quinta-feira, dezembro 13, 2007

A Corrupção - Breve Análise de Direito Comparado

(texto de Sérgio Pena)

NOTA IMPORTANTE:
O presente texto é apenas o draft da exposição apresentada no CEJ, no dia 6.12.2007, no âmbito do seminário de formação permanente subordinado à temática “Criminalidade Económico - Financeira e Criminalidade Fiscal”.


BREVE ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO (Espanha, França, Itália e Alemanha)

Duas notas:
- Por limitações de tempo vamos abordar apenas a corrupção que se designa por administrativa (prevista no nosso ordenamento no Código Penal, artigos 372º a 374º), fazendo breves apontamentos sobre a designada corrupção política (prevista no nosso ordenamento na Lei 34/87 de 16 de Julho), deixando de fora a corrupção no fenómeno desportivo e as designadas corrupção no sector privado e a de agente público estrangeiro (previstas no DL 28/84 de 20 de Janeiro).
- Igualmente, por essa razão, vamos apenas visionar de forma panorâmica as soluções encontradas pelos legisladores: Espanhol, Francês, Italiano e Alemão.

ESPANHA
A corrupção encontra previsão nos artigos 419 a 426 do CP Espanhol, sob o título crimes contra a administração pública e no capítulo “Del Coecho”.
Considerando, como referência, o nosso crime de corrupção passiva, o legislador espanhol previu três tipos base distinguindo as penalidades, em razão da natureza do acto ou omissão praticado pelo funcionário (incluindo-se os titulares de cargos políticos), assim:
(artigo 419 CP Espanhol) - Se esse acto ou omissão consubstanciar a prática de um crime, o agente será punido com pena a pena do crime respectivo e com pena de prisão de 2 a 6 anos, multa calculada entre o valor da dádiva (ou promessa) e o seu triplo e inabilitação para função ou cargo público pelo período de 7 a 12 anos.
(artigo 420) - se esse acto (e aqui já não omissão – que neste caso é punida autonomamente pelo artigo 421
[1]) se traduzir na prática de um acto ilícito (civil ou administrativamente) relativo ao exercício do cargo, que não seja crime, as penas (de prisão/multa e inabilitação) serão inferiores.
Distinguindo-se caso seja praticado o acto prometido – caso em que a pena é de um a quatro anos/inabilitação especial de para função ou cargo público pelo período de 6 a nove anos e multa calculada entre o valor da dádiva (ou promessa) e o seu triplo; ou caso não seja praticado o acto prometido – em que a pena é de um a dois anos/inabilitação especial de para função ou cargo público pelo período de 3 a nove anos e multa calculada entre o valor da dádiva (ou promessa) e o seu triplo
(artigo 425/1) – Ainda mais baixas serão as penas se se tratar de um acto licito, “acto próprio do cargo” (pena de multa e suspensão para função ou cargo público pelo período de 6 meses a 3 anos)

(artigo 425/1/2) - Equipara-se, em punição, a recompensa por acto já realizado à punição da corrupção para acto lícito.

(artigo 426) - Prevê-se como crime, punível com pena de multa de três a seis meses, a mera aceitação de dádivas ou ofertas tendo em consideração a função – ou seja não dependente da prática de um concreto acto decorrente do exercício de funções, disposição similar à prevista no artigo 372.º, n.º 2 do nosso Código Penal.

(artigo 423) - Finalmente, no que respeita à corrupção activa são previstas, regra geral, por remissão, penas idênticas às de prisão e multa, previstas para a corrupção passiva.
Como excepção desta identidade de penas, encontram-se as situações em que a actuação do particular se traduza NÃO na PROMESSA, mas na aceitação de solicitação efectuada pelo funcionário, caso em que a pena deve ser reduzida e as situações de suborno em causa criminal a favor do arguido, se o acto de suborno for praticado por pessoas com especial laço familiar ao arguido.

Como traços diferenciadores da legislação Espanhola, comparativamente com a portuguesa, assinalaríamos, em síntese:
a) A construção tripartida do crime de corrupção passiva, nos moldes assinalados.
b) O facto de prever como penas principais para as situações de corrupção passiva:
+ para além da pena de prisão (nos casos mais graves);
+ uma pena de multa que oscila entre o valor da dádiva e o seu triplo; e,
+ a inabilitação especial para o exercício de função ou cargo público que oscila entre 1 a 15 anos.
c) O facto de punir de forma idêntica os titulares de cargos políticos.

Apesar de não caber no âmbito desta exposição destacaríamos, ainda, a previsão ao nível dos crimes relativos ao ordenamento territorial/meio ambiente e protecção do meio ambiente que funcionam como verdadeiras válvulas de escape para punição de condutas (as mais das vezes corruptivas, que por ausência de prova relativamente ao pagamento ou promessa de pagamento, ficariam impunes).
São zonas de risco que o legislador Espanhol decidiu proteger, antecipando tutela penal através de incriminações de perigo e cuja investigação é acompanhada por uma unidade especial da Fiscalia anticorrupção, designada - Fiscalia dos meio ambiente (Ex. Caso Marbela).
A titulo de exemplo os artigos 319 e 320 do CP Espanhol, punem, respectivamente, as condutas de quem promove/constrói ou é técnico responsável pela construção de edificações em violação das normas urbanísticas e de quem sendo funcionário informe positivamente ou aprove (ou contribua para aprovação em caso de órgão colegial) projectos ou licenças para construção nessas circunstâncias.
Neste último caso – dos funcionários – a pena é a aplicável ao crime de prevaricação (cf. artigo 404 do CP Espanhol – pena de Inabilitação especial para função ou cargo público pelo período de 6 a 12 anos).
A pena é agravada em caso de construções em zonas verdes/espaços do domínio público e, em geral, em zonas classificadas.

FRANÇA
A legislação francesa prevê o crime de corrupção passiva no artigo 432-11, do Código Penal sob a epígrafe – Da corrupção passiva e tráfico de influências cometidos por pessoas que exerçam uma função pública –
Como resulta da epígrafe o tipo prevê duas realidades que em Portugal se apresentam separadas sistematicamente, com as implicações daí decorrentes.
Foquemos a atenção na corrupção passiva.
Esta é em França punida com pena de prisão até 10 anos e multa (150 mil euros).
Ao nível do sujeito activo do crime – corrompido – incluí qualquer funcionário público e qualquer pessoa investida de um mandato público de carácter electivo.
Para o preenchimento do tipo objectivo basta a promessa respeitar à prática de um acto funcional, ou facilitado pela mesma. Ou seja, não se caracteriza o acto como lícito ou ilícito, relegando-se para a medida concreta da pena as correspondentes diferenciações.
É prevista a possibilidade de aplicação de penas assessorias de proibição de exercício da função pública por tempo determinado (máximo 10 anos), bem como nalgumas situações a perda de direitos cívicos.

Relativamente à corrupção activa prevista no artigo 433-1 do Código Penal Francês verificamos que é punida com penas idênticas às da corrupção passiva e que, igualmente, não existe distinção em função da natureza licita ou ilícita do acto praticado ou a praticar pelos funcionários.

Como traços diferenciadores da legislação Francesa, comparativamente com a portuguesa, assinalaríamos, em síntese:
- Inclusão de pessoas com mandato electivo – políticos – no âmbito dos sujeitos da prática de crime;
- Não distinção, da pena abstractamente considerada, em função da natureza lícita ou ilícita do acto praticado ou a praticar pelo funcionário.
- Pena idêntica para corrupção activa, igualmente, sem distinção.


ITÁLIA
Em Itália, País que se quis emblemático na luta contra a corrupção, adjectivou-se o fenómeno de “Tangentopolis” (sendo tangente – suborno e polis, obviamente cidade – cidade do suborno).
As tentativas de bloqueio do sistema judicial tornaram-se mediatizadas. Grande parte do labor “legíferante” surgiu por ânimo da jurisprudência, motivo pelo qual esta merece especial referência.
Mas vejamos:
O CP Italiano prevê no artigo 318.º a corrupção para acto licito - como se diz no texto em tradução livre – prática de acto do cargo - e no artigo seguinte a corrupção para acto ilícito – prática de acto contrário ao cargo.
As penas são de máximo de três anos para a primeira situação e de cinco para a segunda.
As penas são agravadas se o acto respeitar a contrato ou vínculo permanente com a administração (319/2).

O corruptor é punido com penas idênticas.

No caso da corrupção activa as penas são reduzidas de 1/3 se o acto não se praticar, chama-lhe o CP Italiano, na epígrafe do artigo 322, Instigação á corrupção (Istigazione a la corrupzione)

São previstas penas patrimoniais.

As normas aplicam-se a titulares de cargos políticos electivos.

Mas como referimos a Jurisprudência (refira-se na senda da Procuradoria de Milão) assume um papel activo na conformação dos tipos legais,

Destacam-se, as seguintes linhas extraídas das decisões dos Tribunais Italianos:
1- O aniquilamento da distinção entre corrupção para acto lícito e ilícito. Na prática tudo é reconduzido à segunda figura, invocando-se o princípio segundo o qual o funcionário que recebe dinheiro indevido, perde a sua imparcialidade, pelo que os actos são sempre contrários ao dever do cargo.
2- O aniquilamento do elemento típico “acto por parte do funcionário”. A jurisprudência considera que quando o particular entrega dinheiro ou atribui outra qualquer vantagem ao funcionário público, existe corrupção mesmo que não se demonstre a relação entre a atribuição ilícita e a actividade do funcionário. Basta um pagamento.
3- O Código Penal Italiano, à semelhança do Português prevê como puníveis, quer o recebimento de uma vantagem, quer a mera aceitação da promessa de vantagem, por parte do funcionário, para a prática de um acto funcional. A jurisprudência italiana entende que, nas situações em que após a promessa existiu o efectivo pagamento, estamos perante a prática de dois crimes – dupla consumação, chamam-lhe delito cumulativo. Mas mais, se existe pagamento fraccionado, existem tantos crimes quantos as fracções de pagamento. Visa-se assim e consegue-se um aumento das penas.


ALEMANHA
Na legislação Alemã a corrupção está prevista na secção trigésima, sob a epígrafe factos puníveis no exercício de cargo público.
Inicia a secção uma previsão sob a epígrafe “aceitação de vantagem”, que traduz o comportamento daquele que solicita, se faz prometer ou aceita uma vantagem para si ou para terceiro pelo exercício das suas funções, punindo-se com uma pena privativa da liberdade até três anos ou com multa.
Norma que se encontra próxima/paralela da nossa corrupção para acto lícito – incluindo-se, também, quer as situações em que a vantagem é referência de uma determinada actuação funcional, quer aquela que se reporta ao exercício das funções em geral.

No parágrafo 332, surge a incriminação sob a epígrafe corrupção passiva, norma paralela à nossa corrupção passiva acto ilícito.
Ao nível do sujeito activo incluem-se os titulares de cargos electivos.
O sinal distintivo relaciona-se com o facto da vantagem estar associada a uma infracção do dever funcional.
Prevê-se uma pena privativa da liberdade de seis meses a cinco anos, que pode ser atenuada ou agravada, consoante a maior ou menor gravidade da conduta, respectivamente, para pena até 3 anos ou multa e para pena privativa da liberdade de 1 a 10 anos.
O legislador alemão explicita o que deve considerar-se por conduta mais grave, designadamente:
1. quando o acto (praticado ou a praticar) se reporte a recebimento ou promessa de uma vantagem de valor considerável; ou,
2. o autor aceite continuamente vantagens; ou,
3.em situações em que autor actua como membro de uma organização.

A tentativa é sempre punível.

No n.º 3 do parágrafo 332 equipara-se o acto praticado, ao acto a praticar e explicitasse que o crime, nesta modalidade, estará consumado, quando o corrompido, revelar junto do outro – corruptor - a sua disposição para:
- violar os seus deveres;
- quando a acção se revele dentro dos seus poderes discricionários e aquele revele que se deixa influenciar pela dádiva ou promessa, no exercício desse poder.

Acrescem penas pecuniárias a fixar nos termos gerais.

Agravam-se as penas quando o crime for praticado por magistrado.

São previstas penas acessórias de proibição de exercício da função pública por tempo determinado, bem como nalgumas situações a perda de direitos cívicos.

Equipara-se a acção à omissão.

Finalmente, no que respeita à corrupção activa são previstas, regra geral, por remissão, penas idênticas às de prisão e multa previstas para a corrupção passiva, nas diferentes modalidades referidas.

Como casos especiais de corrupção no âmbito estatal está penalizada, no Código Penal Alemão, a “corrupção de eleitores” e a “corrupção de deputados” (parágrafo 108).

Em ambos basta a promessa de vantagens, para que se vote ou não, em determinado sentido.

A pena é privativa de liberdade até 5 anos ou multa.


Como traços diferenciadores da legislação Alemã, comparativamente com a portuguesa, assinalaríamos, em síntese:
a) A inclusão dos titulares de cargos políticos no lote dos sujeitos activos do crime de corrupção passiva previsto no paralelo CPenal (ou seja, não é relegado para legislação extravagante)
b) a agravação da pena privativa da liberdade para a corrupção passiva para acto ilícito – até 10 anos, nas situações mais graves.
c) a definição expressa de que os actos no exercício de poderes discricionários, são passíveis de consubstanciar a prática de crime de corrupção passiva.
d) a expressa inclusão da corrupção de deputados, como forma de assegurar uma maior representatividade e transparência nas instituições democráticas

Como nota final refira-se que na doutrina e jurisprudência alemãs o conteúdo da ilicitude da conduta abrange não só assegurar a correcção de conteúdo das decisões, mas também a manutenção das regras formais do procedimento, enformadoras dos princípios da eficiência, imparcialidade e igualdade perante a lei.


NOTAS:
[1] Artigo 421 – abstenção de prática de acto no exercício do cargo – pena de multa compreendida entre o valor da dádiva e inabilitação especial para função ou cargo público pelo período de um a três anos.

sábado, dezembro 08, 2007

Palavras de Abertura

(texto para a Acção de Formação sobre Criminalidade Económico-Fianceira e Criminalidade Fiscal – 6 de Dezembro de 2007)
(Manuel José Aguiar Pereira, Juiz Desembargador, Director-Adjunto do CEJ)



Em nome do Centro de Estudos Judiciários, começo por apresentar a todos os presentes cumprimentos de boas vindas e desejar que possam retirar desta acção de formação proveito para a vossa actividade nos Tribunais.

Na verdade ela insere-se no âmbito da Formação Permanente de magistrados e profissionais do foro legalmente cometida ao Centro de Estudos Judiciários e a escolha do tema e a oportunidade da sua realização não poderiam ser mais felizes.
Em breves palavras procurarei explicar porquê.

No primeiro painel irão ser abordadas algumas das questões que a, aqui chamada, criminalidade moderna, coloca ao nível da investigação e julgamento.
Todos sabemos que os conceitos de tempo e de espaço de realização da Justiça e os princípios estruturais do combate ao crime estão em vertiginosa mudança.
Alguma criminalidade, cujas consequências são especialmente graves, desenvolve-se numa escala planetária potenciada pelas novas e cada vez mais sofisticadas tecnologias de informação e comunicação.
Acompanhando a evolução os sistemas de administração da justiça penal haverão que assumir as mudanças e equacionar os novos modelos de combate a essa criminalidade capazes de conciliar, com recurso a novas tecnologias e a todo um conjunto de adequados instrumentos jurídicos, a máxima eficácia com o integral respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos.

O combate à criminalidade implica uma utilização racional de meios disponíveis e uma resposta diferenciada em função do tipo de criminalidade (porventura mais flexível em relação à criminalidade de menor gravidade) sempre inserida num quadro rigoroso e sedimentado quanto ao modo de intervenção das várias instâncias formais de controlo e ao tipo de reacções penais.
Acentuam-se, quanto à criminalidade caracterizada por maior danosidade social ou violência, razões de prevenção geral e de segurança colectiva e de efectiva tutela dos bens jurídicos socialmente mais relevantes de uma comunidade nem sempre tolerante para com a ineficácia das entidades encarregues da investigação ou sequer sensível à existência de razões de natureza formal que conduzam à não punição dos comprovados autores dos crimes.
Mas mesmo quanto a ela devem ser também diferenciadas as respostas dos sistemas de justiça penal consoante se trate de condutas ocasionais, onde a dificuldade de identificação dos agentes e a reconstituição dos factos pode não assumir especial dificuldade e não justificar desvios, ao menos significativos, às regras gerais, ou se trate de condutas inseridas no âmbito da criminalidade organizada que no cometimento dos factos coloca novos e cada vez mais sofisticados meios técnicos e financeiros que lhe aumentam a eficácia e a perigosidade na exacta medida em que dificultam a sua investigação e efectiva punição.

O que, em todo o caso, importa realçar é que a resposta aos desafios que a criminalidade, em especial a criminalidade organizada, coloca aos sistemas de justiça penal, gera uma natural tensão dialéctica entre valores essenciais ao funcionamento da sociedade, demanda uma busca permanente de novos equilíbrios entre a tutela de direitos fundamentais dos cidadãos, garantidos pela generalidade das constituições nacionais e consagrados nas cartas de direitos internacionais e o direito inalienável das sociedades organizadas a sancionar a violação das suas leis, fundamento e a razão de ser do direito penal.
Para se obter esse desejável equilíbrio parece urgente, repensar a questão penal - a resposta dos sistemas de justiça penal – em face da evolução da questão criminal, da natureza da criminalidade organizada actual num contexto de ausência de barreiras e de expansão global das actividades e reequacionar a eficácia das técnicas da tutela e as garantias conferidas pela consagração dos direitos fundamentais.
Tudo se resume a saber até onde é possível restringir as liberdades e os direitos fundamentais de cada cidadão em nome da segurança colectiva.

O combate ao crime organizado já hoje se faz em várias frentes, se necessário fosse salientaria aqui, a título meramente exemplificativo e no âmbito processual, a alteração excepcional de regras de recolha, valoração e produção de prova no âmbito da investigação (agentes infiltrados, levantamento de segredos e protecção de testemunhas, etc.) e o estabelecimento de presunções cuja finalidade última é a de conseguir frustrar a obtenção de avultados lucros pelos agentes do crime.
Mas, urge perguntar: o que pode, de facto, significar a adopção de algumas destas medidas?
Diga-se claramente: a alteração de algumas regras básicas estruturantes da justiça criminal, sobretudo ao nível da recolha e obtenção de prova está a fazer com que o processo penal português, como aliás o de outros países, se afaste – e nalguns casos perigosamente – do modelo de “processo legal justo” para se aproximar do modelo já chamado de “modelo de controlo do crime” de justiça criminal.
Este último visa essencialmente obter a máxima eficácia no combate à criminalidade, caracteriza-se pela maior importância atribuída à investigação criminal e à prova produzida nessa fase e pela maior liberdade concedida às polícias e ao Ministério Público, dando mais relevo à comunidade e às vítimas do que ao indivíduo arguido.
Saber se esse é ou não um preço razoável no nosso ordenamento jurídico-constitucional, isto é, se entre a segurança colectiva e a punição da criminalidade e o respeito pelos direitos fundamentais deve sempre prevalecer a primeira eis a questão que deve começar a colocar-se.

Os novos desafios, é certo, demandam novas e arrojadas soluções.
Mas estas em caso algum poderão, a meu ver, exceder os limites impostos pelo criterioso respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos: O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem afirmado que as razões da eficiência na perseguição à actividade criminosa não podem sacrificar as razões da Justiça; O Tribunal Constitucional Federal Alemão também já expressou o seu entendimento de que os interesses superiores da comunidade não podem justificar uma agressão á área nuclear da conformação privada da vida, que goza de protecção absoluta.
Não se trata de questionar os interesses inerentes à repressão da criminalidade, à segurança colectiva, quando estejam em causa direitos fundamentais dos cidadãos.
Diremos, com a Professora Dr.ª Anabela Miranda Rodrigues, que a solução está em não permitir que os direitos que o cidadão arguido pode usar para sua protecção sejam instrumentalizados de forma a paralisar a própria acção da justiça.
Do que se trata, afinal, é de ponderar e de decidir fundadamente, em cada caso, qual dos interesses contrapostos deve ceder para que o outro obtenha a sua máxima realização.
A busca da justa medida do sacrifício dos direitos fundamentais parece passar pela definição de novos equilíbrios que tenham como meta a salvaguarda de um núcleo essencial de direitos de defesa do arguido harmonizando o seu conteúdo e alcance com a eficácia que se pede ao sistema de administração da justiça penal, de acordo com o princípio da concordância prática.
Porque afinal ao direito penal e processual penal não cabe só proteger as vítimas e os seus direitos enquanto parte mais fraca no momento da consumação do crime: em obediência ao mesmo princípio também lhes cabe proteger o acusado e os seus direitos no decurso do processo e salvaguardar os direitos do condenado no momento de aplicação e execução da pena.
Por isso, a ponderação dos interesses contrapostos do arguido e da vítima ou dos interesses antagónicos do arguido e da sociedade, que na sua essência, constitui um problema de aplicação prática do direito, será sempre tarefa inerente à actividade judicial, ou seja, é uma missão que nos cabe a nós desempenhar.
Daí a sua inclusão nos temas colocados à vossa reflexão.

No segundo painel desta acção de formação permanente o tema de reflexão é o crime de corrupção e a dificuldade da sua investigação e julgamento.

O médico e escritor austríaco Arthur Schnitzler escreveu numa das suas obras “Relações e Solidão” que “a faculdade de se deixar corromper no sentido mais amplo do termo é uma particularidade da espécie humana em geral; mais ainda, as relações entre os homens só são possíveis porque somos todos corruptíveis em maior ou menor grau”.
Adiantou, porém, que “é apenas quando utilizamos conscientemente a corruptibilidade dos outros para nossa vantagem pessoal ou em detrimento de um terceiro, que ela é um mal, mas a falta é então mais nossa do que daquele cuja corruptibilidade nos beneficia.”
Esta ideia, muitas vezes difundida, de que a corruptibilidade é uma característica do ser humano e que o fenómeno da corrupção é sobretudo uma questão cultural, banal e inevitável, não corresponde inteiramente à realidade. E no entanto esta é uma das ideias que mais tem contribuído para a tolerância do fenómeno e para a ineficácia do combate à corrupção.
Se existem – e existem – diferenças culturais na forma como a corrupção é realizada por esse mundo fora, na génese do fenómeno da corrupção intervêm factores políticos, factores ligados ao funcionamento do sistema de administração da Justiça, factores históricos, sociais e culturais e factores económicos.
A corrupção é, na verdade, uma realidade complexa e tentacular, que não está apenas presente no sector público, que não se restringe a um país ou região e que tem custos sociais e económicos quase incalculáveis.
Segundo alguns autores a corrupção resultaria, em regra, de situações de monopólio e seria potenciada pelo poder arbitrário ou pela discricionariedade da decisão e diminuída pela transparência ou pela obrigação de prestar contas.
Ou seja, a corrupção encontraria terreno fértil no exercício de um poder que não é posto em causa por nenhum tipo de concorrência (a inexistência de alternativas facilita o aparecimento de situações de corrupção e a concentração de poderes potencia-as) e o seu crescimento favorecido pela ausência de vinculação e/ou de fundamentação das decisões.
È fora de dúvida que a existência de qualquer forma de controlo eficaz das decisões, seja de ordem política pelos cidadãos eleitores, seja de ordem técnica através de auditorias, seja pelos sistemas de administração da justiça ou mesmo através dos meios de comunicação social, tende a fazer diminuir os fenómeno de corrupção.
Mas na prática nem tudo é, porém, assim tão simples, desde logo porque os agentes da corrupção possuem uma notável capacidade de adaptação e de invenção de formas de contornar as regras estabelecidas e são variadas as motivações para a prática dos actos ilícitos que a integram.
Tudo isto é tanto mais preocupante quanto é certo que são de tomo as dificuldades reconhecidas na luta contra a corrupção.
Estamos em presença de um crime sem vítima imediata – vítimas somos todos nós – o que torna o conhecimento do crime aleatório, senão mesmo impossível, face ao conluio (pacto de silêncio) entre corruptor e corrompido e ao refinamento da cumplicidade através da divulgação pública de casos semelhantes, sendo certo que nem um nem outro têm qualquer interesse na punição dos factos.
Depois porque os poucos recursos legais e materiais de que a administração da Justiça dispõe nem sempre são os mais adequados a um combate tão desigual.
Finalmente porque nem sempre a vontade política dos governantes, porventura presos aos seus próprios compromissos, se manifesta de forma inequívoca no sentido de lhe pôr cobro.

Em Portugal, dizem alguns analistas e reafirmam algumas instâncias internacionais, não há nem nunca houve nos trinta e três anos que leva o regime democrático, uma verdadeira política global anti-corrupção, envolvendo, como é necessário que envolva, a dinamização da sociedade para nela participar e a promoção da ética dos serviços públicos.
“Tudo se passa como se a corrupção pudesse ser combatida como uma sucessão de casos de polícia avulsos”, como lapidarmente disse o deputado Dr. João Cravinho.
O que vem de ser dito poderá justificar a decepção mais ou menos generalizada perante os resultados obtidos no combate à corrupção.
Mas sobretudo deve alertar para a necessidade de adopção de novas abordagens na luta contra a corrupção.
E esse é um dos objectivos desta acção de formação.

Várias tem sido as entidades internacionais que se têm vindo a preocupar com o fenómeno da corrupção e vários são os instrumentos internacionais firmados por Portugal.
Lembro aqui, pela proximidade das datas em relação ao dia de hoje, duas ocorrências.
1. No âmbito da luta contra a corrupção a Assembleia Geral das Nações Unidas instituiu, em 2003, o dia 9 de Dezembro como Dia Internacional Contra a Corrupção, data que, aparentemente, não terá entre nós qualquer significado útil.
Através do seu escritório contra a Droga e o Crime (UNODC) as Nações Unidas têm vindo a desempenhar um papel notável e a salientar desde há vários anos que nalguns países a corrupção consome cerca de 30% do PIB, que facilita o terrorismo e possibilita muitas formas de crime organizado, incluindo o tráfico de seres humanos e que os custos anuais da corrupção no mundo inteiro rondam cerca de um trilião de dólares.
Estima-se que nalguns países e nalguns sectores os custos de funcionamento de determinados sectores públicos poderão atingir metade do seu valor global. Ou seja, pondo-lhe fim obter-se-iam os mesmos bens, por metade do custo actual!
Ante o que fica dito facilmente se compreende que algumas convenções internacionais mais recentes visem não só a punição criminal da corrupção mas se ocupem também – e a par da prevenção – com a recuperação dos capitais perdidos, forma privilegiada do seu efectivo sancionamento.

2. A segunda ocorrência que pretendo recordar-vos está relacionada com a actividade do GRECO.
Como sabem, em 1999 entrou em vigor o acordo alargado que criou o GRECO (Grupo de Estados contra a Corrupção) no seio do Conselho da Europa.
O GRECO tem por objectivo melhorar a capacidade dos Estados membros na luta contra a corrupção analisando as medidas que cada um deles tomou nesse domínio, contribuindo também para identificar as lacunas das leis nacionais no combate à corrupção e despoletar as reformas legislativas, institucionais e práticas que se mostrarem necessárias a prevenir a corrupção e a combatê-la.
Portugal foi objecto de duas avaliações pelo GRECO.
No âmbito da segunda ronda de avaliação aos países membros, o GRECO tornou público em Maio de 2006 o relatório relativo a Portugal.
Este segundo relatório contém dez recomendações e seis observações negativas que deveriam ser satisfeitas até ao passado dia 30 de Novembro de 2007.
Em síntese o GRECO considerou que:
• Deve ser feito um uso mais sistemático de investigações sobre as falências das empresas e todos os recursos devem ser usados no sentido de tornar as investigações financeiras mais efectivas; Além disso que deve ser criado um organismo especificamente encarregado do registo das falências decretadas.
• Devem ser revistas as medidas de identificação, de apreensão e confisco relacionadas com a corrupção e o comércio, elaborados guias e prestada formação adicional com vista à sua aplicação;
• Devem ser transmitidas às instituições e aos profissionais que possam estar envolvidos em transacções comerciais susceptíveis de encobrir operações de branqueamento de capitais, instruções sobre a declaração de operações suspeitas e ministrado treino sobre a identificação e comunicação de actos de corrupção;
• Devem ser efectuadas análises regulares do risco de corrupção e adoptadas medidas de prevenção no sector público, incluindo as autarquias locais, bem como ser adoptada uma abordagem mais integrada aos aspectos éticos da sua actividade;
• Devem ser adoptadas regras, aplicáveis a todos os funcionários públicos, sobre conflitos de interesses e sobre a migração de funcionários públicos para o sector privado e previstos mecanismos de controlo da sua aplicação;
• Devem ser aperfeiçoados os códigos de conduta existentes de forma a conter referência explícita às questões éticas e aos riscos de corrupção a todos os funcionários públicos e prescritas sanções para o seu não cumprimento. Deve ser dada formação específica nesta matéria.
• Devem ser estabelecidas regras precisas sobre recrutamento, incluindo ao nível das autarquias locais, e garantido o seu cumprimento.
• Deve ser estabelecido o princípio da rotatividade dos funcionários públicos, pelo menos em sectores administrativos que sejam julgados mais vulneráveis à corrupção.
• Deve ser dada protecção adequada aos denunciantes de casos de corrupção e revisto o tratamento dado às queixas apresentadas para que sejam seguidos os procedimentos adequados tão rapidamente quanto possível.
• Devem ser tornadas públicas de forma mais efectiva as penas de desqualificação profissional (demissão e proibição de exercício de actividade) aplicadas pelos tribunais; deve ser previsto um controlo mais apertado das sociedades – durante a sua constituição e depois do seu registo – e dos seus gerentes, em particular no que se refere à existência de antecedentes judiciais e revisto o registo comercial.
• Deve ser introduzido um sistema eficaz de responsabilidade das pessoas colectivas implicadas em actos de corrupção, tráfico de influências ou branqueamento de capitais, alargado o âmbito da sua responsabilidade penal e previstas sanções efectivas e dissuasoras em conformidade com a Convenção Penal sobre a Corrupção do Conselho da Europa, ministrada formação adequada e criado um sistema de registo criminal de pessoas colectivas a quem tenha sido aplicadas penas pela prática de crimes.
• Deve ser ministrado treino específico aos funcionários da administração tributária sobre a detecção e investigação de crimes de corrupção.

Relendo o elenco das recomendações do GRECO consolida-se a convicção de que poucas terão merecido a atenção dos responsáveis, havendo mesmo casos em que parecem ter sido adoptadas regras que contrariam os objectivos da prevenção e combate à corrupção.

E, no entanto, um dos factores mais importantes nesta luta contra a corrupção é, na verdade, a vontade política de melhorar o combate a este tipo de criminalidade, aliada, em todo o caso, a idêntica vontade dos cidadãos, isto é a uma consciência social mais aguda sobre o fenómeno da corrupção.
Mas o sucesso no combate à corrupção passará, sempre, pelo sancionamento efectivo da corrupção e dependerá também, por isso, do grau de conhecimento que os magistrados tenham sobre a complexa realidade que lhe está subjacente, o que, pelo menos ao nível dos Tribunais de primeira instância, só a formação e práticas especializadas permitem.

O propósito desta acção é contribuir para esse fim.

Esperando ter conseguido justificar a discussão dos temas propostos e a sua inclusão no âmbito das preocupações do Centro de Estudos Judiciários enquanto responsável pela formação permanente de magistrados e outros profissionais do foro, resta-me desejar-vos um
BOM TRABALHO

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Dificuldades suscitadas pelas especificidades da investigação de crimes económico-financeiros e de corrupção

(slides para powerpoint para a sessão no CEJ a 6 de Dezembro de 2007, do Sr. Dr, José Maria Moreira da Silva, Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária)


Introdução
· Fenómeno Global (globalizado)
· Transversal a toda a actividade humana
· Expressiva na vertente económica
· Perceptível
· Representa um perigo para os fundamentos do Estado de Direito

Caracterização da Corrupção

Corrupção de 1º Nível (Primária)
Disseminação pelo aparelho Administrativo
Desenvolve-se nas bases / incidência em quadros intermédios
Pouco expressiva ao nível financeiro
Perceptível
Contribui para o descrédito das instituições

Corrupção de 2.º Nível
(Práticas Corruptivas / Relações de Interesses)
Tráfico de Influência
Participação económica em negócio
Administração Danosa


Branqueamento de capitais:

Em que consiste
Visão prática
Os criminosos, através de diversas operações, tentam ocultar ou dissimular a proveniência ilícita das vantagens e a sua perseguição pelas autoridades
Daí a necessidade da comunidade internacional estabelecer padrões de prevenção da prática do crime de branqueamento de capitais (deveres de identificação dos contratantes e de comunicação de operações que revelem indícios da sua prática)

Vantagens da criminalização:
- ataque aos lucros do crime;
- ao financiamento de actividade criminosa subsequente

bem jurídico protegido
É um crime que atenta contra a realização da justiça.
Para além disso:
Prolonga a tutela visada pelo crime precedente
Protege o estado de direito democrático
Evita a subversão da ordem socioeconómica
Cria condições para o desenvolvimento da livre concorrência

Condições de sucesso
Não deve ser entendido como mais um crime acessório ou conexo com a actividade criminosa precedente (como acontece muitas vezes com, por exemplo, o crime de associação criminosa)

Pelo contrário, a comunidade internacional pretende, através das 40 recomendações para o combate do branqueamento de capitais emitidas pelo FATF/GAFI, que o branqueamento de capitais seja criminalizado de forma autónoma

É essa a acepção moderna do branqueamento de capitais que os legisladores das diversas jurisdições têm vindo a adoptar.

Fraude Fiscal - caracterização
Criação/utilização empresas fictícias (missing trader, brocker)
Fraude carrossel
Utilização mercado “offshore”
Facturação falsa
Comercialização ou pseudo comercialização de produtos de pequena dimensão – produtos informáticos consumíveis lar etc.

Transnacionalidade
Utilização das vantagens do espaço comunitário
Elevada danosidade erário público
Distorção regras mercado concorrência
Gerador sentimento injustiça entre os cidadãos cumpridores

Dificuldades na investigação da criminalidade económico-financeira e da corrupção
Quadro Legal
O novo código de Processo Penal
Preenchimento elementos do tipo de crime
Inexistência Direito Premial
Ausência efectiva protecção testemunhas
Dificuldades Institucionais
- (Relação com o MºPº/ Relação com o Juíz)

Dificuldades intrínsecas
Opacidade
Diferença temporal entre data dos factos e início da investigação
Escassez de informação
Escassez e morosidade da documentação bancária
Prova testemunhal
Volume da prova documental
Perícias

Medidas adoptadas pela PJ
Criação da Unidade de Informação Financeira (UIF) D.Lnº 304/2002
Intensificação da Prevenção Criminal (Brigada Central de Pesquisa, Estudo, Análise, Sensibilização)
Reforço da área de informação tendo em vista a produção de “Intelligence”
Cooperação internacional (Europol, Interpol)
Reestruturação da DCICCEF
Criação equipas multidisciplinares

Combate / Prevenção
Acompanhamento de actividades de risco
Grandes obras públicas
Negociação ao nível autárquico
Alterações ao PDM
Desporto / mercado de jogadores
Acompanhamento de investimentos no exterior
Campanhas de sensibilização
Averiguações preventivas

Combate / Investigação
Especialização
Parcerias (Equipas mistas, IGAT, Trib Contas, Infarmed, …)
Utilização métodos especiais de investigação
Princípio da oportunidade / actualidade

CRIMES COMETIDOS NO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES PÚBLICAS

(slides em powerpoint correspondentes à apresentação do Sr. Dr. José Ranito, no CEJ, a 6 de Dezembro de 2007)

Delitos Funcionais
•Móbil económico e ilícito
•Sobre decisões de agentes públicos
•Interesse público inerente ao cargo submetido a interesses de outra natureza

Fim visado pelos intervenientes
Procedimento administrativo:
· conjunto de actos para formação da vontade das autoridades públicas;
· processo necessário para decisão substancialmente legítima;
· independente, isenta, equidistante, submetida à lógica de interesse público – art.º 5º e 6º do CPA.

Actividade delituosa
Energia empregue para transformar o procedimento administrativo numa colecção de actos meramente formal.

Riscos na Administração Pública
I – Risco funcional;
II – Risco Organizacional;
III – Risco de natureza externa;


I. Risco funcional
Dinâmica económica portuguesa assente na construção civil;
Atribuições autárquicas/plano urbanístico;
Licenciamento de construções e loteamentos
Decreto-Lei 380/99, de 22.07, redacção do
Decreto-Lei 310/2003, de 10.12 e Decreto-Lei 316/2007, de 19.09;
Decreto-Lei 555/99, de 16.12, na redacção do
Decreto-Lei 177/2001,de 4.06;

Gestão patrimonial:
bens públicos de domínio privado vendidos numa lógica orçamental de captação de receitas.
Decreto-Lei n.º 794/76, de 5.11, na redacção do Decreto-Lei n.º 313/80, de 19.08 (Lei dos Solos)

Entidades públicas como sujeitos económicos que adquirem bens e serviços;
Decreto-Lei n.º 197/99, de 8.06 – actividade administrativa subjacente à elaboração de cadernos de encargos e especificações que presidem à apreciação e adjudicação.

II. Risco organizacional
Processo de decisão repartido por várias instâncias;
Burocratização dos serviços;
Colegialidade das decisões;
Serviços verticalmente politizados;
Estes factores potenciam:
· Decisões amparadas tecnicamente;
· Técnicos e decisores (fundamentais) protegidos pelo “iter processual”;
· O processo não evidencia o domínio da decisão final, para além do domínio processual.

III. Riscos de natureza externa
Interesses económicos ditados pela celeridade – investimento em meios que estimulem a decisão administrativa no tempo e na substância;
Sistemas partidários/interesses económicos – actores políticos escolhidos pela proximidade a centros de poder;
Financiamento partidário
Factores que conferem dinâmica de “organização” aos delitos económicos financeiros – desaparecimento do paradigma da corrupção como fenómeno dirigido ao enriquecimento meramente individual.
Factor externo residual: reacção Judicial administrativa - nulidade como excepcional – art.º 133 do CPA.
Relação “jurídica” delituosa
- interacção do agente público com terceiro;
- formação da vontade pública em submissão a lógica de contrapartida económica e financeira;
- fim pretendido: desvio do acto nos resultados: fim público eliminado pelo fim privado, dos próprios ou de terceiros.

Crimes convocáveis
- Código Penal e Lei 34/87, de 16.07 (Lei 108/2001)


Corrupção – 372º a 374º do Código Penal e 16º a 18º da Lei 34/87.
Tónica: elemento subjectivo – intenção de vantagem, solicitada, prometida ou satisfeita;
Discricionaridade / poder vinculado do acto praticado –Ac. Relação mencionado no Ac. 553/2003 do TC.
sem enquadramento funcional: 373º/2, do Código Penal e 17º/2, da Lei 34/87 – financiamento de campanhas políticas– Lei 19/2003, arts. 7º, 16º/1, al. c) e d e 3?

Participação económica em negócio – 377º do Código Penal e 23º da Lei n.º 34/87.
Tónicas:
natureza do acto: negócio jurídico – 377º/1, do Código Penal/ acto jurídico civil – 377º/2 do Código Penal;
enquadramento funcional: exercício de competência legal para a prática do acto.
elemento subjectivo: intenção de vantagem.
resultado: com prejuízo dos interesses funcionalmente protegidos (377º/1 do Código Penal); sem prejuízo dos interesses funcionalmente protegidos (377º/2, do Código Penal) – negócios consigo próprio – 23º/2, da Lei 34/87.

Prevaricação – 369º do Código Penal e 11º da Lei 34/87
Tónica no Código Penal
crime contra direito/realização da justiça – processos de natureza jurisdicional, contra-ordenacional ou disciplinar;
elemento subjectivo: condução dolosa contra direito, com intenção de benefício
ou lesão é agravado – 369º/2.
Lei n.º 34/87:
crime contra direito (noção alargada de processo) – Ac. proferido no processo 46747, de 29.02.1996.
elemento subjectivo específico: intenção de benefício (próprio ou terceiro) ou prejuízo (terceiro)

Abuso de poder – art.º 382º do Código Penal e 26º/1 da Lei n.º 34/87
Tónica: elemento subjectivo específico – benefício (próprio ou terceiro) ou prejuízo (terceiro);
26º/2, da Lei 34/87 – concessão fraudulenta ou celebração de contrato em benefício de terceiro ou prejuízo do Estado.

Trafico de influência – art.º 335º do Código Penal
Tónica: intenção de vantagem: solicitada, prometida ou satisfeita;
para influência de decisão junto de entidades públicas (ausência de intervenção funcional na decisão pretendida)

Perturbação de arrematações – art.º 230º do Código Penal
Tónica: liberdade na formação de preços em concursos públicos.

Branqueamento – art.º 368-A, do Código Penal e art.º 1º/1, da Lei n.º 36/94, de 29.09.
Dissimulação das vantagens que serviram de instrumento à prática de ilícitos.
Investigação

Meios de detecção:
Denúncias;
Inspecções da administração Central (IGAT/IGF), Tribunal de Contas, Entidade Fiscalização de Contas de Partidos Políticos;
Comunicações preconizadas pela Lei 11/2004.
(Polícias Municipais para o urbanismo)

Dificuldades:
sofisticação do fenómeno criminal;
dissimulação da prática do crime
interposição de entidades fictícias em relação aos intervenientes do crime;
instrumentos financeiros com aplicações transnacionais;
criação de instrumentos jurídicos simulados
perda do carácter imediato da contrapartida – definição do momento oportuno para a investigação “óptima”;
dificuldade na fixação do momento do acordo de vontades que desencadeia a prática dos ilícitos administrativos
obsolescência dos meios tradicionais de investigação;
reactividade do combate e não proactividade
exigências de apreciação de prova não superadas pelo legislador/aplicador de direito.

Necessidades de superação:
meios de informação – aproximação da investigação ao momento em que se firma a transacção;
actualidade/efectividade na intervenção das entidades fiscalizadoras.

ao nível da Lei Penal substantiva/prática judiciária:
cultura do elemento subjectivo específico
associação de intenção à existência de contrapartida;
insuficiência do processo administrativo anómalo como revelador de intenção;
critérios naturalistas/civilistas na apreciação do acordo de vontades (compromisso de silêncio)

obtenção de Prova
•Buscas;
•Consulta de dados de transacção (dificuldades de articulação com o registo civil);
•UIF – Decreto-Lei 93/2003.
•NAT – Lei n.º 1/97, de 16.01
•Apoio em Peritos – parecer PGR

Criminalidade Organizada - Instrumentos específicos de Combate

(slides correspondentes à aprensentação da Sra. Dra. Teresa Almeida, no CEJ, a 6 de Dezembro de 2007)

1 - Criminalidade Organizada - Instrumentos específicos de Combate
O processo penal apresenta, em matéria de luta contra a criminalidade organizada, especificidades de diverso tipo, acrescendo-lhe normas substantivas e organizacionais:
- de organização e competência das autoridades judiciárias e dos órgãos de polícia criminal;
- da prevenção criminal;
- relativas ao segredo de justiça;
- de duração do inquérito e da prisão preventiva;
- relativas a meios de prova;
- respeitantes a meios de obtenção da prova;
- relativas a medidas de coacção;
- substantivas quanto ao regime de perda de bens.

2 - Criminalidade Organizada - Instrumentos específicos de Combate
Estamos, contudo, na presença de modos distintos de designação, nem sempre coincidentes:
- por catálogo exclusivamente compostos por tipos de crimes (ex. art. 1º da Lei n.º 5/2002);
- por catálogos mistos, de tipos de crimes e de categorias sociológicas, sem conteúdo normativo rigoroso (ex. art. 1º da Lei n.º 36/94);
- pela fixação normativa de ficções, compostas, em universo fechado, por tipos de crimes (ex. al. m) do art. 1º do CPP).
Assim, um tráfico de influências ou um branqueamento, de dimensão internacional, podem integrar o conceito de “criminalidade económico-financeira” ou de “criminalidade altamente organizada”, consoante o contexto normativo.

3 - Criminalidade Organizada - Instrumentos específicos de Combate

Quanto à organização e competência das autoridades judiciárias e dos OPCs:
- a organização do MP, em DCIAP e DIAPs, estes com secções de competência especializada e vocação distrital;
- a criação de um Tribunal de Instrução Criminal com competência especializada;
- a organização da PJ, com um Departamento Central e, a breve prazo, uma unidade nacional;
- a existência de unidades de apoio técnico no MP e na PJ;
- as competências específicas em matéria de prevenção criminal (DCIAP e PJ) e relativas ao branqueamento;
- a competência reservada da PJ.

4 - Criminalidade Organizada - Instrumentos específicos de Combate
Quanto à prevenção criminal
, em especial:
Averiguações preventivas, previstas na Lei n.º 36/94.
Competência do Ministério Público e da PJ, através da DCICCEF, realizar acções de prevenção relativas aos seguintes crimes: Corrupção, peculato e participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do sector público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática, infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.
As acções preventivas compreendem, nomeadamente:
A recolha de informação relativamente a notícias de factos susceptíveis de fundamentar suspeitas do perigo da prática de um crime;
A solicitação de inquéritos, sindicâncias, inspecções e outras diligências que se revelem necessárias e adequadas à averiguação da conformidade de determinados actos ou procedimentos administrativos, no âmbito das relações entre a Administração Pública e as entidades privadas;
A proposta de medidas susceptíveis de conduzirem à diminuição da corrupção e da criminalidade económica e financeira
As acções preventivas são realizadas pela Polícia Judiciária por iniciativa própria ou por determinação do MP.
Logo que surjam elementos que indiciem a prática de crime, é instaurado processo criminal, sendo obrigatória a comunicação e denúncia ao MP.

5 - Criminalidade Organizada - Instrumentos específicos de Combate
Quanto ao segredo de justiça e aos prazos
de duração da fase de inquérito e da prisão preventiva nas diversas fases do processo:
- prorrogação do adiamento do acesso aos autos por prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação, para os crimes de corrupção, tráfico de influência e branqueamento (n.º 6 do art. 89º do CPP);
- o prazo de duração do inquérito é de 8 meses, para os crimes de corrupção, tráfico de influência, branqueamento, insolvência dolosa, administração danosa, participação económica em negócio, fraude ou desvio na obtenção de subsídio, subvenção ou crédito;
- o prazo de duração máxima da prisão preventiva é elevado nas diversas fases do processo e pode este ser declarado de excepcional complexidade.

6 - Criminalidade Organizada - Instrumentos específicos de Combate
Quanto a meios de prova:

- O n.º de testemunhas pode ser superior a 20, nos processos por crimes previstos no art. 215º, n.º 2 e nos de excepcional complexidade;
- A não revelação da identidade da testemunha ou a aplicação de um programa especial de segurança podem ter lugar durante alguma ou em todas as fases do processo, se, além de outras condições, o depoimento ou as declarações disserem respeito a crimes de associação criminosa, terrorismo, previsto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, ou a crimes puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a oito anos, cometidos por quem fizer parte de associação criminosa, no âmbito da finalidade ou actividade desta (art. 139º, n.º 2 do CPP e Lei n.º 93/99).
- Entre outros, nos casos de criminalidade altamente organizada, o Ministério Público pode determinar a incomunicabilidade do arguido detido antes do primeiro interrogatório judicial (com excepção do defensor) - n.º 4 do artigo 143.º do Código de Processo Penal.
- São, neste domínio, determinantes as Leis n.º 5/2002, de 11.01 e 36/94, de 29.09
- as revistas e as buscas não domiciliárias podem ser efectuadas por órgão de polícia criminal, no caso, entre outros, da criminalidade altamente organizada (corrupção, tráfico de influência e branqueamento), quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa (alínea a) do n.º 5 do artigo 174.º do CPP); a diligência deve ser imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação (n.º 6 do mesmo artigo).
- as buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal:
a. entre as 7 h e as 21 h, verificados os mesmos pressupostos (criminalidade altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa) - n.º 3, al. a) do artigo 177.º do CPP;
b. entre as 21 h e as 7 h, no caso, entre outros, da criminalidade altamente organizada (corrupção, tráfico de influência e branqueamento)
- O n.º 2 do artigo 187.º do Código de Processo Penal prevê que a autorização de intercepção e gravação de comunicações ou conversações telefónicas possa ser solicitada juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal que ordena ou autoriza a diligência, no caso, entre outros, da criminalidade organizada (a autorização é levada ao conhecimento do juiz do processo, em 72 h, cabendo-lhe a prática dos actos subsequentes). Tb. aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, bem como à intercepção das comunicações entre presentes” (artigo 189.º
- A Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, permite, no seu artigo 6.º, que na investigação de, entre outros, crimes de corrupção, peculato, branqueamento, participação económica em negócio, administração danosa, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, Infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada, com recurso à tecnologia informática, infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional, o juiz ordene ou autorize “o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado”. (São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do CPP).
- acções encobertas, cujo regime está previsto na Lei n.º 101/2001, de 25.08. Admissível relativamente a, entre outros, os crimes de branqueamento, corrupção, peculato e participação económica, tráfico de influências, fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção, infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada ou com recurso à tecnologia informática, infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional e relativos ao mercado de valores mobiliários.
- Quebra de segredo profissional prevista na Lei n.º 5/2002. Respeita ao segredo profissional dos membros dos órgãos sociais das instituições de crédito e sociedades financeiras, dos seus empregados e de pessoas que a elas prestem serviço, funcionários da administração fiscal. Determinada pela autoridade judiciária titular da direcção do processo, em despacho fundamentado. Admissível relativamente a, entre outros, os crimes de branqueamento, corrupção, peculato e participação económica, tráfico de influências, fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção, infracções económico-financeiras cometidas de forma organizada ou com recurso à tecnologia informática, infracções económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional e relativos ao mercado de valores mobiliários. O incumprimento dos prazos pelas instituições requeridas (5 dias, quanto a informações disponíveis em suporte informático e 30 dias, quanto aos respectivos documentos de suporte e a informações não disponíveis em suporte informático – prazo reduzido a metade caso existam arguidos presos) ou a existência de fundadas suspeitas de que tenham sido ocultados documentos ou informações, permite que a autoridade judiciária titular da direcção do processo proceda à apreensão dos documentos, mediante autorização, na fase de inquérito, do juiz de instrução.
- Controlo de contas bancárias – consiste na obrigação para a instituição de crédito de comunicar quaisquer movimentos sobre a conta à autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal dentro das vinte e quatro horas subsequentes; é autorizado ou ordenado, por despacho do juiz, que identifica a conta ou contas abrangidas pela medida, o período da sua duração e a autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal responsável pelo controlo. Pode ainda incluir a obrigação de suspensão de movimentos nele especificados, quando tal seja necessário para prevenir a prática de crime de branqueamento de capitais. A suspensão cessa se não for confirmada por autoridade judiciária, no prazo de quarenta e oito horas.
- A perda de bens na Lei 5/2002:
Fundamento: dificuldade de prova de que os bens dos agentes, em certos crimes organizados ou económico-financeiros, são vantagens provenientes da actividade ilícita e, portanto, sujeitos a perda a favor do Estado, nos termos dos arts. 109.º a 111.° do CP;
Âmbito: crimes de corrupção passiva, peculato e branqueamento;
Estabelece-se a presunção de que constitui vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito cabendo ao arguido o ónus de provar a licitude do seu património.
O MP na acusação ou até 30 dias antes do julgamento liquida o montante que deve ser perdido para o Estado
O arguido tem a possibilidade de elidir a presunção através de todos os meios de prova permitidos na lei
Pode ser decretado pelo juiz o arresto preventivo dos bens, a requerimento do MP e independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime, sendo-lhe aplicável o regime do arresto preventivo previsto no CPP.
O arresto assume a forma de incidente processual.