fotografias, filmes ou gravações que se refiram a pessoas não reconhecidas apenas podem ser juntas ao auto mediante consentimento. Ora, neste particular cumpre referir que o Tribunal Constitucional já se havia pronunciado pela não inconstitucionalidade do nº2 do artigo 79º do Código Civil quando interpretado no sentido de que pode ser mantida nos autos, por “exigências de polícia ou de justiça”, a imagem de 3º não indiciado como suspeito (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº81/2007, proc. 871/2005). Todavia, veio o legislador consagrar a tese inversa, vertida de resto em voto de vencido de MARIA FERNANDA PALMA àquele referido acórdão, no sentido de conferir preponderância ao Direito à Imagem.

3 – O Reconhecimento Vocal

O reconhecimento vocal reveste-se de especial importância para a investigação, entre outros, de crimes que envolvam ameaças, reivindicação de atentados, pedidos de resgate, etc..
É conhecida a possibilidade de utilização de escutas telefónicas para a investigação de crimes cometidos através de telefone (cf. artigo 187º nº1 e) do CPP)
Conhecida é igualmente a possibilidade de recurso a captação e registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado, como forma de combate à criminalidade organizada e económico-financeira (cf. artigo 6º da Lei nº5/2002, de 11 de Janeiro).
Não obstante, o nº5 do artigo 147º fala-nos hoje na possibilidade de reconhecimento por intermédio de gravações. A questão que se coloca, e que, cremos, ainda não está totalmente clarificada é a de saber se o legislador terá querido aqui consagrar a possibilidade de reconhecimento vocal, o que não viria no seguimento da nossa tradição legislativa nesta matéria. Fica a questão, para a qual ainda não temos, neste momento, uma resposta.

II – O Reconhecimento de Objectos

Trata-se aqui do reconhecimento de objectos, naturalmente, relacionados com o crime.
O reconhecimento deste tipo de objectos obedece ao regime do reconhecimento pessoal com as devidas adaptações.
Assim sendo, o identificante deverá proceder a uma descrição inicial do objecto a identificar nos termos do disposto nos artigos 148º nº1 e 147º nº1, ambos do CPP.
Caso o identificante tenha procedido a um reconhecimento com dúvidas, proceder-se-á à junção do objecto a reconhecer com pelo menos dois outros semelhantes e perguntar-se-á à pessoa se reconhece algum de entre ele e, em caso afirmativo, qual.
Quanto à inobservância das formalidades legais tem lugar a aplicação do regime da invalidade do reconhecimento pessoal ao reconhecimento de objectos (artigos 148º nº3 e 147º nº7, ambos do CPP).

III – Pluralidade de Reconhecimentos

A pluralidade de reconhecimentos consiste na necessidade de proceder ao reconhecimento da mesma pessoa ou do mesmo objecto por mais de uma pessoa. Neste caso, cada uma das pessoas procederá ao reconhecimento separadamente, impedindo-se a comunicação entre elas (artigo 149º nº1 CPP).
Por outro lado, a pluralidade de reconhecimentos poderá referir-se, de igual modo, ao reconhecimento pela mesma pessoa de várias pessoas ou vários objectos, caso em que o reconhecimento será efectuado separadamente para cada pessoa ou cada objecto (artigo 149º nº2 CPP).

O registo de voz e imagem

Marta Filipe
Notas para powerpoint, para a sessão de 11 de Dezembro de 2007

Algumas tendências securitárias da actualidade (…) trazem consigo a ideia perversa de que a vigilância permanente tudo resolve porque tudo prevê.”
Cristina Máximo dos Santos
(Assessora do Tribunal Constitucional)
As novas tecnologias de informação e o sigilo das telecomunicações”, RMP, nº99, pág.99

O Registo de voz e imagem foi introduzido no nosso ordenamento jurídico com a lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro, tendo em vista a efectivação de um novo meio de obtenção de prova através da gravação da voz e da imagem sem o consentimento dos visados.
A gravação de voz e de imagem a efectuar pelo OPC pode ocorrer ainda antes de iniciado um qualquer inquérito.
A Lei Orgânica da PJ (DL nº275-A/2000 de 09 de Novembro), prevê, no artigo 4º, nº2 a possibilidade de realização dessas gravações no âmbito de operações de vigilância, para fins de prevenção criminal.
No entanto, vou atender apenas à recolha de voz e de imagem como meio de obtenção de prova no decurso de um processo já em curso (art. 6º Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro).

Dadas as crescentes preocupações securitárias geradas pelo aumento da criminalidade grave, pela própria globalização do crime e incremento de processos tecnológicos na execução de crimes, foi aprovada em 2002, após os atentados de 11 de Setembro, a Lei que estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira – a Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro.

Esta traduz o objectivo de dotar a investigação criminal de maior eficácia e agilidade no combate às novas formas de criminalidade organizada permitindo o uso de novos meios tecnológicos de obtenção de prova.

São diversas as definições avançadas para concretizar a expressão “criminalidade organizada”:
¡ “associação ordenada de fins, meios e esforços por uma ou várias pessoas, de índole temporária ou durável, para cometer um delito ou uma série de delitos, tentando garantir a impunidade tanto quanto seja possível.” – Manuel António Ferreira Antunes, “A Criminalidade Organizada: Perspectivas”, in Polícia e Justiça nº3-4, pag.58
¡ “empresa ou grupo de pessoas organizadas para cometer crimes sem respeitar as fronteiras dos Estados, que tem por objectivo a obtenção de lucros” - Interpol

A própria maleabilidade das estruturas deste fenómeno dificulta a sua delimitação jurídica e apreensão do conceito.

Para efeitos do disposto no CPP, não prevê o artigo 1º uma definição de criminalidade organizada mas de criminalidade altamente organizada.
Porém, não concretiza o significado da expressão, indicando apenas os tipos de crime que integram esta classificação:
- associação criminosa
- tráfico de pessoas
- tráfico de armas
- tráfico de estupefacientes
- corrupção
- tráfico de influências
- branqueamento

O CPP não acolheu este meio de obtenção de prova mas a Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro, prevê, no capítulo designado como “outros meios de produção de prova”, a admissibilidade do registo de voz e de imagem.
No artigo 6º, tem-se como admissível, quando necessária para a investigação dos crimes indicados, classificados como criminalidade organizada ou económico-financeira, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem o consentimento do visado.
A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, sendo aplicáveis aos registos obtidos as formalidades próprias das escutas telefónicas do artigo 188º CPP (com as necessárias adaptações) .
Limita-se, no entanto, à investigação dos crimes referidos no catálogo do art. 1º que não é inteiramente coincidente com o que suporta a admissibilidade das escutas no art. 187º, nº1 CPP.

Os crimes elencados no artigo 1º, nº1 da referida Lei são:
¡ Tráfico de estupefacientes
¡ Terrorismo e organização terrorista
¡ Tráfico de armas
¡ Corrupção passiva e peculato
¡ Branqueamento de capitais
¡ Associação criminosa

podendo ainda ter lugar nos caso de:
¡ Contrabando
¡ Tráfico e viciação de veículos furtados
¡ Lenocínio e lenocínio e tráfico de menores
¡ Contrafacção de moeda e de títulos equiparados a moeda

quando praticados de forma organizada.

Por força do nº3 do mesmo artigo, fazem também parte do catálogo os crimes previstos no artigo 1º, nº1 da Lei de combate à corrupção e criminalidade económico-financeira e que são:

¡ Corrupção, peculato e participação económica em negócio

¡ Administração danosa em unidade económica do sector público

¡ Fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito

¡ Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática

¡ Infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional

No contexto da criminalidade organizada, existe a tendência para se permitir maiores restrições aos direitos fundamentais em nome da eficácia da justiça penal.
Não cuidando neste âmbito, das teorias do direito penal do inimigo ou do direito penal a duas velocidades… é necessário, porém, reflectir sobre a necessidade de uma relativização das garantias dos arguidos.
A este propósito, mantém actualidade a asserção do Prof. Costa Andrade:
“A eficácia da justiça penal não basta, só por si e enquanto tal, para legitimar a danosidade social da produção ou utilização não consentidas de gravações ou fotografias”, Costa Andrade, “Das proibições de prova em processo penal”, 1992.

Os direitos fundamentais à imagem e a palavra não se confundem com o direito à reserva da intimidade da vida privada. Embora previstos no artigo 26º CRP, tutelam bens jurídicos diversos, o que se concretiza na estatuição de tipos de crime diferentes.

A devassa da vida privada ou a violação de domicílio, previstos nos artigos 192º e 190º CP, são exemplos de crimes incluídos no capitulo dos crimes contra a reserva da vida privada enquanto que, para protecção do direito à imagem e à palavra, surge o crime de gravações e fotografias ilícitas, este estabelecido no artigo 199º CP.
Daqui decorre que estes tipos de crime não protegem bens jurídicos coincidentes e que estes direitos fundamentais têm um âmbito de aplicação distinto.
A factualidade típica descrita nesta disposição legal consiste na gravação de palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público ou na utilização destas mesmo que licitamente produzidas; bem como se tal documentação ocorrer por meio de fotografia ou filme.

Face ao que acabei de referir, na ausência do artigo 6º da Lei nº 5/2002, estas gravações por parte dos OPC não podiam ser valoradas por integrarem a prática de um crime (199º CP ou 192º CP). Tal proibição encontra-se explícita no CPP, no art. 167º CPP, referente à prova documental (proibição de valoração de reproduções fotográficas ou qualquer meio de reprodução mecânica obtidas de forma ilícita).
No entanto, a disposição legal referida consagra um caso de exclusão da ilicitude ao permitir a gravação de imagem e som sem o consentimento do visado e a sua posterior utilização como prova.
Em determinadas circunstâncias, o registo de voz e de imagem pode violar simultaneamente o direito à intimidade da vida privada e, nestes casos, estaremos ainda perante uma exclusão da ilicitude?
A resposta tem que ser, necessariamente negativa face ao disposto no artigo 126º, nº3 CPP que concretiza a proibição constitucional presente no artigo 32º, nº8 CRP, que cominam com a nulidade e consequente proibição de valoração no processo, as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada porquanto, desta forma, se violaria de forma inadmissível o núcleo essencial da personalidade e dignidade humana. Por isso, fora da autorização legal ficam as diligências tendentes a captar, fotografar, filmar a imagem de pessoas em espaços íntimos.

É este o entendimento quer da doutrina quer de alguma jurisprudência.
Isto com diversos fundamentos:
- Por um lado, estão em causa bens jurídicos diferentes
- Por outro, não existe referência legal que permita tal intromissão na privacidade
- E, por último, esta violação não pode ficar dependente de um juízo de mera necessidade para a investigação

Assim, Carlos Rodrigues de Almeida, “O Registo de voz e imagem”, RPCC (14), pág.369; no mesmo sentido: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.03.2006, CJ06-II-198
Porém, em sentido contrário, defendendo a possibilidade de recolha de voz e imagem em violação da vida privada, o Acórdão do STJ de 12.07.2007, Proc. 07P1771, in www.dgsi.pt que considera ser esta uma das excepções previstas no art. 126º, nº3 CPP.

Não obstante a expressa previsão legal, é controversa na jurisprudência a questão de saber se é sempre necessária a autorização ou ordem do juiz.
Algumas decisões encerram o entendimento de que a recolha de imagens e som em espaços públicos, por ex. um parque público, não carece de autorização do juiz uma vez que não consiste numa intromissão na vida privada. Baseia-se esta posição no argumento que não pode este regime ser mais restritivo dos direitos fundamentais que o previsto no art.126º CPP.
“só depende de prévia autorização do juiz aquele registo em que haja ofensa á integridade moral das pessoas ou constitua intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou telecomunicações.”
Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.01.2003, CJ-I-40 e de 23.04.2003, CJ-II-43; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16.11.2005, CJ-V-219.

Em sentido contrário, decidiram os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22.03.2006, CJ-II-198; Acórdão do STJ de 12.07.2007, Proc. 07P1771, in www.dgsi.pt. Partindo do pressuposto que a recolha de som e imagem só se realiza validamente em espaços públicos, este meio de recolha de prova carece sempre de autorização do juiz pois, tendo em vista o combate à criminalidade organizada, é ao juiz que cabe a ponderação dos interesses em conflito e da necessidade de restrição de direitos fundamentais.

Pode colocar-se ainda a questão de saber se é possível a validação posterior deste meio de obtenção de prova ou se a autorização do juiz é necessariamente prévia.
Face aos dispositivos legais, e foi esta a solução defendida pelo STJ, no acordão de 12.07.2007, Proc. 07P1771, in www.dgsi.pt, o registo de voz ou de imagem não pode ser validado pelo juiz depois de obtido pelos OPC: “Na verdade, tem o julgador de previamente, e não a posteriori, fazer a ponderação dos interesses em jogo.”
Efectivamente, não há disposição legal que o sustente e que permita afastar o estabelecido no art. 6º da Lei nº 5/2002. A remessa para o regime formal das escutas telefónicas também corrobora este entendimento uma vez que estas também não são passíveis de validação posterior.

Outros dos requisitos de admissibilidade já referido é o da necessidade para a investigação.
O que devemos entender por “necessidade”?
Por um lado, atendendo ao carácter excepcional deste meio de obtenção de prova e à restrição que o mesmo acarreta para direitos fundamentais, devemos considerar que existe necessidade quando as provas obtidas são insuficientes para a investigação.
Contudo, isto não significa restringir a sua utilização a casos em que seja impossível ou extremamente difícil obter prova por outros meios, fazendo aplicação do regime das escutas telefónicas, apesar do nº 3 do art. 6º remeter para as formalidades previstas no artigo 188º.
“(…) limitar a utilização do registo de voz e de imagem aos casos em que seja impossível ou extremamente difícil obter prova por outros meios menos danosos é comprimir excessivamente o sentido e a finalidade da lei.”, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.03.2006, CJ-II-198.

Esta remissão abrange apenas os pressupostos formais e não também as formalidades substantivas.
Na verdade, o artigo 6º da lei a que nos vimos referindo, parece conter uma menor exigência quanto aos pressupostos substantivos para a utilização deste meio de obtenção de prova.
Comparando-o com o artigo 187º CPP, relativo às escutas telefónicas, verificamos que embora o catálogo de crime que permitem a utilização de escutas seja mais abrangente, o registo de imagem e voz pode ser efectuado por qualquer meio e apenas exige a verificação de necessidade para a investigação nos termos já expostos.

Escutas Telefónicas
Art. 187º CPP
Registo de voz e imagem
Catálogo mais amplo
Catálogo mais restrito
Meios: telefone, qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico
Qualquer meio
“razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter”.
“necessária para a investigação do crime”

Quanto às formalidades a adoptar, e em cumprimento da remissão para o regime do art. 188º CPP, com as necessárias adaptações, podemos concluir que:
deve ser lavrado pelo OPC um auto de registo de imagem e voz indicando as passagens relevantes para a prova (art. 188º, nº1 CPP), o qual, com os suportes técnicos, deverá ser levado ao conhecimento do Ministério Público de 15 em 15 dias (art. 188º, nº3 CPP) que o leva ao conhecimento do juiz em 48 horas (art. 188º, nº4 CPP).
O juiz ordena a junção aos autos das recolhas de voz e de imagem indispensáveis para fundamentar a aplicação das medidas de coacção, a requerimento do MP (art. 188º, nº7 CPP); caso contrário, constituindo elementos manifestamente estranhos ao processo, ordena a destruição imediata (art. 188º, nº6 CPP).
Os suportes técnicos que não forem destruídos ficarão no processo e aqueles que não forem utilizados como meio de prova serão destruídos após o trânsito em julgado da decisão (art. 188º, nº11 CPP).

No contexto da aplicação das formalidades das escutas telefónicas ao registo de voz e imagem, cabe ainda perguntar se é necessário que o juiz fixe um prazo dentro do qual tem que ter lugar a recolha de voz e de imagem, sob pena de nulidade.
Pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 4/2006, DRII de 14/2/2006, pela não inconstitucionalidade do artigo 6º Lei nº 5/2002 conjugado com os artigos 187º a 190º CPP na interpretação através da qual se entenda que “não se encontra ferida de nulidade a recolha de voz e de imagem que, apesar de ter sido judicialmente autorizada sem fixação expressa do prazo de duração, se processou e terminou sempre com efectivo acompanhamento e atempado controlo judicial da execução da operação.”
O STJ tem entendido que haverá que distinguir a omissão de formalidades substanciais, que constituirá nulidade insanável, e a falta de pressupostos formais, que integra uma nulidade sanável.
A fixação de um prazo enquadra-se nos pressupostos de forma, pelo que a sua omissão gera nulidade que pode ser sanada. Assim, o Ac. STJ de 12.07.2007, Proc. 07P1771, in www.dgsi.pt. Esta posição do Supremo é, no entanto, contrária à jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente dos acórdãos nº 379/2004 de 1/6/2004, DRII de 21/7/2004 e nº 528/2003 de 31/10/2003, DRII de 17/12/2003 que declararam inconstitucional o entendimento que a observância dos requisitos de admissibilidade consagrados no art. 187º CPP é suficiente para satisfazer as exigências constitucionais e que as exigências previstas no art. 188º CPP são meros requisitos processuais sujeitos ao regime das nulidades sanáveis.
Com a revisão de 2007, ficou consagrada na lei esta solução de cominar com a nulidade insanável qualquer incumprimento dos arts. 187º, 188º e 189º CPP, designadamente a omissão de fixação de prazo de duração (máximo três meses – art. 187º, nº6 CPP).

Importa ainda referir a divergência de entendimentos quanto ao âmbito de aplicação deste meio de obtenção de prova. Aplicar-se-á apenas à recolha de voz e de imagem ou também quando se pretenda a gravação somente da voz ou só da imagem?
Do elemento literal de interpretação da norma prevista no artigo 6º da Lei nº 5/2002 (registo de voz e de imagem), bem como do efeito útil das previsões contidas nos artigos 167º, nº1 CPP (“reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico”) e 189º, nº1 in fine CPP (“comunicações entre presentes”) resulta a distinção de meios de obtenção de prova consoante o objectivo pretendido.
Assim sendo, quando se pretenda o registo de voz e simultaneamente da imagem de determinados indivíduos, lançar-se-á mão da recolha de voz e imagem prevista no artigo 6º Lei nº5/2002; enquanto para a gravação de voz aplicar-se-á o regime previsto para as escutas telefónicas (artigo 189º, nº1 in fine CPP); já no que diz respeito apenas à gravação de imagem, rege o disposto quanto ás reproduções mecânicas (artigo 167º, nº1 CPP).

Para terminar, o registo de voz e de imagem não se confunde com a utilização de sistemas de vigilância por câmaras de vídeo pelos serviços de segurança em locais públicos de utilização comum para captação de voz e de imagem, regulamentada pela Lei nº 1/2005 de 10 de Janeiro.
Entre os fins do sistema encontra-se a protecção de pessoas e bens e a prevenção da prática de crimes em locais em que exista razoável risco da sua ocorrência (art. 2º, nº1 c).

A utilização das câmaras de vigilância depende de autorização governamental (art. 3º, nº1) e rege-se pelo princípio da proporcionalidade (art. 7º, nº 1 e 2), sendo sempre proibida a violação do direito à intimidade da vida privada (art.7º, nº6 e 7).
Quanto a este último aspecto é de salientar o facto de se entender que, quando autorizada pelo juiz ao abrigo do disposto no art. 6º da Lei nº 5/2002, poder ser violada a intimidade da vida privada enquanto que, havendo conhecimento do visado sobre a gravação, é sempre proibida a violação da vida privada.
Dispõe o art. 8º, nº1, que quando uma gravação registe a prática de factos com relevância criminal, a força ou o serviço de segurança que utilize o sistema elaborará auto de notícia que remeterá ao MP juntamente com a fita ou o original das imagens e sons, no mais curto prazo possível.
Como condição de validade dos registos, e para que possam valer como meio de prova, a lei exige que exista uma informação sobre a existência das câmaras e, neste contexto, não podemos falar em proibição de captação de imagem uma vez que a mesma é tacitamente consentida, e como em local público, não contende com a intimidade da vida privada.
“Não pode falar-se em proibição de captação de imagem pois a própria lei impõe que, nos locais do tipo daquele em que as cassetes foram gravadas, se adoptem sistemas de segurança privadas.”, Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 30.02.2002, CJ-IV-285.

Recolha de prova electrónica

(notas de powerpoint de Susana Jales, para a sessão de 14 de Janeiro de 2008)

Recolha de prova electrónica
1. Introdução e Contextualização
2. O Regime do anterior Código de Processo Penal
3. A Convenção de Cibercrime
4. O Projecto Lei 217/IX
5. Regime Actual
6. Conclusões
7. Questão criminal

Introdução e Contextualização
globalização da informação, dados e circulação de dados;
elevado grau de armazenamento de dados em suportes informáticos;
falhas dos sistemas de segurança;
actividade de hackers e sua formação;
uso da www para a prática de crimes

O Regime do anterior Código de Processo Penal
Generalidades
Actividade de Recolha de Prova com 2 objectivos:
- descoberta da verdade;
- preparação de elementos de prova que possam ser produzidos em julgamento visando a condenação dos culpados (Art.º 335 do CPP – principio da imediação em julgamento).
Art.º 125º do CPP – São admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei – Principio da Legalidade
Art.º 32 nº 8 e 34 nº 4 da CRP;
Art.º 126 nº 3 e 4
Art.º 127º “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”

O Regime do anterior Código de Processo Penal
Meios de Obtenção de Prova tradicionais com interesse para a recolha da prova electrónica
Perícia (Prova pericial Art.º 151 e ss do CPP)
- Art.º 151 “A prova pericial tem lugar quando a percepção ou apreciação dos factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos”.
- A opinião dos técnicos e peritos revelam-se de uma grande importância por duas razões:
permitem a quem investiga perceber os factos em investigação, podendo vir a descobrir novos autores;
facilita a produção da prova e a percepção desses mesmos factos em julgamento;
- Valor da prova pericial nos termos do Art.º 163, nº 1;

Meios de Obtenção de Prova tradicionais com interesse para a recolha da prova electrónica
Exames (Art.º 171 e ss do CPP)
- ao contrário das perícias, os exames não são feitos por especialistas, mas a sua elevada importância resulta da imediação, fornecendo à investigação indícios relativos ao modo, lugar, pessoas que cometeram ou sobre as quais o crime foi cometido;
- são ainda importantes quando face aos elementos recolhidos ou factos em investigação, não se revela possivel realizar uma pericia.
Buscas e Apreensões Art.ºs 174, 176, 177 e 178 a 186
-aplicação à correspondência electrónica das normas referentes à correspondência tradicional;
- competência do JIC (Artº 179 nºs 1 e 3)

Mensagem de correio electrónico ainda não aberta
- aplicação do Art.º 179 nº1 e nº3, porquanto refere “outro tipo de correspondência”, o e-mail, deve ser pois considerado correspondência, enquanto não for aberto;
Face à especificidade do mail, depois de aberto, passa a ser um ficheiro, e portanto equiparável a uma carta deixada aberta, pelo que para o mesmo já não se aplicam as normas de apreensão de correspondência, mas antes as relativas à apreensão de qualquer documento nos termos do Art.º 178, não estando por isso sujeito ao controle efectuado pelo JIC. (Ac do STJ de 20/09/06; Ac do TRL de 13/10/04; Ac do TRC de 29/03/06)

Mensagem de correio electrónico impressa em papel
Também tratada como documento que pode ser apreendido, sem necessidade de especiais formalidades, tal como se entende relativamente à correspondência tradicional deixada aberta.

Aplicação do Regime das Escutas Telefónicas nos termos do Artº 190 do CPP
- “intercepção de comunicações ou conversações por qualquer meio diferente do telefone, designadamente por correio electrónico (…)”
- sujeito a autorização e validação pelo JIC;
- aqui o problema que se coloca é o da intercepção em tempo real, já não o de correio electrónico ainda não aberto mas já recepcionado, nem o de já recepcionado e aberto, nem o de e-mail impresso.
- será a intercepção das comunicações electrónicas em tempo real, no caso on-line.

Levantava-se o problema da competência para requerer a facturação
(Parecer do Conselho Consultivo da PGR nº 21/2000 de 16/06, publicado na 2ª série do DR de 28/08(00)

A Convenção de Cibercrime
- elaborada entre 1997 e 2001;
- primeiro tratado de direito internacional sobre ciminalidade contra sistemas de computadores, redes ou dados;
- tem vocação universal , pretendendo vir a ser aceite por todas as jurisdições do globo;
- pretende instituir entre os Estados um espaço unitário e alargado de legislações criminais harmonizadas;
- agilização da cooperação judiciária e policial;
- Portugal já assinou mas não ratificou;
- institui novas ferramentas processuais;

A Convenção de Cibercrime - ferramentas processuais
Preservação Expedita de dados – quer de tráfego, quer de conteúdo;
Revelação expedita de dados – apenas quanto aos dados de tráfego;
Permitem à entidade que investiga aceder em tempo real e rapidamente a
informação que exigiria a obtenção de autorizações nomeadamente
judiciárias;
Com a obtenção de informação de modo expedito, o OPC poderia notificar
os operadores telefónicos ou apenas de internet, para guardarem e
comunicarem todos percursos de uma determinada comunicação efectuada
por uma determinada pessoa, através do IP de que é titular.
Injunção – compelir determinado pessoa ou fornecedor de serviços não cooperantes a fornecer determinados dados.
Obtenção de dados de livre acesso
Novas modalidades de busca e apreensão

O Projecto Lei 217/IX
- esteve na base da Proposta de Lei nº 38/2004 do Ministro da Justiça datada de 1 de Junho de 2004;
Inovações Propostas
- clarificação dos diferentes conceitos de dados referentes às comunicações informáticas;
Dados de localização – quaisquer dados, tratados numa rede de comunicações electrónicas que indiquem a posição geográfica do equipamento terminal de um utilizador de um serviço de comunicações electrónicas publicamente disponivel;
Dados de tráfego – os dados informáticos ou técnicos relacionados com uma comunicação efectuada por meio de tecnologias de informação ou comunicação, por si automáticamente gerados e que servem para indicar designadamente a origem da comunicação, o destino, os trajectos, a hora, a data, extensão, duração ou o tipo de serviço adjacente;
Dados de base – os dados pessoais relativos à conexão com a rede de comunicações, designadamente número, identidade e morada do assinante, bem como a listagem de movimentos de comunicações e que constituem elementos necessários ao estabelecimento de uma base para a comunicação:
Dados de conteúdo – os dados relativos ao conteúdo da comunicação ou de uma mensagem

-Determinação de quem podia aceder aos dados
dados de localização, tráfego, base – autoridades judiciárias e opcs, com excepção quanto aos dados de base se o subscritor tivesse requerido confidencialidade, caso em que apenas a autoridade judiciária;
dados de conteúdo – aplicação do regime de escutas telefónicas

Obrigação imposta aos operadores de telecomunicações e fornecedores de serviço de acesso às redes de comunicações de preservar pelo periodo de um ano a informação relativa aos dados de base, localização e tráfego dos seus clientes;

-Especial dever de colaboração imposto a operadores de comunicações, os quais ficavam obrigados a comunicar às entidades policiais ou judiciais a ocorrência de determinados crimes praticados através dos serviços de comunicações que disponibilizam.
-
-Obrigação de sigilo, imposta aos operadores e fornecedores de comunicações, bem como todos aqueles que para eles trabalhem, após instados por autoridades judiciárias a revelarem qualquer tipo de informação
Recolha de prova electrónica

Regime do actual Código de Processo Penal
Constatação de que apesar da convenção e do projecto de lei nada foi consagrado;
Continuação da disposição dos mesmos recursos;
Manutenção das mesmas duvidas, acrescidas de outras quantas

Artº 189 nº1 – “mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital”
- protecção ad eternum da correspondência electrónica;
- corte com o regime de correspondência dita normal;
- dificuldades práticas operacionais;
- inaplicabilidade aos inquéritos por ameaça ou injúria, bem como a alguns crimes constantes da Lei da Criminalidade Informática;
- aplicabilidade ou não deste artigo ao crime de injúria cometido por correspondência electrónica;

Artº 189 nº2 – aplicável às mensagens de correio electrónico, abertas ou não, desde que se encontrem em suporte digital
E se estiverem em suporte papel?
- Aplicamos o regime da correspondência, ou mantém-se a obrigatoriedade de intervenção do JIC?
- Podemos então ter dois regimes para a correspondência electrónica?

Qual o regime aplicável à transmissão por fax?
- Diferenciamos, conforme a transmissão for feita por aparelho de fax (caso em que fica impressa em papel) ou por computador?

Qual o regime aplicável aos anexos das mensagens electrónicas? Aplicamos o regime da mensagem, ou consideramos que são apenas um ficheiro informático? Ou diferenciamos consoante se mantenha como anexo ou ficheiro autónomo?

Face à consagração da competência exclusiva do JIC nos termos do Art.º 189 nº 2, qual a justificação para tal, quando apenas se requer a facturação detalhada, de acesso à internet?

CONCLUSÃO
- urgente ratificação da convenção e criação de normas nacionais que permitam a exequibilidade dos preceitos naquela consagrados;
- necessidade de harmonização conceptual;

Questão criminal
Sendo violadas as normas de recolha de prova electrónica, para além de questões de validade processual, praticarão os agentes o crime de violação de correspondência ou telecomunicação, previsto no Art.º 194 nº 1 e 2 a correspondência electrónica só o é enquanto circula, ou perdura enquanto tal?
caberá no conceito de escrito fechado mencionado no Código Penal

Declarações de co-arguido

(notas para powerpoint de Susana Jales, para a sessão de 5 de Novembro de 2007)

1. Princípios;
2. Apreciação das declarações;
3. Quadro legal e jurisprudencial anterior;
4. Quadro legal vigente;
5. Apreciação critica

1 - Princípios Aplicáveis

Principio da Atipicidade - Art. 125º do CPP
“São admissíveis as provas que não forem proibidas”;
Nulidade das provas obtidas mediante ofensa de direitos, liberdades e garantias consagrado no Art. 126º do CPP

Principio da Livre Apreciação da Prova
- tendencialmente todas as provas valem o mesmo – Art. 127º;
- tribunal aprecia de acordo com livre convicção;
“liberdade para decidir segundo o bom senso e a experiência de vida, temperados pela capacidade critica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional.”

Principio da Investigação ou Verdade Material;
Quer na instrução, quer no julgamento, o juiz tem poderes autónomos de investigação - Art. 289, 290, 340;
Manifestação do sistema de tipo acusatório mitigado por um principio de investigação - Art. 32º da CRP

Principio in dubio pro reo - presunção de inocência manifestada no art. 32 da CRP
A todos os arguidos assiste, e no que ao presente tema diz respeito “Direito ao Silêncio”
Apreciação das declarações
Do arguido relativamente a si mesmo
Nulidade da prova obtida mediante qualquer meio previsto no art. 126 do CPP, nomeadamente e);
Inutilidade de qualquer promessa ou vantagem legalmente inadmissível;
Valoração substantiva do arrependimento prevista nos Art. 71 e 72, 299 nº 4 do CP

Possibilidade de Confissão – Art. 344 do CPP
- deverá ser livre, integral e sem reservas;
- determina a renúncia à produção da prova relativa aos factos imputados, sendo os mesmos considerados provados;
- passagem de imediato a alegações orais;
- redução da taxa de justiça a metade;

Do arguido relativamente a co-arguidos no mesmo processo
Prevista no Art. 343 nº 4;
Nos termos do Art. 344 nº 3, a existência de co-arguidos acompanhada da inexistência de confissão integral por todos impede a aplicação do regime da confissão (Art. 344,2)
É livremente apreciada nos termos do Art. 344, 4

Entendido por Teresa Pizarro Beleza, como uma prova de diminuída credibilidade;
Pode resultar da técnica policial de colocação dos arguidos em desacordo;
Conjugação com direito ao silêncio e impossibilidade de cross examination (violação do direito ao contraditório do art. 327 nº 2 do CPP)

Quadro legal e jurisprudencial anterior
Resulta do Art. 133º que o co-arguido, está impedido de depor como testemunha;
Titular do Direito ao Silêncio;
Não presta juramento;
Ac STJ de 20 de Junho de 2001;
Ac STJ de 8 de Fevereiro de 2007;
Ac TC 524/97
Ac de 20/4/06

Quadro legal actual
Introdução do nº 4 do Art. 345;
Consagração da opinião da Pf Drª Teresa Pizarro Beleza;
Consagração da Jurisprudência já referida do Tribunal Constitucional;

Apreciação Critica
O co- arguido mantém o direito ao silêncio, mesmo quando decide falar;
As suas declarações não devem ter um valor aprioristicamente determinado;
Deve a atitude de não responder a determinadas questões ser ponderada conjuntamente com todas as declarações prestadas;
“Só haverá ofensa ao principio do contraditório se o conjunto das circunstâncias que rodearam a recusa em responder a esclarecimentos pedidos pelo defensor de co-arguido permitir concluir que este ficou efectivamente prejudicado no seu direito de defesa”
(Conselheiro José Manuel Araújo de Barros)

Declarações de co-arguidos após separação de processos
- perdem o estatuto de co-arguidos;
- depõem como testemunhas;
- Acórdão do TC 304/2004 DR II série de 20 de Julho de 2004;
- Acórdão do TC 181/2005 DR II série de 12 de Maio de 2005.