terça-feira, julho 03, 2007

INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS NUMA PERSPECTIVA JUDICIÁRIA

(Slides para powerpoint de Jorge Rosário Teixeira, para a sessão de 29 de Junho de 2007 no Centro de Estudos Judiciários)

TIPOS PENAIS
CONSTRUÇÃO
REENVIO PARA CONCEITOS FISCAIS/ CONCEITOS DE DIREITO PENAL
§DESVALOR DAS CONDUTAS / CENSURA DAS INTENÇÕES
§DIMINUIÇÃO DAS RECEITAS / OBTENÇÃO DE VANTAGEM PATRIMONIAL


TIPOS PENAIS
CLASSIFICAÇÃO
§CRIMES TRIBUTÁRIOS COMUNS
§CRIMES ADUANEIROS
§CRIMES FISCAIS
§CRIMES CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL


CRIMES TRIBUTÁRIOS COMUNS
BURLA TRIBUTÁRIA
ART. 87º RGIT / ART. 217º CP
FRUSTRAÇÃO CRÉDITOS
ART. 88º RGIT / ARTS. 227º e 229º CP
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
ART. 89º RGIT / ART. 299º CP
DESOBEDIÊNCIA
ART. 90º RGIT / ART. 348º CP
VIOLAÇÃO DE SEGREDO
ART. 91º RGIT / ART. 383º CP

CRIMES FISCAIS
§FRAUDE FISCAL
ARTS. 103º e 104º RGIT / ARTS. 217º e 218º CP
§ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
ART. 105º RGIT / ART. 205º CP


REFERÊNCIAS DE DIREITO PENAL CLÁSSICO
FRAUDE / BURLA
ACTIVIDADE / RESULTADO
DISTORCER REALIDADE / ENCENAÇÃO
OBTER GANHO / CAUSAR PREJUÍZO
VIOLAR REGRAS / FORMAÇÃO DA VONTADE

REFERÊNCIAS DE DIREITO PENAL CLÁSSICO
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
ART. 89º RGIT = ART. 299º CP
-GRUPO DE INDIVIDUOS
-ESTRUTURA INTERNA ESTÁVEL
-SEM PRÉ-DETERMINAÇÃO TEMPORAL
-DIRIGIDA À PRÁTICA DE CRIMES
-REPARTIÇÃO ESTANQUE DE TAREFAS
CRIMINALIDADEORGANIZADA
DEFINIÇÃO - GRUPO ESTRUTURADO PARA A PRÁTICA DE CRIMES, COM CAPACIDADE DE ACTUAÇÃO INTERNACIONAL E DE INTRODUÇÃO DOS GANHOS NA ECONOMIA LEGÍTIMA


REGIME JURÍDICO PROCESSUAL
LEI 5/2002, DE 11 DE JANEIRO – QUEBRA DE SIGILOS, RECOLHA DE SOM E IMAGEM, CONTROLO CONTAS
INFRACÇÕES ECONOMICO FINANCEIRAS
BRANQUEAMENTO DE VANTAGENS ILÍCITAS

REFERÊNCIAS DE DIREITO PENAL CLÁSSICO
FRUSTRAÇÃO DE CRÉDITOS
ART.88º RGIT …. ARTS. 227º e 229º CP
-ELEMENTO COMUM: DIMINUIÇÃO INTENCIONAL
DE PATRIMÓNIO
-CONHECER A LIQUIDAÇÃO OU A INSOLVÊNCIA
-OCULTAR / DISSIMULAR PATRIMÓNIO
-OCULTAR PATRIMÓNIO ORIUNDO DE CRIME FISCAL CONSTITUI CRIME DE BRANQUEAMENTO


REFERÊNCIAS DE DIREITO PENAL CLÁSSICO
NÚMERO DE CRIMES
- MOMENTO DA DECLARAÇÃO FISCAL
-ART. 30º-1 CP – NÚMERO DE TIPOS DE CRIME OU DE VEZES QUE O MESMO TIPO DE CRIME FOR PREENCHIDO PELA CONDUTA DO AGENTE
-ART. 103º-3 RGIT – EXCLUSÃO DA PUNIBILIDADE OPERA EM FUNÇÃO DOS VALORES QUE DEVAM CONSTAR DE CADA DECLARAÇÃO FISCAL
-CRIME UNITÁRIO COMPLEXO


REFERÊNCIAS DE DIREITO PENAL CLÁSSICO
AUTORIA
-ART. 26º CP – DEFINIÇÃO – QUEM EXECUTA, QUEM USA OUTREM PARA EXECUTAR, QUEM COMPARTICIPA, QUEM DETERMINA OUTREM A PRATICAR O CRIME
-ACTUAÇÃO EM NOME DE OUTREM
ART. 6º RGIT = ART. 12º CP
RESPONSABILIDADE DOS GERENTES E REPRESENTANTES DE FACTO
-RESPONSABILIDADE DAS PESSOAS COLECTIVAS
ART. 7º RGIT = ART. 3º DL 28/84, DE 20 JANEIRO
VINCULADAS PELOS ORGÃOS E REPRESENTANTES
REAL DEFINIÇÃO DO INTERESSE COLECTIVO


CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
§DEDUZIR A OUTRÉM PRESTAÇÃO TRIBUTÁRA
§NÃO ENTREGAR O VALOR DEDUZIDO À ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA
§SEM NECESSIDADE DE APROPRIAÇÃO PESSOAL
§A FORMA COMO A PRESTAÇÃO ENTRA NA ESFERA DO AGENTE

CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
§CONDIÇÕES MATERIAIS DE PUNIBILIDADE NOVO ART. 105º - 4 B) RGIT
§CRIME DE RESULTADO
§COMPARAÇÃO COM A FORMA DO CP
§NÚMERO DE CRIMES
§CRIME CONTINUADO

CRIME DE FRAUDE FISCAL
§CONDUTAS ILEGÍTIMAS
§VISEM A NÃO LIQUIDAÇÃO OU
§VISEM A NÃO ENTREGA/PAGAMENTO DA PRESTAÇÃO OU
§VISEM REEMBOLSOS/OUTRAS VANTAGENS PATRIMONIAIS
§CAUSAR DIMINUIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS

FRAUDE FISCAL
CONDUTAS ILEGÍTIMAS
-OCULTAR / ALTERAR FACTOS OU VALORES QUE DEVIAM SER DECLARADOS EM SEDE DA CONTABILIDADE
-OCULTAR FACTOS OU VALORES QUE DEVAM SER REVELADOS À ADMINISTRAÇÃO FISCAL
-SIMULAR ALTERAR TOTAL OU PARCIALMENTE O NEGÓCIO VERDADEIRO QUANTO AO VALOR, À NATUREZA OU ÀS PESSOAS (OCULTAR DEIXANDO ALGO DIFERENTE NO MESMO LUGAR)
-ART. 240º e 241º do CC A FACTURAÇÃO FALSA COMO UMA
FORMA DE DIVERGÊNCIA ENTRE A VONTADE REAL E A DECLARADA


FRAUDE FISCAL
INTENÇÃO / RESULTADO
-O PROPÓSITO DO AGENTE VAI ALÉM DA CONDUTA NECESSÁRIA PARA CONSUMAR O CRIME
-INTENÇÃO – obter vantagem patrimonial
-ACÇÃO – condutas ilegítimas tipificadas

-CRIME DE RESULTADO CORTADO
(CRIME DE TENDÊNCIA INTERNA TRANSCENDENTE)


FRAUDE FISCAL
CONSEQUÊNCIAS DA NATUREZA DE CRIME DE RESULTADO CORTADO:
-BEM JURÍDICO VISADO PELO LEGISLADOR
(tutela do direito da administração à verdade fiscal)
-RESULTADO LESIVO RELEVA APENAS NA PUNIBILIDADE e MEDIDA DA PENA
-LIQUIDAÇÃO NÃO É ELEMENTO DA CONSUMAÇÃO
-PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
(não aplicação do art. 21º-3 do RGIT)


FRAUDE FISCAL QUALIFICADA
A DIMENSÃO INTERNACIONAL
ART.104º-1 e 2 do RGIT
-A FORMA BASE DO CRIME QUALIFICADO
Art. 104º-2 do RGIT
-CONCURSO DE DUAS CIRCUNSTÂNCIAS
QUALIFICATIVAS MODIFICATIVAS
Art. 104º-1 do RGIT
-EM FUNÇÃO DE : qualidade de terceiros, documentos forjados, abuso de territórios de tributação reduzida
Art. 104º-1 d) e f) e 2 do RGIT


FRAUDE FISCAL
CONCURSO DE CRIMES
Arts. 10º e 104º-3 do RGIT e acórdão 3/2003
-Fraude Fiscal e Falsificação
Factos das alíneas d) e e) do nº1, mas também nº 2 do art.104º do RGIT
-Fraude Fiscal e Burla
O Estado como ofendido em diversas vertentes
-Fraude Fiscal e Burla Tributária
Modos diversos de ataque aos mesmos interesses
A burla implica a verificação de engano e de dano


TIPOS PENAIS e MODUS OPERANDI
§FACTURAS FALSAS
§CARROUSSEL IVA
§CRUZAMENTO FACTURAS
§TRIANGULAÇÃO COM OPERADORES FICTÍCIOS INTERNACIONAIS

Seminário sobre Criminalidade Fiscal

CEJ, 29 de Junho de 2007

Jorge Rosário Teixeira, Procurador da República no DCIAP (Infracções Tributárias Numa perspectiva Judiciária).

Mário Januário, Director de Finanças de Santarém (Criminalidade Fiscal - A inevitavel tributação indiciária e a prova do crime de fraude fiscal).

segunda-feira, julho 02, 2007

A inevitável tributação indiciária e a prova do crime de fraude fiscal

Lisboa, 29 Junho 2007
Mário Januário

Apontamentos – Índice

1. Notas de introdução e enquadramento
2. Pressupostos legais e objectivos da inspecção tributária
2.1 Pressupostos legais da existência da inspecção. Elementar referência ao seu quadro jurídico
2.2 Pressupostos legais da acção inspectiva: a legalidade, a proporcionalidade e a adequação.
2.3 Quais os objectivos legais da inspecção tributária

3. A investigação criminal fiscal e a judicialização da administração tributária
4. Situações de inevitável tributação indiciária. Os critérios legais da prova indiciária
5. O conteúdo dos tipos de ilícito de fraude fiscal, simples e qualificada
6. O princípio da verdade material no direito tributário e no direito penal; A indisponibilidade da relação jurídica e o princípio da suficiência do processo penal.
7. A tributação indiciária e por correcções técnicas, versus decisão final dos processos de inquérito por crime de fraude fiscal: 2 casos práticos em confronto.
8. Reflexões finais:
Ø Os efeitos da absolvição ou ausência de penas nos casos de economia informal, paralela ou subterrânea.
Ø Poderá a administração tributária fazer mais, melhor ou diferente ao nível da prova dos crimes, quando inevitavelmente tributa por métodos indiciários?
Ø Poderão os magistrados do Ministério Público e Magistrados Judiciais, munidos de mais informação especializada, hesitar menos sobre a prova indiciária?



1. Notas de introdução e enquadramento

No início do mês de Junho 2007, recebemos da parte do CEJ o honroso convite de proferir esta conferência sobre o tema “A inevitável tributação indiciária e a prova do crime de fraude fiscal” no âmbito da formação do Centro de Estudos Judiciários aos seus 139 auditores de justiça – XXIV curso normal – que a partir do próximo mês de Setembro, serão nomeados como juízes e procuradores-ajunto, em regime de estágio.
O pedido de colaboração do CEJ foi, entretanto, naturalmente formalizado à Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, no contexto duma importante parceria institucional que (sabemo-lo) se quer reciprocamente frutuosa.
Confrontados com o desafio de comunicar com esse ilustre auditório, reflectimos sobre vários aspectos, entre os quais aqui destacamos os seguintes:
O primeiro é o de que nada temos para ensinar aos presentes, mas algo a aprender, quer no plano do direito penal, quer no plano do direito processual penal[1];
O segundo tem a ver com a nossa experiência, adquirida ao longo de mais de 14 anos, a pensar e aplicar metodologias de investigação criminal fiscal e, aqui, nesta sede, alguma coisa teremos a dizer aos participantes neste seminário;
O terceiro respeita à dificuldade e também à necessidade de delimitarmos a matéria da nossa comunicação, dentro do tema geral “ CRIMINALIDADE FISCAL”. Neste aspecto optámos pelo acima referido e não por qualquer um de muitos outros possíveis, por nos parecer um dos que sempre colocou e recentemente tem colocado problemas práticos ao nível da investigação, da acusação e, particularmente, do julgamento;
O quarto aspecto, que ainda se prende com o anterior e sobre o qual reflectimos, tem a ver com isto: a tributação indiciária incluída no nosso tema específico, pressupõe a existência de situações de economia informal, paralela, subterrânea.
Ou seja, de empresas que, sendo verdadeiras no plano jurídico e também no plano económico, não deixam rasto escrito duma parte ou da totalidade da actividade efectivamente desenvolvida.
Excluídas do nosso tema ficam, pois, aquelas empresas que, existindo no plano jurídico e mesmo no cadastro fiscal da DGCI, não existem, de facto, no plano económico porque não desenvolvem, nem podem desenvolver, efectivamente qualquer actividade económica por não possuírem qualquer capacidade instalada como é o caso, por exemplo, das conhecidas missing trader.

É, pois, no âmbito do referido tema, assim delimitado, que ousamos partilhar com os destinatários deste seminário, mais do que certezas absolutas, as nossas reflexões, sobre uma matéria tão complexa, quanto importante e actual como é a da fraude fiscal, sobretudo quando praticada sem registos contabilísticos.

Foi com esta atitude que, honrados, aceitámos o desafio e agora aproveitamos esta singular oportunidade para alinhar notas de desenvolvimento mínimo que suportarão o essencial da nossa comunicação.
Mas importará vermos, antes do mais (questão prévia), os

2. Pressupostos legais e objectivos da inspecção tributária

2.1 - Pressupostos legais da existência da inspecção. Elementar referência ao seu quadro jurídico.

Sabemos como a CRP (Constituição da República Portuguesa), na sua vertente tributária, acolhe e consagra dois princípios fundamentais, diremos básicos: Certeza e Segurança por um lado, e Justiça Social, por outro.
Lembramos que, tendo em vista a realização do primeiro, (Certeza e Segurança) estabelece consequentemente a regra fundamental da auto-tributação e o seu corolário da legalidade tributária, com dois aspectos importantes: preeminência de lei (art.º 103°,2) e reserva de lei (art.º 165°, nº1 al. i).

O invocado princípio da legalidade tributária, implica duas óbvias consequências práticas: por um lado, que a lei preeminente fixe, para cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (103°, 2) e, por outro, que tal lei garanta o direito de resistência dos cidadãos contribuintes ao pagamento dos impostos cuja criação e cobrança se não faça pelas formas legalmente previstas (art.º 21° e 103°,3).

Quanto à defesa e realização do segundo princípio fundamental, (Justiça Social) a CRP consagra a solução da igualdade tributária.
Todavia, será interessante lembrar e analisar, ainda que muito rapidamente, esta igualdade em cada um dos seus lados: o lado da igualdade formal perante a lei, pressuposto histórico hoje adquirido e comummente aceite e que a CRP acolhe nos art.ºs 12°, 1 e 13°, 1, como sabemos, e o lado da igualdade material que, pressupondo aquela igualdade formal como base ou ponto de partida, prossegue objectivos personalisantes do sistema fiscal. Logo, cada cidadão deve pagar impostos de acordo com a sua capacidade contributiva e daí a sua progressividade e a sua função redistributiva (104°,1). Depois, cada empresa será tributada fundamentalmente pelo seu rendimento real (104°,2).

Parece-nos, pois, que só à luz destes princípios fundamentais da CRP, se alcançará o exacto sentido e alcance das soluções e princípios da LGT (Lei Geral Tributária – DL nº 398/98,17/12), particularmente na parte mais directamente aplicável à inspecção tributária e, depois, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), consagrado no DL nº 413/98, 31/12.

Diremos, em jeito de primeira conclusão, que o procedimento inspectivo, tendo como base ou pressuposto os princípios da auto-tributação, da legalidade tributária e da igualdade formal, prossegue especificamente objectivos de igualdade material perante a lei.
Ou seja, a inspecção tributária, de per si, existe como importante instrumento ao serviço dessa igualdade, perseguindo, não a verdade formal, mas a verdade material. Neste sentido, poderemos mesmo afirmar que ela – a inspecção tributária – não existe por causa do princípio da legalidade, mas por causa do princípio da igualdade.

2.2 – Pressupostos legais da acção inspectiva: a legalidade, a proporcionalidade e a adequação.

Na verdade, o legislador da LGT e do RCPIT partiu da igualdade formal para atingir a igualdade material e, logo, da verdade formal para lograr a verdade material, sem prejuízo das garantias e dos meios de defesa dos administrados: cidadãos e empresas inspeccionadas.
Ou seja, a administração inspectiva no seu procedimento, sem estar, em princípio[2], condicionada ou limitada às iniciativas dos inspeccionados, usa do seu poder/dever inspectivo, investigatório, com vista à descoberta da verdade material e, nisso, tem de conter-se nos limites do que é “legal,” “proporcional” e “adequado”.
Com efeito, a inspecção tributária não desenvolve a sua acção prática, nem à mercê, nem ao critério dos responsáveis pela função inspectiva, nem à vontade pessoal dos seus agentes – inspectores tributários.

Está, ao contrário, legalmente conformada ou determinada na sua acção prática. Que o mesmo é dizer, o seu “modus fasciendi” está todo ele previsto e condicionado pela lei, pela consagração de vários princípios, entre os quais destacamos, com mais interesse para o nosso tema, o princípio da legalidade, da proporcionalidade e da adequação:

– O princípio da legalidade tributária

O art.º 8° da LGT enuncia este princípio consagrado na CRP nos termos acima referidos, mas de uma forma mais ampla e abrangente. Alarga as matérias que lhe devem obediência, nomeadamente, a definição dos crimes fiscais, o regime geral das contra-ordenações, bem como a liquidação e cobrança de tributos, incluindo os prazos de caducidade e prescrição; a regulamentação das figuras de substituição e responsabilidade tributária; a definição de obrigações acessórias; a definição de sanções legais sem natureza criminal e finalmente, as regras de procedimento e processo.
Ou seja, o âmbito desta norma do art.º 8° da LGT é de tal modo amplo que será difícil imaginar algo fora dele. A tese dos que só os quatro elementos essenciais do imposto (referidos no citado n.º 2 do art.º 103° da CRP) estavam sujeitos ao princípio da legalidade, está hoje definitivamente ultrapassada face a esta norma da LGT.
- O Princípio da proporcionalidade / da adequação.
Este importante princípio também ele conformador da acção inspectiva, tem o seu regime consagrado na CRP – artº 266°, 2; na LGT – artºs 55°, 59º e 63°, 3; no CPPT – art. 46° e ainda no RCPIT – artº 7°.
Os três grandes objectivos legais da inspecção que adiante veremos, não podem ser prosseguidos senão através de acções, que sejam elas a um tempo, para além de legais, adequadas à consecução desses objectivos e proporcionais ao que legalmente se pretende.
Ou seja, não pode a administração inspectiva, ao arrepio da lei, impor aos contribuintes obrigações e comportamentos que sejam eles, por um lado, inadequados e, por outro, excessivos, desnecessários ou inúteis, no todo ou em parte, ao fim inspectivo em vista.
Deve, assim, a administração tributária na pessoa dos inspectores adoptar o critério da justa medida dos sacrifícios em vista do interesse público prosseguido, perturbando o mínimo possível a actividade normal do contribuinte sob inspecção. Importa, por isso, ver agora


2.3 – Quais os objectivos legais da inspecção tributária
Quanto aos legais objectivos da inspecção tributária, será pertinente questionar o seguinte:
Para que existe ou para que serve a inspecção tributária? Quais os objectivos acolhidos na lei que, em concreto, justificam a sua acção legalmente condicionada nos termos acabados de ver?

A LGT no seu art.º 63° tem uma resposta genérica: preceitua que a inspecção abrange as diligências necessárias ao “apuramento da situação tributária dos contribuintes”.

Depois o RCPIT no seu art.º 2°, n.º 1, ampliando e desenvolvendo o estabelecido na LGT, dispõe que “o procedimento de inspecção tributária visa a observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infracções tributária”.
Atentando no conteúdo deste normativo descortinaremos sem qualquer dificuldade três dimensões ou objectivos essenciais:
A) – Observação das realidades tributárias, portanto, com existência ontológica, quer tenham sido declaradas, quer não tenham sido declaradas em parte ou mesmo no todo e, verificando-se esta última hipótese teremos, pois, a designada economia subterrânea, informal ou paralela como soi dizer-se. Não será tanto a designação que importa, mas e sobretudo a respectiva substância. Depois a,

B) – Verificação do cumprimento das obrigações tributárias, objectivo que emerge do anterior: só após o confronto da realidade com o declarado ou não declarado de todo, se poderá concluir pelo nível de cumprimento fiscal ou ausência parcial ou absoluta desse cumprimento fiscal. Por último a,

C) – Prevenção das infracções tributárias, terceiro e último objectivo da inspecção tributária que tem duas faces muito concretas: a de, concretizando os dois anteriores, por um lado, promover o sancionamento das infracções verificadas no passado e a de, por outro, evitar infracções futuras. Estará aqui bem evidente o fim da prevenção, especial e geral, das penas.



3. A investigação criminal fiscal e a judicialização da administração tributária (AT).

Gostaríamos de, neste ponto, deixar breves notas de apontamento sobre um pertinente conjunto de pressupostos legalmente consagrados.
Ou seja, sobre os procedimentos e processos, e sobre as opções do legislador quanto à investigação criminal fiscal por parte da administração tributária[3]. E assim:
A. Todos sabemos como o processo de inquérito criminal fiscal se esgota, via de regra, numa primeira fase, especial, do processo penal comum. Via de regra, porque na grande maioria dos casos, o que acontece é que o Mº Pº, nos termos dos artºs 43º e 44º do RGIT e 277º a 283º do CPP, ou acusa ou arquiva. Não pratica ou ordena sejam praticadas diligências complementares de prova, podendo fazê-lo, nos termos do nº2 do citado artº 43º.

Depois, atentando nos pressupostos essenciais dos crimes tributários e dos crimes fiscais tipificados no RGIT, não poderemos deixar de concluir que são uma subespécie da espécie de crimes económicos, socialmente importantes, face aos bens jurídicos que visam proteger.

Logo, sendo a administração tributária a entidade com competência reservada para praticar os actos tributários, é a ela que compete realizar a quantificação da vantagem patrimonial, ilicitamente obtida pelos arguidos nos processos de inquérito (mesmo naqueles casos em que não tem competência para a investigação criminal fiscal, nos termos da Lei nº 21/2000,10/8), vantagem essa que, as mais das vezes, condiciona a moldura penal a ter em conta na acusação e, depois, na eventual decisão judicial condenatória.

Por outro lado e coerentemente, não se verifica no inquérito criminal fiscal, o princípio da suficiência do processo penal comum[4], previsto no artº 7º do CPP, face ao preceituado nos nºs 2 a 4 do artº 42º do RGIT, podendo haver mesmo uma relação de prejudicialidade, nos precisos termos dos artºs 47º e 48º deste mesmo diploma. Ou seja, a suspensão do processo penal tributário, prevista nesta norma do artº 47º do RGIT, subsumir-se-á na excepção ao princípio da suficiência do processo penal prevista no nº 2 do citado artº 7º do CPP.

Quando, no âmbito e no início duma inspecção, por razões de oportunidade na salvaguarda das provas dos factos tributários e dos crimes fiscais, se verifique a suficiência dos indícios criminais (SIC), o que quase sempre acontece, devem haver logo dois procedimentos simultâneos: o da inspecção tributária e o da investigação criminal, articulados entre si e com a ventilação ou utilização recíproca das provas[5].

As provas dos factos tributários, objectivamente previstos nas normas de incidência dos respectivos códigos (CIRS, CIRC, CIVA, ETC,) e as provas dos crimes tipificados no RGIT são basicamente as mesmas.

Por outro lado, os agentes dos crimes, singulares ou colectivos, são via de regra, simultaneamente os sujeitos passivos dos impostos devidos por cujo pagamento são responsáveis originária ou subsidiariamente, sendo certo que a verdade material a descobrir é rigorosamente a mesma e atravessa e condiciona enquanto objectivo essencial, como sabemos, quer o procedimento inspectivo, quer o processo de inquérito criminal.

Veja-se que, nos termos do artº 10º da LGT, “O carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis”.

I. Depois, a mesma administração tributária deve observar (também) no procedimento inspectivo o disposto nos artºs 8º e 50º do RCPIT. Mas, como aí se estabelece:


Sem “ afectar o rigor, operacionalidade e eficácia que se lhes exigem” de tal modo que “ não há lugar a notificação prévia do procedimento de inspecção”, quando “o fundamento do procedimento for participação ou denúncia efectuada nos termos legais e estas contiverem indícios de fraude fiscal”.[6]

Isto é, o legislador em nome do rigor, operacionalidade e eficácia de actuação, sacrificou elementarmente, nos casos de suficiência de indícios criminais (SIC), o princípio da transparência e da colaboração recíproca, acolhido no artº 59º da LGT e nos artºs 49º e 51º do RCPIT.

Em situações de fraude económica fiscal, para além de ser pura ingenuidade, seria obviamente prejudicial, quer no plano da obtenção das provas indispensáveis à quantificação dos impostos devidos, quer no plano da recolha da prova dos factos probatórios do preenchimento dos tipos de crime de fraude fiscal, eventualmente cometidos.

Foi, assim, opção do legislador judicializar a administração tributária-DGCI, colocando-a na posição de responsável pela investigação dos crimes fiscais, embora na directa dependência do Ministério Público.

Ou seja, não através de casuística delegação do MºPº, processo a processo, mas por genérica presunção legal consagrada nos artº 40º e 41º, nº 1 alínea b) do RGIT, é deferida à administração tributária-DGCI[7] expressa competência para os actos de inquérito criminal fiscal, exactamente os mesmos que o MºPº pode delegar, nos termos do CPP, nos órgãos de polícia criminal.

Foi, assim, que o legislador do RGIT judicializou, para este efeito, a administração tributária, como extensão da magistratura do Ministério Público, fazendo-o, naturalmente, por especiais razões de ordem técnica-jurídica-tributária. Daí as estatuições sobre a assistência técnica da AT ao MºPº e sobre as comunicações à AT em qualquer fase do processo das decisões finais do mesmo, nos termos do artº 50º do RGIT.


4. Situações de inevitável tributação indiciária. Os critérios legais da prova indiciária

São frequentes as situações em que, no plano do procedimento inspectivo, não houve como não há qualquer alternativa legal que não seja a aplicação de métodos indirectos de avaliação da matéria tributária, face à fundamentada insuficiência e incorrecção do sistema de informação das empresas.

Ou há simples vestígios ou elementos dum sistema de informação – contabilidade ou mera escrita – muito flexível e sempre pronto a ajustar-se à medida do que é conhecido pela AT, ou ele existe efectivamente, porventura imaculado do ponto de vista formal, mas o seu conteúdo é completamente desconfirmado pelas provas e/ou indícios recolhidos a montante ou a jusante da empresa objecto de inspecção.
Estamos, pois, em qualquer das hipóteses, face a casos de economia informal, paralela ou subterrânea, efectivamente desenvolvida, com a clara intenção (dolo) de se subtrair à tributação.
Estima-se que esta economia informal representa em Portugal 22,5 % do PIB, mais do que generalidade dos países da OCDE, tanto quanto em Espanha, menos do que em Itália (27%) e na Grécia (28,5%).
A média não ponderada da economia paralela nos países da OCDE era em 2002 de 16,7% do PIB, valor que não tem parado de subir. Por exemplo, em Portugal segundo a mesma fonte[8], ela era de 15,9% em 1990, tendo subido para 22,5% em 2002.

Nestas situações de ostensiva ou dissimulada economia paralela, a inspecção tributária não tem outra saída legal[9] que não seja, observando os já referidos princípios legais e todo o regime dos artºs 81º a 85º da LGT que aqui damos por reproduzido, a utilização ou o recurso à tributação indiciária, procedimento tão legal, entendamo-nos, quanto o da tributação através da avaliação directa resultante dum idóneo sistema de informação da empresa.
Sabemos, é certo, que o procedimento da avaliação indirecta é sempre de carácter subsidiário em relação à avaliação directa que visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação[10] (LGT 81º,nº 1 in fine e artº 85º nº 2), mas isso não significa que a inspecção tributária não tenha de o aplicar, quando o mesmo surja como última ratio, ditada pela lei, face ao interesse público da tributação.

Na verdade, estabelece o nº 2 do artº 83º da LGT que a “…avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha “ (o sublinhado é nosso), sendo certo que, nos termos do artº 72º da mesma Lei Geral “O órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito. “

Depois o legislador nos termos do nº 3 do artº 74º da mesma LGT, parece ter sido suficientemente claro quando estabeleceu o regime da repartição do ónus da prova nos casos de aplicação dos métodos indiciários quando estabelece que:
“Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação “.

Isto é, tem a administração tributária de provar a existência dos pressupostos legais da aplicação do método de avaliação indirecta e o contribuinte terá à sua conta o encargo de provar que a quantificação do valor tributável encontrado é excessivo.

Das várias hipóteses acolhidas na LGT em que é lícito à inspecção lançar mão dos métodos indirectos de avaliação da matéria tributável, vamos aqui abordar apenas duas, justamente aquelas que passam por:
· Não haver sistemas de informação (contabilidade ou escrita) digno desse nome ou;
· Haver sistemas de informação com omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados e, por isso mesmo, não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.

Estas duas situações acontecem com muita frequência, como não pode deixar de ser face ao aumento da economia paralela na OCDE e particularmente em Portugal.

As duas representaram mais de 90% dos casos de tributação indiciária em 2005[11], tendo aumentado cerca de 35% em 2006 e o essencial do seu regime jurídico, está claramente previsto nas normas dos artºs 75º, 87º e 88º da LGT.


Com efeito, se é certo que se presumem “…verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal “ (75º,1 da LGT);

Não é menos certo que essa presunção de verdade e de boa-fé já não se verifica quando essas “… declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo…” e o “… contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações” (alíneas a) e b) do nº2 do citado artº 75º).

Sabemos que a avaliação indirecta só pode aplicar-se nos casos previstos no artº 87º da LGT e, (relevante para as duas hipóteses aqui abordadas), a sua alínea b) autoriza essa aplicação quando existir:

“… Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”,
Sendo certo que essa impossibilidade pode resultar, nos precisos termos das alíneas a) a d) do artº 88º da LGT a seguir transcritas, das anomalias e incorrecções quando as mesmas inviabilizem o apuramento da matéria tributável;

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; (Confrontar com o conteúdo das alíneas do nº1 do artº 103 do RGIT).

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada. ”


Em qualquer uma das duas hipóteses (inexistência, na prática, de contabilidade ou existência de contabilidade desconfirmada), subsumíveis na previsão da alínea a) acima transcrita, a inspecção tributária terá de:
Ø Verificar directamente os factos pressupostos legitimadores do recurso aos métodos indirectos, especificando os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável (77º,4 da LGT);
Ø Cruzar informações disponíveis a montante e a jusante da empresa inspeccionada (e mesmo nesta se tem algum sistema de informação[12]) e juntar as provas possíveis;
Ø Aplicar um ou mais dos critérios previstos no artº 90º da LGT que aqui se dão por reproduzidos e
Ø Chegar a valores tributáveis, naturalmente queridos pelo legislador e que serão os mais próximos dos valores reais;
Ø Explicar e fundamentar tudo (77º,1 da LGT) em relatório e seus anexos documentais, elaborado nos precisos termos do artº 62º do RCPIT.
Ø Relatório este que, sendo um suporte técnico elaborado por uma entidade competente em razão da matéria – a inspecção tributária (61º e 63º da LGT e artºs 16º e ss do RCPIT), serve duas finalidades:
- No plano inspectivo, de suporte à prática dos actos tributários e,
- No plano do processo de inquérito criminal (ao qual é junto como anexo ao parecer fundamentado a que se refere o artº 43º, nº 3) servirá também à quantificação da vantagem patrimonial indevida, indispensável à acusação e, depois, à eventual pronúncia e condenação dos arguidos no mesmo processo.

Feito isto nos termos da lei aplicável, terá a administração tributária chegado a um importante e vasto conjunto de provas indiciárias ou por presunções, cuja análise teórica e conceptual, por razões de tempo, espaço e qualidade dos destinatários, aqui nos dispensamos de abordar.
Diremos apenas que, exactamente por serem provas indiciárias ou por presunções, não são provas directas, redondas, inquestionáveis, sobretudo se relativas a prestações imateriais[13], mas ainda assim as possíveis e as queridas pelo legislador como solução para casos extremos de economia paralela em parte ou no todo, voluntariamente desenvolvida pelos agentes económicos e cujos efeitos jurídicos nos parece, elementarmente, não poderão deixar de lhe ser imputados, quer no plano do procedimento inspectivo, quer no plano do processo penal.
Mas, que nos seja permitido fazer, aqui e agora, rápido cotejo entre os conteúdos dos quadros normativos que permitem lançar mão da tributação indiciária, acabados de mencionar, e o conteúdo factual acolhido nos tipos de ilícito criminal da fraude fiscal.
Valerá a pena fazer, ainda que muito sumariamente, este confronto ou comparação.

5. O conteúdo dos tipos de ilícito de fraude fiscal, simples e qualificada

Como sabemos o artigo 103.º do RGIT tipifica a fraude fiscal (simples) nos seguintes termos:

1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros[14] de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável; (Confr. esta alínea bem como as seguintes com as alíneas a) e b) do artº 88º da LGT).
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
2 - Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15000.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.

Se bem atentarmos nas condutas ilegítimas aqui referidas, isto é, nos comportamentos genericamente descritos nas alíneas do nº 1 desta norma, nos daremos conta de que são justamente aquelas que de modo claro manifestam uma intenção defraudatória e que levaram e levam na prática de muitas empresas: - que não haja qualquer registo contabilístico ou,

- que alguns desses registos não existam com o fim de ocultar a verdade material dos negócios da empresa perante terceiros, nomeadamente perante o Estado credor fiscal e, por isso, não foram declarados à administração fiscal, no todo ou em parte.

Atente-se particularmente no conteúdo da alínea b) do artº 88º da LGT acima transcrita.
Vem depois o mesmo RGIT no artº 104º tipificar a fraude fiscal qualificada nos seguintes termos:

1 - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:
a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;
e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;
f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;
g) O agente se tiver conluiado com terceiros com os quais esteja em situação de relações especiais.
2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.
3 - Os factos previstos nas alíneas d) e e) do n.º 1 do presente preceito com o fim definido no n.º 1 do artigo 103 .º não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.

Como sabemos, esta norma do artº 104º transforma a fraude simples em fraude qualificada sempre que se verifiquem, pelo menos, duas das circunstâncias aqui referidas, agravando a moldura penal, com todas as consequências legais, nomeadamente ao nível da
- prescrição do procedimento penal ( artº 21º,2 do RGIT e artº 118º do CP) e ao nível
- da eventual dispensa ou atenuação especial da pena ( artº 22º e 44º do RGIT).

O nº 2, por sua vez, estabelece (e bem) que esta pena agravada seja aplicada também aos casos em que a fraude se realize através do conhecido mecanismo, para não dizer chafurdeiro, das facturas falsas.





6. O princípio da verdade material no direito tributário e no direito penal, a indisponibilidade da relação jurídica e o princípio da suficiência do processo penal.

Como acima e de passagem já referimos, os princípios da verdade material e do inquisitório (artºs 55º e 58º da LGT e art.º 50° do CPPT,) são eles razão de ser, objectivo e instrumentos conformadores da acção da inspecção tributária.

E tais princípios não são mais do que desenvolvimentos da sua consagração jurídica na CRP – artº 266°, n.ºs 1 e 2, emergindo aqui, implicitamente, dos princípios da igualdade e da imparcialidade administrativa, de modo muito particular se esta for tributária.

Depois, ao contrário do que acontece no direito civil em que a relação jurídica é, via de regra, disponível e, logo, o julgamento estará condicionado pela prova trazida pelas partes para os autos, valendo, pois, aqui o princípio da verdade formal, ao contrário disso, dizíamos, valerá a pena lembrar que no direito tributário a relação jurídica é indisponível.

Com efeito, nos termos do nº2 do artº 30º da LGT, “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”.

E os “… elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes”, sendo certo que a “… administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei”.
Por outro lado, “ A qualificação do negócio jurídico efectuada pelas partes, mesmo em documento autêntico, não vincula a administração tributária” (LGT 36º, nºs 2 a 4).

Ora é justamente este mesmo princípio da verdade material e da indisponibilidade da relação jurídica tributária que se verifica também no direito penal e processual penal e, também por isso nos parece que a norma do artº 47º do RGIT se enquadra perfeitamente, não na regra do princípio da suficiência, mas na excepção dessa regra prevista no nº 2 do artº 7º do CPP.



E esta solução legal nos parece justificada, coerente, diremos mesmo elementar e porquê?

Porque nos dois processos judiciais ali referidos (47º RGIT) – proº de impugnação e proº de oposição – se verificam três aspectos relevantes também para o processo penal. Vejamos:
1º) A relação jurídica é indisponível,
2º) Estão submetidos ao princípio da descoberta da verdade material (55º e 58º da LGT) [15] e,
3º) Tais processos passam a ter a natureza de urgentes (47º,2 do RGIT).

Tendo em conta estes três aspectos e ainda a permissão consagrada no nº 5 do artº 86º do CPP, pensamos nós, pode e deve o juiz (1º, 1 b do CPP) do processo principal (Impugnação/oposição fiscal), solicitar as provas eventualmente já recolhidas no inquérito criminal fiscal, para que melhor possa apreciar e decidir o processo da sua responsabilidade.

Importará que o juiz do processo principal (impugnação/oposição) também submetido ao princípio do inquisitório e da verdade material aceda (possa legalmente aceder) a todas as provas e usar todos os meios legais para lá chegar. Disso (e só disso) depende a qualificação criminal dos factos (ver 48º do RGIT).

Chegados aqui, será ocasião de vermos dois casos práticos em que no plano inspectivo, num deles a administração tributária aplicou, inevitavelmente, métodos indirectos de avaliação da matéria tributável e, no outro, apenas correcções técnicas ou meramente aritméticas[16].

Em qualquer deles houve processo de inquérito criminal fiscal como legalmente não pode deixar de ser, cujo resultado final foi muito diferente.
Por razões óbvias vamos ser telegráficos, não deixando notas que levem à violação do sigilo profissional fiscal ou do segredo de justiça legalmente previstos.


7. A tributação indiciária e por correcções técnicas, versus decisão final dos processos de inquérito por crime de fraude fiscal: 2 casos práticos em confronto.

Temos presentes dois entre muitos casos em que, no plano do procedimento inspectivo, não houve e não há alternativa legal que não fosse ou não seja a aplicação de métodos indirectos de avaliação e de correcções técnicas. Lembramos que o procedimento administrativo tributário está (e bem) todo ele estritamente vinculado à lei.
Vejamos então, resumidamente,

UM CASO PRÁTICO DE TRIBUTAÇÃO INDICIÁRIA, VS PROº DE INQUÉRITO POR FRAUDE FISCAL

A empresa X Lda, existindo juridicamente no espaço nacional e no cadastro fiscal da DGCI, através da sua gerência, desenvolveu actividade económica informal que, na maior parte do volume dos seus negócios, podemos qualificar de subterrânea ou paralela já que, nessa medida, deles não fez quaisquer registos contabilísticos;
Indicou na declaração de início de actividade à DGCI um TOC mas a quem, alegadamente, não paga a tempo e horas e a quem não entrega uma grande parte dos documentos para contabilizar.

Procura comprar e vender sem documentos, portanto no circuito da economia paralela.
Mas quando nas situações em que não pode, de todo em todo, deixar de comprar e vender com documentos por exigência dos fornecedores e clientes, de tais operações só uma pequena parte é objecto de registos contabilísticos.

Não cumpre, pois, a grande maioria das suas obrigações contabilísticas ou fiscais, quer acessórias, quer principais.

Dispensamo-nos de indicar aqui a bateria de normas jurídicas ostensivamente violadas dos Códigos do IRC, do IRS, do IVA, do SELO, etc.

Perante o conhecimento de um caso destes, não tem como não teve a administração tributária outra alternativa que não fosse:


- No procedimento inspectivo, aplicar métodos indirectos de avaliação da respectiva matéria tributável, previstos nas normas da LGT e do RCPIT acima indicadas e,
- No procedimento penal, dar início a um processo de inquérito criminal, por fraude fiscal, imediatamente comunicado ao MºPº competente (40º,3), face à suficiência dos indícios criminais por parte das condutas dos agentes, genericamente descritas e tipificadas no artº 103º do RGIT.

Foi entretanto recolhida e junta a prova documental possível junto das entidades públicas e privadas e bem assim a prova pessoal pertinente: depoimentos de testemunhas e declarações dos arguidos.
Com efeito,
Era praticamente inexistente o sistema de informação, digno desse nome, da empresa inspeccionada. Era patente a insuficiência e as muitas incorrecções da contabilidade da mesma.
Todo o regime da LGT dos artºs 81º a 85º foi, in casu, observado e os pressupostos legais dos artºs 87º a 88º foram escrupulosamente cumpridos.
Ou seja:
· Foram verificados directamente os factos pressupostos, legitimadores do recurso aos métodos indirectos;
· Foram cruzadas informações disponíveis a montante e a jusante da empresa X Lda. inspeccionada e nela mesma, na medida do que foi possível, tendo sido recolhidas e juntas as provas pessoais e documentais possíveis;
· Foram escrupulosamente aplicados os critérios previstos no artº 90º da LGT que aqui se dão por reproduzidos, quer do lado dos proveitos, quer mesmo do lado dos custos[17] e
· Chegou-se a valores tributáveis e a valores de imposto a pagar, conseguidos através dum procedimento legal quer ao nível dos métodos, quer ao nível dos critérios, quer ao nível das contas e cálculos efectuados, resultado que – entendemos nós – só pode ser o querido em abstracto pelo legislador e que, no caso, terá sido o mais próximo dos valores reais;
· Explicou-se e fundamentou-se tudo, observando o disposto no artº 77º da LGT, em relatório e seus anexos documentais, elaborado nos precisos termos do artº 62º do RCPIT.

· Notificou-se o mesmo para o eventual recurso ao procedimento de revisão nos termos do artº 91º e ss da LGT, sem qualquer resultado prático.

Este relatório, sendo um suporte de informação técnica, elaborado por uma entidade competente em razão da matéria – a inspecção tributária (61º e 63º da LGT e artºs 16º e ss do RCPIT) – está dotado da força probatória que lhe é atribuída pela norma do artº 76º, nº1 da LGT e serviu, naturalmente
- No plano inspectivo, de suporte à prática dos actos tributários e,
- No plano do processo de inquérito criminal (ao qual foi junto como anexo ao parecer fundamentado a que se refere o artº 43º, nº 3 do RGIT) serviu, também, à quantificação da vantagem patrimonial indevida, indispensável à acusação e, depois, à pronúncia dos arguidos no mesmo processo.

E qual foi a sorte final deste processo de inquérito criminal?
Não obstante o esforço de investigação e de recolha da prova possível junta aos autos, foram ainda assim os arguidos acusados dos crimes de fraude fiscal pelo MºPº.

Foram depois judicialmente pronunciados pelo Juiz e, no final, absolvidos! Porquê?

Porque, segundo o essencial da fundamentação da douta decisão judicial, “ . . . a administração tributária, tendo o dever de recolher a prova directa dos factos, não o conseguiu,. . . tanto mais que teve de lançar mão dos métodos indirectos de avaliação da matéria tributável. . “. Como se isso fosse algo de extra leguem ou de uso discricionário por parte da administração tributária e não fosse ou não tivesse que ser necessariamente imputável aos arguidos a responsabilidade de não ter contabilidade credível.
Não conseguimos compreender e, por isso, aceitar o essencial da fundamentação de tal aresto judicial, face ao expendido nestes apontamentos, nomeadamente, sobre o regime jurídico da repartição do ónus da prova (artº 74º, 3 da LGT). Dispensamo-nos, pois, de grandes considerações ou comentários.

Sabemos da existência do princípio da subsidiariedade do artº 85º da LGT, no caso observado, mas, na parte da ausência de registos contabilísticos, não pode o mesmo aplicar-se, por impossível.

Se não existe sistema de informação digno desse nome (contabilidade ou escrita) ou este existe mas não traduz minimamente a verdade material da empresa, a culpa disso não será dos gerentes, administradores, directores, arguidos nos autos, sob a forma de dolo ou mera negligência?

Vejamos agora, por confronto ou comparação um

CASO DE TRIBUTAÇÃO APLICANDO CORRECÇÕES TÉCNICAS OU MERAMENTE ARITMÉTICAS, VS PROCESSO DE INQUÉRITO CRIMINAL POR FRAUDE FISCAL

A empresa Y Lda, existe juridicamente no espaço nacional e consta no cadastro fiscal da DGCI tendo, através da sua gerência, desenvolvido determinada actividade económica.

Tem efectivamente um TOC a quem paga e a quem entrega os documentos para contabilizar, com excepção de um ou outro documento que arrisca omitir à contabilidade e, logo, à tributação.

Cumpre, pois, algumas, senão uma boa parte, das suas obrigações contabilísticas e fiscais, acessórias e principais.

Porém, a administração tributária descobriu na contabilidade de dois dos seus clientes, 6 facturas da empresa Y Lda, aí contabilizadas no valor global aproximado de 100 000 €, de transacções efectivamente efectuadas e omitidas à sua contabilidade. Logo, aos respectivos proveitos e assim à tributação.

Conhecidos os factos e face à clara violação das normas legais infringidas, nomeadamente do CIRC e do CIVA que aqui nos escusamos de indicar e colhidas as provas directas desses mesmos factos o que é que, resumidamente fizemos?
- No plano inspectivo, não necessitámos lançar mão do recurso a métodos indirectos de avaliação nem a lei nos permite tal procedimento. Não foi desconsiderada a contabilidade, apenas aplicámos a correcção técnica ou meramente aritmética da matéria colectável, na medida do valor omitido e documentalmente provado;
- No plano penal, agimos de conformidade com o previsto no RGIT e, em concreto, com o tipo de ilícito criminal, previsto no citado artº 103º do mesmo diploma, dando início a um processo de inquérito criminal fiscal logo comunicado ao magistrado do MºPº competente, juntando aí, para além dos depoimentos das testemunhas e declarações dos arguidos, os instrumentos do crime colhidos para o efeito,

- Junto dos 2 clientes: a)- cópias autenticadas das 6 facturas, b) provas da sua efectiva contabilização e c) extractos,(positivos nessa parte) das contas-correntes dos respectivos fornecedores ( Soc. Y Lda);
- Junto da sociedade arguida Y Lda: a) extractos das contas correntes dos seus clientes (negativos nessa parte), e, por fim, cópia da versão final do relatório de inspecção.

E qual foi, neste caso, o desfecho final deste processo de inquérito criminal?

Porque existiam as provas directas, redondas, inquestionáveis, dos factos que a administração fiscal se limitou a recolher e a incluir no processo de inquérito, os arguidos[18] foram acusados com segurança e determinação, judicialmente pronunciados, julgados e, por fim, condenados. Porquê?

Porque entendeu o poder judicial que os arguidos, face ao que vem provado, “… bem sabiam que tal conduta omissiva era crime e que, ainda assim, agiram conformando-se com o resultado. . .“, etc, etc.

O resultado deste caso não foi para nós nada surpreendente. Achámo-lo normal. Diremos, óbvio.

Porém, do confronto com o resultado do caso anterior, resultará medianamente clara a hesitação do poder judicial quando tem de lidar com a prova indiciária em direito fiscal e direito penal fiscal.

Dispensamo-nos, pois, aqui de quaisquer outros comentários ou considerações.

À excepção de um, porque os resultados práticos atingem inexoravelmente o princípio da verdade material que temos por conformador da nossa acção, quer no plano da inspecção, quer no plano da investigação.

É que, quando acontecem omissões aos proveitos e, logo às contabilidades, de valores relativamente elevados (por exemplo, mais de 50% do volume das vendas ou serviços prestados) de facturas verdadeiras (ou mesmo de favor – falsas) e, por causa dos resultados dos processos-crime, se tributarmos, não através de métodos indiciários, mas através de correcções técnicas considerando na contabilidade o respectivo valor, estaremos a violar inevitavelmente aquele princípio.

Para esta conclusão bastará conferir a enorme taxa de rentabilidade fiscal assim obtida e compará-la à taxa média do sector em causa, quando, por aplicação dos critérios do artº 90º da LGT, no âmbito dos métodos indiciários, tal não aconteceria.


8. Reflexões finais:
Ø Os efeitos da absolvição ou ausência de penas, nos casos de economia informal, paralela ou subterrânea.
Ø Poderá a administração tributária fazer mais, melhor ou diferente ao nível de recolha da prova dos crimes, quando inevitavelmente tributa por métodos indiciários?
Ø Poderão os magistrados do Ministério Público e magistrados Judiciais, munidos de mais informação especializada sobre esta matéria, hesitar menos sobre a prova indiciária?

Perante o epílogo bem diferente de cada um destes dois casos, respigados de entre muitos outros da nossa experiência, que nos seja permitido, em jeito de reflexão final partilhada com os auditores de justiça participantes deste seminário, questionar:

¨ Pressupondo o fim das penas, quer no plano da reintegração social dos delinquentes dos crimes de fraude fiscal, quer no plano da prevenção geral, quer no plano da prevenção especial, não se estará, com reiteradas absolvições como a do primeiro caso, a promover a economia paralela e o “alcaponismo militante”, com os prejuízos que isso tem para o Estado de Direito Social?

¨ Não ficam por essa via os agentes dos crimes de fraude fiscal a saber, com toda a segurança, que as consequências de não ter contabilidade que valha como tal, são bem menos graves do que tê-la, porventura com algumas imperfeições ou omissões, situações em que provavelmente serão condenados?
¨ Como pode exigir-se à administração tributária, entidade administrativa judicializada para o efeito, a produção e recolha da prova diabólica, directa, de factos, negócios ou transacções de que não houve forma, rasto ou registo contabilístico?

¨ Se isto acontece assim com as provas documentais ainda subsistentes, não existirão maiores dificuldades e hesitações num tempo de acelerada substituição daquelas, por provas digitalizadas no crescente comércio electrónico de bens e serviços?

¨ Não será o método da tributação indiciária, quando legal e casuisticamente aplicado, a solução para este problema de fraude fiscal crescente em Portugal, pela via da economia subterrânea?

¨ Para não assistir à impunidade dos arguidos em muitos destes processos, terá entretanto a administração tributária de arrepiar caminho nos casos de aplicação dos métodos indirectos de avaliação da matéria tributável e não proceder criminalmente, apesar da fraude tipificada nos termos dos artºs 103º e 104º do RGIT, mas tão só e apenas no plano das contra-ordenações previstas, residualmente, nos artºs 118º[19] e 119º do RGIT?

¨ Mas, porque previstas “residualmente”, não representará esse procedimento uma grosseira interpretação e aplicação, para não dizer, violação do RGIT?

Por último,
A propósito destas reflexões finais, não resistimos a transcrever parte da intervenção do responsável da DIAP de Coimbra, Dr. Euclides Dâmaso, divulgada In o jornal “ Público” de 1.11.2005, Ano XVI, Nº 5699.

Sobre esta matéria teria dito o Sr. Dr. Euclides:
“…talvez mercê da sua impreparação ou falta de especialização, os operadores judiciários (julgadores em particular) manejam mal os critérios da “prova indiciária ou por presunções” e “ barricam-se” fatalmente na exigência de “prova directa” arrasadora de qualquer pretensão punitiva no domínio da corrupção e dos crimes de colarinho branco em geral…” ”… abstêm-se, quando podiam aprofundar investigações ou acusar, despronunciam, quando deviam pronunciar, ou absolvem, quando deviam condenar, abrigando-se à sombra do princípio in dúbio ao primeiro assomo de incompreensão”.
Por aqui nos ficamos de apontamentos sobre “ A inevitável tributação indiciária e a prova do crime de fraude fiscal ”.
Lisboa, Junho de 2007
Mário Januário
Director de Finanças



[1] Ninguém sabe tão pouco que não tenha para ensinar, nem tanto que não tenha para aprender.. .
[2] Esta é a regra. Existe, todavia uma excepção quanto à inspecção a pedido dos contribuintes, cujo regime jurídico se encontra no DL nº 6/99, de 8 de Janeiro.
[3] Sem esquecer naturalmente a repartição de competência para a investigação criminal fiscal entre a DGCI e a Polícia Judiciária efectuada pela nº 21/2000, de 10/8 com base nos três pressupostos aí acolhidos, actualizados pela lei do OE2007.
[4] Na base deste princípio está, como sabemos, o fundamento de que a sua falta poderia pôr seriamente em risco as exigências de concentração e de continuidade processual, mediante a sua fracturação ou mesmo paralisação, perante a existência ou a criação artificial de obstáculos ao exercício da acção penal e do “jus puniendi” do Estado. Ver, neste sentido, Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, 1981, pág.s 163 e ss.
[5] Não ignoramos quem pensa que tal procedimento sacrificará o princípio do segredo de justiça. Todavia, sobre isso lembramos, (para além do que emerge do texto) que os inspectores tributários e investigadores criminais da DGCI, para além de submetidos ao dever de sigilo profissional (64º LGT) cuja violação preencherá tipos de ilícito criminal e contra-ordenacional (91º e 115º do RGIT), estão também sujeitos ao segredo de justiça do CPP (86º), enquanto elementos do órgão de polícia criminal com competência delegada op legis para a investigação criminal fiscal, nos termos dos artºs 40º e 41º do RGIT.
Mas, no sentido da ventilação recíproca das provas inter procedimento inspectivo e processo de inquérito criminal fiscal, ver por todos o acórdão do TCASul de 20.9.2005, in Rec. Nº318/04. Existem também vários casos, bem recentes, de processos ainda em investigação, em que o MºPº, através da PJ, nos remete os elementos probatórios relevantes colhidos nos processos penais fiscais para que os possamos usar no procedimento inspectivo e na quantificação da vantagem patrimonial indevida, imprescindível para a acusação. Não haverá outra solução (não nos parece que haja…), dada a natureza do crime e a competência reservada da AT para a liquidação, notificação e cobrança dos impostos.
[6] Está patente neste quadro legal uma excepção ao princípio da administração aberta e da colaboração dos contribuintes previsto no artº 59º da LGT e 49º e 51º do RCPIT, excepção esta perfeitamente harmónica com o direito ao silêncio dos arguidos nos processos de inquérito criminal fiscal nos termos do artº 61º, nº 1 c) do CPP.
[7] Tal competência é ali deferida a várias entidades, mas só daquela que é deferida à DGCI aqui tratamos, naturalmente.
[8] Fonte: Friedrich Schneider, Size and measurement of the informal economy in countries around the world.
[9] É que o problema nem se coloca em termos de faculdade ou oportunidade na aplicação dos métodos indiciários.
Face ao interesse público da tributação, tem de, nos casos previstos na lei e aqui abordados, aplicar tais métodos.
[10] Os idóneos sistemas de informação das empresas, quando existam, estão dotados duma presunção de verdade material nos termos do nº1 do artº 75º da LGT, presunção legal essa que desaparece, de todo, ou fica condicionada, nos casos previstos nos nºs 2 e 3, respectivamente, da mesma norma legal.
[11] As hipóteses das alíneas c) a f) do artº 87º representam os casos residuais de aplicação dos métodos indirectos de avaliação da matéria tributável.
[12] Por força do princípio da subsidiariedade previsto no artº 85º,1 da LGT.
[13] Sabemos todos como as dificuldades probatórias aumentam exponencialmente quanto a factos negativos ou prestações imateriais: as provas da construção duma fábrica p. e., só porque ela existe ostensivamente, serão bem mais fáceis e directas do que, p. e. as provas da alegada execução efectiva dum contrato de prestação de serviço no âmbito do “planeamento fiscal agressivo” e nas áreas do import-export, estudo de mercados, apoio à gestão e . . . quejandos.
[14] Sabemos que a simples inexistência destes livros de contabilidade, sem a ocorrência dos factos de ocultação ou alteração aqui tipificados, será apenas contra-ordenação prevista no artº 120º do RGIT.
[15] Veja-se que a falta de contestação especificada dos factos alegados pelo impugnante não representa confissão (110º,6 do CPPT). Ver, no mesmo sentido, a norma do artº 78º,3 do CPP e todo o regime da prova nos termos dos artºs 124º e ss do mesmo diploma.
[16] Ver, por exemplo o nº 14 do artº 91º da LGT que desaplica o procedimento de revisão da matéria tributável quando há correcções técnicas, visto que este procedimento se aplica particularmente aos casos em que a matéria tributável é encontrada por métodos indiciários.
[17] Por força do princípio da tributação do lucro real ou o mais real possível. . .
[18] A pessoa colectiva e dois gerentes pessoas singulares, nos termos do artº 7º, nº 3 do RGIT
[19] A conduta proibida nestas normas não é, como sabemos, a grave ocultação ou alteração de factos ou valores aos livros de contabilidade, pressuposta na economia subterrânea, mas tão só e apenas a viciação ou alteração dum documento ou de documentos fiscalmente relevantes que não esteja subsumida na previsão do art. 103º e em que não haja dolo específico exigido pelo nº1 deste artigo.